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Departamento de Filosofia ESTÉTICA AFIRMATIVA EM ARTHUR SCHOPENHAUER

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Instituto de Filosofia, Arte e Cultura

Departamento de Filosofia

ESTÉTICA AFIRMATIVA EM ARTHUR SCHOPENHAUER

Eduardo Reina Bastos

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EDUARDO REINA BASTOS

Estética Afirmativa em Arthur Schopenhauer

Dissertação apresentada ao

programa de Mestrado em Estética e Filosofia da Arte do Instituto de Filosofia, Arte e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Douglas Garcia Alves Júnior.

Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Filosofia, Artes e Cultura

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Catalogação: sisbin@sisbin.ufop.br

B327e Bastos, Eduardo Reina.

Estética afirmativa em Arthur Schopenhauer [manuscrito] / Eduardo Reina Bastos - 2011.

111f. : il. color.

Orientador: Prof. Dr. Douglas Garcia Alves Junior.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto.

Instituto de Filosofia Artes e Cultura. Departamento de filosofia. Programa de Pós-Graduação em Filosofia.

Área de concentração: Estética e Filosofia da Arte.

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AGRADECIMENTOS

Nesta verdadeira jornada de mais de dez anos de estudos de filosofia, pude seguir em frente graças a ajuda de pessoas que, muitas vezes, estenderam suas mãos sem esperar retorno, me fazendo acreditar na bondade e boa vontade do ser humano. Agradeço:

A Deus e a todos Aqueles que abriram caminhos para que eu pudesse continuar os estudos filosóficos.

Aos meus pais, Renato Bastos Junior e Maria de Los Angeles Reina Sanches, que sempre me proporcionaram liberdade para que eu escolhesse as direções de meus estudos e me acolheram e fortaleceram na saúde e na doença.

Aos meus irmãos e meus amigos que me apoiaram durante todo este tempo e possibilitaram visões sobre meus estudos para além da universidade, possibilitando também que esta tese pudesse possuir também valor fora dos domínios acadêmicos.

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Ao psicólogo e amigo Álvaro de Oliveira que me estimulou a seguir em frente, independentemente das dificuldades e por todas as visitas alegres e descontraídas.

A colaboração de Prof. Dr. D. Garcia, por me proporcionar liberdade argumentativa e ter me enviado indicações importantes para a conclusão da obra.

Aos colegas de graduação da Universidade Estadual de Londrina,

Micael Rosa Silva, Vinícius Simões, Claudia Galassi, Ronie Peterson da Silva pelo apoio acadêmico e ajuda mútua com bibliografias, discussões, correções e todos os colegas que ajudaram indiretamente.

Aos colegas de mestrado, em especial, Marília Siqueira Gratão e Carlos Alberto Dahora.

À República Diretoria, que, apesar dos desentendimentos, me acolheu durante minha estada em Ouro Preto.

Aos funcionários da UFOP que, com paciência e diligência, facilitaram o envio de documentos necessários para o término do curso. Aos funcionários da PROPPG da UEL e, mais uma vez, ao Prof. Dr. José Fernades Weber, por proporcionarem aproveitamento de disciplina sem a qual não seria possível terminar este mestrado.

Aos membros da banca que se dispuseram a avaliar esta dissertação: Prof. Dr. Olímpio Pimenta e Prof. Dr. José Fernandes Weber.

À bolsa da UFOP pelo apoio aos estudos.

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RESUMO

A tradição filosófica caracteriza a filosofia de Arhur Schopenhauer como pessimista como dado acabado e incontornável. Esta dissertação tem como principal objetivo demonstrar que sua parte estética se insere como uma alternativa a esta constatação e demonstrar que existe um grande contraste entre criação e negação. Através de uma reconstrução de sua teoria do conhecimento, a chamada pré-estética, e reconstrução de sua estética, nos alçamos àquela que serve como força apaziguadora da Vontade, a intuição estética e seu produto, a contemplação estética.

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SUMÁRIO

Introdução...…... 8

O Filósofo e Seu Mundo.

Capítulo Primeiro ………...…...21

Intuição – Substrato do Mundo.

Capítulo Segundo …... 30

A Intuição Estética.

Capítulo Terceiro ………...… 44

A Classificação das Artes.

Capítulo Quarto………. 60

Considerações Sobre a Tragédia Grega.

Capítulo Quinto………. 80

O Impulso Criativo como Fuga do Pessimismo em Schopenhauer.

Conclusão ... 90

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INTRODUÇÃO: O FILÓSOFO E SEU MUNDO.

• O Júpiter Tonante.

“Se quiseres regozizar-te do teu valor, é preciso que dês valor ao mundo.”

Frase que Johann Wolfgang von Goethe endereçou ao jovem desencantado Arthur Schopenhauer, a qual ele carregara por toda a vida.

Arthur Schopenhauer contatou com as letras desde a mais tenra idade. O ensino das línguas desde a infância, por parte de seus preceptores , fez com que seu leque de opções literárias se extendesse e ele pudesse conhecer não apenas a literatura universal clássica dos mais variados países e dos mais variados continentes, e aqui se leia também países orientais, mas se entusiasmar também por literatura de autores cujas obras eram pouco difundidas nas Bibliotecas as mais eruditas da Alemanha. Mas o determinado rapaz de Danzig, o qual teria nascido na Inglaterra, não fosse um acaso do destino, não se deixou seduzir pelo canto das musas. Seus conhecimentos de medicina e ciências naturais e sua propensão a procurar os ‘quês’ do mundo, fizeram com que ele buscasse com intensidade crescente e cada vez mais fervor na maturidade o que os escolásticos chamavam de ‘aeternae veritates’ , as verdades eternas. E quando um dos guardiães de um jardim botânico, estupefato, quando se sentiu incomodado com sua observação durante horas a um pé de laranja - observação da frutificação-, questionou quem ele era, ele respondera: - Gostaria muito que você me dissesse – e Arthur Schopenhauer deixou o local.

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longe com um amigo, repleto de tanto brilho nos olhos e com tanta satisfação expressa em cada traço do rosto, que logo supôs que falava da mais adorável das mulheres, qual não foi a surpresa, dizia eu, ao se aproximar da mesa e perceber que ele explicava apaixonadamente ao amigo o princípio de não-contradição, uma das quatro leis fundamentais da lógica formal clássica?

Essa obstinação, que beirava ao desespero, e a magnanimidade grave com que tratava questões éticas e filosóficas de toda sorte, fizeram com que os poucos que aceitaram seu espírito duro e intratável, e os poucos que ele julgava dignos de participar de seus questionamentos, rendessem a ele o designativo de Júpiter Tonante. O que não é de todo exagerado para quem detinha aspecto tão altivo e sabedoria tão fértil e ao mesmo tempo possuía uma conduta tão rígida.

Um espírito rígido sim, mas com a rigidez da responsabilidade de um pai que toma pra si o dever de ensinar os filhos. Um espírito obstinado sim, mas com a obstinação de alguém que toma pra si o compromisso do filósofo para com a verdade. Um espírito aparentemente frio sim, mas com a frieza de quem terrificadamente percebeu que seria a pior das friezas ignorar os horrores da época para livremente aproveitar os prazeres da fortuna, aquecendo o coração com bons vinhos e companhias agradáveis. Aparentemente porque não é possível alguém escrever com tal intuito de clareza e didática, com tamanho anseio de se fazer entender, possuindo coração de gelo. ‘Os maiores pensamentos vêm do coração’ – quem afirma isto não pode ser um Vlad cuja simples presença enregela as pessoas, um Vlad sem sangue nas veias. Apenas para quem toma o conteúdo pela forma.

Diferentemente do método filosófico cada vez mais em voga na Alemanha da época, o método de Arthur Schopenhauer consistia em negar todos os argumentos que apresentassem o mínimo motivo para isso, como quem fura em várias partes uma caneca e se põe a girá-la em torno do eixo do corpo, aos modos de uma centrifugadora1 : pois bem, o que restasse no fundo da caneca poderia ser

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chamado de algo sólido. Não era um método que contrapunha a antítese à tese e daí concluía a síntese, era um método em que apenas se negava, o que restasse depois de todas as negações seria o que mais se aproximaria da verdade.

Esse fervor por conhecimentos sólidos, e ao mesmo tempo a certeza da existência de princípios subjacentes à matéria dada, fez com que ele construísse um dos edifícios do conhecimento mais sólidos da história da filosofia ocidental o qual, simultaneamente, não negou o fundo escuro sobre o qual foi construído. Fundo escuro destes princípios subjacentes que, se não é passível de ser conhecido, ao menos, mediante seus efeitos no mundo, pode ter algumas de suas forças extrínsecas tateadas, e algumas intrínsecas induzidas.

Essa predisposição e o reconhecimento da necessidade metafísica desprovido da desvinculação dos dados do mundo engendrou sua metafísica empírica ou, para usar uma expressão mais justa, sua metafísica encarnada, ou metafísica voltada para a imanência do empírico.

• O Mundo Destrinçado.

“Este mundo é o primado do acaso e do engano. Por isso, só devemos aspirar àquilo que nenhum

acaso nos possa roubar, só afirmar e agir onde o engano não seja possível.”

Diário de Arthur Schopenhauer, 1813.

A exemplo da manifestação da vontade no mundo, o filósofo engendra a organização do seu pensamento tal como a organização de um corpo. Alçou organização de pensamento tal que uma ínfima extirpação de suas partes seria sentida por toda estrutura – feito o corpo -.

Ao contrário da esmagadora maioria da produção literária, cujo conteúdo poderia ter boas parcelas suprimidas sem causar ônus algum à cultura (inclusive o espírito da humanidade só teria a ganhar se utilizasse muitos desses livros como

1

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combustível de termoelétricas2), qualquer parte talhada da obra principal de Arthur Schopenhauer seria sentida por todo o sistema nervoso central. Com efeito, como compreender a ultrapassagem das características fenomênicas dos objetos permitida pela contemplação estética descrita no terceiro livro, sem conhecer o princípio de razão ou o princípio de individuação, elucidados no primeiro e segundo livro? Assim, sua metafísica, sua lógica, seus estudos sobre a matemática, sobre a etiologia, sua estética, teoria moral e mesmo até seus estudos mais controversos como a fisiognomia, frenologia e palingenesia, dentre outros, estão intimamente ligados. É claro que existem partes acessórias presentes para reafirmar argumentos. Partes acessórias cuja supressão não lesaria a obra. Contudo, até passagens aparentemente desnecessárias e estranhas ao desenvolvimento da obra, como a teoria do riso, são partes orgânicas deste grandioso corpo filosófico chamado Mundo Como Vontade e Representação.

Desobedecendo a epígrafe deste tópico, arrisco a afirmar mesmo que a evolução da cronologia, do desenvolvimento e do encadeamento da obra assemelham-se à evolução da vida do homem. O que poderia ser traduzido assim:

Abrem-se os olhos e logo as organelas responsáveis pelo reconhecimento do mundo entram em ação. E lá está ele, causa não causada: O Mundo como Representação.

Em um segundo momento toda aquela vida jorrando por uma torrente inefável de representações, como um espetáculo sem script, parece poder ser delimitada: causas e efeitos mais constantes adquirem universalidade, todo o colorido parece poder ser subsumido a certa aquarela e o mesmo impulso que irrompe em seu próprio corpo parece irromper em todos os outros seres. Sim, princípios ocultos, forças naturais, leis naturais e os mais diferentes reinos, todos construídos e regidos por um impulso que é um e o mesmo, cuja máxima expressão em cada reino encontra sua particularidade e imprime a respectiva singularidade. Causalidade, excitação e motivação: O Mundo como Vontade.

2 Friedrich Nietzsche afirma algo parecido na sua Intempestiva Sobre o Futuro de Nossos

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Logo é chegada a primavera do ser. É chegada a juventude com seus ardores, suas necessidades poéticas, com seu idealismo e desejo de encontrar o universal no particular, sua necessidade de afirmar a existência. O mundo tal como se apresenta à primeira vista não é o suficiente, deve existir um coração primordial das coisas, deve existir um fundo essencial imagístico, algo pelo qual todas as coisas tendem: a Idéia.

Também os homens têm uma história e também são causa. Natureza, morada, homem e civilização. A justiça e a injustiça dependem da maneira que os homens lidam com seu egoísmo, pela maneira que afirmam sua vontade. Se o egoísmo de um não prejudica nada do egoísmo de outro, se tem a justiça. Mas o homem é tanto mais injusto quanto mais a afirmação da sua vontade nega a vontade de outros, seu egoísmo lesa o egoísmo dos outros. A moralidade começa a ser compreendida .

Por fim, no quinto ato desta tragédia chamada vida, da qual todos sabemos o final, o espírito se serena. Toda a aparência de separação do princípio de individuação já não ilude mais. O sofrimento de um é o sofrimento de outro, a compaixão se torna unipaixão e as malhas do véu de Maia começam a serem desenredadas pela negação da vontade. A flor de lótus perde suas pétalas e a vida aos poucos se esvanece: O nada.

Uma obra fruto de tamanha intuição que já nascera acabada. O próprio filósofo a descreve como um só raio intuitivo refletido em várias facetas de um mesmo prisma. Todas as obras posteriores serão, em suma, apenas acrescentamentos a esse pensamento único, o que fez de seu criador um filósofo livre de “fases” como é comum acontecer entre os filosofastros.

Obra tão completa e produto de uma inteligência tão grande que grandiosos e sensatos filósofos e poetas do século XIX não conseguiram terminar sua leitura sem exclamar: ‘Então é isto!’

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A filosofia de Arthur Schopenhauer sempre foi apresentada mediante seu teor pessimista. Muito se falou desse preconceito, como se estivesse impregnado em todos os aspectos da obra, e pouco se falou das soluções apresentadas.

A visão medonha proporcionada por Pandora ao Brás Cubas de Machado de Assis poderia sim apresentar o descontentamento do filósofo diante das vicissitudes do acaso no mundo:

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fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão “ 3.

Ele próprio afirma n’O Mundo:

“ Suponhamos que nos seja permitido lançar um olhar claro sobre o domínio do possível, para além da cadeia das causas e dos efeitos: o gênio da terra surgiria e mostrar-nos-ia num quadro os indivíduos mais perfeitos, os iniciadores da humanidade, os heróis que o destino levou antes que a hora da ação tivesse soado para eles. - Depois far-nos-ia ver os grandes acontecimentos que teriam modificado a história do mundo, que teriam trazido épocas de luz e civilização supremas, se o acaso mais cego, o incidente mais insignificante, não os tivesse asfixiado à nascença. – Representar-nos-ia, enfim, as forças imponentes das grandes individualidades que teriam sido suficientes para fecundar toda uma série de séculos, mas que se perderam por erro ou por paixões ou ainda que, sob pressão da necessidade, se empregaram inutilmente em indignas e estéreis causas, ou ainda que se dissiparam por puro divertimento. Veríamos tudo isto e seria para nós um luto: choraríamos sobre os tesouros que os séculos perderam “ 4.

O filósofo é extremamente desapontado com as ações dos homens, o que pode sim lhe render o rótulo de pessimista diante das ações humanas. Não reprovamos e condenamos os seres que agem conforme seus impulsos primevos se esta é a única opção lhes dada e, como tal, é uma tendência natural; reprovamos sim um ser que, podendo agir contrariamente a impulsos primevos cujos efeitos não são desejáveis, ainda assim cede a essas forças pungentes. Contudo, não apenas as ações abomináveis dos homens sedimentam no mundo a característica horrível do sofrimento constante, mas o próprio cerne do mundo é sofrimento.

3

Feito consta em: ROSA, Maria Dias. A influência de Schopenhauer na filosofia da arte de Nietzsche em O nascimento da Tragédia. e ASSIS, Machado. Memória Póstumas de Brás Cubas. Cap. 7.

4 SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação . § 35 ps. 192 e 193. (As

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A vida é constituída por necessidade, falta e desejo. A falta, condição do desejo, é regra tão constante que o prazer não encontra nenhum lugar na existência afora um lugar negativo. E, uma vez satisfeito, o prazer acaba logo por ceder espaço a um novo desejo. E mais, para cada desejo realizado, pelo menos dez são negados. Para pensar o quanto o sofrimento é maior do que o prazer qualitativamente falando também, basta comparar o prazer do predador com o sofrimento da presa. Não é à toa que, para se referir a uma imagem explícita, o filósofo recorre ao mito das Danaides para ilustrar o insaciabilidade do desejo. Por mais que tentemos encher o tonel da satisfação, ele jamais se completa. Eis o sofrimento no cerne da existência.

Se os homens colocaram os sofrimentos no inferno, para o céu só restou o tédio. Quando a vida não é constituída por necessidade, desejo e falta, resta o tédio. O filósofo compara a necessidade da vida aos dias de trabalho e busca da semana e o tédio com o dia do descanso.

O mundo de contingências conflitantes não oferece amparo ao sofrimento agudo do indivíduo. A natureza não se aflige pois a ela apenas interessa a perpetuação da espécie; uma vez realizado esse anseio da natureza, o homem como indivíduo não tem importância alguma. Diante da natureza, mais forte do que o egoísmo, apresenta-se o gênio da espécie. O homem e outros seres importam apenas como instrumentos de perpetuação das espécies. E o sofrimento do homem será tanto mais adiado e extendido quanto mais ele procurar apoio em esperanças, seja esperança de mundos outros, seja esperança que ultrapasse suas próprias forças.

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sua identidade e a que veio -, como se isso, essa vontade individual, fosse o próprio âmago do sofrimento no ser.

Vida feliz é uma contraditioin adjecto. O máximo que se pode esperar é uma vida heróica. Tanto impalpável e arisca é a felicidade que nas peças de teatro, uma vez alcançada a felicidade, fecham-se as cortinas.

Quanto mais o indivíduo buscar a satisfação fora de si, menos a encontrará. Se é difícil encontrá-la dentro da gente, é impossível alhures. Portanto, conclui o filósofo, que conhecia demasiadamente as condições da felicidade para quem tem a alcunha de pessimista, quanto mais próximo da solidão, mais longe das contingências do mundo, logo, mais próximo da felicidade. Quem não ama a solidão, não ama a liberdade.

Deveríamos invejar o homem feliz não pelo o que tem, nem pelo que representa, mas pela maneira que acolhe o que tem e o que representa. Não é de se espantar que muitos ricos extremamente infelizes não consigam conceber que pessoas relativamente pobres sejam felizes: é que eles colocaram a felicidade no trono opulento das riquezas, enquanto ela se encontra na natureza de cada um, na alegria de contentar-se com pouco, na maneira que cada um recebe e se desprende com facilidade dos bens 5.

É possível que o filósofo tenha se auto-estigmatizado com este caráter pessimista. Suas críticas ácidas, desnudantes a partir dos Parerga unt Paralipomena, foram o ponto de partida para sua notoriedade no final da vida. A vontade ou não de encontrar reconhecimento em vida é uma das discussões recorrentes em algumas biografias de Arthur Schopenhauer. Suas manias de perseguição, a tendência de culpar seus contemporâneos das cátedras pelo impedimento do seu reconhecimento pode legitimar a afirmação desta hipótese. Diz ele no seu capítulo Sobre a Filosofia Universitária: “Não nos enganemos quanto a isso, pois existe, em todos os tempos, por todo globo terrestre e em todas as situações uma conspiração tramada pela própria natureza das

5 Observe-se aqui que este dois últimos parágrafos foram redigidos embasados nos Aforismos sobre a

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inteligências medíocres, ruins e tolas contra o espírito e o entendimento “6. Contudo, podemos colocar na balança que, se ele tivesse alcançado a glória cedo, perderia muito tempo defendendo ou consagrando sua filosofia, para aludir aos filósofos-teólogos de sua época, e não teria produzido tudo que nos legou7

. Poder-se-ia objetar que isto serviria para injetar-lhe mais ânimo para escrever ainda mais, contudo, sabemos que é fundamental para o filósofo o distanciamento para a obtenção e manutenção da visão panorâmica. Seja o distanciamento das atribulações acadêmicas, seja o distanciamento das atribulações políticas. Ter que defender e repetir incansavelmente suas teses seria muito prejudicial e poderia transformar sua filosofia em um invólucro de frases sem referência, extremamente adaptável a evasivas rápidas, como o pensamento de F. Hegel.

Minha primeira e definitiva impressão sobre a sua obra principal, com exceção do Livro IV, consistiu de, longe de impressão de uma filosofia pessimista, a impressão de uma filosofia de constatação e consolo. Constatação porque o que nela nos é apresentado como de teor pessimista, não passa do desenvolvimento filosófico de inferências mais grosseiras ou refinadas da realidade da vida as quais qualquer pessoa em condições normais de suas faculdades e vivendo na civilização cedo ou tarde pode concluir. Consolo, porque ele ainda nos apresenta alívios. Se não, vejamos: ele conclui o pensamento acima citado assim:

“Mas o espírito da terra responder-nos-ia com um sorriso: A fonte de onde emanam os indivíduos e as suas forças é inesgotável e infinita, tanto como o tempo e o espaço, visto que, como o tempo e o espaço, ela é apenas o fenômeno e a representação da vontade. Nenhuma medida finita pode avaliar esta fonte infinita: do mesmo modo cada acontecimento, cada obra asfixiada em germe tem ainda e sempre a eternidade inteira para se reproduzir. Neste mundo dos fenômenos toda perda absoluta é impossível, assim como todo ganho absoluto. Só a vontade existe: ela é a coisa em si, ela é a fonte de todos estes fenômenos. A

6

SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a Filosofia Universitária. p. 43.

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consciência que ela toma de si mesma, a afirmação ou a negação que ela se decide a tirar daí, tal é o único fato em si” 8 .

É um erro peculiar da tradição de comentadores, principalmente a tangente à filosofia de Arthur Schopenhauer, difundir a característica mais intensa das obras do autor para todos os aspectos das obras. A estética de Arthur Schopenhauer padeceu deste exagero.

A renúncia ao conhecimento individual não significa renúncia à vida e quando o filósofo alemão usa a palavra ‘negação’, seja nos trechos que diz “negação do conhecimento individual”, seja como “negação da vontade”, isto não significa fatalmente negação da vida ou pessimismo. Dizer que o sofrimento está no âmago do mundo seria um pessimismo acabado se esta característica não fosse superável.

A parte da sua filosofia que aborda o sofrimento do mundo se aproxima mais de uma filosofia constatativa, que constata e aprofunda o que qualquer pessoa pode constatar se lançar um olhar profundo à natureza dos estímulos presentes no mundo e em si mesmo: somos impelidos constantemente a tentarmos nos completar. O problema é que não sabemos o que possa ser isso que poderia nos completar.

• A Estética na Metafísica do Belo.

A contemplação estética vem a ser uma das soluções à inconstância sofrível no mundo fenomênico. Mais do que uma filosofia constatativa e de consolação, temos na parte estética, não apenas no que tange à solução temporária dos males do mundo, como também na sua estruturação das variadas manifestações da arte, uma filosofia passível de desenvolvimento e até mesmo evolução, ao contrário da chamada Fenomenologia da vida ética, na qual o

8 SCHOPENHAUER, Arthur.

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filósofo apresenta saída ou resposta tão definitiva e hermêtica à inconstância da vida que parece não nos permitir flexões9

.

A filosofia da arte de Arthur Schopenhauer não pode ser considerada estética no sentido difundido por tantas academias de arte. Ele não está tanto interessado no tipo de iluminação mais louvável para cada tipo de pintura. Não está tanto interessado em como o poeta trabalha a transfusão das paixões com as palavras. E nem como o músico trabalha as notas para sensibilizar os mais diversos sentimentos. Ainda que ele elenque as mais diversas manifestações da arte segundo o grau de manifestação da beleza, em parte através dos efeitos causados nos nossos sentidos, em parte através dos embates entre as forças de manifestação da Vontade, desde a arquitetura até a música – a excelência da arte -, ainda assim ele está interessado nos mecanismos pelos quais o sujeito é alçado ao belo, pelos quais ele se furta de todo o mundo fenomênico, e por isso nomeia sua teoria estética de Metafísica do Belo. A estética, tal como é difundida nas academias, trata da arte, já a metafísica do belo, da contemplação da arte.

Contudo, é objetivo desta dissertação não apenas abordar a contemplação estética, como também mostrar que ela depende dos elementos tirados do mundo fenomênico para cintilar o que se encontra velado no próprio mundo fenomênico. A metafísica do belo consiste na valorização nobre do trabalho do artista unindo metafísica à arte ao traduzir os efeitos e qualidades ocultas incidentes na obra-prima. Desde a arquitetura, com a contraposição entre gravidade e impenetrabilidade, até a música com a expressão máxima de sentimentos metafísicos e das cadeias dos seres nas notas clássicas. Isto somado a um estilo de escrita fluído e único que nos permite nos surpreender e rechaçar a tendência retrógrada da tradição filosófica a qual retrata o filósofo de Danzig apenas como um niilista ou um pessimista acabado. Assim, junto a Alexis Philonenko, podemos

9

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afirmar que a filosofia de Arthur Schopenhauer constitui-se em uma espiral aberta e, como tal, não trata-se de um pessimismo, acabado e hermético10

.

10

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CAPÍTULO PRIMEIRO - INTUIÇÃO: SUBSTRATO DO MUNDO.

“O que é este cérebro, cuja função traz à tona um tal fenômeno de todos os fenômenos? O que é a

matéria, que se pode tornar uma tão refinada e potencializada massa pastosa, que, através da irritação de

algumas de suas partículas, torna-se o portador condicionante da existência de um mundo objetivo?”

Arthur Schopenhauer – Complementos ao Mundo Como Vontade e Representação (Tradução de Muriel Maia)

Como afirmado acima, a obra principal de Arthur Schopenhauer é uma das construções mais vigorosas e sólidas de toda a filosofia. Enredada com um fio único, a Vontade como princípio irracional, ímpeto cego, ela atinge seu ápice na exaltação da produção artística, para, de forma abrupta, o filósofo nos incitar a desenredá-la. No cume deste ápice está a distinção do gênio. A capacidade de ultrapassar as formas gerais do princípio de razão permite ao gênio o conhecimento mais objetivo possível, e nisto consiste a superioridade da arte em relação à ciência, esta conhece somente mediante aquelas formas, mediante as relações dadas no espaço e no tempo. Entretanto, para saber no que consiste esta ultrapassagem, é necessário saber como é o terreno ultrapassado, o princípio de razão, delimitando quais são essas formas gerais.

• A Teoria do Conhecimento ou a Chamada Pré-estética.

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existiria sem o sujeito. Todo o engano da metafísica clássica funda-se nisto: procurar determinar o sujeito como efeito do objeto ou, em teorias mais ousadas, o objeto como efeito do sujeito.

A existência do mundo depende desta dupla e inalienável relação entre sujeito e objeto. Um não é causa de outro, pois existe causalidade entre objetos apenas11 . Neste sentido, nosso corpo nos é apresentado sob dupla qualidade: como objeto imediato, um objeto dentre objetos, representação, e como vontade, chave para o reconhecimento da vontade em outros seres vivos e corpos12

.

Graças a esta característica do corpo, qual seja, objeto imediato, é possível a intuição dos outros objetos. Com efeito, o entendimento, faculdade da intuição, jamais entraria em atividade se não existisse um ponto de partida que não fosse ele mesmo. Este ponto de partida é o corpo que , através da sensibilidade, fornece a matéria própria do entendimento. Este é um dos principais elementos inovadores na filosofia de Arthur Schopenhauer, o que lhe rendeu a designação de filósofo do corpo. Ele reconheceu a importância do corpo para o conhecimento: Não somos cabeças aladas de anjos sem corpos 13

.

11 Lembrando aqui que nesta expressão “entre objetos” está implícito ‘entre estados de objetos’, já que,

sendo a matéria indestrutível e incriada, um objeto jamais será causa de outro. Não é um objeto a causa de um efeito, mas um estado. A causalidade não provoca geração nem destruição, apenas mutação. Insistir no contrário pode nos levar à quimérica concepção de causa primeira e tentaríamos ressuscitar o cadáver do argumento cosmológico enterrado por Immanuel Kant (Na Crítica da Razão Pura). Arthur Schopenhauer afirma categoricamente: “La ley de causalidad, que es la única forma bajo la que podemos en general pensar mutaciones, siempre se refiere sólo a los estados de los cuerpos, y de ningún modo a la existencia del portador de todos los estados, la materia.” SCHOPENHAUER, Arthur. De LaCuádruple Raíz del Principio de Razón Suficiente. § 7 p. 40. Para um estudo aprofundado sobre as mutações, conferir: SCHOPENHAUER, Arthur. De LaCuádruple Raíz del Principio de Razón Suficiente. § 20ps. 69-89.

12 Ao se aproximar de sua última década de vida, contando com 59 anos, Arthur Schopenhauer retifica esse

termo ‘objeto imediato’ na revisão de sua obra Sobre a Quádrupla Raiz do Princípio de Razão Suficiente. Em um primeiro momento pode parecer estranho ele corrigir o termo na sua antiga dissertação de doutorado mas mantê-lo em sua obra capital, entretanto a incongruência foi mantida por conta da função que cada acepção possui em cada obra. Objeto imediato é um termo inapropriado pois, “si bien la percepción de sus sensaciones es enteramente inmediata, no por ello el cuerpo se presenta él a si mismo como objeto, sino que hasta ahí todo sigue siendo subjetivo, es decir, sensación.” SCHOPENHAUER, Arthur. De LaCuádruple Raíz del Principio de Razón Suficiente, § 22 p. 132 e 133. O corpo seria um objeto mediato. Preservar-se-á a acepção menos precisa ou primeira para realçar sua característica de ponto de partida para o conhecimento. Importante ressaltar que o corpo é a chave para o reconhecimento da vontade nos outros corpos através da analogia, sem a qual poderíamos cair em um egoísmo teórico. Portanto, é por analogia à vontade em nosso corpo que os objetos externos a nós, conhecidos realmente apenas como representação, devem se apresentar também como fenômenos da vontade. Para a cura do sofisma cético do egoísmo teórico, o filósofo aconselha uma boa ducha fria. SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação. § 19 p. 114 .

13 Ver: SCHOPENHAUER, Arthur.

(24)

Contudo, primeiramente, antes de pensarmos o mundo pela relação entre sujeitos e objetos, tal como o conhecemos, é preciso explicitar o princípio que promove a separação dos corpos, a disjunção da unidade primordal da Vontade. Tal princípio dissociador é o princípio de individuação, o principium individuationis, que nada mais é do que o elemento responsável pela dissociação dos corpos pelo espaço e tempo. Agora, para que esses corpos sejam entendidos em um eu cognoscente, no sujeito cognoscente, é preciso uma terceira determinação que constitui o princípio de razão suficiente: a lei de causalidade subjacente à intuição. Assim, quando falamos do princípio que distingue os objetos por si só, falamos do princípio de individuação, mas esses objetos só são objetos quando existe o sujeito cognoscente para compreendê-los: quando falamos do princípio que compreende os objetos mediante o sujeito, falamos da intuição e do princípio de razão suficiente.

A intuição é o mediador entre as sensações e o entendimento, não é por menos que é chamada entendimento puro, e opera sob as condições da propriedade que os objetos têm de agir uns sobre os outros, modificando-se, a propriedade objetiva de certos corpos, a condição da sensibilidade própria do animal e o próprio entendimento que a orienta.

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disto14. O engano do entendimento produz a ilusão; nenhuma operação da razão pode dissipá-la. O engano da razão é o erro; basta a demonstração para corrigi-lo.

Os objetos reais apenas são apresentados à intuição enquanto mudança, através da lei de causalidade e, como tais, são representados como princípio de existência (ontológico) e não como princípio de conhecimento (lógico) como as representações abstratas. Para concebê-los não se é exigido mais do que a qualidade pela qual tornam-se reconhecidos pela lei de causalidade: ação. Em função disto, desta simplicidade, o mundo da intuição por si mesmo não abre margem para erros e dúvidas, tendo para seus espectadores, em sua imediatidade, “ingênua franqueza”.

O princípio de conhecimento não tem valor algum no mundo da intuição já que este não abre espaço para a dúvida ou inquietude enquanto não tentamos ultrapassá-lo. Não há espaço aqui para a reflexão, para o domínio do abstrato. “Não é a título de princípio de conhecimento que o princípio de razão rege os objetos reais ou representações intuitivas, mas a título de princípio de mudança, através da lei de causalidade.”15

A realidade da matéria consiste na sua ação e o termo alemão Wirklichkeit (efetividade) é muito mais preciso ao significar realidade do que o próprio Realität. Matéria, que significa o mesmo que dizer causalidade, assenta na determinação do tempo e espaço, apenas através da qual há ação. O tempo proporciona a duração e o espaço a situação da matéria, a condição a priori da

14

Na sua ânsia didática de se fazer entender – ainda bem para nós!- Arthur Schopenhauer nos ensina uma experiência interessante a respeito disto: “ Únanse dos tubos de cartón de unas 8 pulgadas de largo y 1 1/2 de diámetro [Duas folhas de sulfite enroladas, deixando o diâmetro de aproximadamente 4 centímetros é o suficiente, ERB.], enteramente paralelos, a manera de un anteojo binocular, y sujétese ante el orificio de los dos una moneda de tamaño conveniente [Duas moedas iguais. Uma moeda em cada tubo. ERB.]. Si ahora se mira por el otro extremo de los tubos aplicándolo a los ojos, soló se percibirá una sola moneda rodeada de un solo tubo.” Em seguida ele explica o fenômeno: “ Pues ambos ojos, forzados por los tubos a una posición enteramente paralela, son heridos de modo totalmente uniforme por ambas monedas precisamente en el centro de la retina y en lugares circundantes de este centro que se corresponden simétricamente entre sí; y entonces el entendimiento, presuponiendo la posición convergente de los ejes oculares, que para los objetos cercanos suele ser la habitual, e incluso la necesaria, admite un solo objeto como causa de la luz así reflejada, esto es, admite que sólo vemos una cosa: tan inmediata es la aprehensión causal del entendimiento.” SCHOPENHAUER, Arthur. De LaCuádruple Raíz del Principio de Razón Suficiente. §21 p. 105.

15

(26)

causalidade apreende a sucessão e a permanência da matéria: eis as formas gerais do princípio de razão através das quais os objetos reais são representados pelo sujeito.

A intuição empírica (ainda não chegamos à intuição própria do gênio, a intuição estética) consiste no conhecimento da causa pelo efeito, depende portanto da lei de causalidade a qual subsiste aprioristicamente no entendimento (intelecto) e é um pressuposto e condição da experiência e não conseqüência dela, como pretende David Hume16 . A lei de causalidade repousa já na intuição, veículo pelo qual o entendimento se organiza. O entendimento, faculdade da intuição, consiste em “Conhecer pelas causas, eis, com efeito, a sua única função e todo o seu poder”17

. Immanuel Kant teria sido negligente ao negar à intuição a lei de

causalidade porque, para Arthur Schopenhauer, a causalidade é a forma necessária da percepção dos objetos e não pode ser relegada ao domínio da razão18 .

Para reafirmar sua teoria, quando fala sobre entendimento e sensibilidade, Arthur Schopenhauer refere-se ao “De Anima” (III, 8) de Aristóteles (ao qual refere-se como “Uma poderosa mistura de profundidade e superficialidade.”) :

“ O entendimento é a forma das formas e a sensibilidade é a forma dos objetos sensíveis. Segundo isso, dizer ‘a sensibilidade e o entendimento desapareceram’ é o mesmo que dizer ‘ o mundo terminou.’”

19 .

Todo o mundo é depreendido do conhecimento intuitivo, das representações intuitivas. O erro da filosofia realista foi considerar o conhecimento intuitivo como uma forma confusa de conhecimento abstrato. Parte desta vertente zombou de concepções que relacionaram diretamente a força do gênio com a grande capacidade de intuição simplesmente porque os movimentos

16 Referência: HUME, David.

An Enquiry Concerning Human Understanding.

17 SCHOPENHAUER, Arthur.

O Mundo Como Vontade e Representação. §4 p. 18 .

18

Isto é um dos motivos que fez com que Immanuel Kant incidisse nos erros dos dogmas da tradição

filosófica, confundir princípio ontológico com princípio lógico de causalidade ao submeter o conhecimento intuitivo ao conhecimento abstrato. SCHOPENHAUER, Arthur. Crítica à Filosofia Kantiana. p. 115 .

19

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necessários ao conhecimento intuitivo eram por ela considerados forças anímicas inferiores. E o conhecimento intuitivo foi considerado derivado de forças anímicas inferiores pelo fato de tais forças serem atribuídas também aos animais irracionais. Não se considerou que todo o conhecimento propriamente dito advém de representações intuitivas. Esta é a grande virtude do gênio, grande capacidade de intuição, e por isso ele adentra com mais facilidade na essência dos fenômenos. Pela exclusividade da razão ser o principal diferencial entre o homem e o restante dos animais, julgou-se que esta instância do conhecimento fosse a mais importante20

. Contudo, não há nada que a razão possa formar (e empregar ou alargar no conhecimento) que não esteja, tão longínquo se pense, escorado em uma representação intuitiva. Por esse motivo a palavra reflexão para designar as representações abstratas, a razão, seja tão precisa. As representações abstratas são raios das representações intuitivas refletidos no espelho da raiz lógica do princípio de razão21

.

• Porque a Razão é Secundária no Conhecimento:

Formação de conceitos é a função da razão, e conceitos são representações de representações, objetos mediatos advindos de objetos mediatos. Sendo assim, quanto mais refletida é uma representação abstrata, mais ela depende de uma quantidade significativa de conceitos para ser inteligida ou mais outros conceitos de referência próximos de determinada representação intuitiva ou, muitas vezes, vinculados às referências semelhantes a determinada representação intuitiva, que devem ser trazidos à consciência para se encontrar seu significado

20

Mesmo tal diferencial não faz do homem a espécie distancianda à anos luz das restantes. Não há

colossais diferenças entre homens e animais. “Hoje em dia, a despeito da filosofia kantiana e da verdade, essa gente [ os filosofastros, ERB] incumbiu-se da tarefa de ensinar a teologia especulativa, a psicologia racional, a liberdade da vontade e, com desconhecimento da gradação sucessiva do intelecto na série animal, a diferença total e absoluta ente os homens e os animais.” SCHOPENHAUER, Arthur . Sobre a Filosofia Universitária. p.66.

21 Trata-se do princípio de razão do conhecer, que rege as representações abstratas, os conceitos da razão.

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originário, a origem dos ecos. Por isso os filósofos devem ser cuidadosos com palavras insossas, invólucros aparentemente vazios como idéia, energia, essência e sujeito.

É perfeitamente possível engendrar novos conhecimentos apenas pela via da intuição e muitos inventos são ensejados apenas por ela. As descobertas científicas são ensejadas pelo entendimento e não pela razão. Novas teorias resultam da visão aprofundada na cadeia de causalidade por parte da agudeza de espírito de alguns privilegiados pela “natureza aristocrática”. É o que Arthur Schopenhauer confirma nas palavras:

“Os inábeis adversários da teoria das cores censuraram Goethe, até a saciedade, por sua ignorância das matemáticas: contudo, ele não chegou a um cálculo nem a uma medida, segundo uma hipótese dada; ele chegou diretamente a um conhecimento intuitivo da causa e do efeito;”22.

É o entendimento aguçado o responsável e não cálculos abstratos, estes são conseqüência da intuição, cabe à razão aqui somente reproduzir pela linguagem dos conceitos os fatos intuídos:

“ (…) as noções abstratas desta última faculdade

[razão, ERB] servem apenas para fixar, classificar e combinar os conhecimentos imediatos do entendimento sem nunca produzir nenhum conhecimento propriamente dito”23 .

O conhecimento racional, abstrato, consiste no alargamento do conhecimento intuito. Para o conhecimento sobre o mundo, para o entendimento, o conhecimento intuitivo basta. Contudo, esse conhecimento, legado apenas a sua jurisdição, em primeira instância tem utilidade somente para o indivíduo isolado. Se os objetos que se fizeram presentes para o conhecimento imediato de

22

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação. § 36 p. 199.

23 SCHOPENHAUER, Arthur.

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determinado sujeito não se encontram mais presentes, e ele deseja transmitir este conhecimento, apenas o fará por vias mediatas, a conceitualização é uma delas. Assim, a história nos dá testemunho de vários inventores os quais intuitivamente construíram máquinas maravilhosas. Se fosse necessário transmitir a outrém a cadeia de causalidade compreendida para fazê-lo, para a repetição e execução de trabalhos que demandam uso coletivo de forças, tais inventores necessariamente teriam de recorrer à limitação dos conceitos para projetar tudo compreendido pelas vias da intuição. Quando percorremos certo caminho de uma ponta a outra, temos a noção intuitiva do seu espaço. Para transmiti-lo temos que recorrer a números e descrições, pois o conhecimento racional se apropria principalmente de grandezas temporais, relativas ao sentido interno do tempo, isto é, de números.

Os conhecimentos abstratos estão para os conhecimentos intuitivos como o mosaico está para a pintura natural. Pode-se dividir os conceitos em inúmeras partes sem no entanto atingir a efluência, ‘a mistura’, de um conhecimento intuitivo. Assim, “ Se um cantor ou um virtuoso quiser regular a sua execução pela reflexão, está tudo acabado para ele. Acontece o mesmo com o compositor, o pintor, o poeta. O conceito é sempre estéril para a arte”24.

A razão apenas explica o caminho, a intuição percorre o caminho.

Nisto consiste a secundaridade da razão frente à faculdade da intuição: a incapacidade de fornecer a ‘matéria’ com a qual trabalha.

“Algo que deve ficar bem claro para que se possa compreender o mundo de Schopenhauer, é sua concepção da razão enquanto impotente em “fornecer tecido, por seus próprios meios” ao conhecimento ” 25

Arthur Schopenhauer diz ainda:

24 SCHOPENHAUER, Arthur.

O Mundo Como Vontade e Representação. § 12 p. 66.

25

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“Não existe nenhuma verdade que possa sair inteiramente de um silogismo; (…) Nenhuma ciência pode ser absolutamente dedutiva, tal como não se pode construir no ar; todas as provas devem reconduzir-nos a uma intuição que já não é demonstrável, visto que todo o mundo da reflexão repousa sobre o mundo da intuição e tem aí as suas raízes”26 .

26 SCHOPENHAUER, Arthur.

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CAPÍTULO SEGUNDO – A INTUIÇÃO ESTÉTICA

• A Intuição Estética

Existe uma outra forma de conhecimento que supera o princípio de razão suficiente, que eleva o modo de conhecimento da intuição empírica, um outro conhecimento que reconhece as formas atemporais e fora do espaço: A intuição estética.

Através da intuição estética o gênio contempla o fundo essencial dos fenômenos, sua Idéia. O filósofo de Danzig incorpora aspectos da teoria das idéias de Platão com a sua imaterialidade e seu apriorismo com a ressalva de que para aquele a arte não está a três graus da verdade, ao contrário, a verdadeira obra de arte é a coisa mesma, é o agente facilitador para o acesso às Idéias.

A intuição estética permite ao gênio suprimir dos objetos tudo o que relaciona-se com o princípio de razão, todo o fenomenal do objeto e, em um movimento análogo no sujeito, permite-o suprimir toda a vontade individual transfigurando a estúrdia composição de eu cognoscente somada ao eu querente em puro sujeito do conhecimento. Essa supressão da fenomenalidade dos objetos presentes no mundo faz com que puro sujeito que conhece seja acometido por uma visão única e abrangente do objeto, vislumbrando não diversas facetas possíveis e mutáveis no objeto mas sim o objeto ideático e único, sendo tal experiência tão surpreendente quanto a constatação de uma pessoa, que, vendo pela primeira vez, percebe que ao se aproximar e distanciar dos objetos, eles não aumentaram ou diminuíram, mas permaneceram sempre os mesmos. A volição interior é cessada e o indivíduo transforma-se em gênio, este cocheiro que através da carruagem da obra de arte nos encaminha até o reino das Idéias. Assim, enquanto a ciência compreende os conceitos, é estruturada após a coisa, a intuição estética compreende a Idéia ou a unidade antes da coisa27, pois como já mencionou-se, a

27

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ciência trabalha no terreno dos conceitos, das representações abstratas; o gênio não cria abstratamente, mas sim intuitivamente, até mesmo instintivamente, sem a necessidade do contato direto com as coisas, é o sol, luz inextinguível, rodeado pelos planetas, os imitadores, os quais procuram formar conceitos daquele, em vão procurando fórmulas garantidas para o sucesso artístico. Em vão, porque os conceitos são inférteis para a arte. Mas poder-se-ia perguntar: Como o gênio conhece fora do princípio de razão e, pior, antes da coisa, se só podemos conhecer pela experiência? Acontece que conhecemos apenas através do princípio de razão como indivíduos. Se não fossemos indivíduos, mas apenas olho cósmico puro, puro sujeito do conhecimento, não veríamos mais os objetos como fenômenos, perecíveis, mutantes, ou seja, manifestados sob o princípio de individuação e subordinados ao princípio de razão, mas teríamos uma noção da sua Idéia, o mundo inteiro se afiguraria como uma essência imutável, desprovido da ilusão e o sofrimento decorrentes do tempo, espaço e a matéria. Todas as formas do princípio de razão aqui elencadas, e com elas o princípio de razão, são anuladas na intuição genial, a intuição estética; já não importa se o objeto contemplado é o objeto de agora ou de um século atrás, se o objeto está aqui ou a centenas de quilômetros, se o objeto foi causado por tal ou qual estado, pois o gênio irá representar o que nele há de universal, essencial, o seu ser-objeto para um sujeito, a Idéia.

“A idéia apenas se despiu das formas subordinadas do

fenômeno, todas expressas pelo princípio de razão, ou, para dizer de maneira mais correta: ela ainda não entrou nessas formas”28 .

Afirmar que o conhecimento apenas se efetiva com a experiência e que o gênio concebe a unidade, ou idéia antes das coisas, ou seja, antes da experiência, pareceria contraditório se o gênio não estivesse livre das formas de conhecimento

nossa percepção intuitiva; o conceito, pelo contrário, é a unidade extraída da pluralidade, por meio da abstração que é um procedimento do nosso entendimento; o conceito pode ser chamado unitas post rem, a idéia, unitas ante rem.” SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação. § 49 p. 247.

28 SCHOPENHAUER, Arthur.

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dos fenômenos e, portanto, livre do conhecimento individual. Ainda, a acuidade de um espírito munido com um entendimento com grau de intuição mais intenso e sua maior capacidade para fantasiar29

permite que ele não só descubra novos fenômenos dentro da cadeia de causalidade até então tidos por inobserváveis, como também anteceda a idéia nas coisas com um mínimo de contato com elas, expandindo sua intuição para além dos fenômenos. Por isso é afirmado na Metafísica do Belo: “a fantasia põe o gênio na condição de, a partir do pouco que chegou à sua apercepção efetiva, também construir todo o resto e assim deixar desfilar diante de si quase todas as imagens possíveis da vida”30

.

• Características do Gênio.

A natureza que nunca dá saltos, salta, mas de alegria quando seu abundante dispêndio de forças finalmente produz o gênio31. Agraciado por um poder de cognição muito forte e favorecido por uma boa sorte, a qual lhe permitira o desvio de todas as distrações do acaso, sem a qual ele jamais perceberia e manifestaria o seu próprio centro de gravidade, o filho preferido da terra consegue “ver nas coisas não o que a natureza aí colocou efetivamente, mas o que ela se esforçava por aí realizar (…)”32

.

Sua capacidade única de ver os objetos faz com que ele raramente demonstre estar de corpo e mente presente pois sua ocupação mental direciona-o

29 Conferir: SCHOPENHAUER, Arthur.

Metafísica do Belo . p. 64. Não só a grande capacidade para fantasia é considerada essencial ao gênio como também os traços de loucura como ver-se-á mais a frente. Platão já o disse, além de considerar a concepção artística como um estado alheio à própria individualidade do gênio, sedução das musas (Ver, por exemplo, Platão. Fedro. 248 a p.56). Friedrich Schiller nos disse que a produção poética inicia-se muitas vezes como estado musical, onde não há palavras formadas ainda.(Ver: NIETZSCHE, Friedrich. Nascimento da Tragédia. p.43.)

30 SCHOPENHAUER, Arthur.

Metafísica do Belo. p. 64 e Mundo Como Vontade e Representação § 34 p. 196.

31

Evoco aqui diretamente a concepção de gênio de Friedrich Nietzsche: Considerações Extemporâneas -Schopenhauer como Educador.

32

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muito mais àquilo vislumbrado por trás dos objetos do que efetivamente o quê os objetos aparentam.

Esse desprendimento do presente, essa descomunal compenetração no fundo das coisas, faz com que o homem em que o gênio encarna se esqueça de si mesmo e, não raro, raramente encontre seus pares. Por isso não é difícil encontrá-lo na companhia da solidão, sussurrando monóencontrá-logos.

Por conceber o mundo aparente realidade adentro, ao contrário do “homem comum”, o qual vê apenas o mundo aparente, o homem munido de tal argúcia do espírito, comumente é considerado limítrofe, ou seja, situado na fronteira entre a genialidade e a loucura. Ele comunga com a loucura pois esta, quando não resultada de um pedido de socorro da razão diante de dor moral, quando é manifestação plena de um entendimento fora do comum e desprovida de exageradas fantasias, nada mais é do que a força imaginativa necessária para o vislumbre da realidade por trás do mundo aparente. O louco mesmo não conseguiu domá-la.

Como adenda à teoria de Arthur Schopenhauer, penso que talvez a diferença entre o louco e o gênio está em que o gênio transpôs suas concepções apuradas acerca da essência dos objetos desenvolvendo mecanismos e habilidades para moldá-las, dar forma a elas, expressá-las, mediante a arte. Assim, pôde delimitar apuradamente a realidade essencial e distingui-la do mundo fenomênico que, em verdade, contém aquela, mas não é o que parece, entretanto, aos olhos da imensa maioria dos homens que estão predispostos a amarrar quem balbucia visões diferentes. Hoje, como diz Friedrich Nietzsche no seu Zaratustra, nem é preciso mais amarrar quem pensa diferente. A própria ditadura dos padrões de conduta dos seres humanos e a ditadura de contenção de impulsos faz com que quem pensa diferente e não encontra meios de expressar isso, acabe ele próprio se internando no manicômio mais próximo.

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defeitos das produções de seus contemporâneos e por isso é confundida com uma rajada forte de vento impetuosa ameaçando suas estruturas a longo tempo erigidas sob conceitos prontos, erigidas na surdina mediante plantas de outros, e que lhes proporcionaram tantas honras. Por isso eles constroem muralhas para isolar as influências daquele, esperando que, isolado, ele não abale mais suas vigas. Contudo, dentro em breve, elas se desmoronarão sozinhas enquanto as construções do gênio permanecerão firmes e vigorosas, servindo de modelo para as construções da posteridade.

A marca indelével do artista é o estilo. O gênio possui esta característica ainda mais acentuada e onde ele a crava sua própria identidade é perpetuada. É apenas um o ímpeto. É semelhante à expressão popular ‘estilo de vida’, este estilo a marcar o querer, o agir da pessoa o qual, como bem assinala Muriel Maia, não se esvanece mas tentativas de ‘ novas vidas’. O estilo não se ensina, não se aprende, é a identidade, a digital do espírito do artista. E, supondo que apareçam imitadores, como é comum acontecer posteriormente ao reconhecimento da obra do gênio, a imitação só vem a elevar a pureza do estilo único e a acusar, de portas abertas, a desfaçatez do imitador, chamando-se pastiche a cópia literária e cópia barata a cópia da pintura. Portanto, não há do que se preocupar o artista quando sua obra invade os saguões; se seu estilo é puro, para todo o sempre se perpetuará como inconfundível e, ainda que não reconhecido na contemporaneidade, terá o devido valor na posteridade.

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produção para fugir da mediocridade no futuro, poderia haver cabeças pensantes merecedoras de conhecer seu trabalho. Sua época era tão medíocre no montante da filosofia, tão repleta de filosofastros que ele diz: “ Me consolo por não ser

homem de meu tempo.”33

O alívio da mediocridade é o resultado da obra genial. Por conta desse conhecimento alçado pelo engenho esforçado do gênio, por esse produto da labuta tão exigente de transpiração quanto de inspiração proporcionar ao público da arte um breve distanciamento do tempo e do espaço e de si mesmo, levando-o até o fundo essencial das coisas, por tudo isso, o conhecimento advindo da intuição estética é o conhecimento mais objetivo possível; cessa-se o conhecimento interessado, o conhecimento individual, subserviente da vontade e resultado refinado de todo um complicado e longo desenvolvimento dos tecidos nervosos e do cérebro, manifestados no mais perfeito grau de objetivação da vontade, o homem; cessa-se o conhecimento individual dependente das relações dos objetos manifestados pelo princípio de individuação sem as quais os objetos como fenômeno desapareceriam: pois ele apenas conhece-os mediante essas relações; cessa-se o conhecimento relativo da ciência, que também subsiste nas relações de tempo e por isso tanto pode ser chamado de existente como não-existente e assemelha-se ao conhecimento vulgar com a diferença que é sistematizado, e graças à subordinação por conceitos permite universalidade mediante a síntese dos casos particulares, mas limita-se aos particulares, lhe sendo vetado não só o conhecimento das forças primitivas da natureza como toda a essência do mundo34.

A consciência solitária do gênio é contrária aos desígnios da Vontade, a saber, os desígnios de perpetuação da espécie, quando a própria natureza precisa de reprodutores no sentido sexual da palavra mesma e não produtores35

. Ademais,

33

Schopenhauer, Arthur. Sobre La Voluntad en la Naturaleza. [tradução minha, ERB] p. 140.

34 A revolução permitida pela filosofia schopenhaueriana, juntamente com a kantiana: o reconhecimento

dos limites do conhecimento, jamais conheceremos os princípios ocultos da natureza tais como eles são.

35

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quanto mais o povo se torna culto, menos propensão ele tem à perpetuação da espécie, mais calmo, mais sereno e mais idoso ele se torna alcançando até o patamar de déficit de jovens como já acontece em alguns países mais cultos da Europa. O gênio, do ponto de vista dos desígnios da Vontade, já não faria a “natureza saltar”, mas amargar mais um produtor artístico a revelar o fundo desta natureza e com ele a decisão de não continuá-la, a não ser na medida satisfatória. Neste quesito não apenas o ascetismo é o inimigo dos planos da Vontade como também a arte, mas esta desvincula-se do desgosto para com a afirmação da vida no sentido em que a torna mais desejável de modo prudente e , ao mesmo tempo, forma o caráter de seus apreciadores para apresentar à continuidade da vida solução inteligente, quando o eu querente é domado pelo eu cognoscente, pelo intelecto, pela intuição estética. Aqui é claro, intelecto não significa razão e está extremamente vinculado às representações intuitivas e não às representações abstratas. É o intelecto da infância, em um primeiro instante, quando o querer não está contamidado pelas conclusões abstratas trazidas com o tempo e as relações com o mundo são diretas. É o intelecto do artista e do apreciador da arte, em um segundo momento, quando os conceitos parecem incapazes de trazer, diante de suas incansáveis relações, veracidade e profundidade de interpretação do mundo. Sempre a intuição, seja a empírica e direta, como mantenedora do caráter empírico e individual, seja a estética, como reveladora das objetividades representativas primeiras, do fundo do mundo, as Idéias presentes e escondidas no imo dos objetos. Assim, mesmo que a sensibilidade tenha se enjeitado, tenha seu querer torporizado diante de múltiplas relações e conclusões errôneas durante a vida, mesmo que o sujeito tenha anestesiado seu querer com relações que aumentaram negativamente a carapaça de seu intelecto distanciando-o do real sentir dos objetos, mesmo assim, para todo sempre, está aberta a saída da formação estética e o acesso ao fundo translúcido dos fenômenos. Em vista disto, ignorando o ascetismo, quem ousaria chamar esta estética de negativa ou pessimista?

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Embora o grau de genialidade presente no gênio seja muito elevado, todos os homens são imbuídos de capacidade para contemplação estética. A faculdade estética faz parte do aparato cognoscente do homem. Se assim não fosse, não seria possível aos homens apreciarem a arte. Todos os homens são capazes de contemplação estética. Este salto estético, como diz Muriel Maia, mediante o qual os homens acessam as idéias, é movimentado principalmente pela obra de arte. Mas, de maneira alguma essa contemplação é transcendente. Muriel Maia nos diz:

“Este “salto” no conhecimento significaria, acaso, um ocupar-se com a transcendência? A resposta é, ocupar-sem dúvida, um não; pois, o sabemos, a metafísica de Schopenhauer é de caráter empírico. Não há, neste universo filosófico, a pretensão de atingir a transcendência, e nisto Schopenhauer mantém-se firmemente apoiado em Kant. Ainda que a metafísica schopenhaueriana ultrapasse o aparecer e alcance a essência do mundo, o faz a partir da natureza, para desvelar o que ‘nela ou atrás dela se oculta, considerando-o sempre apenas enquanto isto que nela aparece, não entretanto independentemente de todo o aparecimento’ “36 .

Mesmo assim, uma legião de homens não externou ou manteve essa capacidade de contemplação estética. O “homem comum” atrofiou ou não permitiu o desenvolvimento desta faculdade, porquanto seu conhecimento se prendeu ao princípio de razão. Quando no máximo, ele se porta diante da obra de arte como diante de um jogo de palavras cruzadas: tão logo encontre conceitos ou significados que preencham os quadros, abandona a obra. É que seu conhecimento é demasiado bruto, ou demasiado racional, e está demasiado preso ao serviço da vontade, serve incessantemente aos seus desígnios autofágicos, procurando encher com a satisfação de desejos sua caneca furada, para se prender ao objeto da arte e contemplar a beleza. “(…) ele só pode fazer incidir a sua atenção sobre as coisas na medida em que elas têm uma certa relação com a sua própria vontade, por

36 MAIA, Muriel.

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mais longínqua que seja tal relação”37. Johann Goethe nos apresenta definição maravilhosa a respeito disto:

“Sim – replicou o abade -, e assim se formam reciprocamente o amador e o artista; o amador busca apenas um prazer e indeterminado; a obra de arte deva agradá-lo pouco mais ou menos como uma obra da natureza, e os homens crêem que os orgãos com que se desfruta uma obra de arte formaram-se por si mesmos, como a língua e o palato, que se julga uma obra de arte como se julga uma comida. Não compreendem que se carece de uma outra formação para se elevar até a verdadeira fruição artística. O mais difícil, penso eu, é essa espécie de distinção que o homem deve deixar agir dentro de si, caso queira mesmo cultivar-se; por isso encontramos tantas formações unilaterais das quais cada uma tem a pretensão de anular todas as outras ”38

Mesmo assim o ignorante de arte não protesta contra a obra de arte:

“Apesar de tudo, os mais tolos dos homens não confiam menos nas obras de arte consagradas, visto que não querem transparecer sua tolice, mas eles estão dispostos, no seu foro íntimo, a condenar essas mesmas obras de arte, desde que se lhes faça esperar que eles podem fazê-lo sem nenhum perigo de se revelarem; então descarregam com deleite esse ódio por muito tempo alimentado em segredo contra o belo e contra aqueles que o realizam; não podem perdoar às obras de arte o terem-vos humilhado não lhes dizendo nada ”39.

A beleza da natureza também não lhe diz nada. Mesmo tendo à disposição a mais deslumbrante paisagem, logo procurará algum livro, algo para mastigar, alguém para conversar, enfim, algum meio para se livrar do tédio e do horror à solidão.

Que o demasiado bruto não se preste à contemplação é facilmente compreensível. Aprendeu, coagido pela dor, às duras penas sobrepor sensibilidade

37

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação. § 36 p. 196 .

38

GOETHE, Johann. Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister. p. 553

39

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sutil com a força, feito o ferido que, não encontrando remédio para a aflição causada pela urtiga – que nada mais é do que comichão intensificado, várias pequenas sarnas -, cauteriza a ferida. Quer se livrar de pronto de tudo que não apresente logo a que veio, de tudo que aparente não se definir, de tudo que exija compenetração, tempo, a dizer, sensibilidade e predisposição para ser compreendido. Mas que dizer do demasiado racional, aquele que precisa compartimentar significados para que a obra o agrade? Quem com certa formação cultural não se sentiu bem à vontade – e aqui emprego o uso popular da palavra – ao, com orgulho, atestar sua cultura com a ligação de significados antes mesmo de contemplar a obra? E inclusive tal agregação de significados, por vezes, leva mais rapidamente à contemplacão. Ao se deparar com a seguinte pintura40

:

40

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; a pessoa poderia velozmente arrebatar-se pela grandiosidade do contraste entre sombra e luz, pela sensação do odor acre do desespero trazido de imediato aos sentidos e a surrealidade dos corpos sob o barco atacado por homens irados, enfurecidos, apodrecidos, isto é, desesperados, com facilidade poderia remeter à panorâmica de um verdadeiro inferno. Mas quem não sentiria tanto ou mais prazer ou assombro ao perceber que os homens jogados sob a quilha, o irado a quase deslocar a mandíbula de raiva, o barqueiro já adaptado ao meio quase sem roupa, remetem diretamente aos ciclos do inferno de Dante? Ao perceber que o próprio se encontra acima do barco com sua piedade vitoriana quase a se tornar asco e , mais do que isso, o próprio Virgílio a sensivelmente, com posição nobre, coagir à deixá-los, com o olhar que nos diz que de nada vale se apiedar por estes homens e que quem se compadece de pobres diabos não os modifica mas é modificado por eles e até mesmo piora seu estado de ânimo? Entretanto, a seguir a interpretação schopenhaueriana, é preciso fugir da propensão a isto, ou seja, a procura das ligações dos traços das obras com outras obras conhecidas pois é obstáculo para a livre contemplação. Deve ser por isso que os legítimos contempladores fogem do espertinho que de pronto se propõe a ostentar conhecimentos que remetem à obra. Não querem saber da época, da alegoria, das condições psíquicas nas quais o autor se encontrava no momento da produção, se o seu cão se acidentara antes de escrever, se havia lido Goethe quando compunha a partitura, se ele representava o movimento romântico, sequer querem saber o nome do autor. Querem admirar a obra virgem para que a carga de pensamentos não interrompa a livre e virgem contemplação.

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sensibilidade41. Nas diferenciações de A. Schopenhauer de bonito e belo pode-se perceber melhor as causas para todo este cuidado e já se sabe a superioridade e desenvoltura de A. Schopenhauer – junto a F. Nietzsche - em relação aos outros filósofos alemães ao empregar a língua.

A beleza será tanto mais impactante se nos pegar de surpresa. Assim, conceitos, alusões e referências mais nos distanciam do que nos aproximam da contemplação.

Na linha do horizonte schopenhaueriano vigora a força do intelecto como elemento principal para a execução da contemplação estética. Intelecto, vale ressaltar, é sinônimo de entendimento, faculdade da intuição, e diferencia-se de Razão. É claro, o grau de beleza do objeto é importante – tanto maior quanto maior for o grau de objetivação da Vontade – mas mais importante é a capacidade intelectual do criador e observador.

• A Incomunicabilidade da Contemplação.

A contemplação, sendo de todo intuitiva, é incomunicável. Feito assinalado no capítulo da intuição empírica, a intuição segue incomunicável pois prescinde dos elementos do tempo e espaço do princípio de razão. O artista isolado abre janelas de aproximação do que ele vislumbrara. Se fosse

41

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conhecimento racional poderia enumerar ponto a ponto pelo sentido do tempo a duração assim como poderia assinalar traço a traço o espaço percorrido. Mas então seria representação abstrata e não representação intuitiva. A representação abstrata é exata para a comunicação, contudo é incapaz de ultrapassar o elemento fenomênico do mundo e, portanto, o que nele há de mais objetivo. A intuição estética, sendo o passaporte às Ideias, com sua característica de promover apenas ao indivíduo o conhecimento mais objetivo, garante sua irreprodutibilidade e assim a qualidade de indecifrável para a sociedade como um todo. Não há métodos definitivos, teorias matemáticas ou projetos científicos para alçar o sujeito à contemplação. Essa segue de todo individual ainda que universal. Esse é o grande paradoxo do juízo estético em I. Kant. Ele é universal e subjetivo. A que A. Schopenhauer acrescenta o paradoxo de ser objetivo e incomunicável.

• Todas as Coisas são Belas.

Todas as coisas são belas. Ninguém que conhecesse o filósofo da

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