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Liberdades possíveis em espaços periféricos: escravidão e alforria no termo da Vila de Arez (séculos XVIII e XIX)

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Academic year: 2021

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Liberdades possíveis

em espaços periféricos

escravidão e alforria no termo da vila de Arez

(séculos XVIII e XIX)

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Bruno Francisco Xavier (Secretário)

Luis Álvaro Sgadari Passeggi (Presidente)

Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária) Alexandre Reche e Silva

Amanda Duarte Gondim Ana Karla Pessoa Peixoto Bezerra Anna Cecília Queiroz de Medeiros

Anna Emanuella Nelson dos Santos Cavalcanti da Rocha Arrailton Araujo de Souza

Carolina Todesco

Christianne Medeiros Cavalcante Daniel Nelson Maciel

Eduardo Jose Sande e Oliveira dos Santos Souza Euzébia Maria de Pontes Targino Muniz Francisco Dutra de Macedo Filho Francisco Welson Lima da Silva Francisco Wildson Confessor Gilberto Corso

Glória Regina de Góis Monteiro Heather Dea Jennings Jacqueline de Araujo Cunha Jorge Tarcísio da Rocha Falcão Juciano de Sousa Lacerda Julliane Tamara Araújo de Melo Luciene da Silva Santos Márcia Maria de Cruz Castro Márcio Zikan Cardoso Marcos Aurelio Felipe Maria de Jesus Goncalves Maria Jalila Vieira de Figueiredo Leite Marta Maria de Araújo

Mauricio Roberto C. de Macedo Paulo Ricardo Porfírio do Nascimento Paulo Roberto Medeiros de Azevedo Regina Simon da Silva Richardson Naves Leão Roberval Edson Pinheiro de Lima Samuel Anderson de Oliveira Lima Sebastião Faustino Pereira Filho Sérgio Ricardo Fernandes de Araújo Sibele Berenice Castella Pergher Tarciso André Ferreira Velho Teodora de Araújo Alves

Tercia Maria Souza de Moura Marques Tiago Rocha Pinto

Veridiano Maia dos Santos Wilson Fernandes de Araújo Filho Tradutorium Centro de Traduções e Intérpretes Caule de Papiro Gráfica e Editora (84) 3218 4626 Caule de Papiro Gráfica e Editora (84) 3218 4626 Servo de Dom Miguel de Castro, de Albert Eckhout. Óleo sobre madeira. Statens Museum For Knust. Caule de Papiro Gráfica e Editora (84) 3218 4626 Revisão

Projeto Gráfi co Capa Editoração eletrônica

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Aldinízia de Medeiros Souza

Liberdades possíveis

em espaços periféricos

escravidão e alforria no termo da vila de Arez

(séculos XVIII e XIX)

2018

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Liberdades possíveis em espaços periféricos [recurso eletrônico] : escravidão e alforria no termo da Vila de Arez (séculos XVIII e XIX) / Aldinízia de Medeiros Souza. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.

220 p. : PDF ; 13,1 Mb. – (Coleção História e espaços). Modo de acesso: http://repositorio.ufrn.br

ISBN 978-85-425-0443-9

Originalmente publicado como dissertação de mestrado pela Universi-dade Federal do Rio Grande do Norte em 2013.

1. Escravidão – Rio Grande do Norte – História. 2. Cartas de alforria. 3. Negros – Rio Grande do Norte. I. Título.

CDD 981.32 RN/UF/BCZM 2018/34 CDU 94(813.2).063

Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário | Lagoa Nova | 59.078-970 |

Natal/RN, Brasil

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Aos meus pais, Nidarte e Aldi, com gratidão.

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Liberdades possíveis em espaços periféricos é resultado da pesquisa e da minha dissertação de Mestrado realizada no Programa de Pós-graduação em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, entre os anos de 2011 e 2013. Ao longo desse período, encontrei apoio e cola-boração que foram fundamentais para o desenvolvimento do trabalho. Agradeço à professora Carmen, orientadora, pela disponibilidade em orientar-me, pela confi ança na realização do trabalho, pelo incentivo, pelas correções minuciosas e pelo profi ssionalismo.

Aos professores examinadores da Banca de Qualifi cação do Mestrado: Juliana Souza e Muirakytan Macêdo pelas sugestões apresentadas, que muito contribuíram para o desenvolvimento do trabalho. As contri-buições do Professor Muirakytan prolongaram-se ainda na Banca de Defesa, enriquecendo esse trabalho junto ao Professor Márcio de Sousa Soares, que fez excelentes observações para serem acrescentadas ao texto fi nal.

Agradeço ainda aos professores com os quais cursei disciplinas no mes-trado: Flávia Pedreira, Muirakytan Macêdo, Raimundo Pereira Alencar Arrais, Haroldo Loguercio Carvalho, Durval Muniz de Albuquerque Júnior, pois ninguém passa pelas nossas vidas sem deixar algo.

Nas instituições onde pesquisei encontrei, sempre, pessoas genero-sas. Agradeço aos funcionários de Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. No Instituto Histórico e Geográfi co do Rio Grande do Norte, agradeço a todos os funcionários e especialmente a Lúcia, Manoel e Antonieta. Sou grata ao professor Marinho, que encon-trei várias vezes no IHGRN e foi sempre solícito em indicar material e, especialmente, ao Professor Claudionor Barbalho que indicou fontes preciosas.

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Aos bolsistas do LEHS/UFRN, que sempre estiveram disponíveis para sanar eventuais dúvidas, Renata, Patrícia, Ana Lunara, Helaine, Carlos Raphael, Aledson, Marcos, Daiane Julia, Kelson, José Gutemberg e, aos que iniciaram o grupo de estudos sobre escravidão: Tássia, Pedro, Waldinéia, Diana e Liliane. A Daiane Ponciano e a Aledson agradeço a colaboração nas transcrições dos documentos. A Yuri agradeço a elabo-ração do mapa das freguesias de Arez e Goianinha.

Sou grata à Capes, pela concessão da bolsa, que me permitiu a dedi-cação à pesquisa.

Agradeço à Aldinida, minha irmã, pelo incansável incentivo ao meu ingresso no mestrado. Seu apoio afetivo e técnico (nas correções de tra-balhos) foi fundamental. Ao meu irmão Robinson, à Heroisa e Robinson Jr, com quem pude compartilhar ótimos momentos no período em que estive pesquisando no Rio de Janeiro. Aos meus pais agradeço a vida, o amor e o apoio de sempre. A minha avó Zefi nha, à Bada, Nísia e Tércio por serem sempre um porto seguro para toda a família.

Aos amigos, que em diferentes circunstâncias fi zeram-se presentes: Danúbia Lopes, Aparecida Freire, Gilmara Siqueira, Marcone Costa, Suetânia, Kézia Cirne, Jerônimo Vilar, Fred Oliveira, Viltany Freire, Márcia Pedroza, Rita Procópio, Alex Xavier.

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Nei Lopes

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Apresentação

Liberdades ainda que tardias cintilam no tempo presente as emergências e as ações afirmativas de natureza étnica. Tais lutas reposicionam no front histórico sujeitos sistematicamente extraviados, silenciados e invisibilizados. Tal perfilamento ganha conotação grandiosa se observarmos determinadas linhas prioritárias de políticas nacionais que, nesse sentido, promovem o direito de afrodescendentes no ingresso na vida pública. Este movimento reverbera na visibilidade histórica que tais segmentos sociais tiveram e têm na formação do povo brasileiro. No entanto, na historiografia do Rio Grande do Norte, salvo algumas boas iniciativas, ainda paira um incômodo mutismo sobre este enfoque. Silêncio que impacienta os historiadores e que os fariam cúmplices se não fossem pesquisas realizadas como a que se materializa neste livro. A investigação acadêmica avança em generalizações, entretanto, solidamente progride singrando quadros interpretativos lastreados em pesquisas de base, em estudos metódicos de documentos e em visadas ancoradas em teorias e historiografia afinadas com o tempo passado e, especialmente, com o tempo acadêmico do historiador. Este livro, cuja primeira forma foi a dissertação de mestrado de Aldinízia Souza, vai adiante justamente por essas razões. Ademais, elege um tema caro aos fundamentos nosso tempo, tanto por escolher por objeto a escravidão, quanto por discutir nela as pulsações irrefreáveis da liberdade. A redução da escala historiográfica à Vila de Arez na Capitania do Rio Grande do Norte, não é um particularismo insípido, visto que realça o deslumbre da historiadora com as pepitas documentais que encontrou e a cautela da lapidação que elas merecem. Nesse sentido, as cartas de alforria analisadas com rigor metodológico permitem uma visão dos interesses agenciados tanto pelos senhores, quanto pelos

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escravismo colonial na Capitania do Rio Grande. O leitor e a historiografia do Rio Grande do Norte ganham um desses pontos de partida sobre o qual vão se tecendo outros estudos acadêmicos sustentáveis. É urgente que trabalhos investigativos dessa monta existam para que a história seja discutida em uma clave comparativa, de maneira a que entendamos a escravidão no Brasil, através da forma com ela se processou em recortes regionais. Afinal, o sequestro da liberdade de outro ser humano é um fenômeno cuja complexidade - espacial e temporal - não cessa de repercutir contundentemente na sociedade brasileira. Porém, não só a escravidão, mas também a liberdade, não a que parece um favor -como nos casos das alforrias gratuitas e condicionais , problematizadas pela historiadora – mas, especialmente , aquela liberdade conquistada com o não querer ser escravo, com o não querer ser voluntariamente escravo.

Muirakytan K. de Macêdo (UFRN – CERES/Caicó)

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Sumário

Prefácio 13

Introdução 17

Capítulo I - Arez: entre o urbano e o rural 37

O termo da vila de Arez e sua espacialidade 38

Os escravos presentes nos inventários post mortem 51

Para garantir a subsistência 62

Vila de pouco comércio 74

Capítulo II - Alforrias no termo da vila de Arez 101

A carta de alforria: para melhor assegurar a liberdade 102

Alforrias pagas 107

Que me acompanhe enquanto for vivo: alforrias condicionais 121 Alforria e mobilidade espacial: para ir onde quiser 146

Capítulo III - Próximos do senhor, perto da liberdade: escravos al-forriados e senhores no termo da vila de Arez 151

Cores da alforria 152

Pelo amor que lhe tenho, ou trabalho, negociação, merecimento 163

Alforrias de crianças 169

Alforria de idosos 181

Senhores propensos a alforriar 184

Espacialidade das alforrias 189

Considerações fi nais 197

Referências 205

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Prefácio

O livro que ora se apresenta, de autoria de Aldinízia de Medeiros Souza, fruto de sua dissertação de mestrado, revela um pouco mais da história dos escravos de origem africana no Rio Grande do Norte, sobretudo na parte oriental, na virada do século XVIII para o XIX. A escolha do tema, escravidão negra, foi bastante feliz, uma vez que promove a inserção desse objeto de pesquisa na história do Rio Grande do Norte.

Tradicionalmente, os grandes estudiosos da história do estado, como Tavares de Lyra, Rocha Pombo e Câmara Cascudo, apesar de reconhecerem a presença africana e o instituto da escravidão, tais assuntos sempre foram secundarizados, privilegiando-se a história dos indígenas. Esse pensamento foi resultante da suposta pouca pre-sença de negros na atualidade e também de uma economia que não fosse a grande lavoura canavieira, tendo em vista que foram poucos os engenhos, bem como a produção para exportação foi extrema-mente reduzida. Além desses fatores, pode-se citar a pouca existência de fontes históricas que registrassem a atuação desses escravos.

O pilar construído e sedimentado por esses estudiosos contri-buiu para uma não valorização dos estudos sobre os negros no Rio Grande do Norte. Tal situação, modifi cou-se na década de 1980, quando historiadores começaram a produzir uma nova história do Rio Grande, embora certo rumorejo ainda estivesse presente com relação ao tema. Em 1988, o jornalista José Ayrton de Lima publicou o livro A escravidão negra no Rio Grande do Norte, eviden-ciando a relevância de se estudar o tema, e, mais do que isso, uma necessidade, tendo em vista a promulgação de uma Constituição marcada pela inclusão.

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Aldinízia de Medeiros Souza

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Na primeira década do século XXI, com a expansão de cursos de pós-graduação em História no Rio Grande do Norte, assim como a solidifi cação da vertente historiográfi ca que trata os escra-vos enquanto agentes atiescra-vos de sua própria história, alguns estu-dos foram sendo produziestu-dos, mas sempre com foco na região do Seridó. Trabalhos como do professor do CERES/UFRN Muirakytan Kennedy de Macedo e de sua orientanda Michele Soares Lopes, ambos inéditos, evidenciam a existência da escravidão africana em uma área cuja principal atividade econômica era a pecuária, que não requeria uma mão de obra numerosa. Esses estudos confi rmam a presença escrava de origem africana, e principalmente no Rio Grande do Norte – uma capitania e posteriormente província, de certa forma periférica –, que estava inserido na lógica escravista da América portuguesa e do Império do Brasil.

O estudo de Aldinízia de Medeiros Souza, ao analisar as cartas de alforrias obtidas por escravos na vila de Arez, pequeno povoado localizado na costa oriental potiguar, corrobora para colocar o Rio Grande do Norte no mapa da história nacional, ratifi cando que, além da presença de escravos de origem africana, já colocado pelos estudiosos da região do Seridó, esses escravos também lutaram com afi nco pela sua liberdade.

As difi culdades para realizar essa pesquisa foram tamanhas que tor-nam o trabalho da autora mais grandioso ao encontrar os vestígios que a possibilitaram escrever as histórias desses alforriados. A investigação realizada com um rigor metodológico e uma análise minuciosa dos Livros de Notas de Arez, além de outras fontes primárias, sobretudo inventários, possibilitaram a autora desvendar as estratégias dos escra-vos para obter a tão sonhada alforria, mesmo que as condições não fossem as mais propícias.

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15 Além de situações interessantes, como as condições impostas por alguns senhores, as cartas de alforrias permitiram perceber a utili-zação de mão de obra escrava de origem africana em áreas, de certa forma, remotas, cujo uso de escravos seria improvável, reforçando a sua presença em uma economia não açucareira.

Ao longo da leitura, será possível perceber os diferentes tipos de alforrias concedidas na região da vila de Arez, e conforme foi per-cebido pela autora, houve tanto alforrias pagas quanto as chamadas gratuitas, além das alforrias condicionais. O cruzamento dessas infor-mações com a cor/etnia dos escravos alforriados permitiu examinar a complexidade do fenômeno da escravidão e a sua face mais cruel: o preconceito racial, já que a maioria dos alforriados foi de mulatos. Ademais, evidenciou as possibilidades que os escravos possuíam, tendo em vista que muitas alforrias foram obtidas por meio de paga-mento ao senhor, o que, segundo a autora, indica que os escravos tinham acesso à constituição de um pecúlio.

O estudo de Aldinízia de Medeiros Souza é relevante também por apresentar justamente uma região considerada pouco dinâmica do ponto de vista econômico, a região de Arez. Mas os dados apre-sentados em sua pesquisa reforçam a importância da capitania do Rio Grande enquanto produtor de gêneros alimentícios como, por exemplo, a farinha de mandioca, complementando a carne da pecu-ária, criada tanto no litoral potiguar quando no sertão do Seridó.

O espaço da vila de Arez, seja a sede, seja a área do termo inteiro, portanto, é abordado tanto do ponto de vista urbano, quanto rural, dado que no período estudado englobava a importante povoação de Goianinha. Dialogando sempre de maneira pertinente com a recente historiografi a sobre escravidão para outras regiões, conclui não haver diferenças no número de alforrias concedidas nas áreas urbanas e rurais e, mais uma vez, mostrando como a escravidão africana no Rio

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Grande do Norte norteou-se pelos mesmos padrões da sociedade escravista de outras regiões mais dinâmicas.

Assim, o leitor, sobretudo o potiguar, é brindado com um exce-lente estudo sobre uma pequena parte, mas deveras importante, da história do Rio Grande do Norte, inserido em uma projeção mais ampla da história nacional.

Profa. Dra. Carmen Alveal (UFRN)

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Introdução

Desde a década de 1970, os estudos sobre os escravos têm enfocado a alforria. As pesquisas pioneiras sobre manumissão publicadas naquela década são de Kátia Mattoso (1972) e Stuart Schwartz (2001) 1. Esses autores exploraram os livros

de notas de cartórios de Salvador, onde encontraram uma abundância de fontes que permitiram um trabalho empírico sobre as alforrias e a forma como foram conquistadas. Já assi-nalando o papel dos escravos nesse processo, contribuíram para outros trabalhos que conferiram aos escravos o papel de sujeitos. Os resultados das pesquisas de Mattoso sobre alfor-rias encontram-se, também, na sua obra Ser escravo no Brasil, publicada, inicialmente, na década de 1980, que abrange a escravidão de modo mais amplo, incluindo, além das alforrias, outros aspectos também abordados pela historiadora, como as condições da escravidão, o compadrio, as relações entre escravos, libertos e livres.

Esses dois pesquisadores traçaram um perfi l dos alforriados e das formas de alforrias em Salvador nos períodos de 1779 a 1850 (MATTOSO, 1972) e 1684 a 1745 (SCHWARTZ, 2001). Tanto Mattoso quanto Schwartz destacam o papel das mulheres e dos mulatos na conquista da alforria. A proporção de mulheres alforriadas era de duas mulheres para um homem liberto (SCHWARTZ, 2001), o que ocorria por razões rela-cionadas ao preço mais baixo da escrava, à maior proximidade com os seus senhores e pelo resultado da venda de produtos 1 Publicada inicialmente em 1974.

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que proporcionasse a compra da alforria (SCHWARTZ, 2001; MATTOSO, 1990).

O perfi l dos escravos e o número de alforrias pagas (em torno de 50%), para esses pesquisadores das alforrias em Salvador, levam ao questionamento sobre o caráter puramente humanitário das alforrias. Kátia Mattoso (1990) questiona a gratuidade das alforrias condicionais, e Stuart Schwartz (2001) busca um equilíbrio entre a percepção de alforrias con-cedidas por uma atitude humanitária do senhor e a percepção de alforrias concedidas pelo interesse econômico. Schwartz (2001) aponta para uma percepção das alforrias inseridas em um contexto que não é apenas econômico, mas também cultural, pois não depende apenas de aspectos econômicos como valor do escravo e pagamento.

Além de Salvador, a cidade do Rio de Janeiro, outra área de grande quantidade de escravos, também suscitou estudos sobre as alforrias. Também na década de 1970, Mary Karasch defendeu sua tese sobre escravidão no Rio de Janeiro na pri-meira metade do século XIX, cuja publicação ocorreu inicial-mente nos Estados Unidos, em 1987. A autora analisa 904 cartas de alforria, que libertaram 1.319 escravos, registradas entre 1807 e 1831, e demonstra que as alforrias não eram conseguidas com facilidade nem eram frutos da benevolência do senhor, mas que eram, sim, do esforço dos cativos, que em geral precisavam pagar por elas ou ainda as obtinham mediante cláusulas de prestação de serviços. Karasch (2000) destaca o papel das mulheres na conquista da manumissão, relacionada às atividades desempenhadas por elas no contexto urbano, o que era mais difícil para os homens, visto que, na

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cidade, as mulheres encontravam maiores possibilidades de desenvolver atividades como vendedoras ou outras que per-mitiam o acúmulo de um pecúlio.

Também em Recife, na primeira metade do século XIX, a maior parte de libertos nos mapas de população era com-posta de mulheres (CARVALHO, 2002). Além das atividades domésticas e no comércio, Marcus Carvalho (2002) destaca as relações pessoais entre senhores e escravos como elementos favoráveis às manumissões.

Peter Eisenberg (1989), ao estudar as alforrias em Campinas no século XIX, também distingue o perfi l dos alforriados, mas alerta que “as características do alforriado-‘padrão’ variavam conforme determinações históricas específi cas no tempo e espaço” (EISENBERG, 1989, p. 257). Com essa afi rmação, o autor expressa sua discordância em relação à ideia sistema-tizada por Jacob Gorender de “padrão de alforria no Brasil” (GORENDER, 1985, p. 354-355). Eisenberg analisa alforrias registradas no cartório de Campinas, no século XIX, observa mudanças no padrão do alforriado nas últimas décadas da escravidão e relaciona o aumento de alforrias gratuitas pós-1870 ao baixo custo dos escravos e ao aumento da violência coletiva dos escravos. Nesse contexto de crise da escravidão, a gratuidade da alforria era mais prestigiosa para o senhor que a concedesse do que a alforria onerosa.

A atenção comum, nos estudos supracitados, a um perfi l dos alforriados, a quem pertenciam e como conseguiram a alforria, leva em consideração aspectos econômicos, mas tam-bém o papel desempenhado pelos escravos na aquisição da

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manumissão. Além disso, a controvérsia de um padrão para o Brasil justifi ca a análise para diferentes regiões.

A preocupação de Eisenberg (1989) em não generalizar resultados de análises de alforria para todo o Brasil também é observada em Russell-Wood (2005), que, ao analisar as possibilidades de aquisição da alforria no contexto social e econômico de Minas no século XVIII, ressalta a complexidade do processo de alforria, o qual envolve “interação de fatores individuais, familiares, psicológicos, sociais, demográfi cos, geográfi cos, econômicos e cronológicos” (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 59).

O perfi l dos alforriados também poderia variar de acordo com as fontes utilizadas. Os estudos que têm como fonte a carta de alforria podem apresentar resultados diferentes de estudos que abordam a alforria concedida por outras vias, tais como testamento e certidão de batismo. Assim, Adauto Damásio (1995) explora testamentos de Campinas e encontra dados diferentes dos encontrados por Peter Eisenberg, pois a maior parte dos alforriados em testamentos não tiveram suas alforrias registradas em cartório, o que aumentou o número de alforrias em relação aos dados de Eisenberg, no período abordado por Damásio. O trabalho de Damásio e outros discutidos a seguir fazem parte de uma renovação nos estudos sobre alforria que privilegiaram outros documentos além da carta de liberdade.

Com vistas às estratégias de inserção social dos libertos de Porto Feliz, em São Paulo, na primeira metade do século XIX, Roberto Guedes (2008) identifi ca a alforria como um dos

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elementos de mobilidade social. Na busca da trajetória dos

egressos do cativeiro, o autor analisa, entre outros documentos,

os testamentos e observa um maior número de alforrias conce-didas em testamento do que alforrias registradas em cartório, o que signifi ca, para Guedes, um reconhecimento social da alforria, mesmo em caso de ausência do registro em cartório. O autor contrapõe-se à ideia de alforria como resistência para considerá-la como parte de uma relação de troca, embora desigual, entre senhor e escravo, apoiando-se na concepção de troca de Marcel Mauss (2001).

A alforria inserida na concepção teórica de Mauss também é utilizada por Márcio de Sousa Soares (2009; 2011), ao analisar as alforrias sob a ótica da dádiva em Campos de Goitacases, referentes ao período de 1750 a 1830. Desse modo, a alforria compreende, em contrapartida, uma retribuição do escravo liberto, mantendo-se, pois, os vínculos entre esse e seus anti-gos senhores. Além disso, o autor distancia-se da concepção de alforria como resistência, bem como da prática da manu-missão como costume, para situá-la na prática de incentivos utilizada pelos senhores como meio de assegurar o domínio sobre os escravos. Para esse autor, a exemplo de Rafael Bivar de Marquese, a prática da alforria estava disseminada, pois o tráfi co atlântico era responsável pela reposição das escrava-rias, logo tráfi co e alforria articulavam-se na manutenção da escravidão.

A alforria como elemento de dominação paternalista tem sido valorizada nos estudos recentes sobre o tema, resultantes de teses ou dissertações na área da história social. Enidelce Bertin (2004) estuda as alforrias em São Paulo no século XIX, e já no

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subtítulo do seu trabalho, Alforrias em São Paulo: liberdade

e dominação, anuncia o caráter ambivalente da alforria,

ques-tão sobre a qual se detém, ao inserir as alforrias em uma polí-tica senhorial paternalista, utilizada como meio de controle dos escravos pelos senhores e expressa nas cartas por meio de afi rmações de gratidão e afeto. Essa autora situa a alforria na crise de mão de obra nos fi ns do século XIX como uma forma do senhor garantir a fi delidade e serviço dos escravos.

O paternalismo enfatizado por Bertin (2004) e por outros historiadores, principalmente por Sidney Chalhoub (1990; 2003), fundamenta-se na concepção difundida por Eugene Genovese (1988), para quem o paternalismo é interpre-tado diferentemente por escravos e senhores. Como explica Chalhoub (2003), na dominação paternalista, as prerrogati-vas dos senhores não são questionadas, mas seus dependen-tes tentam provocar nos seus senhores a ação que desejam. Mesmo em situação de desigualdade, os subordinados agem de maneira a conseguir dos senhores a atitude que querem, embora pareça que é a vontade dos senhores que prevalece. Em se tratando das alforrias, o bom comportamento e os bons serviços realizados, muitas vezes justifi cados como motivo para os senhores concederem a carta de liberdade, podem ser o resultado de uma atitude pensada do escravo para obter a manumissão. Assim, sob essa ótica, as alforrias constituíam-se em uma política de domínio constituíam-senhorial, mas também eram resultantes das articulações dos escravos em prol de consegui-rem a liberdade (BERTIN, 2004).

As abordagens sobre alforria também envolvem a relação com o espaço, porém privilegiando os espaços urbanos. As

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vilas e as cidades, onde a dinâmica econômica apontava para uma maior viabilidade de os escravos trabalharem em diversas atividades que permitissem acumular um pecúlio, são aponta-das como espaços de maior possibilidade de os escravos alcan-çarem a manumissão. Por meio de atividades de ganho em que o escravo trabalhava vendendo produtos ou prestando serviços em troca de pagamento, o cativo pagava ao senhor um jornal, ou seja, uma parte dos ganhos. Os escravos poderiam, ainda, realizar atividades como artífi ces e, da mesma forma, pagar um jornal ao senhor e juntar parte para comprar sua alforria.

Russell-Wood (2005) ressaltou a participação de negros e mulatos, em Minas Gerais, nas tabernas e lojas comerciais como mercearias que vendiam roupas, comidas, bebidas, utensílios domésticos, além de ferramentas agrícolas e armas de fogo, destacando que tais espaços eram pontos de encon-tros de escravos e serviam, muitas vezes, a atividades ilícitas, como esconder escravos fugidos ou vender mercadorias para quilombos. Outro aspecto levantado pelo autor é que esses espaços também serviam à integração social entre libertos e escravos, no sentido de cooperação para a conquista de liberdade de escravos. Desse modo, poder-se-ia, por exem-plo, comprar diamantes contrabandeados pelos escravos, e o dinheiro arrecadado com a venda poderia ser empregado na compra da alforria. Russell-Wood (2005) não se limitou ape-nas aos escravos, mas também aos libertos, e ressaltou que as oportunidades para os libertos de descendência africana eram menores do que para os nascidos no Brasil e os mulatos, visto que as licenças para atividades artesanais ou para atividades comerciais eram de mais difícil acesso para os africanos.

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Também analisando o contexto mineiro, Eduardo Paiva França (2006) identifi ca a prática da coartação, na qual o escravo poderia comprar sua alforria a prazo, como sendo uma prática costumeira, que também era favorecida pelas possibi-lidades de trabalhos nos núcleos urbanos de Minas Gerais, onde a coartação teria sido bem mais corriqueira do que em outras áreas do Brasil. A variedade de funções existentes no contexto urbano proporcionava, então, o acúmulo de pecúlio, e o pagamento a prazo viabilizava a compra da alforria. Além disso, o espaço urbano favorecia a comunicação e a interação entre escravos e outras pessoas que pudessem, de algum modo, contribuir para viabilizar a alforria. Ao mesmo tempo, o autor enfatiza o esforço despendido pelos escravos para saírem da escravidão, e compreende a alforria como uma resistência, em consonância com as concepções de Silvia H. Lara (1988), que identifi ca, nas estratégias dos escravos para conseguir alforria, atitudes de resistência à escravidão.

Os estudos sobre o Rio de Janeiro, bem como sobre Minas Gerais, avaliam que, na cidade, as mulheres tinham mais opor-tunidades de conseguir a manumissão em função da atividade como negras de tabuleiro ou quituteiras. O papel da mulher nessas atividades que possibilitavam a compra da alforria, no Rio de Janeiro, foi analisado por Mary Karasch (2000) e por Sheila Faria (2011), que relacionaram as atividades desen-volvidas no Brasil à prática dessas mulheres na África. Sheila Faria (2011) destaca as pretas minas no comércio de venda ambulante como elemento favorável à compra de alforria, bem como a aquisição de escravas por parte das pretas minas

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libertas e, nesse ponto, observa a inserção social das minas libertas como proprietárias de escravas de ganho.

Já Luciano Figueiredo (1999), que enfoca o papel das mulheres escravas em Minas colonial, ressalta a possibilidade de as negras de tabuleiro circularem pelas ruas e becos, assim como pelas áreas de extração de ouro e diamantes, fato que favorecia a sua atuação na transmissão de informações ou como mediadoras de contrabando de ouro ou diamante, o que preocupava as autoridades dessa região.

A cidade é, ainda, vista como um espaço que propiciava a mobilidade dos escravos, onde eles poderiam circular com mais liberdade sem o controle constante do senhor. Leila Algranti (1988) afi rma que a ausência do feitor na cidade oferecia ao escravo maiores oportunidades de movimento longe do controle dos proprietários. Por outro lado, o controle recaía sobre a ação do governo, que cuidava cada vez mais de restringir as possibilidades de aglomerações escravas. Sidney Chalhoub (1990), por sua vez, identifi cou a cidade como esconderijo, onde os escravos poderiam passar-se por livres. Portanto, seria um local onde escravos fugidos poderiam ten-tar viver com mais autonomia. Entretanto, era, também, a cidade que gerava uma suspeição generalizada sobre os povos de ascendência africana. O historiador identifi ca, ainda, os diferentes sentidos da liberdade entre escravos e senhores e percebe concepções dos escravos sobre a condição de ser livre relacionadas à prática de se autossustentar (“viver sobre si”), à qual estavam sujeitos muitos escravos de ganho.

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É necessário notar que os estudos de Karasch, Algranti e Chalhoub abordam a cidade do Rio de Janeiro após a chegada da corte. Logo, o contexto de urbanização que a cidade sofreu não se processou da mesma maneira que em outras cidades do Brasil, mas são estudos que se tornaram referência, ao rela-cionarem as alforrias às condições encontradas pelos escravos no espaço urbano.

Outro aspecto ressaltado por Sidney Chalhoub (1990) é que o direito ao pecúlio e a prática da alforria por indenização do preço já eram práticas costumeiras antes da lei de 1871, quando a chamada Lei do Ventre Livre assegurou o direito de o escravo constituir um pecúlio e, uma vez possuindo o valor sufi ciente, poder comprar a alforria. Portanto, essa lei repre-sentou o reconhecimento jurídico de direitos conquistados pelos escravos. Entretanto, Keila Grimberg (1994) levanta a hipótese de que, ao regulamentar as relações escravistas, no que diz respeito à compra da alforria, a lei provocou um cerce-amento na obtenção da liberdade, na medida em que exigia a apresentação de provas e diminuía as possibilidades de defesas elaboradas pelos advogados com base no direito costumeiro. Entre os títulos da bibliografi a que fundamenta esse trabalho, busca-se em Sidney Chalhoub (1990) uma refl exão no que diz respeito às alforrias condicionais pautadas em um cuidado de não elaborar um padrão de compreensão válida para todas as épocas e lugares e, assim, refl etir sobre as possibilidades de dife-rentes interpretações coexistirem, como por exemplo, os efeitos da alforria condicional para a defi nição da condição jurídica dos fi lhos de escravas. O autor demonstra que, muitas vezes, uma interpretação não exclui a outra, pois há, na realidade histórica,

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situações ambíguas, de difícil defi nição estática. Outros autores, tais como os já citados Kátia Mattoso (1990) e Stuart Schwartz (2001), além de Mary Karasch (2000) e Enidelce Bertin (2004), também abordam aspectos pertinentes às alforrias condicionais em alguns pontos divergentes, como se analisará no capítulo 2, mas que enfatizam o papel do escravo como agentes na aquisi-ção da manumissão.

A historiografi a sobre alforria tem destacado, ainda, o duplo papel que a manumissão encerra, como instrumento de uma política de domínio senhorial e como conquista escrava. O escravo necessitava da anuência do senhor para obter a alfor-ria, mas, por outro lado, era seu o esforço de conseguir juntar o dinheiro necessário para comprar a alforria ou por cumprir anos de prestação de serviços, ou mesmo negociar com seu senhor a sua liberdade.

Desde os estudos de Kátia Mattoso aos estudos mais recentes decorrentes de dissertações de mestrado e teses de doutorado, a alforria tem-se situado no campo dos estudos sobre escravidão envolta em diferentes interpretações, às vezes complementares, às vezes opostas. Como resistência, estratégia, como dádiva, elemento de troca, reforço do sis-tema escravista, ou quaisquer outras percepções presentes nos estudos aqui citados, nenhum deles perde de vista a atitude do escravo. Isto é, o escravo como agente social. A ampliação das fontes utilizadas para o estudo da alforria2,

2 Schwartz (2001), Mattoso (1990) e Eisenberg (1989) realizaram seus estudos com base nas cartas de alforria, já os estudos mais recentes — Aladrén (2009), Gonçalves (2011), Bertin (2004), Guedes (2008), Soares (2009) entre outros – utilizam, além da carta de alforria, outros documentos como testamento, ou,

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como os testamentos e as ações civis de liberdade, contribuiu para os novos enfoques, porque proporcionou, também, a obtenção de informações sobre os libertos, sobretudo com a utilização de testamentos de libertos.

Assim, outras fontes, além das cartas de alforria, têm sido utilizadas para o estudo da manumissão, de modo que, em processos criminais e em ações de liberdade, os pesquisadores possam perceber a “voz” do escravo, buscando identifi car, nos documentos, os signifi cados da liberdade para os escravos e o papel desempenhado por eles nesse processo de conquista da liberdade3. Além dessas fontes e dos testamentos, certidões de

batismo também evidenciam a obtenção da alforria por outros meios que não a carta registrada em cartório.

A disponibilidade de documentos, além das cartas de alfor-ria para o Rio Grande do Norte, é bastante restrita. Por isso, neste trabalho, a carta de alforria foi a principal fonte uti-lizada para o estudo das alforrias no termo da vila de Arez. A carta de alforria, ou carta de liberdade, consiste em um documento por meio do qual o escravo modifi cava o seu status jurídico de escravo para liberto. Como o status de escravo era defi nido pelo ventre4, as pessoas nascidas de mães escravas

eram consideradas escravas e as nascidas de mães libertas ou livres eram consideradas livres. Porém quem nascia escravo e ainda, ações civis de liberdade, ampliando-se, assim, as informações sobre a aquisição da manumissão e sobre os libertos.

3 Como exemplo, há estudos de Chalhoub, (1990) e Lara (1988), que procuram evidenciar nos documentos as atitudes dos escravos.

4 Seguindo o princípio do Direito Romano do partus sequitur ventrem.

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adquiria a liberdade posteriormente era considerado liberto. Para garantir a comprovação do novo status, o liberto preci-sava registrar a carta em cartório para o caso de extravio do documento, pois sobre a população de ascendência africana pesava sempre uma desconfi ança5.

Para este trabalho – o estudo das alforrias no termo da vila de Arez –, dispôs-se fundamentalmente das cartas de alforria, pois não foram encontrados registros de batismo nem ações civis de liberdade, tampouco testamentos. A pes-quisa teve início com o levantamento desses documentos nos livros de notas de Arez do último quartel do século XVIII. Posteriormente, foram encontrados mais dois livros de notas referentes à segunda década do século XIX. Apesar da inter-rupção sequencial dos documentos, optou-se pela inclusão desse material para que se tivesse uma melhor visualização das alforrias, ao menos em termos qualitativos, pois, tendo em vista que as fontes são poucas, apreciaríamos as existentes, observando, contudo, sua fragilidade e, com isso, evitando-se tecer considerações que não possam ser viáveis para o período. Além disso, as maiores transformações em relação às alforrias ocorreram na segunda metade do século XIX, com o próprio enfraquecimento da instituição da escravidão, com as novas leis e com o que Chalhoub (1990) expressa como falência da política de domínio dos senhores.

As cartas de liberdade utilizadas na pesquisa trazem infor-mações sobre os escravos, mas o trabalho carecia de mais

5 Sobre a situação de libertos e livres de ascendência africana na sociedade colonial, ver: Russell-Wood (2005).

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informações sobre a escravidão no Rio Grande do Norte e, mais especifi camente, sobre o termo da vila de Arez. Pode-se contar com pouca informação bibliográfi ca, uma vez que a escravidão no Rio Grande do Norte, sobretudo para o período colonial, foi pouco abordada pela historiografi a tradicional6, que

esbar-rou no limite da pouca quantidade de escravos no Rio Grande do Norte, em razão de uma economia fundada na agricultura de autoconsumo e abastecimento, na criação de gado e em pouca atividade de agroexportação. Não se fará aqui um estudo dos motivos da pouca visibilidade dada ao escravo e ao negro pela historiografi a tradicional do Rio Grande do Norte, tema certamente complexo, porque, por um lado, relaciona-se às condições econômicas da capitania e província, mas, por outro, as supera, pois diz respeito, também, “ao projeto intelectual das elites e de suas posições sociais e políticas na sociedade potiguar” (CAVIGNAC, 2011, p. 199).

Recentemente, trabalhos que abordam a escravidão e ques-tões étnicas no Rio Grande do Norte, principalmente para a região do Seridó, têm mostrado ser possível incluir índios e negros como sujeitos da história do Rio Grande do Norte. A análise de inventários tem mostrado a presença constante de escravos e a sua atividade na pecuária, além da predominân-cia de pequenas posses de escravos na região sertaneja, tanto no século XVIII (MACÊDO, 2007) quanto no século XIX (LOPES, 2011).

Felizmente, para o Seridó, há uma documentação variada que tem possibilitado uma melhor compreensão das relações 6 Cascudo (1984 ); Tavares de Lira (1984); Rocha Pombo (1992).

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entre senhores e escravos, superando a ideia de brandura das relações como resultado da pouca participação escrava na sociedade local, difundida pela historiografi a tradicional do Rio Grande do Norte. Além disso, tem sido possível explo-rar aspectos da população escrava e liberta, observando-se, inclusive, as oportunidades encontradas por libertos em uma economia predominantemente pecuária (LOPES, 2011).

Mesmo em estudos mais específi cos sobre a população indí-gena, tem-se evidências da participação escrava no Seridó. Certidões de casamento e de batismo evidenciam a miscige-nação por meio da qual os africanos e índios permaneceram na sociedade (MACEDO, 2011).

A transcrição de inventários do século XVIII e XIX, rea-lizada por Helio Galvão entre os anos 1950 e 1970, publi-cados na Revista Bando e na Revista do Instituto Histórico e

Geográfi co do Rio Grande do Norte (IHGRN)7, foi de

fun-damental importância para este trabalho, pois, com esses documentos, pode-se ter uma visualização da escravidão e de aspectos da economia no termo da vila de Arez, localizada no

7 Os inventários do termo da vila de Arez registrados no Cartório desta foram transcritos pelo historiador Helio Galvão e publicados na revista Bando, e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, entre as décadas de 1950 e 1970. GALVÃO, Helio. Velhas heranças. Revista Bando, Natal, v. 2, n. 1, ano 3, p. 12-46, ago/set. 1951; v. 4, n. 6, ano 5, p. 77-121, jul/ ago, 1954. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Natal, v. LIX, LX, LXI, p. 67-92, 1974; v. LXIII-LXIV, p. 117-147, 1972. Não se teve acesso aos documentos originais e algumas transcrições não estão com-pletas. Agradeço ao professor Claudionor Barbalho a indicação desse material. Recentemente, essas transcrições foram reunidas publicadas: Cf. GALVÃO,

Velhas heranças, 2012.

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leste da Capitania do Rio Grande do Norte, distante a cerca de 60 km da cidade de Natal.

Preocupado com a deterioração de documentos nos cartó-rios e prevendo o uso desses documentos em tempos futu-ros, o historiador Hélio Galvão dizia das transcrições: “estas notas têm a função de material para obras. São as britas, a cal, os tijolos, as pedras com que os historiadores construirão o edifício de nossa história.” Embora não tenha transcrito os testamentos apensos em alguns inventários, nem a partilha dos bens, pois as transcrições detiveram-se ao rol dos bens inven-tariados, esse material permitiu que se pudesse identifi car o tamanho das escravarias no termo da vila de Arez, entre outros dados signifi cativos para o desenvolvimento do trabalho.

A metodologia utiliza dados quantitativos, mas procura-se, aqui, aproveitar ao máximo as possibilidades qualitativas que as fontes oferecem, procurando dialogar com a bibliografi a, a fi m de levantar questionamentos ou considerações sobre os dados empíricos. Em alguns casos foi possível cruzar os dados das cartas de alforria com inventários. Em outros casos, porém, isso não foi possível, pois, infelizmente, alguns senho-res inventariados que também estavam entre os que concede-ram cartas de alforria não estavam com o inventário completo, e sua transcrição não foi realizada pelo estado do documento.

Os livros de notas analisados são do termo da vila de Arez, de maneira que essa é a delimitação espacial do estudo rea-lizado neste trabalho, espaço que estava em formação e que permite levantar algumas considerações sobre os aspectos urbanos ou rurais desse, de maneira a estabelecer as possíveis

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relações entre as alforrias e os elementos socioeconômicos do lugar. Para tanto, buscou-se apoio em autores que estudam os espaços coloniais e com isso forneceram um suporte concei-tual sobre esses espaços, como Claudia Damasceno Fonseca (2011), que analisa as relações entre espaço e poder em Minas no século XVIII, abordando as relações confl ituosas na forma-ção dos espaços coloniais; e ainda, Rubenilson Teixeira (2009), em cujo estudo sobre o processo de secularização dos espaços urbanos do Rio Grande do Norte analisa a transformação do espaço sagrado em espaço profano por meio das transforma-ções ocorridas na forma, uso e função dos espaços. Por outro lado, procurou-se, com base em Dorren Massey (2009), não perder de vista que o espaço está em constante construção, a qual ocorre em correlação com os demais elementos, sejam estes de natureza econômica ou cultural. A lição da geógrafa é direcionar o olhar para a relação, de maneira que o espaço não é produto ou produtor, mas ambos os elementos.

Procurou-se, também, considerar-se, por meio da concep-ção sobre espaço de Massey (2009), que as alforrias estabele-ciam-se em relação ao espaço, sem que ele fosse determinante ou determinado, mas sim elemento presente na relação, pois as possibilidades de pecúlio em determinados espaços era um elemento favorável à manumissão, mas também havia outros elementos favoráveis, inclusive o espaço de proximidade com o senhor. Pois, se o espaço urbano, com sua variedade econô-mica, pudesse determinar as alforrias pagas, então dever-se-ia encontrar nos espaços rurais, ou de poucas atividades urba-nas, uma menor quantidade de alforrias pagas em relação aos outros tipos de alforria. No caso deste trabalho, trata-se de

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uma área com maiores características rurais, o termo da vila de Arez, no qual se procurou identifi car como se comporta o perfi l dessas alforrias.

A problemática espacial, no que diz respeito às alforrias, também se mostra em outra categoria de espaço que não é físico, mas o espaço – proximidade/distanciamento – das relações pessoais entre senhores e escravos e escravos e outros sujeitos. Com base nos documentos disponíveis para este trabalho, a relação entre os escravos e terceiros foi pouco evi-denciada, pois as cartas apontaram mais aspectos entre os senhores e os cativos. Desse modo, a proximidade das relações entre eles também se mostrou como um elemento favorável à aquisição da alforria.

Para poder estabelecer uma relação entre as alforrias e o espaço em Arez, foi preciso, inicialmente, identifi car melhor esse espaço, uma vez que as informações sobre Arez, no período posterior à elevação da missão à categoria de vila, eram poucas e de temporalidades descontínuas. Deste modo, o primeiro capítulo procura entender o termo da vila de Arez enquanto espaço de possibilidade para a mão de obra escrava e levanta questionamentos sobre as oportunidades de aquisição da alforria, sobretudo por meio da compra, tendo em vista que essas eram mais comuns nas áreas urbanas, conforme demonstra a historiografi a. Procurou-se considerar quais oportunidades de constituir pecúlio os escravos teriam, uma vez que as cartas não informam a origem do dinheiro uti-lizado para pagar as alforrias. Procurou-se evidenciar, também, aspectos da escravidão no termo da vila de Arez e sua relação com a espacialidade e com as possibilidades de atividades

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desenvolvidas pelos escravos. Com base nos inventários post

mortem, foi identifi cado o tamanho das escravarias, grupos

de procedência e de cor predominantes. Outros documentos como mapas de população e de ofícios também contribuí-ram para traçar um perfi l da vila de Arez e dos escravos ali presentes.

No segundo capítulo foram abordadas as alforrias no termo da vila de Arez, procurando-se identifi car os tipos de alforria e reconhecer as relações entre as alforrias e o espaço da vila. As alforrias foram classifi cadas, neste trabalho, em onerosas pagas (para as alforrias pagas em moeda ou em troca de algum bem), gratuitas (para as alforrias que não requeriam pagamento ou condição) e condicionais (para as alforrias que exigiam alguma prestação de serviço ou acompanhamento do senhor por tempo determinado ou por tempo indeterminado), com a fi nalidade de discutir as possibilidades de conquista de manu-missões em uma região periférica e de poucas características urbanas. Buscou-se analisar, nos dados empíricos, em que medida tais dados aproximam-se ou distanciam-se das con-clusões presentes na historiografi a sobre alforrias para outras partes do Brasil e em diferentes temporalidades, dialogando-se, para isso, com estudos já consagrados sobre manumissão. À luz dessa bibliografi a atinente à história social da escravidão, procurou-se analisar aspectos relevantes das alforrias presentes nos Livros de Notas da vila de Arez8, para se compreender um

pouco mais sobre a escravidão no Rio Grande do Norte entre o fi nal do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX.

8 IHGRN. Cx. Notas. Livros de Notas de Arez.

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No terceiro capítulo, procurou-se identifi car o perfi l dos libertos e elementos sobre a relação entre senhores e escravos que indicam o meio de obtenção das cartas de liberdades não apenas pelo cumprimento de pagamentos e condições, mas também pelas relações de afi nidades dos escravos nascidos na casa do senhor. Nesse sentido, Russell-Wood (1998) lembra a possibilidade de estudar a sociedade com base na estrutura-ção centro e periferia, ao afi rmar que, quanto mais longe do estigma da escravidão, mais próximo dos ideais da coroa por-tuguesa na hierarquia social. Disso se depreende que, quanto mais clara a cor, mais próximas as relações entre senhores e escravos, ou seja, mais próximo do centro do poder – o senhor –, o que facilitaria, em parte, a aquisição de alforria por mulatos ou pardos em lugar dos crioulos. Observa-se, ainda, nesse capítulo, as localidades de onde provêm as alforrias, a fi m de identifi car a viabilidade da liberdade nas áreas rurais, nos povoados e na sede da vila.

Espera-se, desse modo, que as considerações sobre as alfor-rias no termo da vila de Arez possam contribuir para uma melhor compreensão sobre a escravidão e as possibilidades de alforria em uma região em que a presença da mão de obra escrava tem sido pouco estudada, de maneira que haja uma visão mais ampla sobre o processo de escravidão e dos libertos do Brasil, incluindo-se em tais considerações, também, uma região periférica.

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O termo da vila de Arez e sua

espacialidade

O

s estudos sobre alforrias, na historiografi a sobre esse tema9, costumam ser direcionados

predominante-mente para as áreas urbanas dinâmicas, sobretudo das prin-cipais cidades da América portuguesa no século XVIII, bem como para o Brasil Imperial do século XIX. O contexto urbano enfatizado como favorável às manumissões tende a situar os espaços em dicotomias entre rural e urbano e, com isso, pouco se conhece sobre as áreas mais periféricas, como é o caso da Capitania do Rio Grande do Norte, onde a dinâmica urbana não se aproximava daquelas de cidades como Salvador, Recife ou Rio de Janeiro. Para melhor compreender as alforrias no termo da vila de Arez, procura-se, neste capítulo, contextua-lizar Arez espacial e economicamente, com a fi nalidade de identifi car as possibilidades de atividades nas quais os escravos pudessem estar inseridos e os meios pelos quais pudessem adquirir um pecúlio.

Buscou-se, em documentos do século XVIII, como os inventários publicados pelo historiador Hélio Galvão e em mapas de ocupação dos habitantes, identifi car tais atividades, uma vez que não estão mencionadas nas cartas de alforria. Os inventários post mortem, ao arrolar os bens do inventariado, 9 Mary Karasch (2000); Stuart Schwartz (2001); Kátia Mattoso (1990).

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costumam esclarecer a função dos escravos, pois as funções e habilidades do cativo infl uenciavam no seu valor. Logo, aque-les que possuíam algum ofício que gerasse alguma renda para o senhor eram avaliados no inventário por preços mais altos do que outros escravos da mesma idade que não fossem artífi ces geradores de uma renda para o senhor. Porém, poucos escravos arrolados nos inventários transcritos por Helio Galvão são classifi cados pelas suas funções, embora algumas atividades possam ser presumíveis, levando-se em consideração o rol de bens relacionados ao trabalho.

As primeiras vilas criadas na Capitania do Rio Grande do Norte surgiram a partir de uma política que pretendia, além de povoar e ocupar o território, civilizá-lo10, e isso incluía

estender o governo civil às áreas sob o controle religioso que compreendiam os índios aldeados em missões. O território passava a ter novas delimitações com a criação de vilas e fre-guesias, cujos limites muitas vezes confundiam-se. Por outro lado, as vilas, delimitações civis, poderiam estar inseridas

10 “Civilizar os índios significa fazê-los vestir-se, ter uma vida espiritual e tem-poral igual a dos brancos” (FLEXOR, 1995, p. 86). Rubenilson Teixeira expõe o objetivo de civilização dos índios como um dos aspectos próprios do processo de secularização: “Quanto à forma e à função, as aglomerações de origem missioneira parecem sofrer consequências mais diretas da política absolutista e de tendência secular do marquês de Pombal. Acompanhando um processo perceptível em toda a colônia, as vilas provenientes das antigas missões na capitania manifestam um processo de secularização real ou intencional através da preconização de formas urbanas regulares e no objetivo primordial de civili-zação dos indígenas, que se torna mais importante do que a sua evangelicivili-zação” (TEIXEIRA, 2009, p. 52).

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em uma freguesia11, ou possuir em seu termo12 mais de uma

paróquia.

A vila de Arez, antiga Missão de Guaraíras, foi criada em 1760, quando da transformação das aldeias de missão indí-gena em vilas, subordinando-se, a partir de então, o controle e a administração dos indígenas ao governo civil. Na segunda metade do século XVIII, quando essas alterações iniciaram-se, a Capitania do Rio Grande do Norte estava dividida em “cinco ribeiras e estas em vilas e freguesias. Recortes de contor-nos naturais, contendo outros de natureza política e religiosa” (MACÊDO, 2007, p. 209).

As freguesias existentes na Capitania do Rio Grande do Norte até o início da segunda metade do século XVIII, antes da elevação das aldeias de missões religiosas a vilas, eram as seguintes: a Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, a Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, a Freguesia do Glorioso São João da Ribeira do Assu, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição e a Freguesia de Sant’Ana13. Com a

11 “As paróquias ou freguesias constituíam as células de base da organização eclesiástica na colônia. No âmbito da freguesia desenrolavam-se todas as ativi-dades da vida religiosa; mas elas serviam à administração civil e em particular ao fisco – a paróquia sendo a unidade territorial adotada para diversos atos de natureza administrativa, como os recenseamentos e a cobrança de impostos (como o dízimo)” (FONSECA, 2011, p. 85).

12 O “Termo” corresponde ao território controlado pela Câmara (FONSECA, 2011, p. 30).

13 BN. II – 32, 32,06. Oito documentos Parahyba e Rio Grande do Norte (1757). Relação de toda a extensão desta Capª do Rio Grande do Norte, e sua divisão, freguesias e povoaçoens, rios assim navegáveis, como inavegáveis, que nella se contem. [sic]

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criação das vilas, enquanto novos espaços coloniais, criaram-se, também, novas freguesias. Instituiu-se nesse contexto a freguesia de São João Batista de Arez, cujos fregueses seriam os índios da antiga missão de Guaraíras, mas também a popula-ção que chegasse e a que já vivia nas localidades circunvizinhas da antiga missão.

A vila, sede do termo, estava inserida na Freguesia de São João Batista de Arez, mas o termo passou a incluir, também, a freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, que já existia desde, ao menos, 1746 (CASCUDO, 1955) e correspondia à povo-ação de Goianinha14. Esta povoação já era mencionada em

1757, antes da criação da vila de Arez como possuidora de “bastantes moradores15”, no entanto esse povoamento não

foi levado em consideração quando da criação das sedes dos novos termos, provavelmente pela maior necessidade de con-trole sobre as localidades dos antigos aldeamentos indígenas, visto que as outras missões também se tornaram sedes admi-nistrativas, uma vez que foram elevadas à categoria de vila. Em decorrência das novas confi gurações espaciais, a povo-ação de Goianinha tornou-se pertencente ao termo da vila de Arez. Assim, em uma mesma área de administração civil (termo) existiam duas delimitações de administração religiosa (freguesia).

14 Nos Mapas populacionais do século XIX são registrados como denominação das freguesias: Freguesia de Arez e Freguesia de Goianinha.

15 BN. II – 32, 32,06. Oito documentos Parahyba e Rio Grande do Norte (1757). Relação de toda a extensão desta Capª do Rio Grande do Norte, e sua divisão, freguesias e povoações, rios assim navegáveis, como inavegáveis, que nella se contem. [sic]

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As vilas e as freguesias com suas povoações estavam situadas nas ribeiras16. A Capitania do Rio Grande do Norte estava

dividida em cinco ribeiras na segunda metade do século XVIII.

Quadro 1 – Ribeiras da Capitania do Rio Grande do Norte – 1778

RIBEIRAS VILAS E FREGUESIAS

Ribeira do Norte Cidade do Natal Vila de

Extre-moz – – Ribeira do Assu Freguesia e Povoação de S. João Baptista do Assu – – – Ribeira do Apodi Vila de Porta-legre Freguesia de N. S. da Conceição de Pao dos Ferros Freguesia de N. S. da Conceição de S. João Baptista das Varzes – Ribeira do Seridó Freguesia de Sant’Ana do Caicó – – –

Ribeira do Sul Vila e Freguesia

de São José Vila e Freguesia de Arez Vila e Freguesia de Vila Flor Freguesia de N. S. dos Prazeres de Goianinha

Fonte: Ideia da População da Capitania de Pernambuco, e de suas anexas, extensão de suas Costas, rios e Povoações, notáveis, agricultura, número dos engenhos, contratos e rendimentos reaes, aumento que este tem tido, &ª &ª desde o anno de 1774 em que tomou posse do Governo das mesmas Capita-nias o Governador Capitam General José Cesar de Menezes. [sic]

16 As ribeiras eram regiões administrativas relacionadas à coleta do dízimo e não especificamente a rios.

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Na ribeira do Sul, como se percebe no quadro acima, havia a maior concentração de vilas, as três decorrentes de antigos aldeamentos indígenas. As vilas até então existentes no Rio Grande do Norte foram criadas a partir da transformação de aldeamentos indígenas em vilas de índios decorrentes da administração pombalina. Arez foi uma dessas cinco vilas criadas e, assim como as demais, adquiriu o nome de uma localidade de Portugal, algo que ocorreu com outras vilas tam-bém. Sua criação ocorreu, efetivamente, em 15 de junho de 1760, seguindo-se os rituais de levantamento do pelourinho e a eleição para a Câmara. Com isso, instituía-se a municipa-lidade atribuindo-se funções civis ao lugar (LOPES, 2005). A partir de então, a freguesia de Goianinha integrou-se ao termo de Arez17, o qual incluía, ainda, localidades rurais como

Patané e o engenho Estivas18, que provavelmente integravam

a freguesia de Goianinha, anteriormente.

Nesse novo espaço colonial – a vila –, o poder dos missio-nários foi substituído pelo poder civil:

O poder único dos missionários jesuítas, que isolara a população indígena aldeada do resto do mundo colo-nial, criara a incongruência de existirem na colônia povoações que não eram coloniais. Dentro das novas Vilas, o poder dos jesuítas seria substituído pelos pode-res laicos, do Diretor e Camaristas, e eclesiástico, do Vigário, que separadamente administrariam a inserção

17 No século XIX, em 1832, Goianinha passou a ser a sede do município, porém, em 1856, Arez tornou-se por resolução provincial independente de Goianinha (LIMA, 1929).

18 Estas localidades são mencionadas nos documentos analisados na pesquisa.

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desses espaços no mundo colonial. [...] As novas Vilas de Índios, apesar de permanecerem sendo chamadas assim, estavam abertas aos colonos luso-brasileiros (LOPES, 2005, p 130-131).

A administração das novas vilas fi cou a cargo do Diretor de Índios e da Câmara, enquanto a direção espiritual da popula-ção fi cava sob a orientapopula-ção do vigário. Com a abertura a novos colonos, nessas áreas antes específi cas de índios, constituíram-se novos espaços que constituíram-se construíram em correlação com os novos vínculos sociais que se tornaram possíveis, incluindo-se aí a participação de escravos de origem africana nas relações de trabalho. Certamente, tais relações de trabalho também incluíam mão de obra livre e indígena, visto que o Diretório dos Índios, apesar de regulamentar as condições legítimas de liberdades dos índios, “deu margem à continuidade de certas práticas de escravidão” (ALMEIDA, 1997, p. 15). Contudo, documentos do século XVIII, como inventários e cartas de alforrias do último quartel do século XVIII e das primeiras décadas do XIX referentes ao termo da vila de Arez eviden-ciam a participação da mão de obra escrava de origem afri-cana, confi rmando novas relações sociais que se tornaram presentes na vila, embora já existentes nas áreas circunvizinhas da antiga missão jesuítica.

Na época da elevação à condição de vila, Arez possuía uma igreja que

estava acabada e era feita em “pedra e cal e nova”, tinha uma pia batismal grande e três pias de água benta em pedra vindas da Paraíba, dez bancos “onde costumavam

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45 sentar os índios e os de fora...”, três confessionários em madeira e um sino grande (LOPES, 2005, p. 173).

Com a elevação à condição de vila, outros espaços além da igreja tornaram-se centrais, como ponto de convergência da população e das relações sociais, como o próprio largo à frente do templo, que, certamente, não se limitou às atividades ligadas à catequização indígena, mas também às atividades civis, além de estabelecimentos de comércio que se instalaram na vila.

Os espaços das missões, organizados de maneira mais orgâ-nica e mais integrada à natureza, foram substituídos por um espaço racionalizado pensado para ordenar, também, a con-duta dos indígenas e dos novos moradores que ali se alojassem. Assim, para a instalação da vila, foi estabelecido como deveria ser demarcado o espaço público da praça, do pelourinho e dos demais locais públicos como a casa de vereação (LOPES, 2005). O pelourinho era elemento obrigatório, símbolo da justiça e municipalidade, representava, então, o espaço orde-nado por leis, razão por que, geralmente, se situava em frente à instituição administrativa: a casa da Câmara (FONSECA, 2011). Com base em Antônio Rodrigues (2000), Fátima Lopes afi rma que

Era a concretização na América de um modelo europeu de reforma da cidade real para atingir uma “cidade ideal” de escopo renascentista que perdurava no imaginário barroco, associada à idéia de uma cultura aristocrática e de um refi -namento estético expressos principalmente pela geometri-zação defi nida por critérios de organigeometri-zação e ordenação do espaço, que seria capaz de “alterar hábitos e produzir novas relações de sociabilidade” (LOPES, 2005, p. 194).

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Aldinízia de Medeiros Souza

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Torna-se notável a reorganização espacial com o objetivo de atender a uma organização social que se espera concretizar. Essa reorganização inclui um aparato jurídico e administra-tivo que interfere nas relações que se estabeleceram nessa nova confi guração. Não se trata apenas de determinar uma forma urbana ou construções e símbolos. A forma física do espaço constitui-se juntamente com as experiências vividas. Toma-se, aqui, a compreensão de que o espaço é “coconstitutivo” porque ele não existe antes de identidades/entidades e de suas relações (MASSEY, 2009, p. 30), as quais são constituídas juntamente como o modelo de administração que se estabelece e com as relações sociais que se constroem no lugar.

O que pode ser compreendido com base nas considerações de Doreen Massey (2009) sobre a correlação entre espaço e tempo é que a criação das vilas possibilitou novas relações sociais, mas não como uma característica determinada, e sim como algo que ocorre em conjunto e que se estabelece pelas relações, de maneira que o espaço “vila” não é apenas produtor ou produto das rela-ções sociais, mas é, simultaneamente, produto e produtor dessas relações. Assim, ao se tratar neste trabalho das alforrias de escravos no termo da vila de Arez, procura-se considerá-las, na medida do possível, como parte dessa relação.

Enquanto espaço defi nido juridicamente,

É nas vilas, sedes dos termos e das comarcas, que se concentram as autoridades: ouvidores, juízes, câmaras e as demais.[...] ou se tratava de uma vila então todas aquelas autoridades deviam estar presentes, ou não era vila e não tinha nada. Assistimos por isso aos dois

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47 extremos igualmente absurdos e altamente prejudiciais: vilas com termos imensos, de território inacessível na sua maior parte, aos agentes da administração concen-trados na sede; e vilas apenas nominais, em que nem havia gente sufi ciente e capaz para preencher o número, elevado demais para elas, de cargos públicos (PRADO JÚNIOR, 1942, p. 303).

Por essa defi nição, já se pode perceber que as funções admi-nistrativas da vila não eram sufi cientes para lhes garantir um modo de vida urbano, porém esse aparato administrativo possibilitava o acesso a determinadas atuações sociais que não ocorriam nas áreas rurais, como o registro de documentos no tabelionato, a resolução de querelas e outras situações para as quais se precisassem recorrer à sede da vila, uma vez que o deslocamento dos operadores da administração e da justiça às localidades rurais poderia demorar.

Do ponto de vista jurídico, a vila seria considerada um espaço urbano, com funções político-administrativas, entre-tanto, há ainda que analisar, com base nos costumes, no modo de vida, nas atividades econômicas, entre outros aspectos, se esse espaço estava mais próximo do rural ou do urbano. Logo, “as diferentes denominações empregadas, principalmente, a povoação, a vila e a cidade, não refl etiam necessariamente o nível de desenvolvimento ou de crescimento urbano das localidades” (TEIXEIRA, 2009, p. 59).

A vila de Arez, neste trabalho, é abordada a partir da sua delimitação jurídica, cujo espaço é delimitado pelo aspecto administrativo (embora o foco do trabalho não seja a administração) e, neste caso, refere-se à vila e seu termo,

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