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O Mito da autonomia irrestrita da vontade: a falácia da liberdade contratual a amparar a hipossuficiência do trabalhador na sociedade pós-moderna

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

HILANA BESERRA DA SILVA SILVEIRA

O MITO DA AUTONOMIA IRRESTRITA DA VONTADE: A FALÁCIA DA LIBERDADE CONTRATUAL A AMPARAR A HIPOSSUFICIÊNCIA DO

TRABALHADOR NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA.

NATAL/RN 2019.1

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2 HILANA BESERRA DA SILVA SILVEIRA

O MITO DA AUTONOMIA IRRESTRITA DA VONTADE: A FALÁCIA DA LIBERDADE CONTRATUAL A AMPARAR A HIPOSSUFICIÊNCIA DO

TRABALHADOR NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Doutor Bento Herculano Duarte.

NATAL/RN 2019.1

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Silva, Hilana Beserra da.

O Mito da autonomia irrestrita da vontade: a falácia da liberdade contratual a amparar a hipossuficiência do trabalhador na sociedade pósmoderna / Hilana Beserra da Silva Silveira. -2019.

110f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof. Dr. Bento Herculano Duarte Neto.

1. Liberdade Dignidade Dissertação. 2. Trabalho Dissertação. 3. Autonomia nos contratos de trabalho

-Dissertação. I. Neto, Bento Herculano Duarte. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 342.78:349.2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

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3 HILANA BESERRA DA SILVA SILVEIRA

O MITO DA AUTONOMIA IRRESTRITA DA VONTADE: A FALÁCIA DA LIBERDADE CONTRATUAL A AMPARAR A HIPOSSUFICIÊNCIA DO

TRABALHADOR NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA.

Relatório final, apresentado Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Natal/RN, 26 de agosto de 2019.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________ Prof. Doutor Bento Herculano Duarte (Orientador)

________________________________________

Prof. Doutor Leonardo Oliveira Freire (Professor Interno da UFRN)

________________________________________

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4 Dedico este trabalho primeiramente а Deus, o autor da minha vida quem selou o meu destino para este Mestrado, constituindo-se como meu guia e socorro sempre presente nas agruras e angústias, além de minha mãe Francisca Maria da Silva, ао mеυ pai Josemar Beserra da Silva (In Memorian), ao meu avô Geraldo Andrade (In Memorian) е аоs meus irmãos.”

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AGRADECIMENTOS

O meu coração se enche de gratidão e engrandece primeiramente o nome do Senhor Jesus por conduzir minha vida nesta longa estrada de tijolos amarelos intitulada Mestrado na PPGD UFRN. Sou deveras grata a Deus porque todo a trajetória foi essencial para moldar meu caráter e elevar meu grau de instrução. Agradeço às orações de minha mãe que a cada encontro abençoava minha vida para experimentar mais esta conquista na vida acadêmica. Agradeço igualmente à memória de meu avo (Geraldo Andrade) que em seus últimos momentos de lucidez narrou de forma profética o meu ingresso no Mestrado da PPGD UFRN, chamando-me de “minha mestranda”. Agradeço à memória de meu pai cujos ensinamentos eu não compreendia à época, mas atualmente fazem todo sentido. Agradeço ao meu orientador por toda confiança em ofertar a possibilidade de ministrar aulas, aplicar provas e orientar a trilha de tijolos bibliográfica adequada para desenvolver minhas ideias. Se o resultado não foi tão satisfatório, nada tem relação com sua orientação, mas com a simplicidade no uso do vernáculo desta orientanda. Agradeço à minha família por compreender minhas ausências, momentos de impaciência, porém, todo este suporte me ajudou a chegar a conquistas acadêmicas. Agradeço à banca na pessoa da Professora Doutora Lenice Moreira que tão gentilmente se dispôs a abrilhantar este momento tão importante, bem como do Professor Doutor Leonardo Freire que em todo o Mestrado foi presente para cada um dos alunos desta turma maravilhosa. Também verto meu sentimento de gratidão em favor de todos os meus alunos que muito mais me ensinaram do que eu a eles e a grandes amigas Ana Ketsia Barreto, Arkeley Souza e Rebeca Câmara que sempre estiveram presentes nos momentos de lágrimas e de alegrias, amizades estas conquistadas do mundo acadêmico para a vida. Além delas não poderia reservar um momento de gratidão especial em favor de duas amigas queridas conquistadas no curso do mestrado: Maria Betânia Valadão, nossa líder, e Jolia Lucena da Rocha Melo, mulheres guerreiras, mães amorosas e amigas muito queridas que conquistaram um espaço eterno em meu coração.

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Assim a liberdade, se bem que não seja uma propriedade da vontade segundo leis naturais, não é por isso, desprovida de lei, mas, tem antes de ser uma causalidade segundo leis imutáveis, ainda que de uma espécie particular; pois, de outro modo uma vontade livre seria um absurdo. (KANT, Fundamentação da Metafísica

dos costumes).

Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou e não torneis a meter-vos debaixo do jugo da servidão. (Gálatas 5:1)

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7 RESUMO: A razão de ser do presente estudo se justifica pela finalidade de observar o alcance da palavra autonomia da vontade como expressão do direito fundamental à liberdade e exercício da dignificação do trabalhador no contexto evolutivo dos contratos de trabalho inserto na legislação trabalhista pátria. A problemática da presente pesquisa será vertida através da seguinte questão problema: quais os meandros (constitucionais e econômicos) da autonomia da vontade coletiva e individual nos contratos de trabalho após a reforma trabalhista de 2017? A mencionada indagação será perfilada com o objetivo primordial de estabelecer os meandros da autonomia da vontade negocial do trabalhador no plano individual engendradas no texto do artigo 444, parágrafo único e 507-A da CLT e no plano coletivo, conforme disposição do artigo 611-A, §3º, cuja intelecção deve ser feita com supedâneo no artigo 8º, §3, ambos da CLT, sendo necessária uma análise global de ambas as perspectivas da autonomia acima estabelecidas pelo prisma dos princípios do Direito Constitucional do Trabalho. Para alcançar o objetivo primordial ambicionado por este trabalho, a pesquisa desenvolver-se-á por meio de premissas constituídas por meio de objetivos específicos, quais sejam: a) depurar os conceitos de liberdade dignidade e trabalho para alcançar um elemento central comum que estabeleça o cerne do texto constitucional a delimitar a autonomia da vontade nos contratos de trabalho; b) Verificar se o pêndulo protetivo dos direitos fundamentais dos trabalhadores oscila por força do ideal econômico; c) Analisar a modificação no entendimento do STF nos casos: RE 590415-5 SC (Tema 152 do STF) e RE 895759 a refletir na construção das diretrizes ensejadoras da Reforma trabalhista operada em 2017; d) Demonstrar o atual paradigma a mover o pêndulo constitucional protetivo dos direitos fundamentais do trabalhador para um eixo de liberdade irrestrita de ambos os polos da relação laboral. A metodologia se desenvolve por meio de um estudo dialético dedutivo que parte dos conceitos depurados por um vier interdisciplinar entre a visão filosófica, constitucional, sociológica e econômica para alcançar as situações concretas encerradas na construção da Reforma trabalhista. A autonomia da vontade no direito do trabalho se constrói com base nos critérios engendrados pelo próprio direito Civil, os quais foram arrefecidos pela força motriz emanada pela Dignidade da pessoa humana enquanto vetor a estabelecer sentido, direção e intensidade a toda norma infraconstitucional. Neste sentido, o resultado aponta para uma incoerência dos ditames inseridos pela Reforma Trabalhista a valores principiológicos resguardados no texto constitucional brasileiro. Noutro particular, em que pese a modificação paradigmática no entendimento emanado pelo Tribunal Constitucional brasileiro, as premissas contempladas nos casos acima mencionados servem apenas como parâmetros das situações postas, não servindo, a priori, como vetor a orientar e modificar o eixo protetivo dos direitos fundamentais trabalhistas.

PALAVRAS-CHAVES: Liberdade. Dignidade. Autonomia irrestrita da vontade. Contratos de Trabalho.

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8 ABSTRACT: The present study‟s ration is justified for the observing purpose of the word will autonomy as an expression of the fundamental right to freedom and dignity of the employee exercise in evolutionary context of employment contracts insert on Brasilian labor legislation. The scientific problem will be poured through the following question: what problem the intricacies (constitutional and economic) of the autonomy of collective will and individual work contracts after the Brazilian labor reform of 2017? The quest will be profiled with the primary objective of establishing the negotiating autonomy will of the individual worker whose intelection is in the text of article 444, § 1 and 507 of the CLT and the collective plan, as provision of Article 611-A, paragraph 3 whose intellection must be done with supedâneo in article 8, paragraph 3, both of CLT, requiring na analysis of both he prospect of autonomy above established as focus through by the prism Constitutional principles of work. The research will develop through the namely specific objectives: to debug the concepts of freedom) dignity and work to achieve a common central element establishing the core of the constitutional text delimit the autonomy of will in contracts of employment; b) check whether the protective grandfather fundamental rights for workers fluctuates under ideal economic; c) Analyze the change in understanding of the SUPREME COURT in cases: RE 590415-5 SC (152 Theme of STF), and RE 895759 to reflect on the construction of ensejadoras of labor Reform guidelines operated in 2017; d) Demonstrate the current paradigm to move the pendulum protective constitutional fundamental rights of the worker to an axis of unrestricted freedom of both poles of the employment relationship. The methodology is developed through a dialectical deductive study that part of the concepts by interdisciplinary way among the philosophical, sociological and economic thougth to achieve the concrete situations closed in the construction labor reform. The result points to an inconsistency of the labour reform entered dictates values principiológicos enshrined in the constitutional text. In spite of the paradigmatic modification in the understanding given by the Constitutional Court of Brazil, the assumptions included in the cases mentioned above serve only as parameters of the put, not serving a priori, as vector Guide and modify the fundamental labor rights protective shaft.

KEYWORDS: Freedom. Dignity. Unrestricted autonomy of the will. Contracts of employment.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 A LIBERDADE DO INDIVÍDUO COMO PRESSUPOSTO PARA DIGNIFICAÇÃO HUMANA E SUAS REPERCUSSÕES NA EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO. ... 15 2.1 DO CONSTITUCIONALISMO LIBERAL AO SOCIAL ... 20 2.2 PRINCÍPIOS COMO FONTE PARA IMERSÃO DOS DEMAIS RAMOS DO DIREITO NO DIREITO CONSTITUCIONAL ... 30 2.3 A CONSTITUIÇÃO COMO FONTE NOS RAMOS DO DIREITO CIVIL E DO TRABALHO ... 36 3 A LIBERDADE ENQUANTO PRINCÍPIO PRECURSOR DA AUTONOMIA DA VONTADE PARA DIGNIFICAÇÃO DO HOMEM ... 38

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO LABOR EM SEU ELEMENTO SIGNIFICANTE E SUA INSERÇÃO NA DINÂMICA DOS DIREITOS SOCIAIS PARA DIGNIFICAÇÃO DO

TRABALHADOR... 42 3.2 SÍNTESE DOS DIREITOS SOCIAIS ESCULPIDOS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E SUA PERSPECTIVA NA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988 ... 47 3.3 O ARREFECIMENTO DO PACTA SUNT SERVANDA PELAS LENTES DA

CONSTITUIÇÃO DE 1988: DO PACTA SUNT SERVANDA DAS RELAÇÕES PRIVADAS À BOA FÉ NOS CONTRATOS TRABALHISTAS... 52

4 CONSEQUÊNCIAS DO CAPITALISMO PERIFÉRICO E SUA INSERÇÃO NAS CADEIAS DE VALOR ENSEJADORAS DA REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL EM 2017 ... 56

4.1 A REFORMA ANTES DA REFORMA – O TEMA 152 DO STF DE REPERCUSSÃO

GERAL: PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO NO RE 590415-5 SC ... 62 4.2 O STF COMO ATOR DO CONTRATUALISMO NA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA - A PROTEÇÃO DE MÍNIMOS COMUNS OBJETO DE DISCUSSÃO NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO Nº 895759 – PE ... 74 5 OS MITOS CONSAGRADOS NA REFORMA TRABALHISTA – ASPECTOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS DA AUTONOMIA SINDICAL E A ATUAÇÃO DOS SINDICATOS NAS

DEMISSÕES EM MASSA ... 78 5.1 O EMPODERAMENTO SINDICAL NA TEORIA E A RETIRADA DE SUA FORÇA NOS ATUAIS PARÂMETROS DEMISSIONAIS INSTITUÍDOS PELO ARTIGO 477-A, DA

CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. ... 80 5.2 O MITO DA HIPERSUFICIÊNCIA DO TRABALHADOR ENCARTADO NO ARTIGO 444, PARÁGRAFO ÚNICO DA CLT. ... 99

6 CONCLUSÃO ... 103 REFERÊNCIAS ... 108

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1 INTRODUÇÃO

Liberdade: palavra que encerra um dos maiores anseios da humanidade, que passou por diversas revoluções e evoluções no afã de alcançá-la. Nesta perspectiva, o presente trabalho desenvolveu-se no sentido de observar o alcance desta palavra no contexto evolutivo dos contratos de trabalho ante à legislação trabalhista pátria. Por meio deste conceito de origem filosófica emerge o necessário estudo a observar o alcance desta palavra no contexto da autonomia da vontade como exercício de dignificação do trabalhador nos contratos de trabalho ante à atual dinâmica de retomadas formulações clássicas a modificar o eixo da diretriz negocial no campo do trabalho.

Partindo do eixo central propagado pela reforma trabalhista brasileira encerrado na frase “prevalência do acordado sobre o legislado”, a presente investigação pretende analisar a evolução do constitucionalismo brasileiro, demonstrando que os preceitos constitucionais consistem em verdadeiros vetores principiológicos a determinar a direção, o sentido e a intensidade de todo ordenamento brasileiro. Neste sentido, o exemplo evidente de tal situação consiste no arrefecimento do princípio civilista encartado no Código civil de 1916, então denominado pacta sunt servanda, por meio do qual as obrigações vertidas nos contratos obrigavam às partes subscritoras de seu inteiro teor, sendo considerados verdadeiros preceitos normativos entre as partes.

A Constituição de 1988, arraigada em princípios de proteção à liberdade com enfoque na Dignidade da Pessoa Humana, trouxe nova direção e sentido para o referido princípio de modo a interferir de forma positiva no direito civil para garantir às partes contraentes a possibilidade de suscitar preceitos como o da boa-fé contratual. Neste contexto emergem como indagação a ser objeto da pesquisa: Quais os meandros (constitucionais e econômicos) encerrados na atual dogmática justrabalhista a construir o mito da autonomia da

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11 vontade coletiva e individual nos contratos de trabalho após a reforma trabalhista de 2017? A questão problema ora formulada tem por objetivo primordial estabelecer os meandros da autonomia da vontade negocial do trabalhador no plano individual engendradas no texto do artigo 444, parágrafo único e 507-A da CLT e no plano coletivo, conforme disposição do artigo 611-A, §3º cuja intelecção deve ser feita com supedâneo no artigo 8º, §3, ambos da CLT, sendo necessária uma análise global de ambas as perspectivas da autonomia acima estabelecidas como enfoque pelo prisma dos princípios do Direito Constitucional do Trabalho.

As questões norteadores que perfilam os objetivos específicos do trabalho foram desenvolvidas no sentido de depurar a intercessão entre os conceitos de liberdade dignidade e trabalho para alcançar um elemento central comum, que estabeleça o cerne do texto constitucional a delimitar a autonomia da vontade nos contratos de trabalho; bem como verificar se o pêndulo protetivo dos direitos fundamentais dos trabalhadores oscila por força do ideal econômico; analisar a modificação no entendimento do STF nos casos: RE 590415-5 SC (Tema 152 do STF), e RE 895759 cujos reflexos revelam as novas diretrizes ensejadoras da Reforma trabalhista operada em 2017. Por fim, o trabalho ambiciona demonstrar o atual paradigma a mover o pêndulo constitucional protetivo dos direitos fundamentais do trabalhador para um eixo de liberdade irrestrita de ambos os polos da relação laboral.

A metodologia se desenvolve por meio de um estudo dialético dedutivo que parte dos conceitos depurados por um vier interdisciplinar entre a visão filosófica, constitucional, sociológica e econômica para alcançar as situações concretas encerradas na construção da Reforma trabalhista. A autonomia da vontade no direito do trabalho se constrói com base nos critérios engendrados pelo próprio direito Civil, os quais foram arrefecidos pela força motriz emanada pela Dignidade da Pessoa Humana enquanto vetor a estabelecer sentido, direção e intensidade a toda norma infraconstitucional.

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12 O primeiro tópico de desenvolvimento do trabalho foi reservado para realizar um levantamento histórico evolutivo do constitucionalismo, que perpassou por nuances diferenciadoras no Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático de Direito, evidenciando que paulatinamente a evolução do Estado foi permeada pelo desenvolvimento do capitalismo. Evidenciou, ainda, a ascensão dos princípios ao patamar de normas e a constituição como centro do ordenamento jurídico sobre o qual repousam os princípios a conferir sentido, direção e intensidade a todo ordenamento infraconstitucional.

A conceituação e demonstração do preceito da liberdade como dimensão humana foi reservado para o capítulo seguinte, em que se estabeleceu uma fina relação entre a evolução do Constitucionalismo e o crescente valorativo da liberdade enquanto Direito Fundamental permeado pelo anseio na defesa deste paradigma, além de tratar do exercício da liberdade por meio da autonomia como processo de dignificação humana. O fechamento deste tópico estabeleceu as diretrizes delimitadoras entre a parte conceitual e a parte da pesquisa científica na realidade jurídica brasileira, ao observar que a evolução do preceito de liberdade e, por via de consequência, o de autonomia ganhou nova expressividade com os ditames da Constituição de 1988, cuja dignificação humana veio a arrefecer os preceitos herméticos do pacta sunt servanda no direito civil, autorizando a revisão de cláusulas contratuais que muito embora tenham sido livremente avençadas, poderiam sofrer intervenção do judiciário e consequente reforma se dilapidadoras de preceitos constitucionais, porquanto o epicentro da norma não é mais o pacto, mas sim a dignificação humana.

O Tópico 5 direcionou seus conceitos pelas imbricações do capitalismo neoliberal na sociedade pós moderna e as consequências no campo jurídico, sobretudo nos direitos constitucionais do trabalhador, de modo que os sub itens deste tópico serviram para revelar os ventos da reforma trabalhista soprados pela Corte Constitucional brasileira, analisando os argumentos construídos sobre a autonomia negocial do trabalhador a teor de

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13 decisões proferidas nos leading cases: Recurso Extraordinário 590415-5 SC (Tema 152 do STF) e Recurso Extraordinário 895759.

O último capítulo consiste em estruturar os resultados da pesquisa a apontar uma incoerência nos ditames inseridos pela Reforma Trabalhista de modo a criar o mito da autonomia individual e coletiva do trabalhador, porquanto constituído em total contraposição aos valores principiológicos resguardados no texto constitucional brasileiro. Por outro lado, em que pese a modificação paradigmática no entendimento emanado pelo Tribunal Constitucional brasileiro, as premissas contempladas nos casos acima mencionados servem apenas como parâmetros das situações postas, não servindo, a priori, como vetor de sentido a orientar e modificar o eixo protetivo dos direitos fundamentais trabalhistas. Ora a autonomia da vontade no direito do trabalho se constrói com base nos critérios engendrados pelo próprio direito Civil. Em que pese a autonomia do Direito do trabalho, é imprescindível analisar a evolução do princípio da autonomia da vontade em sua origem (no direito civil) cujos reflexos são evidenciados no próprio direito do trabalho.

O resultado prático é evidenciar que o pêndulo dialético de proteção ao direito dos trabalhadores oscila de acordo com as questões político-econômicas da classe dominante, retomando o paradigma do modelo liberal clássico em que justifica o crescimento econômico à custa de direitos constitucionalmente amparados em favor do trabalhador, além de desconstruir o elemento da igualdade para criar o mito da autonomia irrestrita da vontade do trabalhador frente às mudanças paradigmáticas do modelo jurídico formuladas pelo Tribunal Constitucional brasileiro antes mesmo da própria reforma trabalhista.

Depreende-se de forma cristalina as nuances que diferenciam reforma do direito civil ocorrida nos idos de 2002, que trouxe um arrefecimento de conceitos clássicos instituídos pelo código de 1916, como o pacta sunt servanda, em detrimento ao eixo valorativo da reforma trabalhista que confere caráter absoluto ao negociado tal como, em

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14 destaque, enfatizava os preceitos do código civilista revogado. Retomando os preceitos do liberalismo clássico para justificar a geração de mais empregos pela redução da carga valorativa de proteção aos direitos sociais do trabalhador, resta claro a construção normativa em total descompasso da valoração principiológica imanente à dignidade da pessoa humana e aos preceitos encartados no texto constitucional em defesa dos Direitos fundamentais, sobretudo os direitos fundamentais do trabalhador.

Neste contexto, em que houve o arrefecimento do pacta sunt servanda com a constituição cidadã para ser interpretado observando a boa-fé contratual, emerge como necessário empreender uma releitura do preceito da liberdade contido na autonomia da vontade desta feita por meio das lentes da igualdade cuja intelecção é concebida numa sociedade plural inserida num contexto pós-moderno.

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15 2 A LIBERDADE DO INDIVÍDUO COMO PRESSUPOSTO PARA DIGNIFICAÇÃO

HUMANA E SUAS REPERCUSSÕES NA EVOLUÇÃO DO

CONSTITUCIONALISMO.

As bases do pensamento científico tal como estudado hodiernamente repousa no modo de sentir e pensar da filosofia grega, cabendo trazer alvissareiro tributo à civilização que contribuiu de forma significativa com o avanço científico1.

No entanto, este caráter ontológico da filosofia grega não partiu simplesmente da genialidade de seus filósofos, mas sim por meio da imaginação criativa, método pelo qual foram construídos os mitos que irão irradia preceitos morais e éticos para vaticinar valores equânimes. A razão de ser do conhecimento mítico foge do padrão literal de suas construções, os poemas homéricos, por exemplo, escondem uma realidade em sua perspectiva hipotética, demonstrando os conflitos concernentes à natureza humana, a saber: alegria e dor, guerra e paz, bem e mal, os efeitos do tempo na condição humana. A criatividade da mitologia, com destaque para o sentido de proporção, harmonia, limites e medidas, serviu de preceito ontológico para construção do pensar filosófico.2

A expressão mítica a encerrar o título deste trabalho ambiciona relatar, destituído do esforço criativo da mitologia clássica, as nuances para a construção da reforma trabalhista, cuja norma desvela um padrão figurativo para uma autonomia de direito; porém, não de fato. Na mesma proporção que o mito criado a justificar circunstâncias ideais para o conhecimento grego, a autonomia circunscrita nos artigos 444, parágrafo único e 507-A, ambos da CLT, estabelecem um padrão absoluto de liberdade que foge até mesmo dos ditames civilistas, porquanto conferem aos seus signatários de forma individualizada uma

1 REALE, Geovane. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. Coleção

Filosofia. São Paulo : Paulus, 1990. pg. 12.

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16 autonomia irrestrita com parâmetro no pacta sunt servanda, isto é, o pacto formalizado nestas condições torna-se uma norma absoluta irrevogável, irretratável e inadmissível análise judicial.

Todavia, os elementos essenciais a definir o conceito de liberdade perpassam por multiformes dimensões, cujas implicações ultrapassam os ditames do ordenamento jurídico, emergindo a definição subjetiva da liberdade permeada de elementos imaginativos, enquanto aspectos engendrados por ciências distintas das ciências jurídicas, tais como a psicologia e a psicanálise.

A dimensão filosófica igualmente possui diversas acepções para a palavra, a exemplo do sentido grego a mencionada assertiva consiste num estado objetivo no plano material do ser, sentido ontológico, e, não uma circunstância nascedouro da consciência (ou do espírito); ora, a própria etimologia do sentido grego de liberdade encerra tal perspectiva no movimento3, motivo pelo qual o “ser” é tão livre quanto seu estado de locomoção o pudesse estabelecer, emergindo a essência do “eu posso” como critério para sua definição4.

Já a percepção aristotélica de liberdade, enfatiza a escolha do sujeito a certos e determinados objetos. Em sentido contrário, emergem disposições filosóficas diversas, em que não se restringe apenas ao ato deliberativo de escolha permeado pela vontade do sujeito; a percepção a exemplo dos Estoicos e de Espinosa, a liberdade tem suas raízes firmadas na natureza; porém, a visão hegeliana humaniza tal percepção, atribuindo à cultura como elemento externo de expressão da liberdade5.

Contrapondo-se a este ideal, o imperativo categórico de Kant enfatizou

3 ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Tradução. Cesar

Augusto R. de Almeida, Antônio Abraches e Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2008. Pg. 279

4 Ob. Sup. Cit. pg. 280.

5 BARROSO, Luis Roberto. EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO DIREITO À

LIBERDADE. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, [S.l.], n. 2, p. 100-109, dez. 2001. ISSN 1677-1419. Disponível em: <>. Acesso em: 08 jul. 2019. Pg. 1

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17 serem coincidentes os sentidos de liberdade com o de legalidade, deixando claro que a vontade livre obedece à máxima engendrada por força da razão prática por estar em harmonia com as máximas existentes no reino dos fins6.

Em que pese a liberdade estar em inteira consonância com o imperativo categórico, a concepção kantiana não autoriza a subversão dos valores da liberdade com o fim de aviltamento da pessoa humana, subvertendo a dignidade por meio da reificação. Ora, o imperativo categórico Kantiano funda-se no ideal de concretização da felicidade, pois o mero agir de modo a não prejudicar outrem, não constitui o exercício pragmático da liberdade, mas sim, o dever de favorecimento a outrem de tal modo que os fins deste outrem sejam por igualmente considerados pelo sujeito no exercício de sua liberdade7.

Na verdade, a partir de sua terceira antinomia, Kant propõe por meio de argumentos dialéticos expressos no conflito entre duas ideias transcendentais e em aparente conflito: a liberdade (em si) e a causalidade natural8.

Neste sentido, o conceito de liberdade perpassa por uma condição de causalidade livre que pressupõe a noção de espontaneidade, que na visão de Kant as ações e decisões do sujeito partem de um modo incondicionado da razão humana, circunstância esta que o mencionado filósofo define como liberdade cosmológica.

A antítese desta ideia reside na compreensão da causalidade natural como vetor da razão para o exercício da liberdade, pois também é possível que todo o evento e toda realidade prescinde uma causa condicionada, isto é, os eventos são precedidos de uma

6 TORRES. Ricardo Lobo. A cidadania Multidimensional na Era dos Direitos. In:

TORRES. Ricardo Lobo e MELLO, Celso de Albuquerque. Teoria dos direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar. 2001. Pg. 260.

7 COMPARATO. Fabio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São

Paulo: Saraiva: 2013. Pg. 35.

8 FREIRE, Leonardo Oliveira. A fundamentação metafísica do direito na filosofia de

Kant. 2007. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós Graduação em Filosofia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2007. Pg. 19.

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18 causalidade natural9, circunstância que implica na responsabilização dos atos humanos que seriam condicionados por impulsos, sentimentos, isto é, eventos anteriores à própria razão humana.

Desse modo, a problematização dialética engendrada por Kant giraria em torno da razão como pressuposto da liberdade, ou de eventos e sentimentos humanos como impulsionadores da razão humana ao exercício da liberdade. A síntese engendrada por Kant para a problemática acima alcança a ideia de que o homem é considerado um ser livre, ainda que certas circunstâncias naturais afetem sua natureza sensível, porém, a autodeterminação advinda da razão confere a este mesmo homem um poder de agir conforme uma lei universal, independentemente de sua inclinação10.

O uso prático da razão em Kant, sobretudo no que tange à liberdade, implica na necessária utilização de leis reguladoras das ações conforme o interesse essencial para o reino dos fins, motivo pelo qual a solução da problemática trazida pela terceira antinomia kantiana consiste em estabelecer em amalgamar através da lei: o propósito da razão final (razão prática) à liberdade como seu elemento essencial11.

Mesmo atribuindo uma dimensão prática e outra transcendental tal como estabelecida no cânon kantiano, os atos perpetrados em liberdade são constituídos, de um lado, da espontaneidade do indivíduo no discernimento de uma regra e, de outro, como uma condição transcendental do ponto de vista da moral interna, razões estas que resultam na liberdade do homem não apenas como condição no domínio de suas escolhas, mas como algo incerto na natureza humana racional12.

Na visão Marxista, por seu turno, a aurora universal da razão consiste no livre exercício da liberdade humana, longe das amarras instituídas por entidades estatais,

9 FREIRE. ob. Sup.cit. Pg. 20.

10 FREIRE. ob. Sup.cit. Pg. 23.

11 FREIRE. ob. Sup.cit. Pg. 25.

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19 tampouco instituições capitalistas, pois consiste em um dom para além da senda natural. 13

Ao contrário desta perspectiva indissociável da própria condição humana, as instituições políticas, no ato de construção dos textos legislativos tendem a apreendê-la (a liberdade) como um sistema ordenado cuja significação pragmática implica num privilégio construído a partir de critérios ordenados de forma lógica.14

Percebe-se, portanto, uma linha tênue que une a ideia de liberdade em Kant e em Marx, ligados apenas no que tange à liberdade enquanto essência do ser humano e a possibilidade de construção dentro de um ordenamento jurídico, porém, a partir deste ponto a visão marxista se afasta, por considerar que este processo de construção normativa consiste na apropriação de uma joia rara que serve para conferir privilégios a uma classe dominante, porquanto todas as liberdades sempre existiram; no entanto, ao serem enclausuradas num sistema legislativo são estabelecidas ora como uma prerrogativa particular, ora como um direito geral.15

Logo, a dimensão humana de liberdade é construída num arcabouço normativo para garantia e defesa das liberdades institucionais, políticas e individuais. Desse modo, a pretensão deste capítulo inaugural consiste, em síntese, deliberar sobre o exercício da liberdade por meio da autonomia como processo de dignificação humana, além de demonstrar que curso da história do constitucionalismo demonstra a dinâmica da evolução dos direitos fundamentais permeados pelo anseio na defesa deste paradigma: a liberdade.

No plano da ciência do Direito, a liberdade consiste na síntese de todas as acepções filosóficas e pragmáticas acima encartadas cujos meandros enfatizaram a evolução do constitucionalismo na história da humanidade, conforme se depreenderá das elucidações a serem explanadas em momento oportuno.

13 MARX, Karl. Liberdade de imprensa. Tradução: Claudia Shilling e José Fonseca.

Porto Alegre: L&PM, 2007. Pg. 41

14 MARX. Ob. Sup. Cit. pg. 41

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20 2.1 DO CONSTITUCIONALISMO LIBERAL AO SOCIAL

A liberdade enquanto propulsor de eventos históricos que alçaram consequências na evolução do Constitucionalismo na sociedade moderna. Exemplo pragmático desta assertiva destaca-se a Revolução francesa, cujo ideal tripartite enfatizou a sequência evolutiva do eixo central constitucionalista no mundo, de modo que se iniciou com o enfoque no Estado Liberal, perpassando o Estado Social, chegando ao Estado Democrático de Direito que encerra o ideal sincrético de seus antecessores para alcançar a fraternidade no meio social.

Em busca do exercício de efetiva liberdade os franceses irromperam verdadeira revolução, cerrando as portas do totalitarismo monárquico para empreender uma busca por libertação das amarras estatais. Eis, neste contexto, o advento do Estado liberal que estabelece, dentre outras diretrizes, o princípio da separação de poderes, fato que repercutiu no arrefecimento do poder soberano, que teve de abdicar para o parlamento o poder legiferante, além de confiar ao judiciário a solução das querelas, restando na então mão soberana apenas o poder Executivo, com limitação, não apenas dos demais poderes, mas também por força do princípio da legalidade16.

Depreende-se, portanto, que o Estado Liberal perfectibilizado também pelo princípio da legalidade tinha como vetor prevalente a liberdade individual implementada por meio da menor intervenção estatal, de modo que os direitos e garantias individuais reconhecidos nas primeiras declarações de direitos fundamentais e nas primeiras constituições contemplavam um cabedal de garantias para a liberdade individual em todos os âmbitos de atuação, defendendo o cidadão em face de ilegítimas investidas do Estado a interferir na

16 CHIANCA JR, Nildeval. Uma leitura da vinculação dos particulares aos Direitos

fundamentais compatível com a liberdade individual: um estudo à luz da Constituição brasileira de 1988. Mestrado em Direito. Universidade de Lisboa: Lisboa. 2010. Pg. 10.

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21 autonomia individual17.

A liberdade do indivíduo somente não era total se porventura violasse a lei. Em outras palavras, enquanto a atuação estatal se desenvolvia nos estritos ditames legais, a autonomia individual não poderia por qualquer circunstância ser limitada senão em virtude da lei.

Na mesma proporção em que a Revolução Francesa influenciou o mundo com seus ideais, os meios de produção dominantes, o próprio estopim desta revolução a enfatizar como necessário a liberdade para livrar o estado oprimido das amarras de um Estado monárquico alcançando de forma quase que exclusiva a burguesia que iria auferir os resultados práticos da liberação das amarras estatais.

A dicotomia encerrada no Estado Liberal preceituava num plano social uma liberdade tenazmente defendida em seu viés individual e ilimitado, enquanto que na esfera pública, os poderes instituídos pelo povo prescindiam de representação política e popular, assim considerada pelo modelo de outorga de poderes conferidos pela maioria do povo. Inexistia, nesta senda, qualquer ingerência estatal na limitação ao direito privado, porquanto nesta visão constitucionalista norte-americano e das tradições germânica e austríaca, o direito tinha um cunho positivista aos moldes da filosofia kelseniana e da sua formulação piramidal para o ordenamento jurídico 18.

No campo econômico, impende registrar a defesa de uma análise econômica sistematizada por Adam Smith e amparada na legislação vigente à época, que fundamentava a economia moderna e conferia ao trabalho, no contexto da livre iniciativa, como fonte de riqueza, pregando, ainda, o livre comércio, a concorrência e a divisão do trabalho, razão pela

17 NOVAIS. Jorge Reis. Direitos Fundamentais – Trunfos contra a Maioria. Coimbra:

Editora. 2006. Pgs. 84, 85.

18 GÓES, Ricardo Tinoco. JURISDIÇÃO DEMOCRÁTICA: UMA VISÃO

PROCEDIMENTALISTA PARA A TUTELA SUBSTANCIAL DOS DIREITOS. Revista Direito e Liberdade - ESMARN - v. 13, n. 2, p. 291 – 312 – jul/dez 2011. Pg. 294 e 295.

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22 qual depreende-se que liberalismo econômico defende o individualismo, o racionalismo e a legalidade19.

A liberdade, fundada no modelo do liberalismo econômico, trouxe a reboque crescente rivalidade comercial de modo a incentivar melhorias nos métodos produtivos, como o despontar da energia, fator este a conduzir alterações na forma de produção. O trabalho, que antes era desenvolvido de forma tipicamente artesanal e domiciliar, passou a um modelo fabril exigindo do trabalhador maiores níveis de produtividade20.

Eis o contexto do liberalismo, em cujo ápice desenvolvido pelo capitalismo financeiro desponta o trabalho que trouxe à reificação do trabalhador, correspondendo este obreiro a mero insumo no processo de produção, fato que relegava o ser trabalhador a uma total degradação social comparado a um objeto descartável21.

Em detrimento a este contexto histórico, ainda na Idade Média emergiu uma senda de esperança por meio da concepção medieval do conceito de ser humano, conduzindo a definições principiológicas colhidas a partir dos escritos de Santo Tomás de Aquino que constituíram elementos definidores da igualdade de todo ser humano, trazendo a essencialidade da pessoa para formar o cerne do conceito universal de direitos humanos.

O princípio de liberdade, fase intitulada de Estado Liberal, perfilava-se em total descompasso com o ideal engendrado por Agostinho, para quem o livre arbítrio não constituiria no bem mais perfeito, mas sim, teria sua toada como resultado da sinfonia de virtudes a serem desenvolvidas pelo homem. Deveras que Agostinho tratou do benefício da vontade livre como um bem, mas a ser conquistado pela prática de virtudes que sustentam esta vontade livre. Na visão agostiniana, a felicidade será alcançada na mesma proporção em

19 FERNANDES, Ana Carolina de Brito. Estado de Direito e Burguesia. In: CUNHA,

Djason B. Della Cunha (coord.) Direito e Liberdade. Coleção Saber Universitário. Natal: Ágape. 1998. Pg. 15.

20 IANNONNE, Roberto Antônio. A Revolução Industrial. Coleção Polêmica. São

Paulo: Moderna. 1992. Pg. 53

21 COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª

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23 que a vontade individual se adere ao bem supremo, que consiste no exercício desta vontade livre por meio de virtudes que elevam o homem ao Deus. Todavia, o mal origina-se, por seu turno, em meio à deficiência do livre arbítrio, que seria a utilização deste livre arbítrio para conquista de ambicionadas sem o propósito moral do bem comum e dos valores superiores22. Ao contrário da visão tomista com a de Agostinho acima tracejada, o preceito da liberdade, na aurora de seu crescimento no contexto burguês, firmou-se exclusivamente num eixo tripartite: propriedade privada, liberdade e segurança.

A propriedade privada, no Estado liberal, ganha relevo, pois não consiste apenas num aspecto de direito absoluto, mas ganha proporção de verdade em que o homem burguês tem acesso à titularidade ou capacidade de exercício de todas as outras liberdades, que pelo preceito da legalidade estariam protegidos contra qualquer investida estatal em sentido contrário, emergindo, neste contexto as Primeiras Declarações de direitos que positivaram direitos fundamentais cujo programa constitucional destinava-se a garantir a liberdade individual em todos os âmbitos face a investidas ilegítimas do Estado.

Acompanhando este eixo matriz, a Revolução industrial, auge do exercício do individualismo, racionalismo e legalismo, fez surgir uma dilapidada classe operária cuja liberdade geral e irrestrita sem qualquer intervenção estatal tinha o condão de aceitar e submeter-se às condições impostas pela classe antagonicamente oposta, a ascendente burguesia.

Em outras palavras, a liberdade difundida pela então sociedade liberal do século XIX era ofertada sob o manto da legalidade e da suposta igualdade de todos perante a lei. Contudo, já no final do século XIX e início do século XX o suposto conceito engendrado para liberdade revelou a real essência da legalidade existente por meio da subjugação de todos os seres humanos a uma igualdade suprema perante a lei, com condições iguais para entabular

22 AGOSTINHO, Santo. O livre arbítrio. Tradução. Nair de Assis Oliveira. São Paulo:

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24 livremente a fixação do salário e das demais condições de labor.

A evidente ausência de condições de igualdade entre a ainda ascendente classe burguesa em detrimento da grande massa proletária resultou na imposição do salário conveniente à burguesia pelo princípio da mais valia. O economista Karl Marx ressalta que o exercício desta liberdade em face da oprimida classe de trabalhadores, conforme se depreende do aresto a seguir transcrito:

A esfera da circulação ou da troca de mercadorias, em cujos limites se move a compra e a venda da força de trabalho, é, de fato, um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem. Ela é o reino exclusivo da liberdade, da igualdade, da propriedade e de Bentham. Liberdade, pois os compradores e vendedores de uma mercadoria, por exemplo, da força de trabalho, são movidos apenas por seu livre-arbítrio. Eles contratam como pessoas livres, dotadas dos mesmos direitos. O contrato é o resultado, em que suas vontades recebem uma expressão legal comum a ambas as partes. Igualdade, pois eles se relacionam um com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente (...) A única força que os une e os põe em relação mútua é a de sua utilidade própria, de sua vantagem pessoal, de seus interesses privados. (...)

O antigo possuidor de dinheiro se apresenta agora como capitalista, e o possuidor de força de trabalho, como seu trabalhador. O primeiro, com um ar de importância, confiante e ávido por negócios; o segundo, tímido e hesitante, como alguém que trouxe sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da... despela. (MARX, Karl. O Capital. Vol.1: O processo de produção do capital. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo Editorial. 2010. Pg. 322/323)

A legalidade tinha o condão apenas de limitar a atuação estatal frente a livre iniciativa e as escolhas individuais, razão pela qual a liberdade , na total ausência de interferência estatal, foi utilizada como meio para subjugar uma massa de trabalhadores ante ao enriquecimento cada vez mais crescente da classe burguesa. Aquela classe operária cada vez mais pobre e exaurida de recursos, cujo labor extenuante deriva da necessidade de subsistência e do temor em perder o emprego para outro operário com esta mesma visão de ganho, fez emergir uma evidente desigualdade de condições. Logo, o senso de liberdade pautado num modelo cartesiano de positivismo jurídico não concretizava o preceito da igualdade para uniformizar o preceito de liberdade em favor de todos.

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25 A tolher o preceito da igualdade por meio de um conteúdo legalista, tem-se o exemplo da lei de bronze, instituída em pleno auge do liberalismo econômico, que definia o trabalho como uma mercadoria, sendo o salário mero ajuste de preço a ser delimitado observando o custo da produção e a concorrência de modo a reduzir sua expressão a valores inferiores ao mínimo de subsistência, circunstâncias estas que refletem os preceitos do modelo constitucional então vigente. A problemática encerrada na dualidade existente entre o preceito da igualdade frente à liberdade foi tratada por Kelsen na obra intitulada “O problema da Justiça”, na qual esclarece tal dimensão da igualdade nas elucidações a seguir transcritas:

O princípio diretamente oposto ao de que todos devem ser igualmente tratados, isto é, de que nenhuma desigualdade deve ser tomada em conta, é aquele segundo o qual todos devem ser desigualmente tratados, isto é, segundo o qual todas as desigualdades devem ser tomadas em conta (....) uma vez que cada indivíduo é diferente de qualquer outro, a cada indivíduo é lícito pretender um tratamento especial23.

Adentrando mais no curso histórico, cumpre elucidar que o discurso legalista da sociedade liberal não mais atendia às novas exigências de um mundo polarizado, vivenciando, principalmente na Europa, um delicado equilíbrio de poder que durante por algum tempo auxílio a manter a paz. No entanto, a prolongada rivalidade provocou uma constante competição armamentista, generalizando nos Estados Nacionais o receio de uma grande guerra, daí porque o estopim com o assassinato do arquiduque da Áustria por um fanático sérvio fez nascer o confronto da Austria-Hungria e Alemanha em face da Rússia e França, bem como a invasão da Bélgica pela Alemanha, envolvendo a Inglaterra e os Domínios Britânicos24.

Pela primeira vez as nações se deparam com uma Grande Guerra de proporção mundial. Neste contexto, além da exploração exacerbada do desigual para alçar o

23

KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. Tradução: João Baptista Machado. 5ª edição.

São Paulo: Martins Fontes. 2011. Pg. 52

24 THOMSON, David. Pequena História do Mundo Contemporâneo: 1914-1961.

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26 lucro, os capitalistas que exploravam, ainda, as mazelas da guerra para auferir lucros com os contratos resultantes da produção de armamentos, gerou de um lado um sentimento de desagradabilidade na população e, de outro, o fortalecimento dos governantes em virtude dos tributos auferidos pelas riquezas alcançadas.

A natureza exauriente dos recursos humanos na guerra em virtude da exigência estatal para utilização dos esforços de seu povo, fez desenvolver de um lado, um sentimento nacionalista nos cidadãos e, de outro, promessas de uma futura justiça social com o fim da guerra. Em outras palavras nascia uma promessa de bem-estar social em contraposição ao discurso armamentista da primeira guerra25.

Deveras que na história da humanidade, a tradição do poder constituído era de proporcionar medidas paliativas para aliviar as opressões em tempos de crise; contudo, a Primeira Guerra fez eclodir três novidades distintas: a) uma severa e mundial crise econômica; b) uma crença maior na eficácia da ação governamental decorrente da própria guerra e pelo surgimento das ideias socialistas e c) as ideias de bem-estar consistiam num atrativo das massas para dar continuidade ao poder26.

No contexto filosófico, a guerra trouxe o culminar de tensão entre o discurso liberal, emergindo em oposição o discurso socialista que defendia a criação de condições desiguais, a fim de corrigir os distúrbios do crescente individualismo defendido pela escola clássica liberal. O pensador que despontou neste período foi Karl Marx, cujo embasamento teórico doutrinário conferiu ao trabalhador elementos para lutar e conquistar seus direitos enquanto indivíduos pertencentes a uma coletividade.

A dialética existente entre a liberdade almejada e a desigualdade retiraram do indivíduo, ora livre, os contornos relativos à proteção familiar, estamental ou religiosa, torno-o vulnerável às vicissitudes da vida. A permuta engendrada pela sociedade liberal

25 THOMSON, David. Ob. Sup. cit. pg. 59 e 60.

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27 trouxe ao indivíduo uma ilusória de segurança jurídica na lei a partir da garantia de igualdade de todos perante a lei.

Contudo, na realidade social da crescente da massa de trabalhadores, veio à tona as verdades obscuras do discurso que, na verdade, compeliu este indivíduo livre e destituído de qualquer meio de produção a se empregarem nas empresas capitalistas. Nesta perspectiva, operários e os reais detentores dos meios de produção eram considerados “pela majestade da lei como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho” resultando numa “brutal pauperização das massas proletárias já na primeira metade do século XIX” 27.

Evidente, portanto, a completa falta de igualdade de todos perante a lei em decorrência da falta de diálogo entre a classe operária e a patronal que cada vez mais se utilizava da mão de obra de trabalhadores que não tinham sequer jornada de trabalho fixa; emergindo, por seu turno a necessária proteção desta classe operária em desfavor da máxima liberdade experimentada de forma irrestrita pela então burguesia liberal, exsurgindo neste contexto os princípios socialistas em desfavor das oprimidas classes trabalhadora para quem o reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX28.

Em contrapartida à toada do Estado Liberal, emerge, no curso da história dos direitos fundamentais, a Democracia social que hasteou a bandeira em defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e políticos – que o sistema comunista negava – com os direitos fundamentais, econômicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo. Em verdadeira antítese ao movimento liberal, os direitos sociais defendidos exigem uma atividade positiva do Estado, pois o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à

27 COMPARATO, Fábio Konder. Ob. Sup. cit. pg. Pg. 155.

28

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28 previdência social, e outros do mesmo gênero somente conseguem alçar a hasta pública se efetivamente incorporados em programas de ação governamental a ensejar políticas públicas para tal fim cujo alcance abarca categorias e grupos sociais inteiros, não apenas a visão individualista do movimento liberal29.

A atuação do caráter social se desenvolve, na verdade no plano das ideias, porque, no plano político, os ideais fascistas e leninistas somente alcançaram a simpatia e o interesse dos governantes por ter condição de controlar a massa e atraiu as massas por oferecer uma proteção contra a insegurança social da crise econômica que assolou o mundo capitalista pós Primeira Guerra Mundial.

Neste desiderato, a liberdade com suporte na dignidade do ser humano deve perpassar a todos os meandros da sociedade para além daquela tripartite função no afã de alcançar o viés da igualdade. Em outras palavras, importante apreender os preceitos da igualdade e da liberdade como uma via de mão dupla, na qual a igualdade emerge como pressuposto para eficácia da liberdade, esta liberdade se apresenta como uma conquista essencial para garantia da própria igualdade.

Evidente, portanto, a demonstração da força ativa e eficaz dos fatores reais de poder engendrados por LASSALE, na construção da norma constitucional30, cuja expressão textual se revela na tradição dos detentores de poder em engendrar medidas paliativas no afã de aliviar a tensão das massas em tempos de crise, que no período pós Primeira Guerra ganhou dimensão por força de três novidades, quais sejam: a severidade na crise econômica que alçou esfera mundial; um aumento gradativo na crença de eficácia na ação governamental resultante do receio gerado pelas Guerras e pelo surgimento do ideal socialista e visão dos governantes em conquistar o interesse e o apoio da população, vista

29 COMPARATO, Fábio Konder. Ob. Sup. cit. pg. Pg. 205 e 206.

30 LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Coleção: Clássicos do Direito.

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29 numa perspectiva de massa de manobra a viabilizar a manutenção do poder31.

Nesta perspectiva, os fatores reais de poder a guisa de combater o socialismo e conferir soluções eficazes à crise instalada conferiu aos direitos trabalhistas, isto é, decorrentes do labor desenvolvido ainda no modelo liberal, desenvolveu uma vertente social objetivando atingir uma classe difusa de indivíduos (os trabalhadores) e, por via de consequência, assumindo uma dimensão de direitos fundamentais, as quais conquistaram patamar constitucional, sobretudo nas Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919. Impera destacar, ainda ideias de LASSALE, para quem a implantação dos direitos sociais protetivos serviu como liame a unificar as partes integrantes de uma Constituição que envolvem os banqueiros, a burguesia, a pequena burguesia e o povo32; porém, com propósitos distintos, porquanto os banqueiros e a burguesia (detentores do poder moeda), longe de pretender perder esta condição, “cede” sua ambição pelo lucro total para „autorizar‟, a “intervenção estatal em favor das partes mais débeis das relações sociais”, conferindo-lhes, num plano teórico a promoção da igualdade material, que segundo estes mesmos autores era revelada “por meio de políticas públicas redistributivas e do fornecimento de prestações materiais para as camadas mais pobres da sociedade, em áreas como saúde, educação e previdência social” 33.

A instituição de um Órgão Internacional, através do Tratado de Versalles, trouxe recomendações a serem obedecidas por seus signatários, as quais tratavam de exigências mínimas para conferir um viés protetivo às classes ou grupos sociais mais fracos ou necessitados, delimitando de forma expressa o direito à seguridade social e o direito ao

31 THOMSON, David. Pequena História do Mundo Contemporâneo: 1914-1961.

Tradução: J.C. Teixeira Rocha. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1979. Pg. 125

32 LASSALE, Ferdinand. Ob. Sup. Cit. Pg. 20.

33 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional:

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30 trabalho e à proteção contra o desemprego34.

Em que pese a evolução dos princípios de proteção social com enfoque no trabalhador ter-se desenvolvido sob o manto do Estado Social, o poder constituinte encontrava-se totalmente submisso à ideologia do liberalismo burguês, razão pela qual a introdução destes preceitos sociais protetivos foram inseridos, sobretudo no ordenamento jurídico brasileiro, conforme demonstrarão os apontamentos históricos oportunamente erigidos, de modo homeopático pelo constituinte originário.

2.2 PRINCÍPIOS COMO FONTE PARA IMERSÃO DOS DEMAIS RAMOS DO DIREITO NO DIREITO CONSTITUCIONAL

Na mesma proporção em que ocorreu a evolução do constitucionalismo engendrado numa dimensão dialética em que uma tese (Estado Liberal) é contraposta por meio de uma antítese (Estado social) alcançando uma Síntese evidenciada através do Estado Democrático de Direito, o pragmatismo plasmado na evolução do próprio Direito enquanto ciência ascendeu a partir do jusnaturalismo (tese), sendo negada por uma fase positivista, alcançando na pós-modernidade líquida sua síntese por meio do pós-positivismo jurídico em que se evidencia a normatização dos princípios.

O rigoroso cientificismo marcado pelo paradigma cartesiano tingiu o pensamento do homem moderno com as soturnas cores do cientificismo exacerbado cujos reflexos importaram ao cientista do direito um caráter rigoroso a afastar a deontologia característica do Direito Natural e lançou para o direito a necessária oposição à moral jusnaturalista de conceitos abstratos no afã de alcançar desenvolver um traço vetor do liberalismo: a segurança jurídica. Impera elucidar, por oportuno, a distinção entre os ideais

34 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª edição. São Paulo. Editora

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31 estabelecidos pelo positivismo jurídico em detrimento ao ideal positivista. Muito embora exista certa conexão entre ambas as teorias por força do idealismo pragmático da primeira sobre os positivistas jurídicos, a expressão „positivismo jurídico‟ perfila-se no sentido da construção de um direito positivo como forma de resistência aos preceitos do direito natural35.

Em completa oposição ao jusnaturalismo, que justifica o direito a partir de princípios que se encontram num plano externo ao sujeito, existindo independentemente de seu pensamento, razão pela qual entende que os valores imutáveis e universais próximos aos padrões éticos seriam vetores do ideal de justiça36, o positivismo jurídico caminha em sentido oposto por entender que uma norma somente seria justa se encerrada num plano de validade37. Em outras palavras, o direito refletia apenas os ditames do poder legislativo; o aplicador do direito, por seu turno, não passava de um técnico que apreendia a literalidade dos signos linguísticos da norma e o aplicava ao caso concreto.

Os fundamentos do Estado liberal, conforme evidenciado em tópico anterior, foram sagrados na defesa de três princípios fundamentais: liberdade, propriedade e segurança, frise-se. Nesta perspectiva, o direito natural não seria a fonte necessária para defesa dos interesses liberais, daí porque os preceitos difundidos pela filosofia positivista constituíram o arcabouço dogmático ensejador da filosofia liberal, ante a necessária defesa da objetividade motivo pelo qual se nega um fundamento metafísico para o direito, devendo este ser consolidado num conjunto de normas positivadas para trazer solução jurídica a antinomias aparentes cuja intelecção perpassa o método gramatical, lógico e histórico, sem um mínimo de

35 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo:

Ícone, 2006. Pg. 15.

36 ABBOUD, Georges. Introdução à teoria e à filosofia do Direito. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais. 2015. Pg. 232.

37 BOBBIO. Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução: Ariani Bueno Sudatti e

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32 abstração38. As regras constituídas, portanto, corresponderia à solução para casos por meio de uma dicotomia encerrada no parâmetro: certo e errado.

Ora, o positivista atribui ao direito uma perspectiva fática construída a partir de um ordenamento realmente vigente, razão pela qual atribui a produção legiferante de forma exclusiva ao Estado, que detém no seu Poder Legislativo a outorga para construção e interpretação da norma inserida num conjunto de regras uniforme, de modo que a decisão judicial realiza apenas a aplicação da regra preexistente, sem qualquer depuração39. Importa elucidar que o positivismo sofreu verdadeira evolução de significação, perpassando de sua tônica inserida no formalismo jurídico, segundo o qual contextualiza o direito enquanto sistema a contemplar a resposta correta para cada questão jurídica que ascende na sociedade, denotando, por isso, seu caráter estático e origem exclusiva do Poder legiferante40.

O reflexo desta legalidade exacerbada encerra o direito numa condição hermeticamente fechada, que reflete apenas os ditames do poder legislativo, relegando ao aplicador do direito uma tecnicidade para apreender a literalidade dos signos linguísticos da norma e o aplicá-la ao caso concreto.

Esta tendência à equiparação do direito ao produto do corpo Legislativo soberano caracteriza o positivismo legalista, cuja intelecção da norma perfila-se num campo exclusivamente sintático da linguagem de modo a submeter à capacidade interpretativa dos operadores do direito apenas a este plano sintático destituída de uma visão social na aplicação do Direito. A releitura desta dinâmica legalista não afasta o caráter positivista, porém, faz emergir necessária inserção de diretrizes cultural-valorativa cujo expoente é Kelsen e trará uma resposta pautada no positivismo normativista, perfilando-se pela análise

semântico-38 BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. A interpretação jurídica no Estado

Democrático de Direito: Contribuição a partir da Teoria do Discurso de Jürgen Habermas. In: CATTONI, Marcelo (coord.). Jurisdição e Hermenêutica Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos. 2004. Pg. 305/306.

39 BUSTAMENTE. Thomas da Rosa. Argumentação contra legem: A teoria do

discurso e a justificação jurídica nos casos difíceis. Pgs. 12/13.

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33 sintática do direito, ressaltando o significado multiforme que emana do conceito de direito41.

Ocorre que a perspectiva legalista não estabelecia valores na construção do raciocínio jurídico para aplicação da norma que não se adéqua à pluralidade e abertura social alcançadas pela sociedade no pós-positivismo, deixando o rigoroso cientificismo do modelo positivista, que ainda tinge de cores soturnas o direito pátrio fundado num legalismo exacerbado, conferindo ao magistrado uma paleta de cores uniformes que não podem ser mescladas, redefinidas ou renovadas.

Como resposta às desigualdades resultantes do preceito da liberdade pautado exclusivamente pelo viés da segurança jurídica constituído no Estado Liberal, surgiu o Estado Social para conferir a materialização de circunstâncias a proporcionar efetiva igualdade e liberdade ao indivíduo. No plano da hermenêutica Constitucional, as diretrizes ensejadoras da dinâmica no Estado Social conferem uma maior liberdade interpretativa ao magistrado na aplicação da norma ao fato, arrefecendo os efeitos relativos à subjetividade do legislador para buscar o real sentido e objetivo da lei.

A crítica que emerge neste contexto não nega a validade do modelo positivado, porém, traz à tona a percepção segundo a qual a Dogmática jurídica não tinha o condão de inferir todas as interpretações possíveis, razão pela qual o aplicador da norma de decisão teria a autorização, na própria lei, para complementar a lacuna encerrada no direito. A crítica, portanto, ao modelo positivista aponta que o direito encerraria um sistema fechado de regras cuja solução jurídica teria por solução “o tudo ou nada” 42.

A hermenêutica protagonizada no Estado Liberal traça seus passos a partir dos meandros estabelecidos pelo Positivismo, que em sua perspectiva jurídica ambicionava alçar uma esfera de pureza científica da norma depurada a partir de uma lógica dedutiva.

41 ABBOUD, Georges. Ob. Sup. Cit. Pg. 254/255.

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34 Neste desiderato, o ideal de justiça no Estado Liberal foi sublimado pelo positivismo jurídico para enaltecer à segurança jurídica nas relações sociais43. Contudo, o modelo positivado de regras, mesmo postergado no modelo Social, conferiu ao Estado uma condição de Leviatã para estabelecer diretrizes na esfera pública que concediam as condições materiais a formar “cidadãos ativos e autoconscientes de seu papel na esfera pública” 44.

A sociedade, por seu turno, evoluiu para uma dinâmica de complexidade multifacetada, em que esta relação paternalista engendrada no Estado Social trouxe uma sobrecarga do direito que, atuando a observar uma gama de diretrizes, deveria conferir uma vida boa aos cidadãos e nesta dinâmica a própria aplicação do direito alcança um caráter obsoleto, pois o que era vida boa num determinado período rapidamente o deixa de ser em outro. Emerge, deste contexto, a política neoliberal a defender o Estado mínimo consubstanciado no paradigma do Estado Democrático de Direito45.

Os anseios sociais não mais eram respondidos pela dinâmica histórica do jusnaturalismo, muito menos pela perspectiva meramente política e centralizadora do positivismo, porquanto a dinâmica imposta ao mundo do Direito deveria perpassar por uma função social cuja interpretação da norma ultrapassava as grossas paredes que enclausuravam a norma jurídica, emergindo deste contexto o pós-positivismo jurídico.46 Este novo modelo consiste numa terceira via a implementar verdadeira modificação paradigmática intitulada pela doutrina como virada kantiana que na visão de Jonh Rawls o Direito deve desenvolver-se em princípios de justiça que são, por seu turno, análogos aos imperativos categóricos de

43 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. É possível a construção de uma hermenêutica

constitucional emancipadora na pós-modernidade? In: Revista de Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais – IBDC. 53:7-19. Out/dez. 2005. Pg. 9.

44 BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Ob. Sup. Cit. Pg. 313.

45 BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Ob. Sup. Cit. Pg. 314.

46 BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar.

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35 Kant47.

A relevância desta concepção não mais se perfila pela evocação do direito puramente codificado, mas ganha espaço na norma de decisão produzida pelo Judiciário que passa a interagir com a norma positivada de modo a adaptá-la às necessidades concretas emergentes da sociedade48. Neste contexto, o operador do direito terá por preocupação maior adequar sua decisão tão legítima quanto inserida no cotejo principiológico incerto no ordenamento, não apenas numa perspectiva sintática da linguagem do conteúdo legislativo, mas interagindo com os princípios de justiça revelados pelo texto constitucional vigente.

Para fugir deste ciclo literal, o direito passa por um processo de modernização para acompanhar os novos preceitos a fim de alcançar um sistema de construção hermeneuticamente estruturado com suporte na dignidade da pessoa humana. Esta maior densidade do direito, estabelecendo filtros mais aberto atuará de forma marcante em todos os meandros das funções estatais, porquanto o legislador passará a harmonizar o sistema, enquanto que ao Estado cabe a garantia da efetividade do Direito e o Judiciário, através do exercício hermenêutico, irá conferir óleo suficiente para fazer funcionar todas as engrenagens do sistema jurídico brasileiro.

Em outras palavras, a Constituição, encerrada num mar de princípios, é dotada de força normativa tal que os princípios nela inseridos consistem em instrumentos de interpretação cujas premissas conceituas, metodológicas e finalísticas vinculam o intérprete como mandamentos a orientar seu processo intelectual de modo a concretizar a solução jurídica adequada para solução da questão posta49.

47 RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. (Coleção Justiça e Direito). São Paulo:

Martins Fontes. 2008. Pg. 314

48 GOMES. Fábio Rodrigues. O Direito Fundamental ao Trabalho: Perspectiva

Histórica, filosófica e dogmático-analítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. Pg. 43.

49 BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro:

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