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FERREIRA NETTO, W. Lingüística e Educação Indígena. In: SEMINÁRIO DO GEL, 20, 2002, São Paulo. LINGÜÍSTICA E EDUCAÇÃO INDÍGENA

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LINGÜÍSTICA E EDUCAÇÃO INDÍGENA Waldemar FERREIRA NETTO (USP)

ABSTRACT: Descriptive linguistics could also be applied to indigenous education. Main focus of this approach is the necessity to acquire an instrument that makes possible the access to knowledge of other societies. Native languages descriptions may be not tied up to theoretical questions, but with instantiation necessities of schoolroom. KEY-WORDS: native language; school; education; minority language

Em um trecho do texto transcrito de Chomsky (1997) quando esteve no Brasil, ele discutia a propósito de qual é o melhor modelo para a descrição lingüística.

Se você tomar o português ou uma das língua indígenas do Brasil você pode interessar-se em estudá-la por muitas razões diferentes. Talvez o seu interesse seja preservar a língua porque os seus falantes estão morrendo. OK, isto é muito importante. Possivelmente o seu interesse seja ajudar a tornar a cultura da comunidade disponível para as pessoas que vivem nela. [...] Se o seu interesse é tentar contribuir para a teoria geral da linguagem você provavelmente colocaria outras perguntas e faria um outro tipo de trabalho. Mas não há respostas sobre qual seja a maneira certa de fazer isto. Há muitas maneiras corretas, dependendo de qual a questão sobre a qual você está trabalhando.

Se não estou enganado, minha leitura do trecho acima, me faz entender que Chomsky propõe que o melhor método/modelo teórico será aquele que melhor servir aos fins últimos da pesquisa que se empreende. Creio que nossa proposta de trabalho, que vincula a lingüística à educação indígena, estaria mais ou menos próxima do que Chomsky acima diz a respeito de ajudar a tornar a cultura da comunidade disponível para as pessoas que vivem nela. Não seria exatamente isso, a proposta seria algo como ajudar a tornar a cultura de nossa comunidade disponível para as pessoas que precisam compreendê-la. Posso, sem nenhuma dúvida descartar as outras propostas pois nem os Waiãpi, nem os Zo’é, nem os Timbira, nem os Guarani, nem os Terena estão morrendo, também não tenho nenhum interesse em contribuir para a teoria geral da linguagem, isto é, não há nenhuma razão para pensar que temos de obter resultados surpreendentes, capazes de revolucionar o que quer que seja. Entendo que a compreensão da fonologia, a morfologia, a sintaxe, dentre as inúmeras possibilidades, apenas contribuirá para que saibamos como tornar a a cultura de nossa comunidade disponível para os Wajãpi, Zo’é, Timbira, Guarani e Terena.

Como a cultura de nossa comunidade passa necessariamente pelo conhecimento da língua portuguesa, parece-me necessário que saibamos como funciona o Português para que possamos fazê-los compreendê-lo (É assim essa sintaxe? Onde eu ponho o objeto do compreender?) Entretanto, e isso é um pormenor bastante sério, tenho para mim que não é o Português que eles querem aprender, mas todo um conjunto de conhecimentos que são estranhos a eles, isto é, desde o funcionamento de um

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interruptor de luz até o mecanismo que gera energia pelas placas solares que devem estar sendo compradas, ou desde a evaporação espontânea do álcool até o princípio ativo da aspirina que, misteriosamente, baixa a febre e elimina a dor e assim em diante.

Como a língua portuguesa é um “meio do caminho” para a compreensão desses fatos todos, é fundamental que eles consigam ter dela um certo domínio. Entretanto, apesar dos muitos anos de escolaridade e de cursos de formação de professores Wajãpi, eles, os professores mais adiantados escrevem:

Eu intendo assim: Incêndios acontece quando combustível está junto.

Tem vários tipos de incêndios: Tem material que fabricado na cidade pega fogo como helétrico, carro, bateria pega fogo quando encosta com fil negativo, positivo. Tem também incêndio de Petróleo pega fogo quando toca fogo nela. Madeira tambem incêndio.

Para pagar fogo:

Quando pedaço de madeira que estão queimando dá para apagar com a água do rio. Quando fogo pega numa roça grande por exemplo: numa roça grande não apaga sozinho. Ele mesmo se apaga sozinho quando as folhas, galhos ou madeira queima todos.

Quando pega fogo no fil helétrico não dá para apagar com a água e nem com a mão. Tem que apagar somente com a terra ou com extintor. Tem

próprio para apagar isso, foi fabricado pelo homem. Gasolina quando pega

fogo não dá para apagar com a agua, porque vai só espalhar fogo. Por isso que tem que apagar somente com a terra ou com areia.

Tem incêndio do fogo que da para apagar com a mão. Quando a vela estão acendendo dá para apagar com a mão.

Há, no texto, uma série de dificuldades notáveis. Não se trata de um assunto que eles desconhecem, pois foi amplamente discutido durante as aulas, eles tinham as apostilas que tratavam desse assunto e, efetivamente, utilizaram-nas para escrever esse texto. Que eu me lembre, meu primeiro curso para os Wajãpi foi em 91. Desde então, houve cursos regulares, além da escola regular de 1º Grau que eles freqüentaram e, ainda, um contato muito grande com falantes e “escreventes” do português. 10 anos de contato e de aprendizagem de língua portuguesa oral e escrita parece-me que teria sido suficiente para a produção de textos com outro perfil. Nesse texto não há problemas fonológicos salientes. Mesmo as dificuldades ortográficas, quando há, são bastante simples: helétrico por elétrico, fil por fio, pagar por apagar, intendo por entendo, agua por água, tambem por também, e alguma outra coisa. Cada uma dessas dificuldades parece ter um motivo bastante plausível para ocorrer: hipercorreção no caso de helétrico e de fil, transcrição da fala no caso de pagar e de intendo, convenções ortográficas no caso de agua e de tambem, etc.

Ainda há outras dificuldades, por exemplo: 1. incêndio do fogo,

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3. Quando pedaço de madeira que estão queimando dá para pagar com a água do rio,

4. Madeira tambem incêndio, 5. Tem próprio para apagar isso

A pergunta que se tem de fazer é “porque há essas dificuldades?” Podemos ver que cada um parece ter um motivo diferente do outro. Os exemplos 2 e 3 são bastante semelhantes, na medida em que parecem ser decalques sintáticos de sua língua materna, só que, como eu não sei Wajãpi bastante bem, vou experimentar entender esse decalque pelo Guarani:

2. Tem material que fabricado na cidade pega fogo, ba’e djurua ijapo rena py wa’ekwe okái ‘ coisa branco feita cidade em que foi queima 3. Quando pedaço de madeira que estão queimando ywyra pëgwe djopy oiny wa’e wy ‘árvore pedaço queimam -ndo que estão quando’

dá para apagar com a água do rio, ïbogwe katu yy yakã rewe apagá-lo pode ele água rio com

Eu entendo que ele esteja decalcando as formações de oração relativa, que em Wajãpi, se bem me lembro, se forma com ma’e. Dessa maneira, inverte-se a ordem: tem material [que é] fabricado na cidade que pega fogo ou quando [são] pedaço[s] de madeira que estão queimando, dá para apagar com a água do rio. Ou coisa parecida. Trata-se, portanto, de dificuldades sintáticas.

Quanto ao exemplo 5, imagino que houve um apagamento de núcleo de SN, para o qual não tenho nenhuma explicação

5. Tem próprio para apagar isso no lugar de Tem um [jeito] próprio para apagar isso

Em 1, incêndio do fogo, não consigo imaginar o que foi que aconteceu. Mas me parece uma questão mais semântica do que outra coisa, por se tratar de uma repetição de sentidos. Talvez o autor não tenha entendido que fogo e incêndio não são a mesma coisa ainda que advenham do mesmo fato: nós tomamos o fogo por si só, independentemente do conjunto. Não sei se eles, por exemplo, fazem a distinção que fazemos entre fogo e fogueira: numa fogueira há o fogo e o material que queima. Como ele está falando do fogo de uma vela, imagino que ele esteja pensando que fogo seja algo controlado e que a noção de incêndio não o seja. Mas não entendi direito o que ele fez.

O mesmo caso vai ocorrer com o exemplo 4: madeira tambem incêndio. Talvez tenha havido aí uma supressão de um verbo como formar ou seja uma dificuldade morfológica na conjugação do verbo incendiar, assim ele estaria usando incêndio por incendeia.

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incêndio liquido como gasolina. Não podem abacar com a agua, se não aumenta acensa.

incêndio envolvendo comons essai efacil para abacar, pode abacar com agua e com outros.

incêndio equipamento eletrico não pode abacar coque coisas Pode abacar só com pos quimco.

incêndio involvendo metais precisa emprego de pós especiais.

A questão propriamente é: “porque não conseguem?” ou ainda “como fazer para conseguirem?” Para obter essas respostas, será necessário compreender não só a língua portuguesa, mas também a língua que eles estão falando, ou melhor, a que aprenderam a falar desde nenezinhos, que no caso deles é o Wajãpi. Mas poderia ser o Guarani, o Timbira o Terena.

developmental processes interference s freqüência de manifestação tempo de aprendizagem

O caso que está me incomodando é que não temos informações precisas de como essas línguas funcionam, nem tampouco de todos os detalhes da língua portuguesa em que eles prestam atenção e nós não. É isso que eu(/nós) quero(/queremos) saber. Como há dificuldades várias que obstruem o aprendizado da escrita, particularmente nos exemplos acima, teríamos que defini-las uma a uma, para compreendê-las. Segundo me parece, são basicamente dois tipos de dificuldades: (a) interferências da língua materna e (b) hipóteses erradas sobre a língua objeto-português. Major (1987) chama cada uma delas de interference e developmental process, respectivamente. Cada um deles manifesta-se diferentemente durante a aprendizagem: as interferências, (doravante IN) são muito intensas no início da aprendizagem mas diminuem regularmente até que fique não mais do que resíduos, Como o sotaquezinho francês, que é muito mais marca de identidade do que um processo de interferência. Os developmental processes, (doravante DP) por sua vez, começam a manifestar-se algum tempo depois do início do processo de aprendizagem e, daí, parecem ocorrer cada vez com maior freqüência até um ponto crítico, quando a freqüência de sua manifestação parece diminuir. Não sei se acaba ou não, nunca testei até esse ponto. Talvez IN e DP

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manifestem-se diferentemente quanto à relação entre as variáveis “freqüência de manifestação” e “tempo de aprendizagem” e o nível lingüístico se procura analisar: fonológico, morfológico, sintático, textual, discursivo; modalidade escrita x modalidade falada, etc. Seriam muitos os fatores envolvidos nessa aquisição de segunda língua. Como minha praia é a fonologia, é atrás dela que eu vou. Mas o importante é não perder de vista que muitos outros aspectos da língua estão em jogo conjuntamente. A partir desse modelo de Major, fica óbvio que o conhecimento de ambas as línguas é fundamental para se compreender as dificuldades de aquisição da língua estrangeira.

No caso dos exemplos do texto (Figura 2) acima, teremos a manifestação dos dois tipos de dificuldades: abacar e comons são fatos óbvios de IN e essai para esse ai e coque para qualquer, de DP. As questões de sintaxe que vimos, referentes ao texto 1 (Figura 1) são casos claros de IN, mas as hipercorreções reportam-se a DP, pois são hipóteses sobre a grafia da língua portuguesa. Qualquer que seja o caso, novamente estamos diante da necessidade de compreender a língua materna deles, sobretudo para os casos de IN, e a nossa, para os casos de DP. Dessa maneira, pode-se pensar que, nesse caso específico, a descrição lingüística não tem de se orientar para a compreensão dos fatos que estão se tornando obstáculos para o domínio da língua-alvo, tal como se se tratasse de um simples processo de aquisição de língua estrangeira. Pois, tal como eu já disse acima, essa é tão somente o instrumento intermediário para a compreensão de outra sociedade.

RESUMO: Neste trabalho discuto aplicações da lingüística descritiva na educação indígena, enfatizando seu alcance em vários níveis de análise e salientando a necessidade de grupos indígenas adquirirem instrumentos que possibilitem acesso ao conhecimento das demais sociedades. A descrição lingüística não precisa vincular-se a questões teóricas, mas a necessidades da educação escolar.

PALAVRAS-CHAVE: educação indígena; lingüística descritiva; índios; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHOMSKY, N. Novos horizontes no estudo da linguagem - Conferência. Delta, 13 v.esp., pp. 75/6, 1997.

MAJOR, R.C. A model for interlanguage phonology. IN. Ioup, G. & Weinberger, S.H. Interlanguage Phonology: the acquisition of a second language sound system.Cambridge, Newsbury House Publishers. pp. 101-44, 1987

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