• Nenhum resultado encontrado

As mudanças ambientais e suas dimensões no Antropoceno e no Capitaloceno

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "As mudanças ambientais e suas dimensões no Antropoceno e no Capitaloceno"

Copied!
16
0
0

Texto

(1)

As mudanças ambientais e suas dimensões no Antropoceno e no Capitaloceno

Sara Aparecida de Paula Leonardo Freire de Mello

1 2

RESUMO

Nota-se que o planeta tem passado por profundas transformações, especialmente, quando consideradas as variáveis de população-espaço-ambiente. Por um lado, a ação humana no ambiente com padrões de produção e consumo baseados na “​cheap nature​” impulsiona os processos de degradação e mudanças ambientais que, por sua vez provocam as mais variadas consequências na sociedade como um todo, isto é, trata-se de um ciclo interrelacionado entre sistema humano e sistema natural. Exemplos dessas consequências seriam a maior incidência de desastres e transformações nos padrões de chuva, temperaturas e meios de existência como a agricultura, fazendo com que muitas pessoas sejam forçadas a se deslocar em busca de sobrevivência. Diante do contexto de mudanças ambientais e dos amplos desafios a elas relacionados, percebe-se a necessidade de construções teóricas que permitam a compreensão dessas situações. Nesse sentido, áreas como a Demografia devem ampliar a discussão de conceitos como antropoceno e capitaloceno, buscando, através deles e outros relacionados, uma abordagem interdisciplinar, na qual, a relação entre ambiente e sociedade seja profundamente debatida. Desta maneira, este trabalho visa contribuir para a discussão sobre os termos supracitados e o seu papel no estudo sobre populações na contemporaneidade, através da realização de revisão bibliográfica.

Palavras-chave: mudança ambiental global; dimensões humanas; antropoceno,

capitaloceno

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Mundial da Universidade Federal do ABC (UFABC-Brasil). Bacharel em Ciências e Humanidades e Relações Internacionais. Interesses de pesquisa em Demografia, Mobilidade, Estudos Populacionais e Ambiente, População e Espaço, Mobilidade Espacial, Fronteiras, Antropoceno, Capitaloceno, Dinâmica de Consumo. Contato: s.paula@ufabc.edu.br, http://lattes.cnpq.br/5640620782793272

2 Professor Adjunto do Curso de Bacharelado em Planejamento Territorial e Pós-Graduação em Economia Política Mundial na Universidade Federal do ABC (UFABC-Brasil). Doutor em Demografia pela UNICAMP. Interesses de pesquisa em Planejamento Territorial, Demografia, Planejamento Ambiental, Mobilidade, Estudos Populacionais e Meio Ambiente, Dinâmica de Consumo, Espaço-População-Ambiente. Contato: leonardo.mello@ufabc.edu.br, http://lattes.cnpq.br/2650858119455746

(2)

INTRODUÇÃO

Nos anos 2000, os países-membros das Nações Unidas definiram os oito

Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) que visavam, sobretudo,

erradicar a pobreza, a fome, ampliar o acesso à educação, diminuir as desigualdades sociais e econômicas, definir metas e meios de desenvolvimento e garantir a sustentabilidade ambiental.

Percebe-se que há uma confluência dos objetivos, conectando a esfera social, econômica, política e ambiental para a construção conjunta de um mundo melhor para todos. Ainda que algumas dessas metas tenham sido muito promissoras, os desafios continuaram existindo e se agravando, apontando para a urgente necessidade de ampliação das agendas.

Nesse sentido, visualizando o contexto contemporâneo e baseando-se nos ODM, a ONU lançou, em 2015, os ​Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS): erradicação da pobreza; fome zero e agricultura sustentável; saúde e bem-estar; educação de qualidade; igualdade de gênero; água potável e saneamento; energia limpa e acessível; trabalho decente e crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução das desigualdades; cidades e comunidades sustentáveis; consumo e produção responsáveis; ação contra a mudança global do clima; vida na água; vida terrestre; paz, justiça e instituições eficazes e; parcerias e meios de implementação (ONU, 2018).

Dos ODS supramencionados, pelo menos oito têm uma conexão direta com a preservação ambiental e, quando todos são vistos num panorama geral, fica clara a ideia de que a sobrevivência digna do ser humano é profundamente conectada com o preservação dos recursos naturais e do planeta em geral, por meio de ações sustentáveis.

Esses objetivos são parte ou resposta de um cenário tomado por mudanças bruscas em diferentes áreas, principalmente no ambiente como elemento básico da sociedade. Para corroborar essa informação é possível basear-se nas informações do relatório anual da ​United Nations Environment de 2016. Neste relatório, os pesquisadores concluíram que 2015 foi um dos anos mais quentes, afetando diretamente ecossistemas e a biodiversidade do planeta, além disso, as mudanças

(3)

ambientais são predominantes no sentido de prolongar e impulsionar conflitos por recursos, por exemplo (UNITED NATIONS ENVIRONMENT, 2016).

No mesmo relatório, os pesquisadores também destacaram que há uma tendência internacional de se gastar tempo e recursos econômicos em resposta às crises, no entanto, deve-se adotar uma postura de mitigação e adaptação às mudanças ambientais e climáticas a fim de evitá-las. Outro fato importante a ser realçado é que algumas das mudanças ambientais e climáticas são influenciadas ou impulsionadas pela própria ação humana, isto é, principalmente pelos padrões de produção, consumo e descarte vigentes.

Desta maneira, percebendo a necessidade de se conectar a sociedade e o ambiente, bem como, as mudanças ambientais em seus aspectos físicos e sociais, este trabalho visa promover uma discussão sobre os conceitos de ​antropoceno e

capitaloceno como categorias de análise para ampliar o entendimento sobre as

transformações, como elas têm ocorrido, alguns de seus por quês e seus impactos.

MÉTODO

Este trabalho visa empreender um estudo comparativo entre os conceitos de antropoceno e capitaloceno, apontando sua relevância para a discussão para os estudos de população, principalmente na relação entre população-espaço-ambiente. Pretende-se uma abordagem teórica sobre o tema e suas nuances.

Para tal debate, optou-se por uma revisão bibliográfica dos termos utilizando-se, especialmente mas não exclusivamente, de autores como: antropoceno (Paul Crutzen, Paulo Artaxo, Amparo Vilchés, Daniel Giz Pérez) e capitaloceno (Jason Moore, Christian Parenti, Eileen Crist, Donna Haraway).

DISCUSSÃO E RESULTADOS Antropoceno

Em meados de 2002, o químico Paul Crutzen sugeriu que a humanidade estaria vivendo uma nova era, o Antropoceno. Para entender essa nova era, o autor faz uma breve recapitulação do “Holoceno”, isto é, trata-se do período geológico pós-glacial (últimos 10-12 milênios). Para ele, a partir do cenário de Revolução Industrial no final do século XVIII, a ação humana ganhou potência de

(4)

transformação geológica e morfológica, confirmada pelo aumento dos níveis de concentração de dióxido de carbono e metano, fazendo com que o planeta migrasse da era do holoceno para o antropoceno (CRUTZEN, 2002, 2006).

Além do avanço industrial, o autor também disserta sobre o aumento da população, um avanço do processo de urbanização e a maior utilização dos recursos energéticos. Sobre este último, Crutzen discorre que “in a few generations mankind is exhausting the fossil fuels that were generated over several hundred million years, resulting in large emissions of air pollutants” (CRUTZEN, 2006, p. 2).

Em texto de 2007, escrito em parceria com Will Steffen e John R. Mcneil, Paul Crutzen diz que o Antropoceno sugere que o Planeta Terra deixou o seu ciclo geológico natural, sobretudo, pelas atividades humanas que são tão pervasivas. Os autores sugerem que esses fenômenos representam uma mudança profunda no relacionamento entre os seres humanos e a natureza como um todo.

Para entender melhor o processo, Steffen, McNeil e Crutzen (2007) relatam que no período pré-antropoceno, cerca de 10-12 mil anos atrás, antes do advento da agricultura, os humanos viviam em pequenos grupos como caçadores-coletores. Essas características foram se transformando com a utilização do fogo, fazendo com que os humanos obtivessem uma ferramenta, que não era disponível para outras espécies.

O uso do fogo permitiu que os humanos também avançassem na manufatura de ferramentas que auxiliassem na caça, na domesticação de animais e na produção de alimentos, caracterizando a era do Holoceno, já mencionado anteriormente.

Os autores relatam que, na era do Holoceno já havia um certo processo de desmatamento, uso de combustíveis fósseis como o carvão e de emissão de CO 2, entretanto, trata-se de uma taxa muito pequena se comparada com os últimos trezentos anos.

Steffen, McNeil e Crutzen escrevem que as sociedades pré-industriais transformaram os seus ambientes de diferentes formas, no entanto, o que as difere das sociedades industriais é que

Preindustrial societies could and did modify coastal and terrestrial ecosystems but they did not have the numbers, social and economic organisation, or technologies needed to equal or dominate the great

(5)

forces of Nature in magnitude or rate. Their impacts remained largely local and transitory, well within the bounds of the natural variability of the environment (STEFFEN, CRUTZEN, MCNEIL, 2007, p. 615).

Steffen, Crutzen e McNeil escrevem ainda sobre a primeira fase do Antropoceno, de meados de 1800 até 1946, e marcada pela industrialização e utilização de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás.

Como resultado da queima de combustíveis fósseis, o uso de fertilizantes na agricultura, criação intensiva de gado e desmatamento, os gases do efeito estufa têm aumentado substancialmente na atmosfera, alterando padrões de chuva, provocando aumentos de temperatura e aumento dos níveis dos mares. Esses são alguns dos exemplos utilizados para entender o potencial de ação das atividades humanas. Por isso, Crutzen argumenta que,

Considering these and many other major and still growing impacts of human activities on earth and atmosphere, and at all, including global, scales, it thus is more than appropriate to emphasise the central role of mankind in geology and ecology by using the term “Anthropocene” for the current geological epoch (CRUTZEN, 2006, p.16).

Outro ponto importante a ser considerado é que para Crutzen não há uma data definida para o início do Antropoceno, muito menos uma previsão de fim para a ação humana. Para o autor, a consideração de que o processo ganha espaço durante o final do século XVIII relaciona-se com o fato de que foi neste contexto que os impactos globais das atividades humanas começaram a ser notados, como colocado anteriormente.

Já em relação ao segundo estágio do Antropoceno, Steffen, Crutzen e McNeil entendem que o período entre 1945 e 2015 representa a grande aceleração dessa era. Eles descrevem que durante esse período a população praticamente dobrou, tornando possível que em aspectos demográficos o número de nascimentos ultrapassasse o de óbitos além disso, houve ainda o desenvolvimento econômico com o amplo fluxo de capitais e comércio em geral, o aumento consumo de petróleo, aceleração do processo de urbanização e o advento de novos tecnologias. Para completar, eles descrevem o terceiro estágio do Antropoceno e sua transição para a fase ​business-as-usual e que começou em meados dos anos 1960, quando questões como o alto nível de emissão de CO 2 e o aquecimento global

(6)

passaram a ser reconhecidas e debatidas como consequências impulsionadas pelas atividades humanas. Já a fase business-as-usual diz respeito ao fato de que as instituições econômicas ainda são predominantes nos processos de decisão do mundo e que do ponto de vista econômico, o problema ambiental não é tão grande já que são orientados pela premissa de que o sistema econômico orientado pelo mercado poderia lidar de forma autônoma com as mudanças ambientais (STEFFEN, CRUTZEN, MCNEIL, 2007).

Por fim, tendo em vista que os processos humanos característicos do Antropoceno ainda ocorrerão por mais milhares ou até milhões de anos, Crutzen (2006) diz que a maior tarefa da humanidade é construir uma estratégia global de uso sustentável dos recursos e que isso se dará com um uso adequado do conhecimento e o aproveitamento das oportunidades tecnológicas, como o uso de energias alternativas, por exemplo.

Através da leitura dos textos de Crutzen, percebe-se que o autor adota uma postura mais conectada ao contexto das exatas, constantemente fazendo alusão a elementos químico-físicos das transformações ambientais. No entanto, outros autores, baseados nos estudos de Crutzen e na ideia do Antropoceno, ampliam o tema, relacionando-o com os aspectos e estruturas sociais.

Seguindo esta ideia, Bruno Latour (2014) escreveu um texto em que faz uma dura crítica aos que acreditam que ciência e política devem ser áreas separadas, porque, para o autor elas só têm a perder. Desta maneira, na era do Antropoceno, elas devem ser tratadas em conjunto. Isso se dá, sobretudo, porque os problemas atingem uma escala muito grande, assim como o número de indivíduos afetados, se antes ciência e política estavam afastadas pelos ​matters of fact​, hoje elas têm que se aproximar pelos ​matters of concern​.

Eduardo Viola e Luiza Basso (2016) no texto intitulado “O Sistema Internacional no Antropoceno” escrevem que com o fim da estabilidade ambiental presente no Holoceno, é necessário introduzir no debate os conceitos de ameaça e segurança no Antropoceno. Isso se dá porque a Terra está ultrapassando os ​limites

planetários ou planetary boundaries (ARTAXO, 2014; VIOLA, BASSO, 2016), isto

(7)

para a humanidade” . Sendo assim, os limites planetários representam a própria 3 sobrevivência humana.

Fato é que, como colocado por Artaxo em gráficos representativos da “Grande Aceleração”, o sistema socio-econômico e o sistema planetário se associam ao passo que os modelos de produção e consumo dos recursos naturais provocam graves consequências nos limites planetários, em adição, a ultrapassagem desses limites provoca consequências dramáticas na sociedade, como as inundações de zonas costeiras (sendo que pelo menos 40% da população mundial vive nessa área) e a ocorrência de eventos climáticos extremos, alterando toda uma estrutura em relação à agricultura e aos próprios meios de vida da população.

Deste modo, Viola e Basso, ao entenderem a importância das ideias de ameaça e segurança, destacam há a tendência de se relacionar essa área apenas com a incidência de conflitos humanos, não colocando a escassez da água e os eventos climáticos extremos no mesmo patamar. Portanto, para haver a mitigação das mudanças ambientais, faz-se necessário a conexão de áreas e medidas no que tange os padrões de vida, o uso das fontes de energia e as escolhas e políticas governamentais, demonstrando a necessidade de um regime internacional sobre mudanças ambientais realmente efetivo. 4

Amparo Vilches e Daniel Gil Pérez (2008) em um artigo concebido no âmbito da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (2005-2014), colocaram em debate a ideia de que o Antropoceno demonstra um planeta em risco impulsionado, principalmente, pelas ações humanas, no entanto, trata-se também de um contexto de oportunidade de se rever o comportamento humano em relação ao futuro.

3 De acordo com Paulo Artaxo (2014), discussões científicas recentes retratam esses limites planetários através de nove tópicos de relevância: 1) mudanças climáticas; 2) perda de ozônio estratosférico; 3) acidificação dos oceanos; 4) ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo; 5) mudanças na integridade da biosfera associadas à perda de biodiversidade; 6) mudanças no uso do solo; 7) uso de recursos hídricos; 8) carga de partículas de aerossóis na atmosfera; 9) introdução de entidades novas e poluição química.

4 Os autores Eduardo Viola e Luiza Basso frequentemente utilizam da terminologia “Mudanças Climáticas”. Entretanto, nós, autores deste trabalho acreditamos na melhor utilização do termo “Mudanças Ambientais” para descrever as transformações da contemporaneidade, colocando o “impulsionamento dos eventos climáticos” como uma consequência deste termo.

(8)

De acordo com os autores, o planeta sempre passou por desastres “naturais” e não naturais no decorrer da história, entretanto, eles notam que na era do antropoceno, os riscos contemporâneos representam uma “emergência planetária” (VILCHÉS, PÉREZ, 2008, p. 4).

Isto deve-se ao fato de que o risco não é mais localizado em lugares específicos, mas, sim, no planeta como um todo, pois afeta ecossistemas, sistemas e sociedades.

Os autores também demonstram a interação dos sistemas, isto é, ambiente, política, economia e sociedade através da explanação dos problemas. Como já colocado antes, uma das características mais importantes é de consequências “sem fronteiras”, como os riscos não são mais localizados, todos podem ser afetados de alguma forma, principalmente os grupos mais vulneráveis estruturalmente; esgotamento dos recursos naturais e energéticos através do uso desenfreado e das contaminações, alavanca problemas como o acesso à alimentação e água potável; degradação dos ecossistemas o que afeta os meios de sobrevivência de todas as espécies e, por fim, um ponto bastante complexo são os desequilíbrios sociais impulsionados pelas mudanças ambientais, como a pobreza, a fome e os conflitos por recursos (VILCHÉS, PÉREZ, 2008).

A tese dos autores apresenta o aspecto social do Antropoceno, por lado, eles discorrem a premissa de que o mundo apostou no crescimento contínuo, principalmente na segunda metade do século XX. Apesar do crescimento ter trazido avanços às sociedades, é necessário considerar a ampla desigualdade de acesso e o desequilíbrio provocado no ambiente (MELLO; SATHLER, 2015).

Mello e Sathler notam que o pós-Segunda Mundial é baseado na sociedade de consumo e no consumismo desenfreado como se os recursos do planeta fossem infinitos.

Outro ponto que precisa ser ressaltado sobre o texto de Vilchés e Pérez é que os autores entendem que há uma tendência de fluidez nos meios de comunicação e no destaque que se dá para os problemas contemporâneos. Em outras palavras, a publicação das situações desaparece rapidamente, além disso, os problemas aparecem de forma separada, como se não houvesse nenhuma conexão. Deste modo, faz-se necessário construir um debate em que o

(9)

Antropoceno deixe um pouco de lado o seu lado exato, para destrinchar suas características do meio social, sendo o Antropoceno uma transformação nos padrões e comportamentos humanos, ele não altera apenas o meio físico, mas a política, a economia, a cultura e as identidades da sociedade.

Por fim, como já colocado anteriormente, as primeiras utilizações do conceito de antropoceno referiam-se, sobretudo, às suas características físicas. Contudo, autores das chamadas “ciências sociais” têm tentado associar o termo às suas área. Apesar da dificuldade de implementá-lo e do conflito com negacionistas das “mudanças ambientais”, o antropoceno tem se mostrado atualmente um dos meios de se promover um debate mais amplo, por isso, é iminente a necessidade que especialistas busquem através dele adotar uma postura multidisciplinar e dinâmica para os desafios do século XXI.

Capitaloceno

Donna Haraway (2015) ao descrever a ascensão de novos termos para o entendimento da contemporaneidade entende que o Antropoceno é, na realidade, muito mais um evento fronteiriço ou limitador do que uma era específica. Nesse sentido, nasce o conceito ​Capitaloceno de Jason Moore, professor de sociologia da Binghamton University nos EUA, pesquisador de história e geografia ambiental.

Em seus textos, Jason Moore deixa claro sua crítica ao Antropoceno por se tratar, em sua perspectiva, de um conceito limitado. Para Moore, os autores ligados à ideia de antropoceno enfatizam a Revolução industrial como a origem dos fluxos modernos, focalizando principalmente nas consequências ambientais geradas por tal processo e ocultando as profundas relações de capital e poder. Por isso, Moore apresenta o capitaloceno, ou era do capital, como uma contraposição à utilização de antropoceno (MOORE, 2014)

Uma das características essenciais para se entender a percepção do capitaloceno é colocá-lo como um conceito dinâmico e multidisciplinar, em que o capitalism-in-nature e o ​nature-in-capitalism ​são parte um do outro, fazendo com que o capitalismo seja entendido como um ​world-ecology​, em que a acumulação de capital, a busca pelo poder e a co-produção da natureza sejam vistos em unidade e

(10)

por diversas áreas, não só físico-ecológicas, mas também históricas, geográficas e filosóficas.

Para explicar sua teoria, ele constroi a primeira parte dos seus textos com a desmistificação do Antropoceno, isto é, ele diz que apesar de variadas interpretações, a versão dominante diz que o mundo moderno tem suas origens na Inglaterra do século XIX, com a Revolução Industrial potencializada, sobretudo, pela utilização do carvão e do vapor. Para Moore, através dessa visão, se esquece de debater as forças motoras por trás desse processo, a relação entre capital, cultura, sociedade, limitando-se apenas ao Antropos, ou seja, a humanidade como unidade sem diferenças entre si. Moore assim descreve “the Anthropocene makes for an easy story. Easy, because it does not challenge the naturalized inequalities, alienation, and violence inscribed in modernity’s strategic relations of power and production” (MOORE, 2014, p. 2).

Assim como já colocado no tópico anterior, Moore concorda que o Antropoceno tem dois tipos de visões: (1) a mudança atmosférica e o que a impulsiona; (2) o presente global como um momento histórico resultado de periodização. Sob esse ponto de vista, Jason Moore destaca o papel do antropoceno como uma conceituação simplista, um dualismo Cartesiano como ele sugere, que tende a culpabilizar a humanidade como uma força motora única; tende ainda à ascensão de visões neo-malthusianas sobre a população e se esquece de debater as características dos grupos, seus fluxos e as diferentes relações que levam às transformações históricas, econômicas, sociais e ambientais.

Desta maneira, acreditando que o antropoceno foca nas consequências , 5

Jason Moore sugere uma interpretação que comece nas origens e condições das transformações rápidas e fundamentais na biosfera do planeta, ou seja, as mudanças decisivas que ocorreram nas relações de poder e produção e, para tal, ele centraliza seu debate nas questões históricas e políticas.

Moore destaca que a civilização capitalista incorpora em sua personalidade as relações de valor. Para ele, cada sociedade prioriza diferentes relações de valor

5 Para Moore as consequências deste processo também são muito importantes já que causam amplos impactos nos meios de vida, no emprego e na terra, por exemplo. Contudo, faz-se necessário compreender o processo. (MOORE, 2014)

(11)

quanto à riqueza, poder e produção. Por isso ele cita que durante o período medieval se privilegiava a produção da terra enquanto o sistema capitalista privilegia a produção de trabalho após 1450 (MOORE, 2014, p. 6). Nesse sentido, ele cita Marx e a ideia de “Lei do Valor” com a produção de um excedente peculiar de riqueza.

Para entender essas questões, ele descreve que a relação do capitalismo com e dentro da natureza é de exploração (produz o trabalho social abstrato) e apropriação (produz natureza social abstrata). Fato é que o trabalho humano além de se tornar uma commodity desse sistema, é ponto central na reprodução de riqueza, no entanto, é importante entender que o sistema não é definido por isso mas sim pelo mercado mundial e as condições necessárias para sua reprodução, como a apropriação das “​four cheap natures​”.

Para ele, a ​cheap nature seria um trabalho não-pago de natureza extra-humana (aspectos históricos de atividades físicas, biológicas e geográficas), separado em quatro categorias principais: força de trabalho, comida, energia e matéria-prima. Para o autor, o capitalismo tem a estratégia de “cheap nature” como central, bem como movimentos cíclicos para que a natureza torne-se ainda mais barata (MOORE, 2014).

A ideia aqui subentendida é de que o capitalismo é um sistema de organização da natureza, em que toda a atividade humana é simultaneamente produtora e produto da rede da vida.

Sendo assim, em aspectos históricos, Jason Moore entende que a ascensão do capitalismo como sistema aconteceu após a Peste Negra, em 1450 aproximadamente, neste ponto deve-se salientar ainda as expedições marítimas. Nota-se que a partir deste período, em comparação com a era medieval, a velocidade e escala de desmatamento foi cinco a dez vezes maior . 6

Como já mencionado, o que mudou, foi o modo de exploração do trabalho e de apropriação global do chamado ​unpaid work, ​assim como a introdução de novas técnicas e tecnologias de apropriação.

6 Em relação a este ponto, o autor utiliza-se de vários exemplos de transformação no trabalho e na terra: a revolução da agricultura com os ciclos de cana em São Tomé e no nordeste do Brasil, a extração de prata em Potosí, comércio de escravos da África, exaustão da mineração e metalurgia na Europa Central, entre outros. (MOORE, 2014, p. 17-19)

(12)

Para completar sua ideia, Moore diz que as transformações supramencionadas são parte de uma época de transição, não só de mudança nas técnicas, mas também na mentalidade, ou seja, “proliferation of knowledges and symbolic regimes that constructed nature as external, space as flat and geometrical, and time as linear” (MOORE, 2014, p.22).

Em suma, Moore destaca que o capitalismo deve ser entendido como um world-ecology​, em que a acumulação de capital, a busca pelo poder e a utilização da natureza devem ser vistos como um todo, o autor deixa claro que world-ecology não significa a “ecologia do mundo/ecologia da natureza”, mas sim “the ecology of the oikeios: that creative, generative, and multilayered relation of life-making, of species and environments” (MOORE, 2016, p.79).

Ele ainda deixa claro que o capitalismo não é apenas um processo de acumulação, pois traz consigo todo um espectro de transformação baseado na cheap nature​, ou seja, na utilização dos recursos naturais como se fossem ilimitados e a um baixo custo (MOORE, 2014, 2016).

Seguindo a ideia do ​cheap nature, na era do Capitaloceno não há apenas uma ameaça de extinção biológica, mas trata-se, de um processo de extinção cultural, já que uma das premissas básicas do capitalismo seria avançar através da exclusão e da desigualdade. Ele salienta que um dos maiores segredos do capitalismo é sua natureza exclusiva, “capitalism was built on excluding most humans from Humanity” (MOORE, 2016, p. 79).

Sobre as transformações no ambiente, Moore diz que o Capitaloceno acelerou as mudanças de forma nunca antes vistas, isto se deu com tecnologias que facilitaram o processo mas, sobretudo, técnicas ou “a new repertoire of science, power, and machinery” (MOORE, 2016, p. 98) que permitiram o amplo acesso a apropriação da ​cheap nature.

Para completar, ele destaca que o sistema capitalista está em fase de exaustão, levando o planeta a mudanças ambientais cada vez mais intensas e a crises econômicas mais devastadoras, afirmando que o planeta não está passando por uma marcha do Antropoceno mas sim chegando ao fim do Capitaloceno já que a estratégia dos cheap nature está se exaurindo numa escala cada vez maior e mais veloz.

(13)

Em complementação às ideias de Moore, autores como Justin McBrien ampliam o entendimento do conceito e suas características.

Justin McBrien descreve ​Necrocene ou ​New Death como um adjetivo para a época do Capitaloceno, ao afirmar que a acumulação de capital subentende a acumulação de potencial de extinção, sendo este potencial impulsionado, especialmente, nas últimas décadas. Sendo assim, ele descreve que,

This becoming extinction is not simply the biological process of species extinction. It is also the extinguishing of cultures and languages, either through force or assimilation; it is the extermination of peoples, either through labor or deliberate murder; it is the extinction of the earth in the depletion fossil fuels, rare earth minerals, even the chemical element helium; it is ocean acidification and eutrophication, deforestation and desertification, melting ice sheets and rising sea levels; the great Pacific garbage patch and nuclear waste entombment; McDonalds and Monsanto (MCBRIEN, 2016, p.116-117).

Considerações Finais

Como descrito no início deste texto, é inquestionável o fato de que o planeta tem passado por transformações profundas, assim como as consequências provocadas por tais mudanças como os deslocamentos forçados e o impulsionamento de problemas já existentes como a pobreza, a fome e o próprio acesso a itens de sobrevivência como água potável e alimentos.

A realidade mostra duros processos de desertificação, acidificação dos oceanos, aumento de temperatura e alteração nos padrões de chuva influenciando a incidência de desastres climáticos severos, degradação do solo, poluição e a ocorrência de epidemias, escassez de recursos, entre muitas outras situações. Dada conjuntura, é imprescindível a construção de abordagens teóricas que examinem o problema, suas origens e considerem possíveis soluções para o futuro.

Com o objetivo de incorporar o debate teórico, este trabalho traz os conceitos de Antropoceno e de Capitaloceno. Através da discussão, nota-se que os termos trazem semelhanças e oposições.

De um lado, o Antropoceno foi descrito pela primeira vez pelo químico Paul Crutzen sugerindo que o planeta passava por uma nova Era Geológica e que a força motora de transformação era o antropos, ou seja, a ação humana. É

(14)

perceptível que o termo carrega séries de características voltadas ao seu aspecto mais físico-químico e, atenta-se, sobretudo, a periodização dessa época e a representação de suas consequências.

Do lado oposto, o Capitaloceno se lança como uma perspectiva de crítica ao Antropoceno e suas limitações. Outra característica importante é que o termo foi criado por Jason Moore que é sociólogo e estuda história/geografia ambiental, sendo assim, sua conotação é mais voltada para a personalidade social das transformações ambientais, pois elas seriam impulsionadas por escolhas políticas e econômicas baseadas na ​cheap nature ​(força de trabalho, comida, energia e matéria-prima). Além disso, a proposta de Moore é entender as origens das mudanças ambientais, considerando que a era do capitaloceno pode estar chegando a um fim e que o planeta precisa estar preparado para o futuro.

Cada perspectiva traz um ponto de vista mais voltado para uma área de conhecimento, todavia, ambas demonstram a necessidade de conexão entre as disciplinas, na busca de se promover uma construção interdisciplinar, dinâmica e integradora que entenda a relação existente entre sistemas naturais e sistemas humanos, a fim de produzir soluções alternativas para as transformações do planeta, tanto no presente como no futuro.

(15)

Referências Bibliográficas

ANUAL REPORT 2016 - ENGAGING PEOPLE TO PROTECT THE PLANET. UN Environment. ​Relatório​​. Genebra, 2016.

ARTAXO, Paulo. Uma nova era geológica em nosso planeta: o Antropoceno?.

Revista Usp​​, [s.l.], n. 103, p.13-24, 22 nov. 2014. Universidade de Sao Paulo

Sistema Integrado de Bibliotecas - SIBiUSP.

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i103p13-24.

CRUTZEN, P. J. Geology of mankind. ​Nature, ​​[s.l.], v. 415, n. 6867, p.23-23, 3 jan.

2002. Disponível em:

<​http://www.nature.com/nature/journal/v415/n6867/full/415023a.html?foxtrotcallback =true​>. Acesso em: 08 de Janeiro de 2018.

____________. The “Anthropocene”. In: Ehlers E., Krafft T. (eds) ​Earth System

Science in the Anthropocene​​. Springer, Berlin, Heidelberg, 2006.

HARAWAY, Donna. Anthropocene, Capitalocene, Plantationocene, Chthulucene: Making Kin. ​Environmental Humanities​​, [s.l.], v. 6, n. 1, p.159-165, 2015. Duke University Press.

LATOUR, Bruno. Para distinguir amigos e inimigos no tempo do Antropoceno.

Revista de Antropologia​​, São Paulo, v. 57, n. 1, p.11-31, jan. 2014.

MCBRIEN, J. Accumulating Extinction Planetary Catastrophism in the Necrocene. In: MOORE, J. (editor). ​Anthropocene or Capitalocene? Nature, History, and the

Crisis of Capitalism​​. Oakland: PM Press, 2016.

MOORE, J. The Rise of Cheap Nature. MOORE, J. (editor). ​Anthropocene or

Capitalocene? Nature, History, and the Crisis of Capitalism ​​. Oakland: PM Press,

(16)

MOORE, Jason W.. The Capitalocene, Part I: on the nature and origins of our ecological crisis. ​The Journal Of Peasant Studies​​, [s.l.], v. 44, n. 3, p.594-630, 17 mar. 2017. Informa UK Limited.

ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. ​Nações Unidas​​. Disponível em: <​https://nacoesunidas.org/pos2015/​>. Acesso em 10 de Fevereiro de 2018.

STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R.. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature? ​Royal Swedish Academy

Of Sciences​​, Estocolmo, v. 36, n. 8, p.614-621, dez. 2007. Disponível em:

< ​https://www.pik-potsdam.de/news/public-events/archiv/alter-net/former-ss/2007/05-09.2007/steffen/literature/ambi-36-08-06_614_621.pdf​>. Acesso em 15 de Fevereiro de 2018.

VILCHES, A., PRAIA, J. y GIL- PÉREZ, D. (2008). O Antropoceno: Entre o risco e a oportunidade, Educação. Temas e Problemas, 5, Año 3, 41-66.

Viola, Eduardo, Basso, Larissa, O SISTEMA INTERNACIONAL NO ANTROPOCENO. ​Revista Brasileira de Ciências Sociais​​, 2016. Disponível em: <​http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10747709001​>. Acesso em 15 de Fevereiro de 2018.

Referências

Documentos relacionados

• O campo relativo ao Investimento Total é de preenchimento automático com o valor obtido na página 11 do formulário “Estrutura de financiamento” e corresponde ao valor

Professor Associado Convidado na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior A Medicina Centrada na Pessoa (MCP) constitui uma competência nuclear dos médicos

Considerando a formação da equipe de trabalho, o tempo de realização previsto no projeto de extensão e a especificidade das necessidades dos catadores, algumas

importantes do Estado de São Paulo, sendo seus resultados apresentados em outro trabalho (11). Os ensaios de algodão, instalados principal- mente em latossolo roxo e

Nesta nota técnica, pesquisadores do Climate Policy Initiative/ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/ PUC-Rio) analisam a tramitação legislativa do projeto da

A tarefa que se impõe à abordagem queer e às práticas educacionais no trabalho com as sexualidades, principalmente as não-normativas, é pensar formas de combate aos

O tratamento/técnica/metodologia para a coleta e armazenamento primário do material, incluindo o acondicionamento primário, que possa garantir a não dispersão de fibras de

햲 Conecte o dLAN 500 AVsmart+ através do cabo de rede fornecido a uma ligação de rede do seu computador ligado ou a um outro dispositivo de rede.. 햳 Encaixe o dLAN 500 AVsmart+