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REALEZA E CRISTIANIZAÇÃO NA INGLATERRA ANGLO-SAXÔNICA

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REALEZA E CRISTIANIZAÇÃO NA INGLATERRA ANGLO-SAXÔNICA

Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato*

Resumo: O trabalho pretende destacar as relações da Igreja com as realezas de Kent e da Northumbria nos primórdios da conversão dos anglo-saxões ao cristianismo através de cartas enviadas pela Santa Sé aos soberanos dos reinos em questão, e cujos teores foram transcritos por Beda em sua obra História eclesiástica do povo inglês.

Palavras-chave: Realeza – Cristianização – Inglaterra anglo-saxônica.

Abstract: The paper intends to point out Church’s acting in its relations with the royalties of Kent and Northumbria in the beginnings of the Anglo-Saxon conversion to Christianity through the letters sent by the Holy See to these kingdom’s sovereigns, and which contents were transcribed by Bede in his work Ecclesiastical history of the English people.

Key-words: Royalty – Christianity – Anglo-Saxon England.

No ano do Senhor de 597, um grupo de missionários desembarcou em Thanet, uma ilha situada ao sul do território que, séculos mais tarde, viria a ser conhecido como Engla lond, a Inglaterra. Enviados pelo papa Gregório Magno e liderados por Agostinho, sua missão consistia em levar o cristianismo aos anglo-saxões que, em meados do século V, haviam invadido e conquistado o referido território. Foi o primeiro passo de um caminhar para cujo avanço foi fundamental o apoio concedido pela realeza, o qual resultou na conversão e consequente expansão do cristianismo nos reinos anglo-saxônicos sob seu domínio. Nosso trabalho pretende destacar a atuação da Igreja em suas relações com as realezas de Kent e da Northumbria nas primeiras décadas do século VII através das cartas enviadas aos soberanos dos reinos em questão pelos papas Gregório Magno, Bonifácio V e Honório I, e cujos teores, transcritos por Beda em sua obra História eclesiástica do povo inglês, consideramos representativos das pretensões da Igreja quanto ao novo perfil religioso e político a ser adotado pelo poder real anglo-saxônico.

Escrita por Beda no mosteiro northumbriano de Jarrow e concluída em 731, a História eclesiástica do povo inglês1 constitui o primeiro relato sobre a Inglaterra anglo-saxônica.

*Mestre em História (UFRJ)

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Entre as várias cópias da obra, feitas tanto na Northumbria como em outros locais, quatro sobrevivem em manuscritos do século VIII.2 Baseada em documentos até onde foi possível ao seu autor, e fruto de amplas investigações, a História eclesiástica conta a maior parte do que é conhecido acerca dos eventos da época3, e constitui a principal fonte de qualquer narrativa sobre a cristianização dos povos ingleses.4

A religião cristã não era novidade na Inglaterra, remontando ao período da ocupação romana na então Bretanha. Contudo, embora o cristianismo já estivesse amplamente estabelecido na região meridional da Inglaterra no final do século IV, é tido como certo que, cerca de cem anos depois, essa mesma região era predominantemente, senão totalmente, mais uma vez pagã. Nos condados de Essex, Sussex e Surrey, em particular, um paganismo profundamente enraizado perdurou até o século VII5, e a religião cristã desapareceu quase totalmente, numa das raras ocasiões em que o cristianismo foi dominado pelo paganismo.6 A evangelização dos anglo-saxões foi realizada, simultaneamente, por missionários romanos ao sul e por missionários irlandeses ao norte.7 Estes últimos, em meados do século VI, haviam se estabelecido na ilha de Iona onde, em virtude de seu isolamento em relação a Roma, praticavam um cristianismo mais independente.8 Contudo, embora obedecendo a práticas litúrgicas diferentes – como, por exemplo, nos cálculos da data da Páscoa – romanos e irlandeses eram, acima de tudo, monásticos.9

O local onde Agostinho e seus companheiros desembarcaram localizava-se em Kent, um entre os vários reinos anglo-saxônicos que dividiam o recém-conquistado território, e aos quais a tradição costuma denominar de “heptarquia”, compreendendo os sete reinos de Kent, Essex, Sussex, Wessex, Ânglia Oriental, Mércia e Northumbria. Tal classificação, no entanto, constitui uma simplificação do esquema de Beda acerca dos três povos – anglos, saxões e jutos – que ocuparam as referidas regiões, uma vez que teria surgido apenas na primeira metade do século XII, quando Henry de Huntingdon lançou mão do rótulo em sua Historia

1 BEDE. Ecclesiastical history of the English people. Ed. D. H. Farmer. Trad. Leo Sherley-Price, rev. R. E.

Latham. 4th ed. Rev. London : Penguin, 1990. (EH)

2 FARMER, D. H. Introduction. In: BEDE. Op. Cit., p. 19.

3 CAMPBELL, J. The first Christian kings. In: CAMPBELL, J. (Ed.). The Anglo-Saxons. London : Penguin, 1991, p. 53.

4 WOOD, I. Conversion. In: LAPIDGE, M. et al. (Eds.). The Blackwell Encyclopaedia of Anglo-Saxon England. Malden, Massachusetts : Blackwell, 2008, p. 120.

5 BLAIR, P. H. Roman Britain and early England: 55 B.C. – A.D. 871. New York : W. W. Norton, 1966, p.

222-223.

6 HILL, J. História do cristianismo. São Paulo : Edições Rosari, 2008, p. 164.

7 HILL, J. Op. Cit., p. 171.

8 BLAIR, P. H. OP. Cit., p. 224.

9 WOOD, I. Op. Cit., p. 121; HILL, J. Op. Cit., p. 171.

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Anglorum. Embora a noção de “heptarquia” ainda prevaleça nas concepções sobre a primitiva história anglo-saxônica, ela é considerada como uma grosseira distorção, pois a realidade era bem mais complexa, em virtude da existência de outros reinos que, por sua vez, poderiam ser divididos entre co-herdeiros ou até mesmo entre vários membros de uma mesma família real.10

A monarquia não se assentava sobre o princípio da primogenitura, mas sobre o da hereditariedade. O trono deveria passar para um membro da família real11, não necessariamente um filho. Foi o caso, por exemplo, da Northumbria na primeira metade do século VII, onde o sucessor imediato de Ethelfrid não foi nenhum de seus filhos, e sim seu sobrinho Edwin, cujo filho, por sua vez, não foi seu sucessor.

A segurança de um reino dependia da habilidade de seu rei para vencer batalhas e intimidar seus vizinhos. Desse modo, ele assegurava o recebimento de tributos, através dos quais poderia distribuir riquezas a seus seguidores.12 Para melhor compreender esse mundo do poder, onde o rei era seu principal representante, costuma-se recorrer ao poema Beowulf, único épico secular sobrevivente em inglês antigo, visto fornecer indícios sobre a natureza do poder dos reis anglo-saxônicos. Nesse poema, quatro aspectos sobressaem: a importância do séquito nobre do rei, o qual também incluía membros oriundos de outros reinos; a indissolúvel conexão entre sucesso e presentes de ouro, visto que um bom rei doava e, como guardião do tesouro, criava expectativas de lealdade por parte de seus seguidores; a grande quantidade de armas de boa qualidade, consideradas como verdadeiras preciosidades, e sobre as quais os tesouros descobertos em Sutton Hoo fornecem elementos que se aproximam do poema; e, finalmente, a interminável insegurança associada às rixas entre famílias, decorrentes do sistema de sucessão anteriormente mencionado, o qual, ao incentivar a disputa pelo poder entre linhagens inimigas, fazia dos próprios parentes os mais perigosos inimigos de um rei 13. Tais aspectos descrevem, portanto, funções e atributos de uma realeza anglo-saxônica desprovida de qualquer tipo de conotação religiosa.

Além disso, havia uma hierarquia entre os detentores do poder, o que tornava a dignidade real algo relativa. Nessa pirâmide do poder, a base era ocupada pelos reis secundários e subalternos, cuja posição hierárquica devia-se ao fato de serem membros de dinastias conquistadas ou beneficiários de uma herança dividida. Acima destes, estavam os reis maiores

10 KEYNES, S. Heptarchy. In: LAPIDGE, M. et al. (Eds.). Op. Cit., p. 233; CAMPBELL, J. Op. Cit., p. 53.

11 BLAIR, P. H. Op. Cit., p. 239.

12 Ibidem, p. 252.

13 CAMPBELL, J. Op. Cit., p. 54-68.

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e, no topo da pirâmide, ficavam os reis maiores ainda.14 A tradição considera que, desde tempos remotos, teria havido um entre eles que detinha uma posição de proeminência sobre os demais. Tal posição, que não era de natureza hereditária e nem relativa a alguma família ou reino em especial, era obtida e conservada através da proeza militar. Beda considera-os como reis que exerceram um imperium, isto é, um tipo de autoridade diferente daquela detida por um governante dentro dos limites de seu próprio reino.15 Na Crônica Anglo-Saxônica, são denominados bretwaldas, palavra do inglês antigo que significa “governantes da Bretanha” ou

“amplos governantes”.16 Isso explica o fato de a conversão de reis identificados como bretwaldas ter levado à conversão de reis a eles subalternos. Foi o caso, por exemplo, de Ethelberto I de Kent e Oswaldo da Northumbria responsáveis, respectivamente, pelas conversões de Saberto, rei dos saxões orientais e Cynigils, rei dos saxões ocidentais.

Tal era, em linhas gerais, o cenário político encontrado pelos missionários dispostos a cristianizar os reinos anglo-saxônicos. No caso de Kent, as práticas cristãs não eram de todo desconhecidas, pois Bertha, a esposa franca de Ethelberto I, era cristã, tendo chegado ao reino acompanhada de um bispo igualmente franco, o qual ministrava os preceitos cristãos à rainha, que desfrutava de total liberdade para professar sua religião. O rei converteu-se em menos de um ano após a chegada de Agostinho, o qual se estabeleceu em Canterbury sob a proteção real.17

A conversão de Ethelberto, a primeira de um rei anglo-saxão, originou uma carta de Gregório Magno, escrita em 601 e cuja cópia Beda nos dá a conhecer em sua obra (EH I, 32).

Dirigida a “nosso excelente filho, o mais ilustre rei Ethelberto, rei dos ingleses”, nela se percebe, de imediato, que o todo poderoso rei doador, descrito no secular Beowulf, assume, na clerical missiva do pontífice, uma condição de intermediário das dádivas divinas: “A razão pela qual Deus Onipotente eleva bons homens para governar nações é porque, através deles, Ele pode conceder as dádivas de Sua misericórdia sobre todos os quais eles governam”.

Ethelberto é orientado pelo papa no sentido de conservar zelosamente a graça a ele concedida por Deus através da propagação da fé cristã entre seu povo, cuja conversão deve constituir sua primeira preocupação. Para tanto, o rei deverá mostrar a seus súditos “um exemplo através de suas boas ações”, reprimindo o culto aos ídolos e destruindo seus santuários, bem como elevar seus padrões morais através do encorajamento, da informação, da persuasão e da correção.

14 Ibidem, p. 53.

15 BLAIR, P. H. Op. Cit., p. 241-242.

16 CAMPBELL, J. Op. Cit., p. 53.

17 BLAIR, P. H. Op. Cit., p. 225-226.

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Desse modo, o reino de Cristo será sua recompensa, garantida por Deus. Além disso, seu nome se tornará glorioso para a posteridade, pois seu mérito irá ultrapassar o de todos os reis que o antecederam. Gregório Magno encerra sua missiva enviando a Ethelberto “alguns pequenos presentes” que, pelo fato de virem a ser recebidos com a bênção do bem-aventurado apóstolo Pedro, não irão parecer pequenos para o soberano, presentes estes que Beda considera como “honras terrestres” sobre o rei.

No caso da Northumbria pagã, o cristianismo também não era desconhecido no âmbito da família real, pois o rei Edwin havia se casado com a cristã Ethelberga, filha de Ethelberto de Kent e Bertha, também sob a condição de respeitar a religião da esposa, que chegou à Northumbria acompanhada de Paulino, membro de um grupo de missionários que havia chegado à Inglaterra em 601.18

A conversão de Edwin, contudo, foi bem mais demorada, ensejando uma intervenção da Santa Sé na pessoa de Bonifácio V, no intuito de convencer o rei a abandonar o paganismo, em carta cujo ano Beda identifica como c. 625 (EH II, 10). Dirigindo-se ao rei como “ilustre Edwin, rei dos ingleses”, Bonifácio esclarece o soberano acerca da submissão do poder temporal a Deus, pois como criador de todas as coisas e de todos os homens, “A Ele estão sujeitos todo o poder e toda a autoridade imperial; porque é através Dele que a realeza é conferida”. Desse modo, é possível notar que o pontífice faz alusão à teoria – baseada na definição estabelecida por Santo Ambrósio no século IV e ressuscitada pela Igreja no século seguinte – segundo a qual tanto o imperador como qualquer rei cristão estavam dentro da Igreja, e não acima dela.19 Edwin também é aconselhado a destruir os ídolos, considerados pelo papa como deuses artificiais, uma vez que, tendo sido fabricados pelos homens, são destituídos do sopro da vida e de inteligência. Dessa forma, ao comprovar a insignificância dos objetos de sua primitiva adoração, o rei será recompensado com a vida eterna, a ser concedida pela generosidade divina. Bonifácio conclui sua carta transmitindo a Edwin a bênção de Pedro, príncipe dos apóstolos, acompanhada de dois presentes – uma túnica adornada com ouro e um manto de Ancyra20, e aos quais o papa solicita que sejam aceitos com a mesma boa vontade com a qual foram por ele enviados.

A impaciência e a ansiedade de Bonifácio V quanto à conversão de Edwin também transparecem na carta (EH II, 11) que endereçou, na mesma ocasião, à “sua ilustre filha,

18 Ibidem, p. 225-226.

19 ULLMANN, Walter. Historia del pensamiento político en la Edad Media. Barcelona : Ariel, 2006, p. 40.

20 Atualmente Ancara, capital da Turquia.

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rainha Ethelberga”. Nessa carta, podemos observar que Bonifácio procura persuadir a rainha apelando para o aspecto matrimonial, uma vez que, das seis referências feitas a Edwin, em quatro ele é mencionado como marido ou cônjuge, e em apenas duas como rei. Muito bem informado, embora não mencionando suas fontes de informação, Bonifácio revela conhecer a fidelidade de Ethelberga a Cristo, bem como seu constante trabalho na propagação da fé cristã. O papa também revela que, através de investigações feitas em relação ao marido, sabe

“que ele ainda serve a ídolos abomináveis, e está moroso para ouvir o ensinamento dos pregadores”. Em suas instruções à rainha, solicita que ela suavize o coração do marido, ensinando-o acerca dos mandamentos de Deus e sobre o Espírito Santo, removendo, dessa forma, “os enganos paralisantes e insensíveis do paganismo”. Quanto à recompensa devida à Ethelberga, tanto nessa vida como na vida eterna, será igualmente de cunho matrimonial, pois apenas desse modo ela “irá desfrutar de todos os privilégios do casamento em perfeita união”, de tal forma que “unidos em carne pelos laços da afeição física, possam, depois dessa vida transitória, permanecer unidos para sempre no laço da fé”. Implorando à rainha que o mantenha informado sobre “a medida do sucesso que a bondade de Deus concede a você na conversão de seu marido e do povo sobre o qual governam”, Bonifácio se despede transmitindo a bênção de Pedro e também enviando dois presentes, mas dessa vez representativos da atemporal vaidade feminina: um espelho de prata e um pente de ouro e marfim.

Apesar dos apelos do papa – e, provavelmente, também de sua esposa –, a conversão de Edwin só ocorreu dois anos depois, em decorrência de dois fatores. O primeiro, de natureza mística, deveu-se a uma visão que teve quando em exílio, durante o reinado de seu antecessor.21 O segundo, de natureza política, foi sua determinação de só aceitar a fé cristã se o conselho real, formado pelos seus principais homens, concordasse com sua conversão. Após o consentimento de seus conselheiros, entre os quais estava seu sumo sacerdote – que se encarregou pessoalmente da destruição dos altares e dos locais de culto pagãos22 - Edwin finalmente foi batizado na Páscoa de 627, juntamente “com toda a nobreza de seu reino e uma grande quantidade do povo mais humilde” (EH II, 13). A partir de então, Edwin concedeu a Paulino ampla liberdade para trabalhar na evangelização do restante da Northumbria.23

21 EH, II, 12.

22 EH, II, 13.

23 BLAIR, P. H. Op. Cit., p. 228.

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Sete anos após sua conversão, Edwin recebeu uma carta de encorajamento do papa Honório I (EH II, 17), e na qual revela-se uma mudança na atitude da Santa Sé quanto ao tratamento a ele concedido. Apenas “ilustre Edwin, rei dos ingleses” na carta anterior, de Bonifácio V, dessa vez a carta de Honório destina-se “Ao mais excelente filho, o mais ilustre Edwin, rei dos ingleses”. Elogiando o “sincero caráter cristão” de Edwin, que “tem brilhado por toda a parte”, sendo “falado no mundo inteiro” e tendo “recebido uma rica colheita pelas suas obras”, Honório esclarece que o conhecimento de sua própria realeza é obtido pelos reis

“quando, através de sua adoração a Deus, expressam a crença em seu próprio rei e criador, de acordo com o verdadeiro ensinamento que receberam sobre Ele”. Encorajando Edwin a

“trabalhar com mente vigilante e constante prece para se preservar totalmente nesse estado de graça”, afirma que, pelas suas orações, o rei será recompensado com o “aumento de seu reino e povo” e com sua ida “sem culpa ao Deus Onipotente”. Finalmente, desejando que a graça de Deus preserve “Sua Majestade em segurança”, Honório despede-se de Edwin, porém sem mencionar o apóstolo Pedro e sem enviar presente algum.

A “rica colheita pelas suas obras”, mencionada por Honório, pode ser interpretada através da expansão territorial e política obtida por Edwin, pois, de acordo com Beda, Edwin foi o quinto bretwalda de uma lista de sete, tendo sido um rei poderoso que governou todos os povos da Bretanha, à exceção do povo de Kent.24 Quanto ao aumento de seu reino e de seu povo como recompensas a serem recebidas, Honório V faz, a nosso ver, uma alusão à doutrina da Igreja relativa à principal função do poder temporal. Segundo o papa Leão I, tal função consiste em contribuir para a realização dos desígnios de Deus sobre a Terra, visto ter recebido a espada para administrar os bens do mundo através da aplicação dos princípios do cristianismo. Tal argumento resgatava a afirmação de S. Paulo, para quem o príncipe não sustenta a espada sem razão.25 Com efeito, Beda nos informa que, durante os seis últimos anos de seu reinado, Edwin trabalhou para o reino de Cristo até o dia de sua morte em uma feroz batalha contra os pagãos. Decapitado na batalha, sua cabeça foi levada para a igreja que ele havia começado a construir, dedicada ao apóstolo Paulo, tendo sido colocada no pátio dedicado a Gregório Magno.26

Com a morte de Edwin, um breve retorno ao paganismo foi revertido por Oswaldo, exilado durante o reinado de Edwin e a quem sucedeu um ano após a morte deste.

24 EH II, 5.

25 ULLMANN, W. Op. Cit., p. 41.

26 EH II, 20.

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Cristianizado pelos irlandeses quando no exílio, Oswaldo pediu ajuda ao mosteiro de Iona para restabelecer o cristianismo em seu reino. Em 635, um pequeno grupo de monges, liderado por Aidan, se estabeleceu na ilha de Lindisfarne, dando início a um trabalho missionário que resultou na fundação de igrejas e mosteiros, bem como na cristianização de todo o reino da Northumbria, concluída no espaço de uma geração.27 Oswaldo, “um rei muito amado por Deus” (EH III, 1), governou durante nove anos e, assim como Edwin, também foi morto em uma feroz batalha em defesa da fé cristã28, tendo sua cabeça igualmente arrancada do corpo, assim como suas mãos e antebraços.29

No final do século VII, tanto Edwin como Oswaldo foram objetos de culto. Reis guerreiros mortos em batalha, sua santidade justificava-se pelo combate às crenças pagãs de seus inimigos.30 O culto a Edwin, estabelecido em Whitby por sua filha Eanfled foi, contudo, eclipsado pela imensa propagação do culto a Oswaldo31, cujos milagres foram amplamente descritos e valorizados por Beda.32

Posteriormente, Oswaldo se tornou o primeiro rei santo anglo-saxão, inaugurando uma linhagem33 de representantes do poder temporal anglo-saxônico que, devido à sua atuação exemplar dentro da Igreja e a favor dela, alcançaram a crença em sua santidade e, por extensão, a crença de terem finalmente alcançado um lugar permanente no reino dos céus.

Referências bibliográficas:

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BLAIR, P. H. Roman Britain and early England: 55 B.C. – A.D. 871. New York : W. W.

Norton, 1966.

CAMPBELL, J. The first Christian kings. In: CAMPBELL, J. (Ed.). The Anglo-Saxons.

London : Penguin, 1991, p. 45-69.

27 BLAIR, P. H. Op. Cit., p.229-230.

28 EH III, 9.

29 EH III, 12.

30 CAMPBELL, J. Op. Cit., p. 68.

31 HOLDSWORTH, Philip. Edwin, King of Northumbria. In: LAPIDGE, M. et al. (Eds). Op. Cit., p.164.

32 EH III, 9-14.

33 Além de Oswaldo, foram santificados os reis Edmundo (m.870), Eduardo II (975-978) e Eduardo, o Confessor (1043-1066).

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FARMER, D. H. Introduction. In: BEDE. Ecclesiastical history of the English people. Ed.

D. H. Farmer. Trad. Leo Sherley-Price, rev. R. E. Latham. 4th ed. rev. London : Penguin, 1990, p. 19-35.

HILL, J. História do cristianismo. São Paulo : Edições Rosari, 2008.

HOLDSWORTH, P. Edwin, King of Northumbria. In: LAPIDGE, M. et al. (Eds.). The Blackwell Encyclopaedia of Anglo-Saxon England. Malden, Massachusetts : Blackwell, 2008, p. 163-164.

KEYNES, S. Heptarchy. In: LAPIDGE, M. et al. (Eds.). The Blackwell Encyclopaedia of Anglo-Saxon England. Malden, Massachusetts : Blackwell, 2008, p. 233.

ULLMANN, W. Historia del pensamiento político em la Edad Media. Barcelona : Ariel, 2006.

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