• Nenhum resultado encontrado

ABUSO 1 4ª EDIÇÃO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "ABUSO 1 4ª EDIÇÃO"

Copied!
413
0
0

Texto

(1)

Professor Titular de Direito Econômico da Faculdade de Direito da U.F.M.G. - Juiz do Trabalho - Juiz Federal Aposentado – Ex-Conselheiro do C.A.D.E.

LEI DE PROTEÇÃO DA CONCORRÊNCIA

Comentários à Legislação Antitruste

4

ª edição revista e atualizada

Editora Forense

Rio de Janeiro

(2)

À Ana Lúcia, incentivadora constante deste trabalho

Aos meus filhos, Luís Henrique e Cláudia, Maurício e Patrícia, João Guilherme e Daniela, Ana Regina e Leonardo.

À Gabriela, Roberto, Ana Clara, Hugo e Lucas, Carolina, cuja travessura e carinho plenificam cada momento da vida.

Ao papai, pelo orgulho que sempre sentiu em ver o trabalho dos filhos. À mamãe, sempre amorosa presença.

(3)

Prefácio

Esta quarta edição surge justamente após a promulgação da Lei nº 12.529, de 2011, que veio dar nova configuração aos órgãos de defesa da concorrência no País. E agora não me prendo ao comentário da lei de forma sequencial, como nas três primeiras edições. O leitor de hoje já está mais ambientado com os problemas da concorrência, pois acompanha o noticiário sobre a atuação do Cade. De tal sorte, a lei já se lhe tornou muito familiar. Nas Faculdades de Direito as disciplinas de Direito Econômico e Direito da Concorrência têm o mérito de introduzir os alunos na pesquisa dos temas pertinentes.

Diante disso, estou adotando uma nova postura, seguindo o roteiro traçado pela lei, mas não dedicando cuidado especial à análise de cada artigo. E o faço até mesmo para evitar o rápido envelhecimento do livro e para permitir que possa ele ser usado por mais de um semestre ou de um ano. Esta atitude parte também do pressuposto de que a lei poderá ser, certamente será modificada nos primeiros anos de sua aplicação.

Empreendo mais este trabalho de atualização porque, de tempo em tempo, sou inquirido por algum dentre meus mais atenciosos ex-alunos sobre o fato de não mais encontrarem o livro ou de o livro já estar desatualizado, diante do surgimento de alterações legislativas. Mas tudo isto é também um sinal de que o trabalho já empreendido não foi em vão e de que o livro acabou prestando algum benefício para a comunidade acadêmica. é um sinal claro de que o trabalho empreendido não foi em vão. A aceitação do livro foi gratificante e reconfortante. O tema versado é hoje de inegável atualidade, e os estudiosos vêm a ele se dedicando cada vez mais. A partir do momento em que o Estado se retira da atuação direta no mercado, novos problemas vêm surgindo, a desafiar o estudioso do Direito Econômico, que assume novas formulações e exige uma atuação constante daqueles que com ele lidam.

A legislação veio se alterando desde os primeiros dias após a edição da Lei nº 8.884, de 1994, o que fez com que a segunda edição já viesse a lume sem a devida adaptação, aliás impossível, às modificações que foram surgindo a cada passo.

Esta terceira edição incorpora contribuições advindas de pesquisas realizadas no exterior, Canadá, Estados Unidos, França, Inglaterra e Espanha, e principalmente da atuação como Conselheiro do CADE, no período de 1999-2001.

O Direito Econômico tem hoje como cerne, como centro de preocupações e de irradiação das políticas econômicas o Direito da Concorrência. O estudo dessa área vem crescendo enormemente a partir da promulgação da Lei 8.884, de 1994, justamente em decorrência da abertura da economia e da constitucionalização de uma economia de mercado, que impõe uma cultura de concorrência.

Este contexto de economia de mercado não pode ser implementado de forma eficiente sem uma atenção dobrada para os valores humanos. O mercado é composto por empresas que porfiam, de forma leal, na busca de um desenvolvimento sempre aberto para a melhoria das condições humanas. Por isso é impossível entender e regular adequadamente o mercado sem dar atenção à sua causa final: o ser humano. Os valores da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da perspectiva dignificante do trabalho e da livre iniciativa devem permear e dar sentido a toda a atividade de regulação do mercado.

(4)

As normas que disciplinam o Direito da Concorrência têm por finalidade prevenir e reprimir as infrações à ordem econômica consagrada pela Constituição, devendo sempre ser visualizadas nesse contexto mais amplo, em sintonia com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito.

Tratar de economia de mercado sem esse contexto semântico será mecanizar normas, procedimentos e esforços. O que dá significação às normas de concorrência é sempre o seu conteúdo humanístico. O ser humano, na sua mais profunda essência, existência e atuação, é a medida de todas as coisas, é a finalidade de toda implementação do Direito.

Este livro se insere justamente nessa perspectiva humanística. Tem por finalidade contribuir, ainda que pouco, para a formação de estudantes e de estudiosos do Direito, para lhes proporcionar um melhor entendimento dessa área jurídica que vem adquirindo cada vez maior amplitude.

A Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais foi pioneira nos estudos de Direito Econômico, a partir dos anos 70, e veio sempre se afirmando no cenário nacional nos estudos desse campo do Direito, que já não se pode dizer novo, mas que certamente se afirma com o sentido da modernidade. As atividades da graduação, com grupos de estudos, e da pós-graduação com número significativo de defesas de teses e dissertações e ainda com publicações são o resultado concreto de todo esse percurso temporal de dedicação ao estudo e à pesquisa.

Recebi de muitos que me deram a honra de ler as duas primeiras edições, críticas construtivas que muito contribuíram para melhorar o conteúdo desta terceira. Para a preparação desta edição tive a ajuda eficiente de jovens acadêmicos que releram cuidadosamente o texto desta atualização, sugerindo-me acréscimos, correções minuciosas, adaptações a novas disposições legais. Merecem ser citados Paulo Márcio Reis Santos, que vem atuando também como eficiente monitor de pós-graduação, Beatriz Gontijo de Brito, Gustavo Cordeiro e Flávia Fortes. As falhas e erros que ainda permanecem são devidos à minha deficiência, sendo pois de minha estrita responsabilidade.

Belo Horizonte, 12 de setembro de 2006. O autor.

(5)

ÍNDICE

PREFÁCIO ...4

CAPÍTULO I...11

1. A empresa e o mercado...11

2. Liberdade de atuação no mercado: Livre concorrência...13

3. O fenômeno da concentração de empresas...14

4. Concentração de empresas no Brasil...19

5. Concentração de empresas: Conseqüências...20

6. Posicionamentos dos Estados perante a concentração...22

6.1. A legislação antitruste nos Estados Unidos...24

6.1.2. A legislação antitruste nos Estados da Federação...25

6.1.3. A legislação antitruste da União...236

6.2. Legislação antitruste no Canadá...33

6.2.1. O primeiro diploma legislativo...34

6.2.2. O Combines Investigation Act de 1910...35

6.2.3. O Combines and Fair Prices Act de 1919...36

6.2.4. Desdobramentos legislativos de 1923 a 1975...36

6.2.5. Economic Council: proposta de reforma...37

6.2.6. Reforma e quase reforma no período de 1970 a 1980...39

6.2.7. O Competition Act de 1986...39

6.2.8. Atividades econômicas excluídas da aplicação da lei...40

6.2.9. Reforma legislativa...42

6.3. Legislação de concorrência na União Européia...42

6.3.1. O surgimento da legislação concorrencial na U E...45

6.3.2As alterações decorrentes do crescimento da Comunidade...46

6.4. Legislação na América Latina - ALADI e MERCOSUL...45

6.5. Legislação de concorrência no Brasil...48

7.1. Propostas da OCDE para alterção da legislação...57

7.2. Projeto de lei em tramitação no Congresso...60

CAPÍTULO II...60

1. Princípios Norteadores...61

1.1. Princípio da liberdade de comércio...64

1.2. Princípio da liberdade contratual...65

1.3. Princípio da igualdade...66

1.4. Princípio da não-discriminação...66

1.5. Princípio da transparência do mercado...68

1.6. Princípio da análise econômica...69

1.7. Princípio da regra da razão...74

1.8. Princípio da eficiência...83

CAPÍTULO III A Lei de Concorrência Brasileira...87

1. O surgimento da lei nº 8.884/94...87

2. Estrutura do texto legal...89

(6)

1. Objetivo da lei...91

1.1. Remissões constitucionais...91

1.2. Referência legislativa...92

1.3. Conteúdo do novo texto...92

2. Âmbito territorial de aplicação...93

2.1. Remissão constitucional:...94

2.2. Remissão legislativa:...94

CAPÍTULO V Do Conselho Administrativo de Defesa Econômica...97

1. A Criação e transformação...97

1.1. Remissão legislativa...97

2. A composição do Conselho...99

2.1. Remissões constitucionais...100

2.2. Qualidades e condições exigidas...101

2.3. Restrições impostas...102

2.4. Interrupção de prazos...103

3. Competência do Plenário do CADE...104

3.1. Multiplicidade de critérios na enumeração...105

3.2. Competência de caráter administrativo...105

3.3. Competência de caráter preventivo...106

3.4. Competência de caráter decisório...107

3.5. Competência de caráter executório...108

3.6. Consulta...108

3.7. Inexistência da consulta no direito anterior...109

3.8. Criação do instituto da consulta...109

3.9. Características da consulta...110

3.10. Legitimidade para apresentar consulta...111

3.11. Prazo para a resposta...111

3.12. Pagamento de taxa...112

3.13. Apreciação da consulta...112

3.14. Processos de consulta...112

4. Competência do Presidente do CADE...113

4.1. Representação legal...114

4.2. Poder de administração...114

4.3. Direito de voto - Distribuição de processos...114

4.4. Cumprimento das decisões...114

4.5. Providências para o cumprimento...114

4.6. Assinar termos de compromisso...115

4.7. Competência derivada do regimento...115

5. Competência dos Conselheiros do CADE...115

5.1. Competência para votar...115

5.2. Impropriedade da lei...116

5.3. Competência para requisitar documentos...116

5.4. Competência para determinar medidas preventivas...116

6. Procuradoria do CADE...119

7. Ministério Público Federal perante o CADE...120

CAPÍTULO VI A Secretaria de Direito Econômico...122

CAPÍTULO VII Infrações da Ordem Econômica...125

(7)

2. Aplicabilidade da lei: Critério subjetivo...125

3. Delimitação da responsabilidade...136

4. Solidariedade do grupo econômico...136

5. Desconsideração da personalidade jurídica...137

6. Abrangência da repressão...139

7. Tipificação das infrações...139

7.1. Ordem econômica...140

7.2. Infrações contra a ordem econômica...141

7.3. Tipos...141

7.4. Conceitos legais...142

7.4.1. Mercado relevante...145

7.4.2. Dominação de mercados...150

8. Argüição de inconstitucionalidade...150

9. Condutas contra a ordem econômica...151

9.1. Enumeração das condutas...153

9.2. Tipificação das condutas...154

9.3. Tipificação de condutas econômicas...156

9.4. Critérios para tipificação...157

9.5. Relações de consumo: Analogia...158

9.6. Argüição de inconstitucionalidade...159

9.7. Acordo para fixação de preços...160

9.8. Limitar ou impedir acesso de empresas ao mercado...163

9.9. Vender injustificadamente abaixo do preço de custo;...165

9.10. Cláusula contratual de exclusividade...166

9.11. Cláusula de não-concorrência...171

9.12. Preços aconselhados...173

9.13. Tabelas de honorários...177

9.13. Recusa de venda...184

9.14. Concorrência pública: ajuste prévio...185

9.15. Venda casada...192

9.16. Direito de acesso ao mercado...199

9.17. Obter conduta uniforme ou concertada...213

10. Veto ao Art. 22...223

11. Penas cominadas...224

11.1. Conteúdo dos dispositivos legais...226

11.2. Responsáveis...226

11.3. Penalidades...227

11.4. Critérios para aplicação das penas...231

11.5. Argüição de inconstitucionalidade...232 11.6. Inconstitucionalidade do artigo 24...232 12. Prescrição...233 13. Direito de ação...236 13.1. Remissão legal...236 13.2. Titularidade...237

CAPÍTULO VIII O Processo Administrativo...241

1. Averiguações preliminares...241

(8)

2.1. Processo administrativo - Princípios...246

2.2. Processo administrativo - Instauração...248

2.3. Portaria da SDE...251 2.4. O programa de leniência...251 2.4.1. A participação da OCDE...254 2.4.2. O modelo brasileiro...255 2.4.3. Criminalização?...255 3. Julgamento do processo administrativo - CADE...256

3.1. A participação da Procuradoria...257

3.2. Atribuições do relator...257

3.3. Julgamento...259

3.4. A decisão...261

3.5. “Quorum”...262

3.6. Cumprimento das decisões do CADE...262

3.7. Regulamento e regimento interno do CADE...263

4. Imposição de medida preventiva e de ordem de cessação...264

4.1. Caracterização das medidas preventivas...264

4.2. Momento e iniciativa da concessão...266

4.3. Em que consiste a medida preventiva...266

4.4. Recurso ao Plenário...267

5. Compromisso de Cessação...267

5.1. Característica do compromisso de cessação...268

5.2. Extensão do compromisso...269

5.3. Conteúdo do termo de compromisso...269

5.4. Alteração das condições...269

5.5. Descumprimento do compromisso...270

5.6. Lei de ação civil pública: Analogia...270

5.7. Jurisprudência do C.A.D.E...270

CAPÍTULO IX Formas de Controle...279

1. Controle de atos e contratos...279

1.1. Controle de atos e contratos pelo CADE...281

1.2. Preventividade do controle...282

1.3. Requisitos...288

1.4. Exigência de três condições...293

1.5. Critério qualitativo e quantitativo...293

1.6. Encaminhamento dos requerimentos...294

1.7. Intempestividade da apresentação - Penalidades - Dosimetria...295

1.8. Prazos...295

1.8. Suspensão dos prazos...298

1.9. Indeferimento - Desconstituição...298

1.10. Comunicação de alterações...305

1.11. Revisão da aprovação...305

1.12. Arquivamento de atos...306

1.13. Arquivamento de distratos...307

1.14. Argüição de inconstitucionalidade – Art. 55...307

2. Compromisso de Desempenho...308

(9)

2.2. Conteúdo do termo de compromisso...310

2.3. Metas qualitativas e quantitativas...310

2.4. Descumprimento e revogação...311

3. Consulta...311

CAPÍTULO IX Execução Judicial das Decisões do CADE...312

1. Do processo...312

1.1. O direito anterior...312

1.2. A lei atual...313

1.3. Cobrança exclusivamente de multa...314

1.4. Cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer...314

1.5. Competência...315

1.6. A Defesa do executado...316

1.7. Execução provisória...317

1.8. Critério limitativo da multa diária...317

1.9. Preferência de julgamento...318

1.10. Argüição de inconstitucionalidade – Art. 64...318

1.11. Argüição de inconstitucionalidade – Artigos 65 66...318

2. Da Intervenção Judicial...319

2.1. Finalidade da intervenção...320

2.2. Casos análogos no ordenamento jurídico...320

2.3. Fundamentação da decisão...322

2.4. Recusa do interventor nomeado...322

2.5. Prazo da intervenção...322

2.6. Limites da intervenção...323

2.7. Controle do juiz sobre o interventor...324

2.8. Afastamento dos administradores...325

2.9. Competência do interventor...325

2.10. Despesas...325

2.11. Prestação de contas do interventor...326

2.12. Resistência à intervenção...327

CAPÍTULO X Disposições Finais e Transitórias...329

1. Veto ao artigo 79...330 1.1. Razões do veto...331 1.2. Medidas de continuidade...332 1.3. Quadro de pessoal...333 1.4. Veto ao artigo 82...334 1.5. Aplicação subsidiária...334

1.6. Valor das multas...335

1.7. Alteração da lei nº 8.137...335

1.8. Prisão preventiva...336

1.9. Alterações no Código de Defesa do Consumidor...336

1.10. Alterações na Lei da Ação Civil Pública...338

1.11. Assistência do CADE...338

1.12. Interrupção dos prazos das consultas...339

1.13. Casos de dumping e de subsídios...339

1.14. Revogação de disposições em contrário...343

1.15. Vigência da lei...344

(10)

Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994...345 Resolução - CADE nº 15... Resolução - CADE nº 18... Resolução - CADE nº 19... Resolução - CADE nº 20... Resolução - CADE nº 41... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...370

(11)

CAPÍTULO I

1. A Empresa e o Mercado

O exercício da atividade econômica é o instrumento através do qual o homem, dentro do contexto social, procura para si os meios de satisfazer as próprias necessidades, produzindo bens de uso, e satisfazer as do grupo social, produzindo bens de troca. Nesta última hipótese, os bens recebem um valor de troca, que é medido pelo preço. Num conjunto de atividades destinadas à produção de bens de troca, o preço é fixado tendo em vista a quantidade de bens produzidos e a demanda por esses mesmos bens. Mas, ao mesmo tempo, o preço é o instrumento de que se servem as empresas, dentro do mercado, para alterar as condições, para exercer sua influência sobre as demais e, por vezes, para dominar o mercado.

Explicitando a conceituação de mercado, afirma Thomas D. Morgan: “Provavelmente nenhum conceito é mais importante para as discussões econômicas do que o conceito de transações que se realizam no mercado. Não se preocupe. O conceito é uma metáfora. A imagem mental criada é a de vendedores apregoando suas mercadorias numa praça pública. Os tribunais, nas questões de antitruste, falam de ‘mercados quanto ao produto’ e de ‘mercados geográficos’ como se os produtores de aço de toda a costa leste, por exemplo, fizessem a totalidade de seus negócios numa esquina em Pitsburgh. ... O ‘mercado’ descrito na teoria econômica e nos casos de antitruste, contudo, não tem endereço de rua nem número de FAX. O que é de importância essencial para as finalidades da teoria econômica é que às vezes as pessoas podem concretamente transacionar umas com as outras, e por vezes não podem. Aquelas que podem são as que participam do mercado.... O que a metáfora faz é permitir que os economistas falem da enorme quantidade de meios através dos quais podem realizar-se trocas livres de bens e de serviços” (1).

O mercado é o lugar em que atuam os agentes da atividade econômica, e em que se encontram a oferta e a demanda de bens e em que, conseqüentemente, se determinam o preço e as quantidades. Para que essa atuação possa realizar-se de maneira eficiente, de forma a permitir a todos a plena expansão de sua atividade, é necessário assegurar a todos aqueles agentes uma adequada possibilidade de exercerem sua atividade. Para que tal aconteça, será imprescindível que todos tenham garantida a possibilidade de entrar no mercado, de nele permanecer e de sair dele a seu exclusivo critério .

A respeito da liberdade de ingressar no mercado e da ilicitude de impedir este ingresso, manifestou-se Arnoldo Wald quanto à decisão de várias empresas de distribuição de petróleo, que atuavam no mercado brasileiro, de impedir o ingresso da Petrobrás Distribuidora S.A., incluindo, com esta finalidade, cláusulas contratuais pelas quais impunham multas leoninas e extorsivas para a hipótese de rescisão unilateral do contrato pelo revendedor. Afirma ele: “A liberdade contratual legalmente consagrada não justifica nem legitima o abuso de direito e o abuso do poder econômico, sob

(12)

qualquer das suas formas diretas e/ou indiretas. Tem objeto ilícito o contrato cuja finalidade consiste, mesmo que por via oblíqua, em ‘criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa” (art. 2º, Inciso I, alínea g) da Lei nº 4.137, de 10-9-62), constituindo, assim, evidentemente “abuso do poder econômico”, vedado pela Constituição Federal (art. 160, inciso V da Emenda Constitucional nº 1, de 17-10-69). O contrato de adesão deve ser sempre interpretado de acordo com o interesse social e atendendo-se à proteção que deve merecer o aderente, por não ter tido condições adequadas para intervir ativamente na elaboração do documento que lhe foi imposto. A cláusula penal visa a prefixação de perdas e danos, não podendo constituir um instrumento de enriquecimento sem causa, nem uma restrição indireta à liberdade do comércio” (2).

A empresa tem também o direito de sair de um mercado, sem que possa ser penalizada por isso. Nem lhe podem ser impostos encargos que a impeçam de tomar e concretizar a decisão de não mais atuar num determinado mercado. Isto vale, por exemplo, quanto ao direito que têm as cooperativas de deixar o mercado. Quanto ao direito de sair de um determinado mercado, contrariamente a exigências impostas por integrantes daquele mesmo mercado, podem citar-se como exemplos algumas decisões dos Tribunais da União Européia: Coöperatieve Stremsel (61/80, de 15 de março de 1981), Dansk Pelsdyravlerforening (T-61/89, de 2 de julho de 1992), Hendrik Evert Dijkstra (C-319/93, C-40/94 e C-224/94, de 12 de dezembro de 1995), Coöperatieve Coberco (C-399/93, de 12 de dezembro de 1995) e Milk Marque (C-137/00, de 9 de setembro de 2003).

No mercado situam-se os agentes que oferecem – as empresas - e os que demandam – os consumidores - os bens produzidos, situam-se os que entram com o seu trabalho para que haja produção e circulação de bens. E, dentre todos estes agentes, dois se apresentam com particular importância: o Estado e o consumidor; o primeiro como agente e regulador da atividade econômica (artigo 174 CF), o segundo como destinatário e como finalidade e razão de ser da regulação da concorrência.

Robert Bork salienta a figura do consumidor como destinatário e objetivo final de toda política de concorrência. Afirma ele que a preocupação com o objetivo do bem-estar do consumidor serve de alerta para evitar decisões arbitrárias ou contrárias ao consumidor. E, se se examinam os textos das leis antitruste, a vontade real do legislador que está por detrás delas, e ainda o comportamento judicial, verificar-se-á claramente a adesão ao único objetivo do bem-estar do consumidor ao efetuar a interpretação das leis antitruste. Somente esta finalidade é coerente e consistente com a vontade do Congresso (3).

Dentre os agentes do mercado, aqueles que oferecem bens e serviços podem apresentar-se numa forma atomística, em que cada um deles, hipoteticamente, tem estrutura e poder econômico igual ao de qualquer outro, mas podem também apresentar-se numa forma de concentração, em que a estrutura, a conduta e o dseempenho (performance) podem levar à aquisição de diferentes medidas de poder econômico, o que os torna fundamentalmente desiguais. Na primeira hipótese, supõe-se que, sendo iguais em poder, nenhum daqueles agentes representa perigo de eliminação

2 Da invalidade de cláusula penal destinada a impedir a entrada no mercado de empresa concorrente,

Digesto Econômico, Ano XXXI, nº 240, p. 164, Nov.-Dez. 1974

(13)

dos demais integrantes do mercado. No segundo caso, existe permanentemente a possibilidade de os mais fortes dominarem ou eliminarem os mais fracos, passando assim a figurar isoladamente no mercado, constituindo-se situações de monopólio.

A subsistência do mercado e de seus integrantes exige que, qualquer que seja a sua estrutura, seu comportamento e seu desempenho (performance), possam eles concorrer livremente, através da fixação de preços de bens e serviços de forma a assegurar a produção, a circulação bem como ainda o consumo. A fixação dos preços deve proporcionar a todos os integrantes a realização das funções econômicas que lhes sejam peculiares (4).

2. Liberdade de Atuação no Mercado: Livre Concorrência

A concorrência no mercado decorre de um conjunto de condições que permite a todos os agentes do mercado correr à compra e venda de forma a que cada um possa alcançar seus objetivos sem ferir, desarrazoadamente, as metas pretendidas pelos demais. Entende-se que nesse jogo de interesses se propicie a formação dos preços pelo ajustamento espontâneo e recíproco da procura e da oferta, assegurando-se a compradores e vendedores plena liberdade de comportamento. O justo preço seria assim o resultado da inter-atuação de todos os integrantes do mercado, que atenderiam à sua maior vantagem individual, dentro de um quadro de realização do interesse coletivo. Esse objetivo poderá ser alcançado pela só ação dos que ofertam e dos que procuram, dentro de uma concepção plenamente liberal, mas pode também concretizar-se através da intervenção do Estado, que teria por finalidade assegurar a plena liberdade de atuação para todos.

Para melhor entender e explicar o fenômeno da concorrência, podemos partir da construção de um modelo, através do qual se imaginam e se descrevem as características definidoras de uma concorrência perfeita. O modelo será o ponto de partida para se entender as formas encontradas na realidade, que se denominariam de concorrência imperfeita.

4. Como observam Sousa Franco e D’Oliveira Martins, “não oferece hoje dúvidas a consagração do

mercado como instrumento fundamental de regulação e ajustamento na vida económica - o que, aliás, é bastante evidente quando analisamos o Decreto-lei nº 422/83, de 3 de dezembro, através do qual se estabelecem disposições relativas à defesa da concorrência no mercado nacional. Aí a concorrência é vista tendo como grandes objectivos: (a) a salvaguarda dos interesses dos consumidores; (b) a garantia da liberdade do acesso ao mercado; (c) a realização dos objectivos gerais de desenvolvimento; e (d) o reforço da competitividade dos agentes econômicos face à economia internacional. O mercado aparece, assim, como instrumento fundamental, mas também como instrumento-regra, tal como acontece nas outras economias abertas ocidentais (A constituição econômica portuguesa: Ensaio interpretativo. 1993, p. 251).

(14)

A concorrência pode definir-se como perfeita ou imperfeita (5). A

concorrência perfeita pressupõe uma absoluta igualdade de todos os integrantes do mercado, ou seja, presume-se que todos os concorrentes são equivalentes a um átomo. É a característica da atomicidade traduzindo-se no fato de que a atuação individual de um deles na fixação do preço de seus produtos não consegue afetar de maneira substancial a formação de preço dos bens. Diz-se que eles são price takers (6). Como seu número é

grande e seu porte é pequeno dentro do mercao, sua influência na elevação da produção, e consequente queda do preço, é muito fraca. O preço é para eles um dado e gerador de equilíbrio. A curva de demanda é, assim, horizontal.

Existe também atomicidade dos consumidores, que são também price

takers. O preço é também um dado para os consumidores, eles não influenciam em sua

formação.

Na concorrência perfeita pressupõe-se ainda a existência da

transparência, pois que todos os concorrentes teriam pleno conhecimento da intenção e da forma de atuação de todos os outros, e conseqüentemente podem determinar com toda liberdade a quantidade e qualidade da oferta e da procura e, ainda, podem livremente entrar no mercado ou dele sair. A transparência traz consigo o requisito da informação, que, sendo correta, clara e transmitida sem custos, é o fruto opimo da lealdade (fairness). Pressupõe também que haja uma homogeneidade do produto e uma formação de preços absolutamente isenta de qualquer influência desigualadora. A homogeneidade não significa igualdade dos produtos, mas sobretudo tem como característica a substituibilidade.

Há uma livre entrada e uma livre saída dos fatores de produção, o que decorre da ausência de barreiras à entrada.

A conceituação de concorrência imperfeita decorre da verificação de que os elementos pressupostos pelo modelo não se corporificam na vida real. Em lugar da atomicidade, há a molecularidade, em que existe agrupamento dos integrantes do mercado, formando-se focos de força. Os produtos são substancialmente diferentes, caracterizando-se a heterogeneidade; esta pode chegar a tal ponto que se elimina por completo sua substituibilidade, de forma a permitir o monopólio relativamente a determinado produto. Em lugar da transparência, caracteriza-se a viscosidade, o obstáculo para a transmissão de informação, configurando-se a sujeição e dependência, quer psicológica, quer jurídica, quer sociológica, eliminando-se por completo a transparência decorrente de uma informação leal.

5. Para Chamberlin, há uma distinção entre concorrência pura e concorrência perfeita. Diz ele que “como

ponto de partida se toma a “concorrência pura”, e o adjetivo “pura” se escolhe de propósito para descrever uma concorrência limpa de elementos monopolistas. É um conceito mais simples e menos amplo do que o de concorrência “perfeita”, já que neste último a perfeição pode interpretar-se não somente no sentido de ausência de monopólio, mas com relação a outros aspectos. ... Monopólio significa geralmente controle da oferta e, por isso, do preço. A concorrência pura exige um só requisito prévio: que ninguém possua um ápice sequer de controle. Em primeiro lugar, deve existir um grande número de compradores e vendedores, de sorte que a influência que possa exercer um deles ou vários juntos seja insignificante. ... Em segundo lugar, o controle sobre o preço se elimina por completo unicamente quando todos os produtores produzem um artigo idêntico e o vendem no mesmo mercado...” (Teoría de la

competencia monopólica, 1946, p. 17-19.

6 Price taker se opõe a Price maker. O primeiro recebe o preço proveniente do Mercado, já o segundo

(15)

3. O Fenômeno da Concentração de Empresas

O início do século XIX viu o afirmar-se de uma forma de organização individualista da economia, centrada na teoria da valorização do indivíduo, cuja atividade era fonte da riqueza. Essa tendência foi buscar em Jeremy Bentham (1748-1832), do ponto de vista filosófico, e em Adam Smith (1723-1790) (7), do ponto de vista

econômico, os suportes ideológicos para a justificação de uma ordem social e política em que se defende a liberdade individual como substrato e fundamento da liberdade de mercado.

Afirmava Bentham que o homem é um ser que anseia pela felicidade, em qualquer situação em que se encontre, no êxito ou no fracasso. Qualquer coisa que reduza o bem-estar e a felicidade de um indivíduo, também lhe reduz a possibilidade de transmitir essa condição a seus semelhantes. O sucesso da sociedade depende da forma como os indivíduos atinjam um maior grau de satisfação e de felicidade. A maior tarefa dos governos será a de prover esse aumento de bem-estar. A humanidade se debate entre os extremos da infelicidade e do prazer e bem-estar. O princípio da utilidade tem por meta estabelecer um sistema através do qual se construa a felicidade com o auxílio da razão e do direito (8).

O pressuposto teórico e abstrato de uma igualdade entre todos os integrantes do mercado, garantidora de uma atuação sem qualquer superioridade de um sobre o outro, viu-se logo falseada pela concreta desigualdade reinante entre os exercentes da atividade econômica com a finalidade da busca do lucro. Os mais fortes e mais hábeis, ou que querem tornar-se tais, logo descobrem meios de se fortalecer ainda mais e de atuar no mercado com predominância sobre os demais. Assim é que, de 1850 a 1880, começa a surgir um novo tipo de capitalismo, um capitalismo de grupo ou oligopolístico. O industrialismo passou a exigir grandes investimentos: ferrovias, bancos, companhias seguradoras, navegação. Deve-se assinalar também que a formação de grandes grupos não se originou somente do esforço interno das empresas, mas decorreu também de outorga de concessões por parte do Estado, como foi o caso da Northern Pacific Railways.

Surge, assim, um novo estado industrial, em que as modernas expressões do capital se impõem de maneira desigual sobre os trabalhadores e os consumidores. A crise se instaura e atinge o seu ápice no início do século XX, ficando a primeira grande guerra como o primeiro grande divisor de águas. O fenômeno da concentração de empresas surge com pujança e com determinação, gerando toda uma situação de profunda mudança e de crise. Essa grande mudança de um capitalismo individualista para um capitalismo de grupo gerou o aparecimento da grande organização econômica, que passou a dominar o mercado e a ditar normas (9).

7. Theory of moral sentiments, Oxford, Clarendon Press, 1976. Inquérito sobre a natureza e as causas da

riqueza das nações, Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1981.

8 La psicología del hombre económico, Escritos económicos. México, Fondo de Cultura Econômica,

1978, pp. 3, 11. An introduction to the principles of morals and legislation, New York, Hafner Publishing Co., 1948, p. 1-2.

9. The Sherman anti-trust act and industrial combinations, American Law Review, Vol. XLIV, nº 2,

march-april, 1910, p. 177-178). A respeito dessa realidade escreveu o Prof. Ruy de Souza: “A sociedade por ações foi o majestoso instrumento fornecido pelo jurista ao capitalismo, e que a este proporcionou o

(16)

Como o acentua Galbraith, essa profunda mudança veio fazer com que surgisse a grande organização econômica, sob a forma de sociedade anônima, porque “somente ela podia reunir o capital necessário, somente ela podia mobilizar as capacidades necessárias”. Afirma ainda que essa transformação econômica e social levou ao aparecimento de dois grandes grupos, pois que “quase todas as comunicações, quase toda a produção e a distribuição de energia elétrica, a maior parte do transporte, das manufaturas e da mineração, e uma parte considerável do comércio varejista e das diversões são proporcionadas pelas grandes sociedades anônimas ou se encontram debaixo de seu domínio. O número delas é bastante reduzido: pode-se afirmar com segurança que a maior parte destas atividades é obra de quinhentas ou seiscentas empresas. Esta é a parte da economia que automaticamente identificamos com a moderna sociedade industrial. ... As duas partes da economia - o mundo dos poucos centenares de sociedades anônimas tecnologicamente dinâmicas, muito capitalizadas e muito organizadas, e o mundo dos milhares de proprietários pequenos e tradicionais - são muito diferentes. Não se trata de uma diferença de grau, mas de uma diversidade que penetra todo aspecto da organização e do comportamento econômicos, incluída a motivação do próprio esforço. Será conveniente, embora antecipando por metade uma formulação mais exata, contar com um nome para se aplicar à parte da economia caracterizada pelas grandes sociedades. Há um já disponível: sistema industrial. O sistema industrial é por sua vez o traço dominante do estado industrial (10).

A respeito da necessidade e “naturalidade” da concentração escrevia, em 1910, Herbert Noble: “Nestes dias de grandes empreendimentos industriais é manifesto que grandes agregados de capital são necessários para executar as tarefas de hoje, e que este capital pode ser fornecido somente por grandes concentrações de interesses privados ou pelo Governo. Não está no espírito de nossas instituições que o Governo forneça capital para empresas privadas, e por isso devemos depender de grandes combinações de interesses privados, com grandes concentrações de capital. ... Todo homem sem preconceitos deve reconhecer estas vantagens das combinações, e é por causa destas combinações que nosso desenvolvimento industrial é tão grande, e que nosso país está aumentando sua riqueza nacional e a prosperidade de seu povo” (11).

Essa nova face da realidade econômica passou a exigir um novo tratamento jurídico. O Direito mercantil não era mais bastante para disciplinar o novo contexto, exigindo-se uma forma intrinsecamente diferente. O Direito Econômico veio a ser o novo ramo surgido para reger uma nova realidade econômico-social (12). É o que

desenvolvimento espantoso anotado no final do século passado e até nossos dias. A sociedade anônima, como tipo exponencial, permitiu o alargamento das raias em que se travava a luta doméstica entre os detentores do poder econômico, desviando-se todo o poderio para a empresa, desvinculada da pessoa dos tomadores de ações, mas funcionando como um ente vivo e sumamente capaz. A técnica da sociedade anônima, sobre revolucionar todos os processos clássicos do Direito Mercantil, transformou-se em arma de alta potencialidade para o domínio capitalista” (Abuso do poder econômico: Estudos Econômicos,

Políticos e Sociais - nº 1, 1959, p. 13).

10 El nuevo estado industrial, 1974, p. 32-33.

11 The Sherman Antitrust Act and industrial combinations. American Law Review, Vol. XLIV, nº 2,

march-april, 1910, pp. 177-178.

12. É a observação feita por Justus Wilhem Hedemann: “Também fora do B.G.B. está reservada ao Direito

de obrigações uma ampla esfera de ação. Assim acontece principalmente no Direito Mercantil que desde cento e cinqüenta anos constitui um ramo jurídico autônomo, codificado separadamente pela primeira vez em França em 1807. Do Direito de Sociedades contido no B.G.B. (§§ 705 e ss.), brotam as formas

(17)

reconhece, além de Hedemann, também Gérard Farjat, para quem a concentração capitalista está na origem de todas as grandes mutações das sociedades industriais, sendo a intervenção do Estado para conduzir a economia uma sua conseqüência.

Segundo Farjat, “a concentração provoca mudanças qualitativas no sistema jurídico, que podem ser comprovadas por análises dialéticas. Ela provoca notadamente o aparecimento de verdadeiros poderes privados econômicos. Simples pessoas privadas dispõem de um poder de decisão unilateral comparável sobre o plano “material” ao do poder público”. Mas é também o próprio Farjat que assinala, dez anos depois da segunda edição daquele livro, que o Direito Econômico assumiu hoje um conteúdo inteiramente novo para reger um novo sistema econômico, transformando-o em um regime econômico da liberdade de concorrência, de que o Direito da Concorrência é o cerne (13).

O processo de concentração empresarial veio a se concretizar por três fatores que podem ser apontados como justificativas e objetivos do fenômeno: o desejo de aumentar os lucros, a necessidade de imprimir maior segurança ao empreendimento e a inserção da empresa no contexto internacional (14).

A concentração de empresas pode ser vista como uma afirmação do poder econômico privado, mas dessa situação não se pode extrair um juízo de valor. A conveniência ou inconveniência desse fenômeno vai depender de todo um contexto social, econômico e jurídico. Como expressão histórica de uma determinada época, deverá ser apreciada como tal, para que depois se possam emitir juízos axiológicos.

Se a concentração pode apresentar até mesmo perigos numa sociedade econômica e socialmente desenvolvida, o mesmo não se poderá dizer no âmbito de uma sociedade em desenvolvimento, quando a concentração de empresas poderá surgir como uma conveniência, quando não como uma necessidade. Os métodos legais para a proteção da concorrência variarão segundo se apliquem numa sociedade desenvolvida ou em desenvolvimento, pois que nestas há um forte interesse em favorecer a concentração (15).

especiais de sociedades mercantis (coletiva, anônima, de responsabilidade limitada, etc.). A Seção sobre notas promissórias ao portador (§§ 792 e ss. do B.G.B.) contém ao mesmo tempo a dogmática geral para uma série de títulos, valores mercantis, etc. Por outro lado, o Direito mercantil foi ultrapassado no curso dos últimos trinta anos por uma nova e importante matéria, ainda não suficientemente estudada: o chamado Direito Econômico. Este fato demonstra, pelo menos, a abundância de normas jurídicas dedicadas à ordenação da vida econômica e de seu desenvolvimento planificado”. (Derecho de

obligaciones, Vol. III, Trad. Jaime Santos Briz, 1958, pp. 22-23).

13 Droit économique, 1982, p. 143. La notion de droit économique. Archives de Philosophie du Droit.

Paris: Sirey, 1992, T. 37, Droit et économie, p. 27-62.

14. Assinala Farjat que “as empresas procuram sem dúvida a maximização dos lucros, mas procuram

sobretudo hoje a segurança dos lucros. Uma das razões essenciais do processo concentracionista, se não for sua razão essencial, é que as empresas procuram necessariamente liberar-se das inseguranças do mercado, ou sobretudo dos mercados a que elas estão submetidas” (Droit économique, 1982, p. 144), daí a necessidade de superação dos mercados nacionais para alcançar os multinacionais e os transnacionais.

15. Observa Alberto Pinheiro Xavier que “não foi por acaso ou em homenagem a concepções vagas e

gerais que os Estados Unidos, a Inglaterra e a Alemanha, dispondo de vastíssimos mercados internos e de um estado de desenvolvimento econômico altamente evoluído, enveredaram por um sistema rigoroso de proibição e controlo dos cartéis e dos trusts, enquanto que a Bélgica, a Suíça, a Irlanda ou a Noruega, países ou de mercados internos restritos ou de menor grau de desenvolvimento econômico, optaram por sistemas mais flexíveis de simples repressão dos abusos. Sem querermos fazer generalizações

(18)

4. A concentração de empresas no Brasil

No Brasil, a partir da segunda grande guerra, incentivou-se a política econômica de favorecimento da criação de um empresariado forte, capaz de competir em nível nacional e internacional. Esse direcionamento mais se enfatiza a partir da Lei nº 5.727, de 4 de novembro de 1971, que aprovou as diretrizes e prioridades estabelecidas no Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento - I PND -. O Primeiro Plano, ao sintetizar a proposta de realizações nacionais, preconiza:

“- Implantação de novos instrumentos para modernizar a empresa nacional, fortalecendo-lhe a capacidade competitiva e eliminando as condições de desigualdade em que opera, relativamente à estrangeira”.

Com o intuito de criar um modelo brasileiro de desenvolvimento, para que se pudesse transformar o Brasil em nação desenvolvida, o Plano estabelece como meta criar uma economia moderna, competitiva e dinâmica, e, para isso, se escolhe o modelo econômico de mercado:

“O modelo econômico que se está construindo orienta o seu regime de mercado para a descentralização das decisões econômicas e dos resultados da expansão da renda, visando à formação progressiva do mercado de consumo, fundando-se tal modelo na aliança entre Governo e setor privado, entre a União e os Estados”.

Dentre os elementos reputados essenciais para a implementação desse modelo, aponta-se especificamente o seguinte:

“Vitalidade do setor privado, originada de uma nova concepção de empresa, inclusive com fusões e modernas estruturas de produção e de comercialização”.

Para proporcionar ao país um poder de competição nacional, deverá enfatizar-se a eficiência das empresas privadas e governamentais, e, para que isso possa acontecer, deverá adotar-se uma política de capitalização que seja capaz de desenvolver um sistema financeiro e mercado de capitais aptos a desempenhar papel mais destacado na formação do capital real das empresas e na melhoria de sua estrutura financeira. Com tais medidas, dá-se condição à:

“Criação de modelo brasileiro de capitalismo industrial, que institucionalize o Programa de Promoção de Grandes Empreendimentos Nacionais, destinado a criar a grande empresa

precipitadas ou ignorar a influência de fatores políticos e sociais, é impossível não se ficar impressionado pela verificação de que a generalidade dos países que adotaram o sistema do abuso ou do dano efetivo são países altamente dependentes do comércio externo, pela sua reduzida dimensão interna, e que muitos deles são, à luz dos padrões europeus, dos menos desenvolvidos economicamente.” (Subsídios para uma

lei de defesa da concorrência, 1970, pp. 121-122). Neste sentido também Giorgio Bernini, a respeito do

tratamento dado pela Itália à legislação relativa à concorrência: In tema di norme a tutela della libertà di concorrenza: il caso Italia. Rivista Internazionale di Scienze Sociali, anno XCVI, nº 2, p. 255-283, Aprile-Giugno, 1988. Cf. também “La legge antitrust italiana: Esperienze pregresse e prospettive future”, in Antitrust fra Diritto Nacionale e Diritto Comunitario: Antitrust Between EC Law and National Law. Atti del II Convegno di Treviso – 5-6 maggio 1995. Milano Giuffrè, 1996, pp.71-98.

(19)

nacional, ou a levar a empresa brasileira a participar em empreendimentos de grande dimensão em setores de alta prioridade”. O programa de modernização deverá incluir a concessão de incentivos fiscais do imposto de renda à fusão e à incorporação de empresas.

Também o II Plano Nacional de Desenvolvimento, adotado pela Lei nº 6.151, de 4 de dezembro de 1974, que aprovou as diretrizes e prioridades para o período de 1975 a 1979, seguiu a linha de favorecimento à concentração empresarial.

Ao expor as estratégias industrial e agropecuária, o II PND salienta a importância de consolidar um modelo brasileiro de capitalismo industrial.

Dentre as opções básicas da estratégia econômica, objetiva-se a adoção de regime econômico de mercado, para o que se entende como necessária:

“A utilização, para a aceleração do desenvolvimento de certos setores, de estruturas empresariais poderosas, como a criação de grandes empresas, através da política de fusões e incorporações - na indústria, na infra-estrutura, na comercialização urbana, no sistema financeiro (inclusive área imobiliária -, ou a formação de conglomerados financeiros ou industriais-financeiros.”

Para se atingir esse objetivo era necessário fornecer um instrumento adequado, ou seja a reformulação da Lei das Sociedades Anônimas:

“Com o objetivo de proteger as minorias acionárias e desenvolver o espírito associativo entre os grupos empresariais privados, reformar-se-á a lei das sociedades por ações tendo em vista os seguintes objetivos: a) assegurar às minorias acionárias o direito de dividendos mínimos em dinheiro; b) evitar que cada ação do majoritário possua valor de mercado superior a cada ação do minoritário; c) disciplinar a distribuição de gratificações a diretores e empregados; d) aperfeiçoar os mecanismos de auditoria, hoje precariamente realizados pelos Conselhos Fiscais; e) facilitar o funcionamento das sociedades de capital autorizado.

O II PND dedica um capítulo especial à descrição da política econômica relativamente às fusões e conglomerados:

“A avaliação dos riscos resultantes de uma política de estímulos à emergência de estruturas fortes e dinâmicas, através de fusões, incorporações e conglomerados, deve considerar os seus efeitos quanto ao grau de concorrência no mercado e quanto à distribuição de renda. “Antes de tudo, releva salientar que, nas estruturas de mercado, a tendência, no Brasil - na Indústria, no Comércio, no Sistema Financeiro -, sempre foi o inverso daquela que prevaleceu, neste século, por exemplo, nos Estados Unidos, e que determinou toda a legislação antitruste.

“Em nosso País, sempre se tendeu à excessiva proliferação de empresas, desprovidas de poder de competição, pela insuficiência de escala. Mais ainda, como revelam estudos do IPEA e de outros órgãos,

(20)

em grande número de ramos industriais, o que se via era a presença de uma ou poucas empresas estrangeiras, com escala satisfatória, ao lado de uma multiplicidade de empresas nacionais, pequenas e fracas. “Nessas condições, uma política de fusão de empresas nacionais - e o que se tem estimulado é exatamente isso -, para adquirir escala econômica, significa: elevar a eficiência do setor, fortalecer o empresariado do País e aumentar o grau de competição daquele mercado. Sim, porque a existência de algumas empresas médias e eficientes, ao lado das grandes, vitaliza a competição no setor, ao invés de enfraquecê-la”.

O II PND não se esqueceu de que, para a efetivação dessa competição no mercado, necessário se fazia adotar uma política viabilizadora dessa concorrência:

“Política contra os abusos do poder econômico, executada principalmente através de instrumentos econômicos. Tais mecanismos serão o crédito e os incentivos fiscais, regulados no sentido de evitar políticas oligopolistas, assim como o sistema de controle de preços, orientado na forma já citada”.

5. Concentração de Empresas: Conseqüências

A concentração de empresas tem como objetivo, pelo que já se expôs, fortalecê-las, quer através da procura da maior eficiência, da implementação de novas e mais modernas tecnologias, da maximização dos lucros, quer através da maior solidez e menor sujeição às incertezas do mercado. Conseqüência da consecução desse objetivo é a formação de um poder econômico privado.

O poder de mercado se define como a capacidade que uma empresa tem de aumentar seus preços com o reduzir a produção e cobrar mais do que o preço competitivo pelo seu produto (16). É de entender-se, pois, que, num mercado em que se

verifique uma concorrência perfeita, não exista poder de mercado, pois todos os seus integrantes são hipoteticamente iguais.

As empresas, com tendência (aliás, incentivada) à concentração, passam a adquirir maior soma de poder do que as demais detentoras de parcelas de mercado, que passa assim a ser constituído dos seguintes integrantes: grandes empresas, pequenas e médias empresas, trabalhadores e consumidores. Essa maior soma de poderes concentrados nas mãos desses conglomerados passa a atuar como um verdadeiro poder econômico privado, que tende, para sua própria afirmação, a constituir uma ordem econômica privada, que se imporá sobre os outros integrantes.

16 . Hovenkamp assim se manifesta quanto à conceituação de “poder de mercado”: “Market power is the

ability of a firm to increase its profits by reducing output and charging more than a competitive price for its product. In the du Pont (cellophane) case the Supreme Court defined market power as “the power to control prices or exclude competition”. But that definition is not very descriptive and is partly misleading. Market power itself is not an “exclusionary” practice: in fact, the exercise of market power -the sale of products at a supracompetitive price - generally attracts new sellers into -the market. Exclusion of competitors is not market power; however, it is an important mechanism by which a firm obtains or maintains market power” (Federal antitrust policy: The law of competition and its practice. St. Paul, Minn., West Publishing Co., 1994, p. 79).

(21)

Mas, ao lado desse poder econômico privado, surge um outro poder corporificado nas mãos do Estado, que passa, assim, ao tentar organizar a economia, a exercer também um poder econômico público. E a Constituição Federal consagra esse poder ao determinar, no artigo 174, que o Estado tem poder normativo e regulador da atividade econômica.

Não se pode negar que, hoje, ao lado do poder político e econômico dos Estados se afirma o poder econômico das empresas multinacionais e transnacionais, as quais se apresentam em situação de vantagem. No confronto dessas duas ordens, no nível internacional, impõe-se a afirmação de uma nova ordem econômica internacional, não somente para reger as relações entre Estados, mas também entre estes e o poder econômico privado, de tal sorte a coibirem-se os abusos do poder econômico privado. É certo que hoje existem normas jurídicas destinadas a coibir tais abusos, quer no âmbito jurídico interno de cada país, quer no âmbito regional, quer em nível mundial.

O poder econômico privado se corporifica na capacidade que têm as empresas de influir nas condições e nos resultados econômicos do mercado, de tal forma a dele retirar vantagens que as coloquem em posição de superioridade perante as demais e em posição de domínio sobre os trabalhadores e consumidores. Desta forma, as empresas conseguem impor sua vontade à de outras pessoas tidas como autônomas.

É preciso salientar que a existência de poderes econômicos privados e de uma ordem por eles imposta se coloca em contraposição com os princípios defendidos pelo sistema jurídico liberal, infringindo a concepção ideológica e as bases econômicas por ele preconizadas. Por isso surge a necessidade de o Estado atuar, principalmente para defender aqueles princípios e preservar a sua realização (17).

Uma vertente da posição do Estado para coibir esse domínio de vontades pode ser vista no posicionamento de defesa dos interesses dos consumidores. O direito criado para proteger os consumidores e defender seus interesses deve ser visto primordialmente num quadro de relações de mercado, em que se procura exatamente regulamentar os conflitos decorrentes do confronto entre os interesses defendidos pelo poder econômico privado e os dos consumidores (18). No contexto dessa proteção merece

17 . Afirma Giuliano Amato: “L’antitrust... non fu inventato nè dai tecnici del diritto commerciale... nè da

quegli stessi economisti... Fu invece voluto da politici e (in Europa) da studiosi attenti ai pilastri dei sistemi democratici, che videro in esso uma risposta (se non in qualche caso “la” risposta) a um problema cruciale per la democrazia: l’insorgere dall’impresa, espressione in quanto tale di uma fondamentale libertà dei singoli, dell’opposto fenomeno del potere privato, um potere privo di legittimazione e pericolosamente capace di atentare non solo alla libertà economica degli altri privati, ma anche all’equilibrio delle decisioni pubbliche esposte alla sua forza prevaricante”... È um fatto che all’interno stesso della società liberale uno dei cleavages chiave dell’identità e quindi dell’identificazione politica è proprio tra questi versanti: il versante di chi teme di più il potere privato ed è propenso, per combatterlo, a dare più spazio a quello di governo; e il versante di chi teme di più l’espandersi del potere di governo ed è quindi più disposto a tollerare quello privato”(Il potere e l’antitrust, 1998, pp. 8-9)

18. Assinala Farjat que “todas as sociedades industriais adotaram modos originais de regulamentação dos

conflitos: reconhecimento do direito de agir das associações, “class actions”, do direito anglo-saxão, extensão do papel do ombudsman, controle administrativo... O consumo de massa, conseqüência da concentração nas funções econômicas da produção e da distribuição dos produtos, acarreta modos de regulamentação coletivos ou uma publicização do direito privado: um contra-poder ou um controle público dos poderes privados econômicos” (Droit économique, 1982, p. 380). Acrescenta Iain Ramsay que “competition policy, which attempts to maintain the conditions necessary for effective competition, is primarily an indirect means of consumer protection. The linking of consumer policy and competition

(22)

especial menção o esforço por controlar as cláusulas abusivas, que são justamente o instrumento de que se serve o poder econômico privado para, através de contratos de adesão, impor a sua vontade de forma indiscutida e indiscutível. A legislação de proteção ao consumidor não impede a utilização dos contratos de adesão, mas pretende ser um obstáculo à dominação exercida através daquele instrumento.

Este domínio se exerce, segundo Farjat, por dois caminhos: o da normalização dos comportamentos e o da normalização da ideologia. O poder privado procura, assim, não somente organizar a economia, mas também impor as formas de pensar. A normalização dos comportamentos do consumidor se processa através dos meios de comunicação, que conseguem impor formas comportamentais de interesse dos grandes grupos econômicos. A normalização da ideologia se consegue através da imposição de formas de pensar e do impedimento de formas contestatórias, contrapondo-se ao aparecimento de um pluralismo ideológico (19).

6. Posicionamentos dos Estados perante a Concentração

A partir do momento em que se afirmou o fenômeno da concentração de empresas, com conseqüente surgimento de novas formas de equilíbrio das relações de mercado, o Estado se apresenta como o garantidor da permanência do equilíbrio. A intervenção do Estado na organização da economia, em formas e doses diferentes de acordo com as situações concretas, operou-se a partir do momento em que as grandes concentrações passaram a ser um perigo para a organização do mercado, e principalmente em perspectiva de um dano potencial para os consumidores e para as demais empresas. Como já acentuado acima, o remédio para essa situação veio através da legislação antitruste, que não condena a concentração de empresa, que se destina a preservar o ‘truste’, mas que procura tornar sempre mais efetiva a concorrência (20).

6.1. A Legislação Antitruste nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos a legislação antitruste sobreveio à existência e consolidação da grande concentração econômica ocorrida a partir de meados do século XIX. Essa concentração, como observa Morton J. Horwitz, foi fruto de uma política

policy emphasizes their contribution to the maintenance of an effective market. In turn, this underlines the integration of consumer policy into broader, economic rather than social policy goals” (Consumer

protection: Text and materials. London, Weidenfeld and Nicolson, 1989, p. 74).

19. A sociedade é compelida a pensar de um mesmo modo, que se propõe como a forma moderna, atual,

impedindo-se o surgimento de idéias outras, que são rejeitadas como retrógradas. Impõe-se o mesmo tipo de gosto ou de sensibilidade, de interesse das empresas, acoimando-se outras formas de gosto como “démodées”, uniformizando-se destarte toda a expressão comportamental dos consumidores. Como acentua Farjat, “o fenômeno mais notável é que o setor cultural ou contestatório dependente do mercado é geralmente controlado em larga medida pelos poderes privados econômicos. E este controle é fruto de uma política deliberada. ... Enfim, este controle dos setores culturais e contestatórios apresenta um interesse social. Ele pode permitir limitar os excessos da contestação, ‘recuperá-la’, ou mesmo integrar seus autores. É este o lugar de enaltecer o ‘gênio do liberalismo’ (Droit économique, 1982, pp. 392, 394).

20. Como observa Farjat, “a legislação antitruste é útil para os próprios trustes. Ela não condena as

práticas anticoncorrenciais em si mesmas. Sua eficácia se verifica em função do grau de concentração conseguido por uma economia” (Droit économique, 1982, p. 470).

(23)

promovida pelo Estado para propiciar e favorecer o desenvolvimento econômico. Para isso foram fundamentais duas atitudes, a da influência de uma política tributária e a proteção à propriedade exclusiva e monopolística (21). Era fundamental, para a concepção

de desenvolvimento reinante, favorecer a formação de grandes empresas capazes de propiciar o enriquecimento do país. Percebeu-se, contudo, desde logo que o favorecimento e a implementação da concentração empresarial teve conseqüências restritivas do comércio.

As medidas destinadas a fortalecer a concorrência e principalmente a proteger o consumidor foram utilizadas ainda no regime de common law. Observa Ernest Gellhorn que é útil para um melhor entendimento das leis antitruste examinar as suas origens: “sua linhagem histórica pode ser traçada desde as ações de common law que foram desenvolvidas para limitar as restrições de comércio e, numa forma mais limitada, para proscrever o poder monopolístico e os lucros do intermediário” (22).

Um primeiro caso julgado segundo os princípios do common law, referiu-se à relação existente no sistema corporativo. No primeiro caso conhecido, “John Dyer’s Case”, a Corte declarou nula a cobrança imposta a John Dyer que se recusava a cumprir o seu compromisso de não se valer de sua arte de tintureiro no âmbito da cidade por meio ano (23). Observa Gellhorn que não se estaria ainda no âmbito concorrencial

propriamente dito: “parece que o common law sobre restrições de comércio ter-se-ia originado não com noções de concorrência e proteção do mercado livre, mas sobretudo como suporte da atividade comercial “leal” e dos costumes corporativos em desagregação”( 24). Um segundo caso, “Mitchel v. Reynolds”, é importante porque mostra o nascimento, em 1711, da chamada regra da razão, que veio a se cristalizar mais tarde nas decisões da Corte Suprema, já no período de “Statute Law”, mais especificamente como forma de abrandamento do Sherman Act. As perguntas que se faziam diante de um caso de restrição da concorrência eram: “É a restrição razoável?”

21. Assinala Morton Horwitz que “in every state after 1790 a political decision to avoid promoting

economic growth primarily through the taxing system seems to have crystallized. While economic disarray and postrevolutionary suspicion of government partially explains this turn of events, historians have never really attempted to understand the effects on the distribution of wealth that an alternative taxing policy might have entailed as compared with the system of private financing that actually came into being. In fact, there is some slight evidence during the 1780s that states were considering use of the taxing power for economic development. ... There is a clear relationship between competition and economic development in nineteenth century America. In an underdeveloped society, with little available private capital, a policy of encouraging development required that the legal system provide legal arrangements that guaranteed private investors certainty and predictability of economic consequences. Perhaps the most important of theses guarantees was protection against freedom from competitive injury. To accommodate this policy, courts promulgated rules reflecting a view of property as essentially exclusive and monopolistic, so that every attempt to draw business away from an existing enterprise was usually treated as an injury to property itself. As it became bound up with a state policy of promoting development, private investment was also regarded as an extension of state efforts to further economic growth.” (The transformation of American Law - 1780-1860, 1977, p. 109, 111).

22. Cf. Antitrust law and economics in a nutshell, 1986, p. 1.

23 . Hull: “To my mind you might have demurred on him since the obligation is void because the

condition is against the common law, and per Dieu, if the plaintiff were here, he should go to prison till he paid a fine to the king (Y.B. 2 Henl V, vol. 5, pl. 26 (1415).

(24)

“Com que finalidade se impõe a restrição?” “Qual é o efeito da restrição?” “Estaria esta restrição contra o interesse público?” (25).

6.1.2. A Legislação Antitruste nos Estados da Federação

No período de 1867 a 1893 diversos estados da federação criaram suas próprias leis antitruste, como assinala Heloísa Carpena em artigo publicado na revista do Instituto Brasileiro de Estudos das Relações de Concorrência e de Consumo - IBRAC (26). Já na decisão proferida em “E.C. Knight Company” a Suprema Corte se defrontou

com a questão do confronto entre as legislações estaduais e a legislação federal, como se pode ver no voto divergente do Juiz Harlan:

“A meu juízo, o governo federal não foi colocado pela constituição numa condição tal de impotência que deva cruzar os braços e ficar inativo, enquanto o capital combina, sob o nome de uma corporação, para destruir a concorrência, não somente num estado, mas no país inteiro, na compra e venda de produtos – especialmente os gêneros de primeira necessidade – que são comercializados através dos estados. A doutrina da autonomia dos estados não pode adequadamente ser invocada para justificar uma negativa de poder ao governo federal para fazer face a esta situação, afetando, como o faz, esta liberdade de comércio entre os estados que a constituição procurou garantir” (27).

6.1.3. A Legislação Antitruste da União

A dificuldade de se encontrar um padrão de definição entre os casos de restrição ilegal da competição e os casos legalmente possíveis levou a uma postura de insatisfação e de conseqüente busca de parâmetros que permitissem uma distinção mais concreta e eficaz entre as duas situações. A crescente onda de concentrações gigantes na segunda metade do século XIX, representada pelas ferrovias e pelos trustes, levou ao surgimento do Sherman Antitrust Act, em 1890, e, continuando ainda a situação de crescente abuso, à adoção do Clayton Act e à criação da Federal Trade Commission, em 1914.

O surgimento do Sherman Act não foi fruto de uma legislação apressada. Essa lei foi debatida na 50ª Sessão do Congresso e apresentada na 51ª Sessão, em 4 de dezembro de 1889, tendo sido discutida na Comissão de Finanças do Senado, cujo presidente era o Senador John Sherman, que teve papel decisivo na discussão e aprovação. Muitas emendas foram apresentadas, tendo sido muito longa a discussão, de tal sorte que poucos atos do Congresso teriam sido analisados com tal extensão como este (28).

25 . O juiz C.J. Parker observa: “The law is not so unreasonable, as to set aside a man’s own agreement

for fear of an uncertain injury to him, and fix a certain damage upon another; as it must do, if contracts with a consideration were made void” (, M. Handler et alii, Trade regulation, 4th ed; 1997, p. 38). 26 Um olhar estrangeiro sobre a experiência norte americana no direito da concorrência, Revista do

IBRAC, vol. 12, número 6. 2005, p. 43-86, São Paulo.

27 United States v. E.C. Knight Company, 1895, 156 U.S. 1.

28. Como assinalou M.S.Hottenstein, em 1910, “quite a variety of amendments were introduced and acted

Referências

Documentos relacionados

O trabalho contemplou o cadastramento das fontes de abastecimento por água subterrânea (poços tubulares, po ços escavados e fontes naturais), com determina ção das coordenadas

Este desafio nos exige uma nova postura frente às questões ambientais, significa tomar o meio ambiente como problema pedagógico, como práxis unificadora que favoreça

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Ao analisar o conjunto de empresas de dois segmentos da BM&FBOVESPA –Energia Elétrica e Bancos –, verifi cando as métricas fi nanceiras de rentabilidade e risco Nunes, Nova

Como não se conhece parâmetros hematológicos do pacu-manteiga Mylossoma duriventre Cuvier, 1817, a proposta do presente estudo foi descrever tais parâmetros em espécimes

O objetivo desse trabalho foi realizar o levantamento e identificação das ordens de cupins arborícolas que ocorrem no Parque Natural Municipal do Curió, colaborando assim

Entre as atividades, parte dos alunos é também conduzida a concertos entoados pela Orquestra Sinfônica de Santo André e OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São

1 Graduando de Jornalismo pelo Centro Universitário Toledo – UNITOLEDO.. Revista Contemporânea: Revista Unitoledo: Arquitetura, Comunicação, Design e Educação, v. elementos