• Nenhum resultado encontrado

Prisão domiciliar como alternativa à inexistência de vagas em penal tcc gaaraújo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Prisão domiciliar como alternativa à inexistência de vagas em penal tcc gaaraújo"

Copied!
66
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

GABRIEL ARRUDA ARAÚJO

PRISÃO DOMICILIAR COMO ALTERNATIVA À INEXISTÊNCIA DE VAGAS EM ESTABELECIMENTO PENAL

(2)

PRISÃO DOMICILIAR COMO ALTERNATIVA À INEXISTÊNCIA DE VAGAS EM ESTABELECIMENTO PENAL

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

(3)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

A663p Araújo, Gabriel Arruda.

Prisão domiciliar como alternativa à inexistência de vagas em estabelecimento penal / Gabriel Arruda Araújo. – 2014.

65 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito Penal.

Orientação: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

1. Pena (Direito) – Brasil. 2. Prisões - Brasil. 3. Crime - Brasil. I. Nepomuceno, Raul Carneiro (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

(4)

PRISÃO DOMICILIAR COMO ALTERNATIVA À INEXISTÊNCIA DE VAGAS EM ESTABELECIMENTO PENAL

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

Aprovada em: 11/11/2014

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________ Prof. Me. Sérgio Bruno Araújo Rebouças

Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________ Prof. Mestrando Francisco Yrallyps Mota Chagas

(5)

A Deus, fonte de resiliência.

(6)

Agradeço a Deus, por ser o meu refúgio nos momentos mais difíceis, dando-me a calma, o foco e a força necessária para conquistar todos os meus objetivos.

Aos meus pais, Marcos e Evanda, que me ensinaram e continuam ensinando a importância do estudo para o desenvolvimento da mente e da alma.

À minha irmã, Marina, pelos momentos de amizade fraternal.

À minha namorada, Marcela, por ter me ajudado todos os dias nessa árdua caminhada que foi desenvolver esse trabalho. Obrigado pelas mensagens certeiras de amor e confiança nos momentos que eu mais precisei.

Ao professor Raul Nepomuceno, pela brilhante orientação, obrigado pelos comentários, dicas, sugestões e por ser esse exemplo de professor que nos motiva a querer sempre estudar mais.

Aos professores Sérgio Rebouças e Francisco Yrallyps, obrigado por aceitarem o convite de participar da banca de defesa e por engrandecerem ainda mais esse momento com os seus conhecimentos.

Agradeço, em especial, aos amigos do Rosetas Esporte Clube – REC –, maior agremiação social e esportiva que já passou pelos corredores da Faculdade de Direito da UFC. Obrigado pelos momentos de descontração, apoio e união. Tenho orgulho em dizer que somos todos Rosetas!

(7)

O presente trabalho analisa a possibilidade de se determinar o cumprimento de pena privativa de liberdade em prisão domiciliar ante a ausência de vagas em estabelecimento penal adequado. Inicialmente realiza-se um estudo bibliográfico acerca das teorias da pena, demonstrando-se que tais doutrinas evoluíram do pensamento retributivo ao preventivo, pois, num primeiro momento, levando-se em consideração as teorias absolutas, as penas eram vistas apenas como uma forma de retribuir o mal ocasionado pelo crime; posteriormente, com as teorias utilitaristas, a pena passou a ser aplicada como forma de prevenir o cometimento de novos delitos. Passa-se, então, à análise normativa de como funciona a execução da pena privativa de liberdade no Brasil, ficando evidenciado que a pena de prisão obedece a um sistema progressivo em que o condenado deve, a depender do crime cometido e das circunstâncias pessoais, iniciar o seu cumprimento em regime fechado, semiaberto ou aberto, cada qual com seus diferentes e respectivos estabelecimentos penais. Devidamente definidas as bases teóricas dos conceitos citados, passa-se a uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca da concessão de prisão domiciliar quando inexistente vagas em estabelecimento penal adequado. Constata-se que a prisão domiciliar é uma alternativa temporária viável para fazer cessar o constrangimento ilegal sofrido pelo preso que não encontra vagas no regime a que faz jus, tendo em vista que o apenado possui o direito líquido e certo de resgatar a sua pena conforme o provimento jurisdicional, não podendo sofrer o ônus da desídia estatal. Utilizou-se como metodologia as pesquisas bibliográfica, normativa e jurisprudencial.

(8)

This work analyzes the possibility of determining the enforcement of punishment by confinement in house arrest due to the absence of vacancies at appropriate penal establishments. Firstly, it is held a bibliographic study about the theories of punishment, demonstrating that these doctrines have evolved from a retributive to a preventive perspective, because, at first, taking into consideration the concept of retribution, the punishments were seen only as a way of returning the evil caused by the crime; later, with the utilitarian school, the punishment started to be applied as a way to prevent the committing of new crimes. Secondly, it is made a normative analysis of how the execution of imprisonment sentences works in Brazil, becoming evident that the prison sentence follows a progressive system in which the offender must, depending on the crime committed and on the personal circumstances, initiate its enforcement in closed, semi-open or open regime, each one with different and respective penal establishments. After being properly defined the theoretical basis of the concepts mentioned, it is done a doctrinal and jurisprudential analysis about the concession of house arrest when there are no vacancies in proper penal establishments. It is verified that house arrest is a viable temporary solution to cease the unlawful embarrassment suffered by the prisoner who does not find vacancies on the regime in which he has the right to be, seeing that the convict has the legal and certain right to comply its punishment in accordance to what was determined in sentence, therefore he cannot suffer the burden of government negligence. The methodology used consisted on a bibliographical, normative and jurisprudential research.

(9)

1. INTRODUÇÃO... 9

2. TEORIAS DA PENA... 12

2.1 Teorias absolutas ou retributivas... 13

2.1.1 A teoria de Kant ... 14

2.1.2 A teoria de Hegel ... 16

2.1.3 Considerações críticas às teorias absolutas ou retributivas ... 18

2.2 Teorias relativas, preventivas ou utilitaristas... 19

2.2.1 A prevenção especial positiva e negativa ... 20

2.2.2 A prevenção geral positiva... 23

2.2.3 A prevenção geral negativa... 23

2.3 Teorias mistas ou unificadoras... 25

3. PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE... 28

3.1 Reclusão, detenção e prisão simples... 30

3.2 Fixação inicial do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade... 31

3.3 Progressão e regressão de regime... 34

3.4 Estabelecimentos penais e regimes de cumprimento de pena... 35

3.4.1 A penitenciária e o regime fechado... 37

3.4.2 A colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e o regime semiaberto... 39

3.4.3 A casa do albergado e o regime aberto ... 40

3.5 Prisão domiciliar... 42

4. ANÁLISE SOBRE A POSSIBILIDADE DE SE DETERMINAR O CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PRISÃO DOMICILIAR ANTE A INEXISTÊNCIA DE VAGAS EM ESTABELECIMENTO PENAL ADEQUADO... 44

4.1 Análise jurisprudencial quanto à ocorrência de constrangimento ilegal ocasionado pela falta de vagas em estabelecimento penal adequado... 47

4.1.1 Condenado preso ... 50

4.1.2 Condenado solto ... 52

4.2 Recurso Extraordinário 641.320 e possível prognóstico da decisão do STF... 54

4.3 Projeto da Nova Lei de Execução Penal... 56

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 58

(10)

1. INTRODUÇÃO

O artigo 1° da Lei de Execução Penal de 1984 prevê que a execução da pena tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal, no entanto pouco se tem observado do Poder Público no efetivo cumprimento de tais premissas.

O sistema penitenciário brasileiro sofre atualmente uma crise estrutural: inexistem estabelecimentos penais adequados ao cumprimento da pena privativa de liberdade e, quando existentes, são lugares superlotados, com más condições de higiene e que não oferecem as ferramentas adequadas à ressocialização do condenado.

A situação se torna ainda mais crítica quando, por causa da inexistência de vagas, principalmente em relação aos estabelecimentos dos regimes semiaberto e aberto, o preso permanece em regime mais gravoso do que o permitido, ocasionando manifesto excesso ou desvio de execução.

Para evitar a ocorrência de um constrangimento ilegal, advogados e defensores públicos têm requerido ao Poder Judiciário a possibilidade de que o preso que se encontre nessas situações possa cumprir a sua pena em regime menos gravoso ou em prisão domiciliar até o surgimento de vaga no regime a que faz jus.

Acontece que a possibilidade de se conceder prisão domiciliar por causa da ausência de vagas em estabelecimentos penitenciários adequados ainda gera bastante controvérsia, pois a Lei de Execução Penal não prevê essa situação como uma das hipóteses de recolhimento domiciliar previstas no artigo 117. No entanto, ao mesmo tempo que não existe previsão legal para a concessão do benefício, o ordenamento jurídico brasileiro veda o excesso de execução, que se caracteriza pelo cumprimento de pena em regime mais gravoso que o definido em sentença.

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar se é possível determinar o cumprimento da pena privativa de liberdade em prisão domiciliar ante a ausência de vagas em estabelecimento penal adequado. A realização desse objetivo geral se efetivará por meio da consecução de objetivos específicos que serão explanados ao longo de três capítulos.

(11)

O primeiro abordará quais as teorias da pena, de que forma os principais doutrinadores dessas correntes se posicionam a respeito da natureza jurídica da pena, da sua conceituação e dos fundamentos de sua aplicação. Utilizando-se a divisão feita por Ferrajoli, diferenciar-se-ão as teorias retributivas das preventivas, explicando ainda o que seriam as teorias da prevenção geral e especial, negativas e positivas. Por fim, falar-se-á sobre as teorias mistas ou unificadoras da pena. Tudo isso ajudará a responder ao questionamento “porque punir?”.

O segundo capítulo fornecerá o subsídio conceitual necessário para que o leitor entenda como funciona a pena privativa de liberdade no sistema penal brasileiro. A princípio será demonstrado que a pena de prisão não conseguiu servir de meio apropriado para a consecução de todos os objetivos da pena, apesar de alguns autores ainda considerarem a sua utilização imprescindível para condenados de alta periculosidade. Em seguida, serão explicadas as espécies de pena privativa de liberdade e a forma de fixação regime inicial de cumprimento de pena. Serão expostas as regras dos regimes fechado, semiaberto e aberto, com a demonstração de como devem funcionar os estabelecimentos penais correspondentes a cada tipo de regime. Ao final, será desenvolvido um raciocínio acerca do instituto da prisão domiciliar, a diferenciação entre prisão-albergue domiciliar e prisão cautelar domiciliar, assim como as suas hipóteses de cabimento.

O capítulo três buscará responder ao questionamento central do presente trabalho. Nele se analisará de que forma a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores se posicionam com relação à possibilidade de concessão de prisão domiciliar fora das hipóteses previstas no artigo 117 da LEP. Demonstrar-se-á qual o conceito utilizado pelo STJ e STF na definição de constrangimento ilegal e de que forma isso afeta as suas decisões diante de condenados que se encontram cumprindo pena em regime mais gravoso que o permitido ou que estão na iminência de sofrer uma violação à sua liberdade. Também será realizado um prognóstico acerca de uma possível decisão do STF no RE 641.320/RS, processo no qual se discute a indagação maior desse trabalho. Por fim será analisado o Projeto de Lei n° 513/2013 que pretende alterar a LEP para extinguir as casas de albergado.

A metodologia empregada no atual trabalho consistiu no levantamento e análise crítica de textos doutrinários que tratem de execução penal, teoria da pena e regimes de cumprimento de pena. Foram utilizadas obras de Kant, Hegel, Ferrajoli, Greco, Bitencourt, dentre outros.

(12)

proposto. As principais fontes normativas estudadas foram a Constituição federal, o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal.

(13)

2. TEORIAS DA PENA

O conceito de pena e a busca pela compreensão da sua finalidade se reveste de grande importância para que o Direito Penal não seja instrumento de abusos ou de injustiças no tocante à aplicação do jus puniendi estatal.

Zaffaroni (2011, p. 98) considera a pena como sendo a única consequência penal dos delitos. Apesar dos delitos possuírem múltiplas consequências jurídicas, como, por exemplo, a reparação do dano ou até mesmo a reprovação de parte da sociedade com relação ao criminoso, somente a pena é a manifestação da coerção penal stricto sensu. O autor argentino, no entanto, não menciona a agravante da reincidência, que pode ser considerada uma consequência penal de um delito em relação ao delito posterior, pois de certa forma também serve como uma coerção penal para evitar que novos crimes sejam praticados.

Para Bitencourt (2012, p. 128/129) a pena é o principal meio de intervenção do direito penal, sendo utilizada pelo Estado como forma de controle social ao proteger certos bens jurídicos de lesões.

Ferrajoli (2006, p. 231/232) defende a forma jurídica da pena como técnica institucional de minimização da reação violenta aos delitos e como garantia do acusado a excessos ou abusos de sistemas não-jurídicos de controle social.

Conceituar a pena não é tarefa das mais simples, tendo em vista a possível confusão que pode ocorrer entre definição e finalidade da pena. Por exemplo Greco (2010, p. 465) extrai o seu conceito de pena do artigo 59 do Código Penal Brasileiro, ao considerar que a pena deve reprovar o mal produzido pela conduta delitiva e prevenir a ocorrência de futuros crimes. Verifica-se que Greco conceituou a pena utilizando-se dos elementos de sua finalidade, no entanto a conceituação de pena não se confunde com o seu fim, pois enquanto aquela tenta explicar o que é pena, esse procura nos responder “para quê a pena”.

São as teorias sobre o fim da pena que buscam explicar porque o Estado pode punir alguém, ou seja, qual o fundamento de se aplicar uma pena àqueles que delinquem. Ferrajoli (2006, p. 236) dividiu as doutrinas sobre a finalidade da pena entre abolicionistas e justificacionistas. Enquanto que as abolicionistas negam qualquer justificação ou legitimidade externa à intervenção punitiva do Estado, as justificacionistas procuram justificar essa intervenção estatal.

(14)

determinar o cumprimento de pena em prisão domiciliar quando não existirem vagas no regime adequado.

Dentro dessa perspectiva, Luigi Ferrajoli dividiu as teorias justificacionistas em absolutas e relativas, fornecendo o seguinte critério de diferenciação:

[…] São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como “castigo”, “reação”, “reparação” ou, ainda, “retribuição” do crime, justificada por seu, intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, “relativas” todas as doutrinas

utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para a realização do

fim utilitário da prevenção de futuros delitos. […] (FERRAJOLI, 2006, p. 236)

Podemos dizer que, de acordo com a teoria absoluta, a pena surgiu por causa do que aconteceu no passado, como por exemplo o fato de alguém ter delinquido, por outro lado, conforme a teoria relativa, a pena surge para evitar que algo aconteça no futuro, ou seja para que previna alguém de cometer um delito. (FERRAJOLI, 2006, p. 236)

No que concerne às doutrinas relativas, essas subdividem-se em teorias da prevenção geral, as quais atribuem o fim preventivo aos cidadãos em geral, e especial, que atribuem o fim preventivo à pessoa do delinquente. Além disso, as teorias preventivas especiais e gerais podem ser positivas ou negativas, a depender da forma que se dá o fato da prevenção. Se o fato da prevenção se realizar positivamente, como, por exemplo, por meio da correção do delinquente ou da integração disciplinar de todos os cidadãos, a doutrina será classificada como prevenção positiva. Quando o fato da prevenção se der de forma negativa, ou seja, por meio da neutralização do delinquente ou da intimidação dos cidadãos, a doutrina utilitarista será de prevenção negativa. (FERRAJOLI, 2006, p. 236)

2.1 Teorias absolutas ou retributivas

As teorias absolutas ou retributivas da pena possuem como base a ideia de que é adequado “transformar mal em mal”. (FERRAJOLI, 2006, p. 236) De fato, conforme se verá a seguir, essas teorias podem levar à aplicação de punições baseadas em aspectos de vingança, pois são doutrinas que veem a pena como um forma de retribuir o dano causado pelo delito.

(15)

solução de conflitos e a manutenção da paz social. Daí surge a consideração de pena como forma de restaurar a ordem jurídica interrompida por culpa do homem que não cumpriu o contrato social e praticou um delito, quando isso ocorre, faz-se necessária a aplicação da pena como forma de se fazer justiça. (BITENCOURT, 2012, p. 132)

Roxin (1997, p. 81/82) explica que as teorias absolutas não encontram a finalidade da pena na persecução de um fim socialmente útil, mas sim no fato de que, ao se considerar o crime como um mal, a pena surge como forma de retribuir, equilibrar e compensar a culpa do autor do delito. Daí o nome teoria “absoluta”, pois a finalidade da pena existe por ela mesma, ou seja, de uma forma independente e desvinculada de qualquer possível efeito social.

Os dois principais defensores das teorias absolutas ou retributivas da pena foram os filósofos Immanuel Kant e Friedrich Hegel. Para Ferrajoli (2006, p. 237), a tese de origem kantiana considerava a pena como uma retribuição ética, que se justificava por meio do valor moral pertencente à lei penal violada pelo criminoso e do consequente castigo que lhe é imposto. Por sua vez, a tese hegeliana define a pena como uma retribuição jurídica, justificada pela necessidade de se restaurar o ordenamento jurídico violado pelo cometimento de um delito com uma retribuição de igual valor, porém em sentido contrário.

Verifica-se que ambas as teorias guardam uma semelhança no que se refere ao fato da pena existir por ela mesma, ou seja, a pena existe pelo simples fato de que alguém delinquiu, a diferença é que para Kant essa retribuição tem um cunho ético, pois a norma violada possui um valor moral, já para Hegel essa retribuição é meramente jurídica, pois a violação da norma, ou seja, o cometimento de um crime abala o ordenamento jurídico de tal forma que para que ele seja restaurado faz-se necessária a aplicação da pena.

2.1.1 A teoria de Kant

Para Kant (2003, p. 174/175), o homem não pode ser utilizado como meio para beneficiar outras pessoas e esse pensamento se reflete em sua teoria da pena, ao considerar que a punição é infligida ao delinquente apenas pelo fato de ele ter cometido um crime e infringido a lei. É o que se extrai do seguinte trecho de sua obra A Metafísica dos Costumes:

(16)

a coisas: sua personalidade inata o protege disso, ainda que possa ser condenado à perda de sua personalidade civil. […] (KANT, 2003, p. 174/175)

Kant fornece o exemplo de uma pessoa sentenciada à pena de morte que recebe a proposta de ter sua vida salva para que participe de pesquisas médicas no intuito de que se descubra algo importante para a comunidade em que vive. De acordo com o filósofo prussiano, o tribunal deveria rejeitar tal proposta, pois “a justiça deixaria de ser justiça se pudesse ser comprada a qualquer preço”. (KANT, 2003, p. 175)

Infere-se que se a justiça havia definido a punição como sendo a pena de morte e essa punição é substituída por outra que pudesse trazer mais benefícios de uma forma geral à comunidade em que o sentenciado vive, isso seria o mesmo que a justiça estar se comprando, ou substituindo os seus julgados por outros apenas para que algum tipo de benefício seja conseguido para a maioria dos cidadãos.

O pensamento de Kant por um lado faz sentido, pois, partindo-se da premissa de que o homem não pode ser usado como meio, utilizar-se de sua punição como forma a fornecer um benefício a outras pessoas seria justamente se aproveitar daquele indivíduo. No entanto, o pensador não levou em consideração a crueldade existente na pena de morte, o que tornaria a pena de participação em experimentos científicos inclusive mais vantajosa para o condenado, mesmo que ele não estivesse sendo tratado como um fim em si mesmo e sim como meio para o benefício de outros.

O apoio de Kant à pena de morte foi criticado por Cesare Beccaria, pensador italiano responsável pelo fortalecimento da teoria da prevenção geral negativa da pena. Beccaria (1999, p. 94) considerava qualquer pena capital equivocada, pois, caso estivesse contida no contrato civil original, todos os integrantes de um povo teriam que haver consentido em perder a vida no caso de terem assassinado um outro indivíduo (do povo), ao passo que é impossível para qualquer um consentir com tal coisa porque ninguém pode dispor da própria vida.

Kant (2003, p. 179) rebate as considerações de Beccaria afirmando que não é o povo que dita a pena capital, mas sim a justiça pública, no caso um tribunal ou um indivíduo diferente do criminoso. Por causa disso, os homens não consentiriam em dispor da própria vida ao se sujeitarem à pena de morte. Para Beccaria, consentir com a pena de morte seria dispor da própria vida, já Kant o refuta afirmando que o criminoso não consente com a pena de morte (com a punição), ele consente em querer a ação punível (o crime).

(17)

possível alternativa punitiva à prática de delitos, no entanto qual medida deveria ser considerada para que a pena fosse tida como justa? Segundo Kant (2003, p. 175), o ideal seria utilizar-se do princípio da igualdade, ou seja, retribuir o mal cometido pelo criminoso com um mal de mesmo valor e intensidade, não pendendo mais para um lado de agravamento ou de suavização no tocante à quantidade de pena aplicável. Verifica-se que o pensador utiliza a lei de talião como regra a ser aplicada nesses casos:

[…] Mas somente a lei de talião (ius talionis) - entendida, é claro, como aplicada por um tribunal (não por teu julgamento particular) - é capaz de especificar definitivamente a qualidade e a quantidade de punição; todos os demais princípios são flutuantes e inadequados a uma sentença de pura e estrita justiça, pois neles estão combinadas considerações estranhas. (KANT, 2003, p. 175)

Em resumo, verifica-se que a pena para Kant não tem nenhum aspecto utilitarista, como veremos adiante nas teses preventivas da pena. A pena não é aplicada para que se previnam futuros crimes, mas sim porque houve uma ação delitiva que merece uma retribuição pelos danos causados. A retribuição é a pena, que deve ser aplicada na mesma medida do delito, conforme a lei de talião.

2.1.2 A teoria de Hegel

Ferrajoli (2006, p. 237) atesta que a tese de origem Hegeliana considera a pena como uma retribuição jurídica, pois vê como justificativa para aplicação da pena a necessidade de restaurar o direito por meio de uma violência, em sentido contrário, que reestabeleça o ordenamento legal violado.

Verifica-se, assim, que a teoria de Hegel considera o crime como uma negação do direito, ou seja, como uma violação da ordem jurídica e a maneira encontrada para que essa ordem jurídica seja restabelecida é por meio de uma negação da negação do direito, que no caso é a pena, a sanção. Bitencourt (2012, p. 136) assevera que a justificativa de utilização da pena para Hegel é a necessidade de restabelecer a vigência da vontade geral, simbolizada na ordem jurídica, que foi negada pela vontade do delinquente.

Da mesma forma que, para Hegel (1997, p. 89), o crime não deve ser visto como a produção de um mal, mas sim como a violação de um direito, a pena também não pode ser tida somente como algo pernicioso, pois se o crime e a sua supressão apenas fossem tidos como nocivos, não seria razoável promover um mal só porque outro mal já existe.

(18)

seu querer, da sua racionalidade formal, conforme se depreende do seguinte excerto da obra Princípios da Filosofia do Direito:

A pena com que se aflige o criminoso não é apenas justa em si; justa que é, é também o ser em si da vontade do criminoso, uma maneira de sua liberdade existir, o seu direito. E é preciso acrescentar que, em relação ao próprio criminoso, constitui ela um direito, está já implicada na sua vontade existente, no seu ato. Porque vem de um ser de razão, esta ato implica universalidade que por si mesmo o criminoso reconheceu e à qual se deve submeter como ao seu próprio direito. (HEGEL, 1997, p. 89)

Analisando o trecho previamente citado, deduz-se, portanto, que Hegel trata a pena tal qual um direito do criminoso, por ter sido fruto de sua vontade racional, como se fosse uma maneira de sua liberdade existir. A pena, então, é tomada como uma consequência ou algo esperado, que já pertence à vontade existente de se cometer um crime.

Ao considerar a pena como um direito do indivíduo, o criminoso está sendo dignificado tal qual um ser racional. Para Hegel (1997, p. 90), essa dignificação do delinquente ocorre justamente porque o conceito e a extensão da pena foram determinados pela natureza do ato criminoso, diferentemente do que acontece nas teorias preventivas, nas quais a pena é definida conforme a possibilidade de se evitar futuros delitos, o que seria o mesmo que tratar o infrator como um animal perigoso que se tenta intimidar ou corrigir.

Quanto à grandeza da pena, Hegel lhe atribui um conteúdo talional (BITENCOURT, 2012, p. 137), no entanto para aquelas situações em que o princípio de talião seja irrealizável, o substitui pela ideia de equivalência entre pena e delito. (ROXIN, 1997, p. 83)

Essa tal equivalência entre pena e delito não parte de uma igualdade qualitativa, como ocorre na concepção de roubo por roubo, olho por olho e dente por dente, mas sim de uma igualdade de valor. (HEGEL, 1997, p. 90) Uma igualdade qualitativa pode até ser a regra para a essência do que o criminoso merece, mas não para a forma exterior desta pena, a qual “cumpre à inteligência procurar a aproximação da igualdade de valor”. (HEGEL, 1997, p. 92) Esse pensamento é uma forma de evitar que os cidadãos relacionem pena e delito como uma ligação entre duas coisas nocivas:

(19)

Portanto, a forma encontrada por Hegel para retirar da pena a imagem de algo nocivo foi substituir o conceito de igualdade qualitativa defendida por Kant pelo de igualdade valorativa. Dessa forma, consegue-se punir os crimes mais graves com maior rigor, sem que se transmita ao cidadão a sensação de que aquela pena é algo danoso.

2.1.3 Considerações críticas às teorias absolutas ou retributivas

Um dos aspectos positivos trazidos à baila pelas doutrinas absolutas ou retributivas foi o “estabelecimento de limites à imposição de pena, como garantia do indivíduo frente ao arbítrio estatal”. (BITENCOURT, 2012, p. 139)

De fato, a tese retributiva kantiana, ao propor que o homem é um fim em si mesmo e não pode ser usado como meio para outros fins, demonstra ter, até certo ponto, uma feição garantista, pois se preocupa com a liberdade e dignidade do ser humano. (BITENCOURT, 2012. p. 139)

Na teoria hegeliana também se verifica essa atenção dada ao princípio da dignidade humana e da liberdade individual, notadamente quanto à aplicação do princípio da culpabilidade, o qual preceitua que a pena se justifica como retribuição adequada ao autor do injusto culpável. (BITENCOURT, 2012, p. 139)

O simples fato de definirem a pena como uma retribuição do delito, que não pode ser aplicada ao livre arbítrio do soberano, já serve como uma limitação ao poder de punir. A pena só será aplicada por causa de um acontecimento pretérito, o delito, e não como forma de se obter nenhuma outra consequência que porventura se aproveite do criminoso para outros fins. Essa tentativa de freio aos abusos punitivos foi um grande avanço extraído das teorias retributivas, no entanto se revelaram insuficientes para impedir toda e qualquer pena cruel ou excessiva, pois a medida de pena ideal ainda era baseada na lei de talião.

Em relação aos equívocos teóricos do raciocínio retributivo, Ferrajoli (2006, p. 239) destaca a confusão feita quanto à diferenciação entre a legitimidade externa da pena, equivalente à pergunta “porquê punir”, e a legitimação interna, referente ao questionamento “quando punir?”:

É claro […] que as doutrinas que conferem à sanção penal o “objetivo” de retribuir, de reparar ou de reprimir os delitos, na verdade elidem o problema da justificação externa da pena. Com efeito, dizer que a pena é justificada ob malum actionis […]

(20)

A grande carência das teorias absolutas reside na sua incapacidade de explicar porque uma pena é aplicada a alguém. Ao justificar a finalidade da pena no fato de um delito ter sido cometido, as teorias retributivas apenas conseguem responder quando é lícito punir, o que é insuficiente para que se descubra a finalidade da pena.

Para o pensador italiano, a legitimação interna da pena admite o princípio retributivo, no entanto o mesmo não se aplica à legitimidade externa, na qual prevalece o princípio preventivo. Assim, Ferrajoli (2006, p. 239) ensina que, quanto à questão da legitimidade externa da pena (porquê punir) deve-se utilizar a teoria preventiva, pensando no futuro, com uma função mais utilitarista da pena, ou seja, ao se indagar “por quê eu puno um criminoso?” deve-se responder “porque eu quero evitar que ele cometa crimes”. Por outro lado, com relação à legitimidade interna da pena (quando castigar), admite-se a utilização da teoria retributiva, afinal a condição necessária da pena é o cometimento de um crime. Logo, ao se questionar “quando é lícito punir alguém?”, a resposta deve ser “quando alguém cometer um crime”.

As doutrinas retributivas se satisfazem com a ideia de que a pena retribuição possui um valor intrínseco enquanto fim em si própria e isso faz com que essas doutrinas só possam ser explicadas caso seja realizada uma confusão entre legitimação externa e justificação interna, que como já explicado são coisas distintas. (FERRAJOLI, 2006, p. 239)

2.2 Teorias relativas, preventivas ou utilitaristas

Tanto para as doutrinas absolutas como relativas, a pena é considerada um mal necessário, entretanto, enquanto que para as primeiras a aplicação da pena é baseada na ideia de realização de justiça, no que se refere às segundas a pena constitui um meio para se alcançar objetivos futuros, notadamente a inibição de novos delitos. (BITENCOURT, 2012, p. 140)

A função utilitarista da pena adquiriu grande importância no pensamento penal reformador da época do iluminismo. Essa filosofia penal foi responsável por se importar com o bem-estar e a utilidade dos governados, ou seja, ao propor que a pena servia para prevenir futuros crimes, a teoria preventiva valorizava a grande maioria da população que não comete delitos, pois elas se beneficiariam com a diminuição da violência. (FERRAJOLI, 2006, p. 242/243)

(21)

objetivo a prevenção de infrações penais.

A reforma penal trazida pelos doutrinadores utilitaristas provocou uma grande mudança de pensamento quanto à medida e hipóteses de aplicação das penas. Se antes a justiça criminal servia como fonte de retaliação, a meta agora era punir sem vingar. (FOUCAULT, 1987, p. 110) De fato, uma punição que não atende a motivos privados se torna justa aos olhos da população, servindo melhor aos princípios preventivos da pena, diferentemente de uma punição injusta e excessivamente cruel que corre mais o risco de voltar o cidadão contra quem está punindo do que impedi-lo de cometer crimes.

As teorias preventivas serão apresentadas nos tópicos seguintes e se dividem em quatro, conforme o apresentado por Ferrajoli:

[…] todas essas doutrinas podem, portanto, ser distinguidas segundo dois critérios, quais sejam: aquele que diz respeito à esfera dos destinatários da prevenção, geral ou especial, dependendo do fato de que o ne peccetur refira-se somente à pessoa do

delinquente ou aos cidadãos em geral; e aquele que diz respeito à natureza das prestações da pena, positivas ou negativas, dependendo dos destinatários da prevenção penal. Combinando os dois critérios, teremos quatro tipos de doutrinas relativas ou utilitaristas, caracterizadas, respectivamente, pelas quatro finalidades preventivas supradescritas, ou seja: aa) doutrinas da prevenção especial positiva ou

da correção, que conferem à pena a função positiva de corrigir o réu; ab) doutrinas da prevenção especial negativa ou da incapacitação, que lhe dão a função negativa

de eliminar ou, pelo menos, neutralizar o réu; ba) doutrinas da prevenção geral positiva ou da integração, que lhe atribuem a função positiva de reforçar a fidelidade

dos cidadãos à ordem constituída; bb) doutrinas da prevenção geral negativa ou da

intimidação, que lhe conferem a função de dissuadir os cidadãos por meio do exemplo ou da ameaça que a mesma constitui. (FERRAJOLI, 2006, p. 245)

Para Ferrajoli (2006, p. 243), as doutrinas utilitaristas têm como base a máxima utilidade possível garantida à maioria formada pelos não desviantes e o mínimo sofrimento necessário a ser impingido à minoria formada pelos desviantes. Tais bases são explicitadas na obra de Foucault (1987, p. 114) quando o filósofo comenta que os efeitos mais intensos da pena devem se dar em relação àqueles que não cometeram a falta, pois a eficácia da pena está na desvantagem que se espera dela, além disso deve-se escolher os meios de aplicação da pena que melhor causarão no espírito do povo a impressão mais eficaz e mais durável de que não vale a pena cometer crimes, sendo ao mesmo tempo aquela menos cruel para o corpo do condenado.

2.2.1 A prevenção especial positiva e negativa

(22)

sem afrontar a existência alheia com ações delitivas. (ZAFFARONI, 2011, p. 98) Tal doutrina utilitarista é definida como positiva quando tenta corrigir o réu e como negativa quando tenta neutralizá-lo. Todas essas orientações dizem respeito muito mais aos autores dos crimes do que ao fato típico propriamente dito, o que, além de prevenir delitos, acarreta uma utilização do direito penal para transformar as personalidades divergentes desses sujeitos por meio de projetos de neutralização e eliminação. (FERRAJOLI, 2006, p. 247)

A prevenção especial positiva tem como objetivo a prevenção de delitos por meio da correção do réu. Isso significa que a pena funciona como um processo de ressocialização do delinquente, de forma a que ele saia da execução penal transformado em um cidadão que não comete delitos. Conforme Bitencourt (2012, p. 151) expõe, o delito é tratado como um dano social e o delinquente passa a ser um perigo social, uma pessoa anormal, que põe em risco a nova ordem.

A prevenção especial negativa ocorre com a segregação do agente criminoso do meio social em que ele vive, colocando-o no cárcere. Estando preso, o infrator não tem como praticar novas infrações penais, pelo menos junto à sociedade da qual foi retirado. Logo, a neutralização do agente se dá sempre que ele sofrer uma pena privativa de liberdade. (GRECO, 2010, p. 466)

Os preceitos da teoria da prevenção especial não ficaram imunes a críticas. Roxin (1997, p. 88), por exemplo, assevera que o defeito mais grave da teoria relativa especial foi não ter definido uma medida exata para a pena, pois, conforme tal doutrina, o condenado está sujeito à punição até que se ressocialize, o que gera a aplicação de penas de duração indeterminada. Tal pensamento foi apoiado por Ferrajoli (2006, p. 252), que explica que essas penas estão sujeitas a mutações dependendo das variações das necessidades corretivas. Pode-se dizer, então, que a pena dura até o réu ficar “curado”, gerando grande inPode-segurança jurídica.

Por ter como fundamento a ressocialização do réu, a doutrina utilitarista especial não sabe como proceder para com aqueles indivíduos que não necessitam de reabilitação, reeducação ou ressocialização. (ROXIN, 1997, p. 89)

(23)

O homem é um ser livre e isso inclui a sua escolha em cometer delitos. A pena que tem como finalidade corrigir, reeducar, ressocializar o delinquente fere a liberdade desse indivíduo, fere o respeito ao ser humano como um ser livre e autônomo da consciência. Além disso, a possibilidade de se deixar o Estado utilizar-se da pena para corrigir as pessoas é uma forma perigosa de se incentivar a tirania, pois se atribuiria ao Estado poderes além dos necessários. Sob a sua própria mente o indivíduo pode fazer o que bem entender, mesmo que isso lhe implique consequências negativas, porém o Estado não pode, nem deve, querer corrigir o indivíduo para que ele não tome mais as suas próprias escolhas. (FERRAJOLI, 2006, p. 253)

Outra objeção feita às doutrinas utilitaristas especiais é que somente as penas carcerárias estariam ligadas à função ressocializadora, deixando-se de fora as penas pecuniárias e até mesmo a prisão domiciliar. No entanto, o presídio não desempenha lugar apto à reabilitação do réu, pelo contrário, possui forte feição criminógena de educação e solicitação ao crime. (FERRAJOLI, 2006, p. 253)

Tem-se também que algumas correntes do pensamento correcionalista classificam o criminoso como um ser anormal e inferior, que precisa ser controlado ou neutralizado para impedir a ocorrência de novas infrações. Essa forma de raciocinar pode dar espaço a ideologias desumanas como as da criação e eliminação eugênica. (FERRAJOLI, 2006, p. 253)

Certamente, num direito penal contemporâneo, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, não existe mais espaço para doutrinas que consideram algumas pessoas inferiores a outras como justificativa para a aplicação de punições ou de meios de controle. Não se pode esquecer, conforme lembrado por Ferrajoli (2006, p. 255), que as doutrinas correcionalistas eram também as prediletas de governos autoritários, pois permitiam que se criasse uma subjetivação dos pressupostos da pena que justificavam modelos e práticas penais ilimitadamente repressivas.

(24)

2.2.2 A prevenção geral positiva

A teoria da prevenção geral crê que a prevenção de delitos deve ocorrer por meio de ameaças penais dirigidas à comunidade, de forma que os cidadãos sejam instruídos com relação a essas proibições penais e se oponham a violá-las. A teoria atual se divide entre prevenção geral positiva e negativa. (ROXIN, 1997, p. 89)

A prevenção geral positiva atribui à pena uma “finalidade pedagógica e comunicativa de reafirmação do sistema normativo, com o objetivo de oferecer estabilidade ao ordenamento jurídico”. (BITENCOURT, 2012, p. 145) Ou seja, a pena ensina aos membros da coletividade que o sistema de regras e normas tem valor e deve ser respeito para que a ordenação jurídica como um todo siga sem conflitos.

O aspecto positivo da prevenção geral consiste exatamente em reforçar a confiança que as pessoas possuem no poder de execução do ordenamento jurídico. Dessa forma, a pena tem a missão de demonstrar a inviolabilidade do ordenamento jurídico ante a comunidade jurídica e, assim, reforçar a confiança jurídica do povo. (ROXIN, 1997, p. 91)

Para Roxin (1997, p. 91/92) a prevenção geral positiva defende três efeitos distintos, quais sejam, a aprendizagem, a confiança e a pacificação. O efeito da aprendizagem se desenvolve com a motivação sociopedagógica que a norma gera na população, o efeito da confiança surge quando o cidadão vê o direito penal ser efetivamente aplicado e o efeito da pacificação ocorre quando a consciência jurídica geral se tranquiliza, pois sabe que a sanção solucionará o conflito entre o autor do delito e o descumprimento da lei.

Ferrajoli (2006, p. 256/257) considera que a teoria da prevenção geral positiva, ao conferir às penas uma função de integração social, se inscreve na fonte do legalismo e estatalismo ético, pois apoia o reforço geral da fidelidade ao Estado. O pensador italiano também critica o fato dessa teoria ser solidária com modelos de direito penal máximo e ilimitado, indiferentes à tutela dos direitos da pessoa, pois estaria preocupada somente em reduzir o indivíduo à condição de subsistema físico-psíquico subordinado às exigências do sistema social geral. Ademais, o ponto de vista da justificação externa desaparece nessa teoria, dando lugar somente à justificação interna, que atua como simples instância funcional da autoconservação do sistema político.

2.2.3 A prevenção geral negativa

(25)

da intimidação proporcionada aos membros da sociedade. Essa teoria se divide em dois subgrupos: o primeiro define que a intimidação se encontra na ameaça da pena contida na lei, o que ficou conhecido por “teoria da ameaça legal”, o segundo estabelece que tal intimidação reside no exemplo fornecido pela aplicação da pena, que se dá com a condenação, essa subdivisão é conhecida por “teoria da pena exemplar”. (FERRAJOLI, 2006, p. 257)

O conceito de pena como “ameaça legal” prescreve que a punição é uma ameaça da lei aos cidadãos, com o objetivo de que eles deixem de cometer delitos. A pena age, portanto, como uma coação psicológica para evitar a ocorrência de crimes. Essa hipótese fez com que o poder existente em uma punição física fosse substituído pelo poder sobre a psique do indivíduo, afinal não fazia sentido ignorar a capacidade racional do homem em sopesar vantagens e desvantagens antes de cometer um delito, por isso a pena como coação psicológica desempenha uma função de limitar os impulsos existentes em direção ao cometimento de um delito. (BITENCOURT, 2012, p. 142)

A concepção de “pena exemplar”, ou seja, a ideia de que a pena serve de exemplo para que outras pessoas não cometam crimes, teve em Cesare Beccaria, autor da obra Dos Delitos e Das Penas, um de seus principais defensores. Para ele, é melhor prevenir os delitos do que puni-los, pois o legislador sábio deve antes impedir o mal do que repará-lo, dessa forma estar-se-ia proporcionando aos homens o maior bem-estar possível e preservando-lhes dos sofrimentos que a ocorrência de um delito possa causar. (BECCARIA, 1999, p. 130)

Beccaria (1999, p. 41/42) explica que, durante o surgimento das sociedades, os homens, apesar de livres, viviam no meio de temores e incertezas, pois a qualquer momento algum indivíduo poderia tomar a liberdade de seu semelhante. Para que pudessem viver com mais segurança, os homens sacrificaram uma pequena porção de suas liberdades individuais em prol do bem geral, de forma a que se formasse a soberania da nação. Aquele responsável por cuidar desse depósito de liberdades foi proclamado o soberano e as penas surgiram como instrumentos necessários para impedir que os infratores das leis violassem a liberdade das outras pessoas. O pensador italiano elucida, dessa maneira, qual o fundamento do direito de punir:

Foi portanto, a necessidade que constrangeu os homens a cederem parte da própria liberdade: é certo, pois, que cada um só quer colocar no depósito público a mínima porção possível, apenas a que baste para induzir os outros a defendê-lo. A agregação dessas mínimas porções possíveis forma o direito de punir, tudo o mais é abuso e não justiça, é fato, mas não é direito. […] (BECCARIA, 1999, p. 43)

(26)

prevenção geral negativa, como, por exemplo, a necessidade de que as penas estejam claramente definidas nas leis feitas pelo povo, pois dessa forma os cidadãos poderão calcular exatamente os inconvenientes de uma ação reprovável.

Seguindo essa linha de pensamento, as penas devem ser proporcionais aos delitos, pois, de nada adianta dois crimes que atinjam desigualmente a sociedade receberem o mesmo castigo, tal situação faria com que o criminoso simplesmente escolhesse o crime que lhe fosse mais vantajoso. As penas, portanto, devem ser mais fortes à medida que o delito for mais perigoso ao bem público e possuir maior probabilidade de se tornar rotineiro. (BECCARIA, 1999, p. 50)

As teorias da prevenção geral negativa têm o mérito de não confundirem o direito com a moral, pois têm como alvo os membros da comunidade de uma forma geral, no entanto sem valorizar aprioristicamente a obediência política às leis. (FERRAJOLI, 2006, p. 257)

Outra vantagem de tais teorias reside no fato de que elas conseguem servir como fundamento para três princípios garantistas fundamentais: o princípio da estreita legalidade, o da materialidade dos delitos e o da culpabilidade e responsabilidade pessoal. O primeiro princípio é assegurado pois a melhor forma de prevenir delitos é por meio de tipos penais exatos e bem definidos. A materialidade dos delitos é reforçada pois só é possível prevenir as ações exteriores das pessoas e não o seu estado de ânimo, por exemplo. Por fim, preserva-se o princípio da culpabilidade pessoal porque as ações passíveis de prevenção por meio de tal teoria são somente aquelas culpáveis e voluntárias. (FERRAJOLI, 2006, p. 259)

Apesar de suas virtudes, a prevenção geral negativa, para Ferrajoli (2006, p. 260), não impede o terrorismo penal legislativo, pois se a intimidação ocorre com a quantidade de pena prevista em lei, nada impede que surjam elevadas e severas penas cominadas aos delitos, o que iria de encontro ao garantismo penal proposto pelo pensador italiano. Diante disso, a finalidade da pena como prevenção negativa não seria suficiente para limitar as penas dentro de um modelo penal mínimo e garantista. Ferrajoli (2006, p. 261) acredita que a finalidade da pena não estaria apenas na prevenção de delitos, mas também no impedimento de punições excessivas e incontroladas.

2.3 Teorias mistas ou unificadoras

(27)

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Verifica-se da leitura do dispositivo normativo que a pena deve ser suficiente para reprovar e prevenir o crime, daí retira-se a essência do que é a teoria mista ou unificadora: uma mescla entre as teorias retributivas e preventivas. Para a teoria mista, a pena deve ter como fundamento o cometimento de um delito, no entanto a sua finalidade deve ser a prevenção de novos crimes.

A teoria unificadora surge da necessidade de superação das críticas existentes às teses sustentadas pelas teorias monistas, pois nem as teorias absolutas nem as relativas conseguiram, por si só, abranger a pluralidade funcional da pena. Diante disso, surge a teoria mista ou unificadora com o grande mérito de diferenciar fundamento e fim da pena, fato que não acontecia nas teorias monistas. (BITENCOURT, 2004, p. 142)

Para Bitencourt (2012, p. 153), a teoria mista sustenta que o fundamento da pena deve se basear somente no fato já praticado, ou seja, no delito. Partindo desse preceito, afasta-se o principal equívoco cometido pelas teorias preventivas, qual afasta-seja, a prioridade outorgada à justificação externa da pena (por que punir), sem antes oferecer resposta à sua justificação interna (quando punir).

De fato, a teoria da prevenção geral negativa não é capaz de explicar por que o cometimento de um crime por um indivíduo culpável é condição necessária da pena. Também a teoria da prevenção geral positiva não consegue justificar a pena com base em valores tangíveis e limitadores à ação de punir do Estado. Por último, a doutrina da prevenção especial peca em definir quando é legítimo punir, pois, para ela, a pena fundamenta-se no que o criminoso pode vir a realizar caso não seja ressocializado e não na prática do delito realizado. (BITENCOURT, 2012, p. 154)

Da mesma forma, a teoria retributiva, por si só, não seria suficiente para explicar a pena, pois, conforme já explicitado, ela confunde o fim da punição com a sua fundamentação. Para tal doutrina, o fim da pena está relacionado com um fato pretérito, quando na verdade isso deveria corresponder ao seu fundamento.

(28)

alemão de 1962, vê na retribuição o fundamento da pena, tendo a prevenção apenas um papel complementar dentro dessa linha retributiva. A segunda, definida como progressista, inverte os termos da relação, pois prevê como fundamento da pena a defesa da sociedade, ou seja, a proteção de bens jurídicos, ficando a retribuição somente com a incumbência de limitar as exigências da prevenção. Apesar dessas diferenças, todas as teorias mistas coincidem em conceber a função do direito penal como proteção da sociedade.

(29)

3. PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

A pena privativa de liberdade, como o próprio nome diz, priva o agente delitivo de sua liberdade, notadamente por meio de seu recolhimento ao cárcere ou a outro estabelecimento definido em lei. Para Bitencourt (2004, p. 154), a pena de prisão, desde a sua instauração como principal forma de punição estatal, especialmente a partir do século XIX, tem se mostrado incapaz de atingir seus objetivos primordiais, quais sejam, a ressocialização do delinquente e a prevenção de delitos. Apesar de uma esperança inicial de que o cárcere seria um meio apropriado para a consecução de todos os objetivos da pena, atualmente predomina uma atitude derrotista quanto aos resultados possíveis de se conseguir com a prisão tradicional:

[…] A crítica tem sido tão persistente que se pode afirmar, sem exagero, que a prisão está em crise. Essa crise abrange também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que se faz à prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa – de obter algum efeito positivo sobre o apenado. (BITENCOURT, 2004, p. 154)

Mirabete (2009, p. 238) corrobora o pensamento de Bitencourt, ao afirmar que a pena de prisão teve como mérito a substituição das penas aflitivas, castigos corporais e mutilações, no entanto ela se mostrou insuficiente na hora de ressocializar o delinquente.

Ferrajoli (2006, p. 378/380) também tece considerações acerca da pena carcerária afirmando que a pena privativa de liberdade não consegue atingir os objetivos de prevenir delitos ou vinganças privadas, dado ao caráter criminógeno das prisões, que mais funcionam como escolas de delinquência e de recrutamento da criminalidade organizada. Ferrajoli sugere, portanto, a superação ou, ao menos, uma redução da duração da pena privativa de liberdade, instituição cada vez mais carente de sentido, que produz um custo de sofrimentos não compensados por apreciáveis vantagens para quem quer que seja. A pena de prisão para o autor possui muitos elementos de aflição física, que diferem das antigas penas corporais apenas pelo fato de não estarem concentradas no tempo, mas sim dilatadas ao longo da duração da pena. Some-se à aflição física também a psicológica, traduzida no isolamento, sujeição disciplinária, perda da sociabilidade e da afetividade.

(30)

em vista que mantém os condenados na ociosidade e multiplica-lhes os vícios. Dessa forma, um criminoso eventual que adentra ao meio carcerário se transforma em um delinquente habitual, fazendo com que se elevem as taxas de reincidência. Ainda existe o risco de se expor os sentenciados às arbitrariedades de seus guardiães, pois é difícil controlar o cumprimento desse tipo de pena.

Apesar dos defeitos existentes na pena privativa de liberdade, Mirabete (2009, p. 238) considera que “continua ela a ser único recurso aplicável para os delinquentes de alta periculosidade.” Também Bitencourt (2012, p. 505) assevera que a prisão é uma exigência amarga, porém imprescindível, por isso deve sempre passar por reformas progressivas.

Como substituição às penas privativas de liberdade, Ferrajoli (2006, p. 385) sugere a experiência das chamadas “medidas alternativas”, como a prisão domiciliar, a limitação de fim de semana, a semiliberdade, dentre outras. Essas medidas são atualmente utilizadas como complementos à pena privativa de liberdade, porém o que Ferrajoli sugere é que elas sejam elevadas à categoria de penas principais, a longo prazo para todos os delitos e imediatamente para os delitos menos graves.

Diante do exposto, verificou-se que a pena de prisão deveria ser utilizada somente em casos excepcionais (delitos mais graves e com penas de longa duração), devendo ser evitada para penas curtas. Não tão drástica quanto a solução fornecida por Ferrajoli, mas se baseando na necessidade de reformas constantes em relação à pena privativa de liberdade e de criação de penas alternativas ao cárcere, a legislação penal brasileira adotou uma nova posição quanto à forma de tratamento da pena de prisão, conforme demonstra o item 26 da exposição de motivos da nova parte geral do código penal brasileiro, ao prescrever que uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere.

(31)

3.1 Reclusão, detenção e prisão simples

A pena privativa de liberdade é dividida em três espécies: reclusão, detenção e prisão simples. Essa última só é aplicada para as contravenções penais e possui algumas características específicas como o fato de só comportar os regimes semiaberto e aberto e a proibição de se inserir o contraventor condenado no mesmo lugar dos criminosos. (NUCCI, 2011, p. 402)

Explica o artigo 6º da Lei de Contravenções Penais que “a pena de prisão simples deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto ou aberto.”.

Quanto às penas de reclusão e detenção, ambas destinam-se à punição de crimes, no entanto comportam marcantes diferenças entre si. Bitencourt (2012, p. 517) explica que “somente os chamados crimes mais graves são puníveis com pena de reclusão, reservando-se a detenção para os delitos de menor gravidade.”. Essa afirmação corrobora a principal distinção entre essas espécies de penas privativa de liberdades, prevista no artigo 33 do Código Penal: a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto e a de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

Infere-se da norma do artigo 33 do Código Penal que o condenado a uma pena de detenção não pode iniciar o seu cumprimento em regime fechado, no entanto pode vir a ser transferido para esse regime caso sofra uma regressão.

Outra diferença é que a reclusão, segundo o artigo 92, II, do Código Penal pode ter como efeito da condenação a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos a esse tipo de pena, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado.

Verifica-se outra forma de tratamento diferenciado entre esses dois institutos quando o artigo 97 do Código Penal permite que o juiz submeta a internação ou a tratamento ambulatorial um agente inimputável que cometeu um crime punido por detenção, enquanto que para o inimputável que comete delitos punidos com reclusão o juiz só pode decidir pela sua internação.

No tocante à aplicação cumulativa de penas, a execução da reclusão tem prioridade, portanto é cumprida em primeiro lugar, já a detenção só é executada depois, conforme explica a parte final do caput do artigo 69 do Código Penal.

(32)

privativa de liberdade obedece a toda uma estrutura do nosso ordenamento jurídico-penal, o que não se resume a uma simples divisão terminológica.”, ou seja, para ele faz sentido haver uma distinção entre reclusão e detenção. Em opinião contrária, Nucci (2013a, p. 333) considera que essa separação deveria ser extinta, pois as diferenças existentes entre ambas são mínimas e, na prática, quase sempre irrelevantes.

3.2 Fixação inicial do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade

A pena privativa de liberdade pode ser cumprida nos regimes fechado, semiaberto e aberto, cada qual com suas regras específicas. Segundo Bitencourt (2012, p. 604) “[…] os regimes são determinados fundamentalmente pela espécie e quantidade da pena e pela reincidência, aliadas ao mérito do condenado, num autêntico sistema progressivo”. O juiz ao proferir uma sentença condenatória deve se basear nas regras do artigo 33, § 2º e 59 do Código Penal para definir o regime inicial de cumprimento de pena do condenado.

O condenado a pena de reclusão superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; aquele condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a oito, poderá, desde o início, cumpri-la em regime semiaberto e, por fim, o definitivamente sentenciado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá iniciar o seu cumprimento em regime aberto. (BRASIL. Código Penal, 1940, art. 33, § 2°)

Da leitura do dispositivo normativo anteriormente citado, verifica-se que existe uma imposição legal para que o condenado a pena superior a oito anos inicie o seu cumprimento em regime fechado, no entanto, para os demais casos, cabe ao juiz decidir em qual regime colocar o sentenciado, atendendo às condições judiciais previstas no artigo 59 do código penal. Inclusive, conforme entendimento da súmula 719 do STF: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.”. Portanto, caso haja motivos plausíveis, o juiz pode impor regime mais grave aos condenados a penas menores de oito anos, desde que o faça mediante motivação idônea. (BRITO, 2011, p. 238)

(33)

(2012, p. 753) os elementos constantes do artigo 59 do código penal “não são efetivas circunstâncias do crime, mas critérios limitadores da discricionariedade judicial, que indicam o procedimento a ser adotado na tarefa individualizadora da pena-base”.

A culpabilidade a que se refere o artigo previamente citado não é aquela analisada em conjunto com a tipicidade e antijuridicidade, a qual é tida como fundamento da pena, mas sim uma culpabilidade que se impõe como limite da punição. Aqui se analisa a maior ou menor censurabilidade do comportamento do agente, ou seja, o quão reprovável fora a conduta delituosa. Analisa-se também a situação concreta em que o crime fora cometido e se havia uma maior ou menor exigibilidade de conduta diversa por parte do agente. (BITENCOURT, 2012, p. 754) A culpabilidade aqui elencada é a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem, sendo, portanto, uma culpabilidade em sentido lato, podendo-se inclusive sustentar que tal circunstância é a avaliação de todos os fatores do artigo 59 do código penal em conjunto. (NUCCI, 2013a, p. 427)

Os antecedentes são os fatos passados praticados pelo réu, que constituem o seu histórico criminal. Segundo Nucci (2013a, p. 428/431) existem duas posições predominantes quanto ao que se pode considerar antecedentes criminais: a primeira considera tudo o que consta na folha de antecedentes do réu, inclusive inquéritos instaurados, processos criminais em andamento, absolvições por insuficiência de provas, prescrições abstratas, retroativas e intercorrentes; a segunda posição considera como antecedente somente as condenações com trânsito em julgado não mais aptas a gerar reincidência.

Bitencourt (2012, p. 754/755) e Greco (2010, p. 537) são partidários da segunda corrente, pois consideram que é a que melhor se amolda a uma nova ordem constitucional do direito penal e ao princípio da presunção de inocência. Nucci (2013a, p. 430/431) também vê acertada a segunda corrente, que não leva em conta fatores transitórios ou concluídos positivamente para o réu como causa de majoração, no entanto, quando for o caso de análise da decretação de uma medida cautelar, dever-se-ia utilizar preferencialmente a primeira posição, pois seria a mais adequada para verificar se o réu é perigoso à sociedade.

A conduta social é o “comportamento do agente em seu meio social, na família, na sociedade, na empresa, na associação do bairro, etc” (BITENCOURT, 2012, p. 756) Não se confunde com antecedentes penais, pois não buscam traduzir o passado criminal do agente, mas sim o seu comportamento perante a sociedade, ausente qualquer figura típica incriminadora. (GRECO, 2010, p. 538)

(34)

analisar a personalidade do delinquente, pois seria necessária uma observação profunda da vida do agente, a começar pela sua infância, o que seria melhor realizado por profissionais de saúde.

Os motivos do crime são as razões que levaram o agente delitivo a cometer o crime. (GRECO, 2010, p. 53) Segundo Nucci (2013a, p. 435/436) “todo crime tem um motivo, que pode ser mais ou menos nobre, mais ou menos repugnante.” Quanto mais reprovável a motivação do crime, maior a exasperação da pena-base e também pior o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade.

Quanto às circunstâncias do crime, essas se referem aos meios utilizados, objeto, tempo, lugar, forma de execução e outras semelhantes. (BITENCOURT, 2012, p. 757) Tais circunstâncias judiciais são aquelas que devem ser formadas pela análise e discernimento do juiz. (NUCCI, 2013a, p. 436)

Segundo Nucci (2013a, p. 436/437) e Bitencourt (2012, p. 757) as consequências do crime são aqueles resultados que advêm da conduta delitiva, mas que transcendem o tipo penal, ou seja, é a danosidade decorrente do crime que não deve ser confundida com a consequência natural tipificadora do delito praticado.

O último elemento que serve como critério para embasar a decisão do magistrado na hora de fixar o regime inicial de cumprimento de pena é o comportamento da vítima e de que forma essa atitude incitou a provocação do crime. Conforme explica Bitencourt (2012, p. 757/758) “Esses comportamentos são, não raro, verdadeiros fatores criminógenos, que, embora não justifiquem o crime, nem isentem o réu de pena, podem minorar a censurabilidade do comportamento delituoso […]”. Greco (2010, p. 542) ensina que, caso a conduta da vítima já esteja inserida em determinado tipo penal, ela não pode ser considerada, por mais de uma vez, em privilégio do agente.

A quantidade de pena prevista no artigo 33 do código penal serve como parâmetro para fixação do regime inicial dos réus primários. Como regra, o lugar do reincidente é no regime fechado, independentemente da quantidade da pena, no entanto, tal imposição foi flexibilizada em razão da súmula 269 do superior tribunal de justiça, a qual permite a aplicação do regime semiaberto aos reincidentes condenados a penas inferiores a quatro anos. Para Brito (2011, p. 239) tal entendimento sumulado demonstra “[…] que a reincidência, embora proporcione uma situação desfavorável ao condenado, determina regime mais severo e não o mais severo.”.

(35)

regime inicial de cumprimento de pena. (BRASIL. Lei n° 7.210, 1984, art. 111) Acrescenta o parágrafo único do artigo 111 da Lei de Execução Penal que “Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se à pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime”. Portanto, havendo várias condenações, deve-se levar em conta a totalidade das penas para definir o regime condizente.

Agora que os critérios definidores da fixação inicial do regime de cumprimento de pena privativa de liberdade foram explanados, inclusive com relação aos réus reincidentes ou condenados por mais de um crime, cabe fazer um estudo acerca de como se dá a progressão de regime e, posteriormente, das regras a que estão sujeitos os presos nos diferentes regimes.

3.3 Progressão e regressão de regime

A pena privativa de liberdade deve ser cumprida de forma progressiva, ou seja, passando-se do regime mais rigoroso para o menos rigoroso. Greco (2010, p. 486) explica que a progressão é uma medida de política criminal que estimula o condenado a ir percorrendo os regimes de cumprimento de pena até chegar àquele menos rigoroso, o que faz com que o apenado mantenha a esperança de retornar ao convívio social pouco a pouco.

Bitencourt (2012, p. 612) acrescenta que a execução progressiva da pena faz com que o condenado vá conquistando gradualmente a sua liberdade, de forma que a pena a ser cumprida não será necessariamente aquela que veio a ser aplicada. Ainda nessa linha de pensamento, Nucci (2013a, p. 341) afirma que a progressão de regime é uma forma de incentivo à proposta estatal de promover a reeducação e ressocialização do apenado.

Percebe-se que a progressão de regime é um benefício oferecido ao condenado, porém, para que tenha direito à progressão, o apenado deve cumprir dois requisitos: um de ordem objetiva e outro de ordem subjetiva.

O requisito objetivo é de caráter temporal, qual seja, o cumprimento de 1/6 da pena em regime anterior. (BRASIL. Lei n° 7.210, 1984, art. 112) Diante de tal regra, conclui-se que o condenado não pode passar diretamente do regime fechado para o aberto, conclui-sem que passe obrigatoriamente pelo semiaberto. (BITENCOURT, 2012, p. 612) A progressão por “saltos”, portanto, não é permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Referências

Documentos relacionados

A)A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a exercer as funções de polícia judiciária

TribunAl DE JusTiçA Do EsTADo Do rio GrAnDE Do sul AGRAVO EM EXECUÇÃO - PRISÃO DOMICILIAR - AUSÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO PENAL ADEQUADO AO CUMPRIMENTO DE PENA NO

6 - A Lei de Execução Penal - Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo

a possibilidade de se permitir o estudo intra- muros, somada ao benefício da remição de pena por este mesmo estudo, apresenta-se como uma iniciativa inovadora - e promissora -

Introdução; 1 Da finalidade da Pena; 2 Da execução da pena privativa de liberdade; 2.1 Da Progressão de Regime; 3 Da execução penal 4 Das assistências previstas na Lei de

HABEAS CORPUS RECURSO EM HABEAS CORPUS AÇÃO PENAL AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO SUMÁRIO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE EXECUÇÃO DA PENA INFRACIONAL AÇÃO PENAL AUTO DE PRISÃO EM

A primeira República (1989-1930) registrou vários movimentos messiânicos, como o de Jua- zeiro, em torno do Padre Cícero. Identifique as proposições relacionadas a esse movimento na

Vale ressaltar, entretanto que, se o titular da ação penal, mesmo intimado, não propuser a execução da multa no prazo de 90 dias, o juiz da execução criminal