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Uma análise do julgamento do recurso especial n 1.418.593 MS: para uma interpretação juridicamente correta, constitucionalmente orientada e discursivamente legítima

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL. FRANÇOIS DE OLIVEIRA FERREIRA. UMA ANÁLISE DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL N 1.418.593 MS: PARA UMA INTERPRETAÇÃO JURIDICAMENTE CORRETA, CONSTITUCIONALMENTE ORIENTADA E DISCURSIVAMENTE LEGÍTIMA. NATAL/RN 2017.

(2) FRANÇOIS DE OLIVEIRA FERREIRA. UMA ANÁLISE DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL N 1.418.593 MS: PARA UMA INTERPRETAÇÃO JURIDICAMENTE CORRETA, CONSTITUCIONALMENTE ORIENTADA E DISCURSIVAMENTE LEGÍTIMA. Dissertação presentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGD/UFRN) como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Direito Constitucional.. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tinoco de Góis. NATAL/RN 2017.

(3) Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA. Ferreira, François de Oliveira. Uma análise do julgamento do recurso especial n 1.418.593 MS: para uma interpretação juridicamente correta, constitucionalmente orientada e discursivamente legítima / François de Oliveira Ferreira. - Natal, 2016. 119f.: il.. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tinoco de Góis.. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito..

(4) FRANÇOIS DE OLIVEIRA FERREIRA. UMA ANÁLISE DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL N 1.418.593 MS: PARA UMA INTERPRETAÇÃO JURIDICAMENTE CORRETA, CONSTITUCIONALMENTE ORIENTADA E DISCURSIVAMENTE LEGÍTIMA. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Direito Constitucional.. Aprovada em: ____/____/____. BANCA EXAMINADORA. Prof. Doutor. Nome do Examinador UFRN. Prof. Doutor. Nome do Examinador Vinculação. Prof. Doutor. Nome do Examinador Vinculação.

(5) TERMO DE AUTORIZAÇÃO.

(6) Ao rosário de mistérios dolorosos e gozosos Do silêncio que se compartilha pelas cordas do peito, Vai dedicada, com zelo e carinho, Esta dulcíssima dissertação..

(7) Ao amabilíssimo conjunto de profissionais da Biblioteca Central Zila Mamede da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (BCZM/UFRN), que vive o poético desafio de fazer do último refúgio, entre todos os restantes na cidade, seu lugar de trabalho, meu singelo (e quase anônimo) muito obrigado..

(8) “Aprender a ver: habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar que as coisas se aproximem de nós; aprender a adiar o juízo, a rodear o caso por todos os lados.” Friedrich Nietzsche, sobre algo que falta à nossa praxe forense. “Ousados começam; determinados terminam.” George Bernard Shaw, sobre qual é o espírito para encarar uma pesquisa acadêmica a respeito de algo que falta à nossa praxe forense..

(9) RESUMO. Este trabalho pretende analisar a decisão do Recurso Especial n 1.418.593 MS a fim de propor uma nova interpretação para o problema do julgado, que se baseou em premissas frágeis, do ponto de vista argumentativo, para estipular uma leitura específica para a expressão legal “integralidade da dívida pendente” e ignorou, ao final, uma discussão constitucional sobre o devido processo legal que era fundamental para o enfrentamento da causa (visto que o recurso também envolvia o debate sobre a possibilidade de se alienar o bem dado em garantia antes de proferida decisão final na instância de processamento). Depois de apresentar, em maiores detalhes, a lei de regência da matéria e o recurso que julgou a controvérsia, a pesquisa teórica da dissertação mostra a gênese filosófica dos Direitos Fundamentais a partir do pensamento de Immanuel Kant, persegue a construção desse conceito no devenir histórico europeu, pontuando a importância dessa jornada para a própria identidade do Ocidente Moderno, e recupera como se deu a incorporação desse conceito ao ideário jurídico, fazendo com que o súdito se emancipasse e o sujeito de direito gozasse de uma dupla autonomia – a pública e a privada, isto é, a de cidadão e a de indivíduo. Ao final, faz-se a crítica da decisão adotada pelo colegiado superior tanto da perspectiva habermasiana, relativa à legitimidade da decisão, que não tentou formar um mínimo consenso sobre a matéria a partir do agir comunicativo, quanto da perspectiva do Direito positivo do país, mais especificamente no que diz respeito à correção técnica do julgado, em especial diante do tratamento constitucional que deveria ter sido dispensado ao tema.. Palavras-chave: Direito Civil e Processual Civil; Direitos Fundamentais; Legitimidade e Agir Comunicativo..

(10) ABSTRACT. This work intends to analyze the decision of Recurso Especial n. 1.418.593 MS in order to propose a new interpretation for the problem of the judgment, which was based on fragile assumptions, from the argumentative point of view, to stipulate a specific reading for the legal expression "completeness of the outstanding debt" and ultimately ignored a constitutional discussion on due process of law that was fundamental to the cause (since the appeal also involved the debate on the possibility of disposing of the asset given as security before it was rendered final decision in the processing instance). After presenting, in greater detail, the law of regency of matter and the resource that judged the controversy, the theoretical research of the dissertation shows the philosophical genesis of Fundamental Rights from the thought of Immanuel Kant, pursues the construction of this concept in the european historical evolution, emphasizing the importance of this journey to the very identity of the Modern West, and recovers how the concept was incorporated into legal ideals, making the subject emancipated and the subject of law enjoy a dual autonomy - public and private, that is, that of citizen and that of individual. In the end, the criticism is made of the decision taken by the superior collegiate both from the habermasian perspective, regarding the legitimacy of the decision, which did not attempt to form a minimum consensus on the matter based on communicative action, and the perspective of positive law in the country, more specifically with regard to the technical correction of the judgment, especially in view of the constitutional treatment that should have been dispensed to it.. Palavras-chave: Direito Civil e Processual Civil; Direitos Fundamentais; Legitimidade e Agir Comunicativo..

(11) SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11 2 A LEI DE BUSCA E APREENSÃO E O RECURSO ESPECIAL N1.418.593 MS.. . 15 2.1 De uma questão terminológica – e do que já se entrevê por trás dela ...................... 15 2.2 Para conhecer a Lei de Busca e Apreensão ................................................................. 20 2.3 Para conhecer o Recurso Especial n 1.418.593 MS .................................................... 25 2.4 Do que se pôde apreender (até agora) da Lei de Busca e Apreensão e do Recurso Especial n 1.418.593 MS – e das perguntas que daí surgem ........................ 29 3 DA GÊNESE FILOSÓFICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – A UNIVERSALIZAÇÃO DE UM CONCEITO DE ACORDO COM A FILOSOFIA DE IMMANUEL KANT ........................................................................... 33 4 O CONTEXTO HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DA CATEGORIA FILOSÓFICA “DIREITOS” – E DE COMO ESSA CONCEPÇÃO SE TORNOU JURÍDICA ................................................................................................ 46 4.1 Do contexto histórico que levou a categoria “direitos” a ser uma pauta da Modernidade .................................................................................................................. 46 4.2 De como a categoria “direitos” se firmou dentro da tradição jurídica a partir do fim da Idade Média – e de como um acerto entre cavalheiros inspirou o contrato social a que chamamos Constituição ............................................................ 62 5 DE UMA CRÍTICA HABERMASIANA AO PROCEDER JUDICIAL: PARA QUE SE TENHA LEGITIMIDADE NA LEGALIDADE ............................................ 80 6 UMA REFLEXÃO A PARTIR DO DIREITO POSITIVO SOBRE A DECISÃO DO RECURSO ESPECIAL N 1.418.593 MS ............................................. 98 7 CONCLUSÕES................................................................................................................. 110 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 115.

(12) 11. 1 INTRODUÇÃO “A lei pode ser injusta?” – já perguntava Alcibíades a Péricles, milênios atrás, segundo Xenofonte. Essa é uma pergunta que traduz várias preocupações (ainda muito) relevantes na contemporaneidade, todas mais ou menos imbrincadas desde sua origem: o que é a lei e a que ela se presta? O Direito se esgota nela? Caso se esgote, de que adianta todo o caudaloso corpo de conhecimentos que temos se estamos presos, fatalmente, ao que a lei (esse monolito mudo) resume? Ir além do que ela diz representa risco à paz da sociedade? Aliás, como identificar, se isso é tão importante, o que diz a lei – sua leitura é sempre compassada como um concerto de camerata? Quando se fala de lei, a propósito, fala-se de quê? Regras? Princípios? Prestam-se os princípios a orientar as regras? Devem se prestar? As regras, por sua vez, concretizam os princípios – ou pelo menos devem fazê-lo? Aliás: o que seriam mesmo princípios e regras? E, por fim, mas de maneira alguma por último em escala de importância, já que esse é exata e precisamente o principal objetivo da ciência social aplicada chamada Direito: como ter (e manter) segurança jurídica, eficiência e isonomia no exercício prático da legalidade sem, ao mesmo tempo, perder o (tão famoso quanto polêmico) ideal de justiça? O Recurso Especial n 1.418.593 MS, relatado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Luís Felipe Salomão e julgado, à unanimidade, em 14 de maio de 2014, pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que reúne a terceira e a quarta turmas desse tribunal – tangenciou algumas das questões suscitadas acima. Assim o fez ao tratar do processamento das ações de busca e apreensão, mais propriamente ao tratar das ações de busca e apreensão decorrentes do inadimplemento de contrato de mútuo com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia. 02 (dois) pontos merecem especial atenção no julgamento do recurso referido acima: primeiro, a supostamente imperiosa necessidade de quitar o contrato de financiamento integralmente para se reaver o bem (se e quando ele já foi apreendido por ordem liminar nas ações de busca e apreensão); e, segundo, o não ter se decidido a respeito da discussão sobre a.

(13) 12. (im)possibilidade de o credor fiduciante alienar o bem dado em garantia antes de ser a causa sentenciada. Ao afirmar a necessidade de se pagar vencido e vincendo, isto é, o débito integral para se reaver o bem dado em garantia, a corte fundamentou sua decisão tomando basicamente 02 (duas) premissas como válidas: primeiro, a de que, sob pena de periclitar a Divisão de Poderes que fundamenta a República, não cabe ao julgador divisar se não divisou o legislador – que, por sua vez, teria sido explícito em exigir, na lei alteradora, pagamento integral para ocorrer a devolução do bem de garantia; e, segundo, a premissa de que o limite da interpretação legal é o texto da lei, não havendo espaço, portanto, para interpretações conforme elementos alheios ao texto. Quanto à tal (im)possibilidade de alienação antecipada do veículo, a discussão não foi efetivada e a omissão de pronunciamento sequer foi justificada no voto de base ao acórdão – apesar da querela constitucional envolvida, pois o réu da ação já se valera precisamente do devido processo legal (com seus sempre presentes consectários lógicos, próximos e derivados, ampla defesa e contraditório) como fundamento para evitar a alienação antecipada do bem sub judice antes de julgada a lide. Claro que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem a atribuição constitucional de dizer o direito na matéria de sua competência, e claro que pode escolher uma postura mais legalista ao decidir; mas precisamente por ter, fora a prerrogativa de resolver o que lhe é submetido, o dever de fundamentar as decisões que adota, tanto para as partes envolvidas quanto para o público em geral, o mínimo a esperar do exercício desse ofício institucional é que demonstre se sustentar a fundamentação escolhida – e que ela prevalece face a argumentos que lhe são contrários. Ainda merece destaque, claro, que um órgão jurisdicional não se pronunciar sobre essa ou aquela relação fática (desde que não suscitada) é possível, e mesmo esperado, de acordo com o princípio da demanda; mas não abordar argumentos e fundamentos de direito.

(14) 13. relacionados à relação fática controvertida é, sem maiores arrodeios frasais, se contentar com pouco – ou simplesmente julgar mal. Além disso, analisando o objeto de estudo desta pesquisa para além da decisão em si, isto é, para além da decisão em seus fundamentos, vale observar que a elaboração do julgado não teve qualquer participação dos agentes sociais por ele afetados, como os consumidores de produtos e serviços bancários; isso prejudicou, independentemente do aspecto técnico (isto é, do ponto de vista puramente jurídico), a legitimidade (político-institucional) da resolução que terminou sendo adotada. Apesar de os órgãos jurisdicionais não serem, de acordo com o feitio do Estado de Direito que hoje predomina no Ocidente, órgãos de participação popular, não podem se omitir ou deixar de interagir com o meio comunitário que os cerca, pelo menos não na atual fase da jurisdição constitucional, na qual a legitimidade decisória também conta para a eficácia pretendida com a normatização proferida – sob pena de predominarem imperativos sistêmicos francamente deletérios, haver desintegração social e, por fim, haver anomia, isto é, uma perda de identidade entre cidadão e Estado que termina vitimando, por fim, o próprio espírito republicano. Daí a motivação de escrever esta dissertação: no que diz respeito ao julgamento do recurso repetitivo referido no início, tanto falta ainda analisar se os fundamentos utilizados no acórdão (“não cabe divisar onde o legislador não divisou” e “o limite da interpretação é a lei”) não podem ser abalados por outros, quanto resta apreciar a matéria constitucional e processual não abordada no conteúdo do debate. Pesquisar sobre esse julgado se torna até esperado: afinal, se a função primordial do julgador é colocar em perspectiva aquilo que os contendores deduziram um contra o outro, e se sua missão é decidir conforme a consistência e a coerência que deve ter o ordenamento jurídico, é papel (dentre outros) do estudo acadêmico colocar em perspectiva a produção jurisprudencial para analisar a (às vezes presumida) correção técnica das decisões proferidas. Não apenas, é claro, para o exercício gratuito da virtuose crítica, de.

(15) 14. natureza filosófica ou técnica, mas também para efetivamente contribuir com a formação do pensamento forense sobre os temas julgados – e, quem sabe, reformar posicionamentos que terminam se mostrando inconsistentes, especialmente face ao uso público da razão. Entendendo, então, como posto acima, propõe-se, com este trabalho, primeiramente estudar a Lei de Busca e Apreensão para dá-la a conhecer da melhor forma, fazendo o mesmo com o Recurso Especial que decidiu sobre a matéria correlata; depois, estudar a gênese filosófica dos Direitos Fundamentais de acordo com a filosofia kantiana; em seguida, recuperar a paulatina construção histórica desses mesmos Direitos no ocidente moderno, acompanhando ainda como se deu seu ingresso no universo jurídico, que passaram a ser coercitivamente exigíveis dentro do que chamamos de Estado de Direito; após, sob inspiração habermasiana, avaliar que, apesar de importante, a mera legalidade estrita não é suficiente para a legitimidade decisória, e que, face a isso, a interpretação do colegiado superior limitou a participação na construção ativa de uma solução jurídica diversa, menos solipsista; em seguida, avaliar a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de acordo com o ordenamento jurídico posto e em vigor no país, cotejando-a ainda com institutos jurídicos aplicáveis potencialmente ao caso; e, por fim, na conclusão, as sugestões para uma (nova) interpretação juridicamente correta, constitucionalmente orientada e discursivamente legitimada da problemática suscitada são traçadas sobre um fundo técnico-jurídico, hermenêutico e filosófico relativo à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial n 1.418.593 MS. Ao início, pois..

(16) 15. 2 A LEI DE BUSCA E APREENSÃO E O RECURSO ESPECIAL N 1.418.593 MS. 2.1 De uma questão terminológica – e do que já se entrevê por trás dela. Antes de tudo, um esclarecimento terminológico: pelo menos caso se esteja de acordo com o padrão largamente aceito no Ocidente de hoje em dia, “lei” é o ato normativo estatal que, sendo originário, abstrato e genérico, comina, proíbe ou autoriza comportamentos1. Essa é uma definição descritiva, não normativa2, que segue postulados kelsenianos: só é lei (para os fins coercitivos oficiais) a lei estatal, só a lei é originária (porque nenhuma outra espécie normativa inova o ordenamento jurídico), e a lei é parte de um todo maior, que, encabeçado pela Constituição, chama-se de ordenamento jurídico3. Pensadores outros caracterizaram a lei a partir de outros critérios conceituais (Autoridade ou Soberania), mas Kelsen foi o pioneiro na inversão de perspectivas entre Estado e Direito (ou entre Política e Justiça), sendo ainda o pioneiro em fundamentar o Direito no Direito: a norma hipotético-fundamental ocupa o lugar do Estado e, embora se reconheça que o Estado integra o Direito, pois o oficial é, obviamente, parte indissociável do jurídico, submete-se o oficial ao jurídico porque defender o oposto é não instituir o regime da legalidade, mas o Estado como plenipotenciário face ao cidadão. A única forma de evitar esse despautério é referenciar o Direito por ele mesmo, ajustando ainda o Estado às fronteiras da licitude constitucional, isto é, do Direito4, 5.. 1. A atual visão majoritária é de que não existe Direito (válido) fora do Estado, nem Estado (legítimo) fora do Direito. Assim, podemos (e devemos) definir o Estado pelo Direito (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 317). 2 Uma definição descritiva difere de uma normativa porque a primeira resume o que é, a segunda, o que deve ser – ambas são aceitas, a primeira na Sociologia Jurídica, a segunda na Teoria Geral do Direito (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 13-22). 3 Embora essas características não sejam exclusivas da sua Filosofia do Direito, entenda-se. Outro autor é H. Hart que comunga da mesma visão positivista, alicerçada na autoridade como fundamento a dar validade ao comando jurídico, ainda que com suas diferenças conceituais (HART, H. L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 129-160). Fora do espectro positivista, tem-se Léon Duguit, mas com a mesma percepção teórica (DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2009. p. 77-78). 4 Sendo detalhista, é preciso destacar que as modalidades deônticas, porém, não esgotam toda a categorização da produção legislativa porque, a lei, além de ordenar, proibir ou autorizar, “confere poder ou competência”, isto é,.

(17) 16. Muito bem. Levando em consideração o que foi dito acima, e aplicando o que ficou dito ao caso do contrato de mútuo com pacto de alienação fiduciária, percebe-se que o ato normativo que trata da matéria no país é um decreto-lei, não uma lei. De onde se pode legitimamente perguntar: como lei, então, esse ato normativo pode ser tratado? Sim, ela pode e deve ser tratada como lei, e é como se referirá neste estudo o ato, inclusive: a Lei de Busca e Apreensão – mas isso precisa, claro, de uma explicação satisfatória. Afinal, não é a troco de nada que se subverte o conceito fundamental do Direito, que, além de ser imprescindível para a compreensão dessa área do saber por ser o seu típico e (quase) exclusivo objeto de estudo, é a figura elementar de qualquer questionamento jurídico, inclusive aquele que abre este trabalho – “A lei pode ser injusta?”. Ora, se assim é, esse ponto (que parece, à primeira vista, de menor importância), se reveste de alguma magnitude, ainda mais se lembrarmos que a importância do conceito de lei não se esgota nos problemas que ela mesmo, lei, cria – mas se espraia para outros conceitos jurídicos ou, mais precisamente, da Filosofia Política; afinal, como definir o Estado de Direito senão como o Estado em que se respeita a lei ou então como aquele em que prima o Governo das Leis em vez da prevalecer o Governo dos Homens?6 Pois bem.. também tem sua função de organização do poder estatal (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 81). 5 Na conceituação da lei, mais semelhanças que diferenças surgem dentre as definições filosóficas e jurídicas do tema: uma outra semelhança bastante encontradiça, senão unânime, entre os teóricos da área, é que a lei nunca é pensada ad hominem ou modum exceptionis, isto é, para uma pessoa específica, ou exclusivamente para um caso. É outra forma, na verdade, de dizer que ela é abstrata e genérica. 6 Como lembra Norberto Bobbio, essa questão remonta a Platão e Aristóteles, pois Platão, distinguindo o bom governo do mau governo, diz que “onde a lei é súdita dos governantes e privada de autoridade, vejo pronta a ruína da cidade; e onde, ao contrário, a lei é senhora dos governantes e os governantes, seus escravos, vejo a salvação da cidade e a acumulação nela de todos os bens que os deuses costumam dar às cidades [...]. Aristóteles, iniciando o discurso sobre as diversas constituições monárquicas, põe-se o problema de saber se é “mais conveniente ser governado pelo melhor dos homens ou pelas leis melhores” [...]. A favor da segunda extremidade, enuncia uma máxima destinada a ter larga aceitação: “A lei não tem paixões, que, ao contrário, se encontram necessariamente em toda alma humana” ...] esse contraste entre as paixões dos homens e a frieza das leis conduzirá ao topos não menos clássico da lei identificada com a voz da razão” (BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 96)..

(18) 17. Apesar de conceitual e terminologicamente ser um contra-senso querer simular, em um decreto, uma lei, essa praxe foi aclimatada na História Jurídica do país através da adoção de um instituto doutrinário (isto é, da literatura jurídica), a recepção, um fenômeno de Direito Constitucional intertemporal permite a uma nova Constituição reter, por assim dizer, “partes” do ordenamento jurídico anterior se compatíveis com a sua própria proposta de restruturação desse ordenamento. Além de reter tais “partes”, permite-se, através da recepção, rearranjá-las para status diferenciados do que tinham até então: o Código Tributário Nacional, para citar um conhecido exemplo, havia sido instituído por lei ordinária no ordenamento de 1946, mas foi recepcionado como lei complementar no atual ordenamento; o decreto-lei da busca, da mesma forma, foi recepcionado como lei ordinária, embora, originalmente, seja ato do Poder Executivo7, 8. Ficou consignado acima ser um contra-senso conceitual e terminológico querer fazer de um decreto uma lei. Expliquemos por quê. A resposta a sobre se é possível ou não tomar um decreto-lei por lei se resumiu a, por meio do instituto da recepção, solucionar a questão através de uma ferramenta específica do Direito Constitucional; nada contra isso, muito pelo contrário – tecnicamente falando, foi essa a solução jurídica encontrada para esse problema prático, e a solução, além de satisfatória do ponto de vista técnico, é viável do ponto de vista operacional. Mas é hora de voltar à Teoria 7. Quanto ao decreto e a sua pretensão de disciplinar a matéria, convém esclarecer que o decreto assim procede, mas sem a pretensão de esgotá-la; a preocupação maior é disciplinar rito procedimental célere para a retomada do bem alienado, mas, no caminho, inevitavelmente, direitos materiais surgem da letra do texto – como o direito (do devedor fiduciário, ou seja, do réu) de purgar a mora quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do preço financiado (de acordo com a redação original do texto) ou o (aparente) direito (do credor fiduciante, ou seja, do autor) de alienar o veículo antes mesmo de proferida a sentença de mérito (no caso da redação atual). A evidência empírica tem mostrado que nenhum diploma normativo elaborado consegue ser puramente material ou processual, na verdade – e o da busca e apreensão é só mais um exemplo. 8 A recepção é um fenômeno necessário porque, na prática, é impossível recriar o ordenamento jurídico do zero após a edição de um novo texto constitucional. No caso do Brasil, então, que, em 193 (cento e noventa e três) anos de independência, conseguiu a proeza de (já) estar na sétima carta fundamental (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988), isto é, em média, cada Constituição vigora por aproximadamente 27 (vinte e sete) anos e 06 (seis) meses, essa tarefa parece, além de hercúlea, um desperdício de energia (BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 366-369)..

(19) 18. Geral do Direito para ir além da solução jurídica para um problema prático. Em que reside, pois, a falta de sentido de chamar a um decreto de lei, de acordo com os ditames, não mais do Direito Constitucional, mas da Teoria Geral do Direito, e até mesmo da Filosofia Política? A recepção pode mudar, de fato, um decreto-lei em lei, dando-lhe o que falta para ser mais do que é? Não. E isso apenas alardeia a incompatibilidade entre os conceitos de lei e de decreto, incompatibilidade que irradia efeitos para além do mero purismo acadêmico. Ora, o conceito de lei dado acima destacou precisamente a condição de ser uma ferramenta originária, isto é, inovadora no ordenamento jurídico. Somente ela, mais nenhuma outra, determina, proíbe e/ou autoriza. Ao contrário, o decreto, não: por definição, ele vem completar a lei especificando o que lhe faltou, não podendo, por conseguinte, contrariá-la nem ir além do que já foi definido; ele é fruto do poder regulamentador, e uma necessidade técnica da prudência quando assuntos específicos são legislados. Precisamente por isso, o tipo decreto tem natureza secundária (não primária) dentro da pirâmide normativa9, 10. Por isso que o decreto é ato do Poder Executivo, e a lei, do Poder Legislativo: levando em consideração que, dentro da nossa concepção iluminista e humanista de Estado de Direito, que se baseia, dentre outros valores, no princípio da soberania popular, somente aquele que foi eleito pelo povo para fazer as leis que governam a República pode vincular esse mesmo. 9. A lei não esgota assuntos técnicos ou científicos porque uma autoridade no assunto é chamada a completar o espectro legal a partir de seu conhecimento específico, como é o caso das agências reguladoras e da vigilância sanitária, para citar apenas 02 (dois) exemplos. A sociedade de especialização burocrática e multifacetada que vivemos assim recomenda (WEBER, Max. A Instituição estatal racional e os modernos partidos políticos e parlamentos. In: WEBER, Max (Org.). Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, seção 8, cap. 9, p. 229-282). Esse já é um ponto consensual dentro do Direito Administrativo: a regulamentação completa a lei em aspectos técnicos que esta não alcança e, em algumas situações mais especiais ainda, regula a matéria no lugar da lei propriamente dita (BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 243-324). 10 O ordenamento se organiza como uma pirâmide invertida, segundo Kelsen, porque todo ato normativo retira validade de um outro, anterior e mais graduado, sobre o qual ele, ato normativo subsequente, se sustenta; como base geral dos degraus normativos que se sucedem e, logo, como fundamento de todos eles, está a Constituição, que fica sendo, assim, a pedra angular do sistema porque representa, na verdade, o pináculo da pirâmide. Daí a ideia de “pirâmide invertida” em que o topo serve de sustentação para toda a estrutura, inclusive a base. Essa imagem geométrica permite ainda visualizar que os atos normativos subsequentes, mesmo que menos graduados, podem retirar sua validade diretamente da Constituição, ao contrário do que incorretamente muito se veicula a respeito (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 246-308)..

(20) 19. povo a obrigações jurídicas, isto é, pode criar para os demais cidadãos ônus que até então eles não tinham. Verifica-se, portanto, que, sob a égide iluminista e humanista referida, o modo correto de vincular ou obrigar é através da lei, o instrumento adequado, a lei11, 12. Pretender inovar o ordenamento através de um outro instrumento normativo específico que não a lei é, para fins de análise pela Teoria Geral do Direito e pela Filosofia Política, anti-democrático – e não é de surpreender, portanto, que o decreto-lei da busca e apreensão seja exatamente de um período de exceção, o da Ditadura Militar (1964-1985)13. Uma particularidade desse decreto a que se reporta esta pesquisa, inclusive, é exatamente seu extremo déficit democrático, mesmo em se tratando de período excepcional: ao contrário de outros éditos desse mesmo interregno histórico, ele não partiu de um Chefe do Poder Executivo, direta ou indiretamente eleito, mas de um “triunvirato” militar que governou o país, por 60 (sessenta) dias, entre a saída de Costa e Silva e a posse de Emílio Garrastazu Médici14. Apesar desses referenciais, porém, creia-se que o pior do decreto não foi a sua gênese nem a disciplina que inicialmente impôs, mas, e isso é de pasmar, como foi repensado em pleno período democrático (mais precisamente, no. 11. Para aprofundamento na percepção de que, para além de ser uma ferramenta do Estado, a legalidade é uma garantia cidadã (FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 115-132 e FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p 115-171). 12 A lei, como todo e qualquer artefato cultural, isto é, como toda e qualquer criação humana, pode ser uma ferramenta para o bem e para o mal. No entanto, justamente por ter essa ambivalência e pensando precisa e especificamente em evitar que se preste a lei a algo torpe, vem a necessidade de legitimá-la como fruto de algo superior ao interesse do mais forte. O deboche de Trasímaco sobre a visão socrática de justiça é pontuada exatamente pela concepção de lei como ferramenta do mais forte (PLATÃO. A República. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 25). 13 Os historiadores dividem o tempo da experiência humana em Pré-História e História usando como critério o surgimento da escrita, o registro gráfico baseado na relação entre significante e significado. A História, por sua vez, é habitualmente subdividida em “Idades” de acordo com critérios políticos, econômicos, sociais e culturais. As “Idades” são a Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. Claro que há dissensos, mas a larga maioria segue essa esquematização, à qual, por conseguinte, não posso me furtar (COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 11-18). O déficit de legitimidade democrática do período ensejou, inclusive, a insurgência de diversos setores sociais (REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2005. p. 45-71). 14 Costa e Silva esteve de licença médica (devido a derrame cerebral) a partir da data de 31 de agosto de 1969; a posse de Emílio Garrastazu Médici só se deu em 30 de outubro do mesmo ano; como o decreto-lei data de 1º de outubro de 1969, vê-se que foi editado entre uma e outra data, sendo oriundo de uma junta militar formada pelos ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica – nessa mesma ordem, Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares e Márcio de Souza e Mello. Assinam também o documento Luís Antônio da Gama e Silva e Antônio Delfim Netto, então Ministros da Justiça e da Fazenda, respectivamente..

(21) 20. ano de 200415) para ignorar direitos fundamentais como o de propriedade e o devido processo legal. Assim, trataremos o decreto-lei como lei de busca e apreensão – e é hora de conhecêla mais aprofundadamente.. 2.2 Para conhecer a Lei de Busca e Apreensão. O Decreto-Lei de Busca e Apreensão, ou, como será chamado de agora em diante, a Lei de Busca e Apreensão, é o Decreto-Lei n 911, de 1º de outubro de 1969. Com redação original bastante curta, de 09 (nove) artigos no total, dos quais o primeiro se limitou a alterar a Lei de Mercado de Capitais16 e o último, a especificar a disciplina intertemporal de regência (isto é, a entrada em vigor das determinações expedidas)17, pode ser logicamente dividido em 03 (três) seções distintas: a primeira (artigos 2º e 3º) define a ação de busca e apreensão como uma saída possível à disposição do credor fiduciante contra o devedor fiduciário em caso de inadimplemento; a segunda (artigos 4º e 5º) faculta ao credor, em caso de insucesso, fazer uso de outras medidas processuais (que são a conversão em ação de depósito ou ajuizamento de. 15. Houve alterações anteriores e posteriores a 2014 na Lei de Busca e Apreensão – mas o foco do estudo é a que foi promovida por ocasião da Lei n 10.931, de 02 de agosto de 2004 (BRASIL. Lei n 10.931, de 02 de agosto de 2004. Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei n 911, de 1o de outubro de 1969, as Leis n 4.591, de 16 de dezembro de 1964, n 4.728, de 14 de julho de 1965, e n 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 03 ago. 2004). 16 BRASIL. Lei n 4.728, de 14 de julho de 1965. Disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4728.htm>. Acesso em: 1o fev. 2017. 17 A propósito, vale salientar uma curiosidade sociológica sobre o Regime Militar, o último período de exceção do país (pelo menos até a conclusão do presente trabalho): no período de 13 (treze) anos entre dezembro de 1964 (o momento de estabilização do regime) e dezembro de 1976 (quando a distensão gradual até a redemocratização virou uma perspectiva), diversas matérias relativas à circulação de riqueza financeira e ao empreendedorismo de grande capital sofreram regulamentação. Pela ordem cronológica, a Lei de Condomínio em Edificações e de Incorporações Imobiliárias (Lei n 4.591/64), a Lei de Política Monetária e Instituições Bancárias (Lei n 4.595/64), a Lei de Mercado de Capitais (Lei n 4.728/65), a Lei de Busca e Apreensão (Decreto-Lei n 911/69), a Lei de Arrendamento Mercantil (Lei n 6.099/74) e a Lei de Sociedades Anônimas (Lei n 6.404/76) foram publicadas. Chama a atenção que tenham sido quase todas editadas entre dezembro de 1964 e julho de 1965 e, depois, entre setembro de 1974 e dezembro de 1976, momentos em que a violência ideológica e a radicalização política foram menores em comparação com o intermezzo que vai de julho de 1965 a setembro de 1974..

(22) 21. ação de execução); e a terceira (artigos 6º a 8º), de caráter complementar, assegura a garantia do avalista, fiador ou terceiro interessado que pagar o débito, garantia essa de se sub-rogar na titularidade do crédito, garantindo-se ainda que a busca não será prejudicada por falência do devedor alienante (firmando-se ainda que o Conselho Nacional de Trânsito regulamentará o necessário ao êxito dos procedimentos burocráticos)18. Na primeira parte (artigos 2ºe 3º), que foi objeto de discussão no Recurso Especial n 1.418.593 MS, vê-se que a redação originária autorizava o credor fiduciário a retomar o bem (para aliená-lo a terceiros) através da ação de busca e apreensão em caso de inadimplemento, tentando, com a posse direta e subsequente alienação, ver-se pago (de pelo menos parte) da dívida. Ainda de acordo com o texto, a mora do devedor fiduciário estaria comprovada por notificação extrajudicial de cartório, e o pedido poderia ter natureza liminar. O devedor seria citado para contestar em 03 (três) dias e, caso já houvesse pago pelo menos o equivalente a 40% (quarenta por cento) do preço financiado, poderia também purgar a mora. Contestado ou não contestado o pedido, e não purgada a mora, o juiz se obrigaria a sentenciar o feito em 05 (cinco) dias, e, como o recurso a interpor contra a decisão não impediria a venda extrajudicial do bem, porque não seria permitido se beneficiar de efeito suspensivo, poder-se-ia proceder à alienação veicular depois de proferido o decisum final (ou seja, depois de esgotado o ofício da instância). Abatido o valor da venda, o saldo devedor remanescente em desfavor do devedor seria executado nos próprios autos para satisfação do débito em aberto. Note-se que, na data de edição do decreto-lei, vigia o antigo Código Civil, datado de 1º de janeiro de 1916, que não dava a mesma atenção que o atual aos princípios jurídicos e à sua normatividade; que não havia, ainda, Código de Defesa do Consumidor, que só viria a ser editado quase 21 (vinte e um) anos depois; e que, apesar de a propriedade (o direito de usar, 18. BRASIL. Decreto-Lei n 911, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0911.htm>. Acesso em: 1o fev. 2017..

(23) 22. fruir, reivindicar e alienar) já então se apresentar indiscutível e solidamente como um direito subjetivo naquele momento histórico, a regência legal terminou considerando que só existe propriedade para o credor fiduciante, não para o devedor fiduciário – embora a propriedade resolúvel seja, para todos os fins, propriedade, isto é, um direito real, devendo ter sido tratada como tal pelo decreto-lei editado. Mas, ora, como dito acima, o pior não foi o soneto, mas a emenda – se é que a emenda tinha alguma intenção de ser melhor que o soneto. Explica-se. Quando a Lei n 10.931, datada de 02 de agosto de 2004, foi aprovada19, a primeira parte da lei (artigos 2º e 3º) foi alterada, mais especificamente o artigo 3º, caput e parágrafos: o devedor, apesar da ampliação do prazo para contestar o feito, que passou para 15 (quinze) dias, continuou obrigado a pagar o débito pendente em prazo exíguo, embora pouco maior, de 05 (cinco) dias. Isso o manteve em desvantagem frente ao credor fiduciante e, o que é pior, o débito em aberto, antes confundido com o vencido (ou inadimplido), passou a compreender vencido e vincendo (inadimplido e ainda a adimplir), o que criou uma sobrecarga financeira que, obviamente, antes não existia. Usando as mesmas palavras da lei, passou-se a exigir o pagamento da “integralidade da dívida pendente” para que ocorresse a devolução do bem, sob pena de, não havendo pagamento em 05 (cinco) dias, consolidar-se a posse e a propriedade do bem na pessoa do credor fiduciário, que poderia, a partir daí e desde logo, isto é, sem esperar o encerramento do ofício da instância, vendê-lo. Destaque-se que não existe uma exigência de se prestar caução para o caso de reversão da liminar depois de alienado antecipadamente o bem da garantia, o que causa estranheza: a saída caucionatória é muito utilizada no universo empresarial, em que a circulação de riqueza urge, e as instituições financeiras, bancárias e creditícias, que são aquelas autorizadas por lei a 19. Ou seja, na primeira metade do quarto mandato presidencial democraticamente disputado na atual República, mais de 15 (quinze) anos depois de instituído o Estado Democrático de Direito pela Constituição da República Federativa, promulgada na data de 05 de outubro de 1988..

(24) 23. trabalhar com crédito e capitais como objeto social de desempenho, podem muito bem fazer uso de tal expediente acautelatório – afinal, quem mais do que elas com lastro econômico para manter seguro o juízo em caso de eventual reversão de liminar em sede de sentença? Não ter pensado em uma solução simples para um problema comum indicia a intenção de deliberada e impensadamente ignorar a verticalidade fática existente entre as partes, isto é, a propensão a não querer equilibrar essa diferença por uma compensação jurídica entre elas20. Claro que esse não é o único indício a respeito do propósito legislativo: outro ponto que merece destaque é que, se, por um lado, a caução não é exigida do credor fiduciante para a alienação do bem que estava servindo de garantia ao débito do devedor fiduciário, por outro lado, basta uma notificação extrajudicial para firmar a mora desse mesmo devedor perante aquele mesmo credor. Claro que, stricto sensu, tratando-se de obrigação de dar dinheiro de maneira parcelada (o devedor paga uma mensalidade ao credor em retorno de um empréstimo que recebeu integralmente em uma determinada data), sequer alguma notificação da parte seria necessária para colocar a outra em mora: trata-se de mora ex re, que independe de ato de interpelação. Mas se observarmos que a disposição quanto à notificação foi editada em 1969, e se atentarmos para o fato de que, nessa época, a tutela antecipatória ainda não era universal, mas pensada caso a caso de acordo com a lei de regência sob o título de “liminar”, facilmente perceberemos que a estipulação da notificação para a consecução da tutela antecipada nada. 20. Manda a lógica (de um ordenamento jurídico que acredita na igualdade, pelo menos) que, pela lei, a isonomia calibre a realidade, isto é, uma igualdade de condições seja construída a partir da norma jurídica se e quando a diferença fática entre as partes for deletéria à república (ou ao Estado Democrático de Direito, caso assim se prefira). Por isso que, no campo do Direito Público, o Estado, com as prerrogativas de praxe, tem de respeitar os direitos fundamentais do indivíduo contra quem se coloca, e, no Direito Privado, o consumidor recebe atenção especial diante do fornecedor (para citar apenas o sub-ramo obrigacional consumerista). A verticalidade designa exatamente essa diferença fática entre os pólos da relação jurídica, que, no caso do consumerismo, se intitula vulnerabilidade (BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Salvador: Editora Juspodivm, 2012. p 35-41). Sobre o direito de igual respeito e consideração, Dworkin é enfático: sobre ele repousa a ideia de Estado de Direito. Segundo ele, “as pessoas só podem se dizer verdadeiros membros de uma comunidade política genuína quando são governados por princípios comuns, e não apenas por regras avulsas sacadas à força de um compromisso político”. (DWORKIN, Ronald. O Império do direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 211)..

(25) 24. mais foi que uma forma inteligente de possibilitar a obtenção da decisão interlocutória liminar para a retomada do bem mediante a adoção de um simples ato administrativo. Fora isso, purgar a mora se pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do preço total ficou revogado, como dito acima – e deliberadamente21. Justiça seja feita, porém: nem tudo foram espinhos. O ponto positivo da redação dada pela nova lei foi a eliminação da possibilidade que havia até então no artigo 4º do texto original, de transformar a ação de busca e apreensão em ação de depósito por pedido nos autos deferido pelo juiz; por trás dessa artimanha residia a idéia de mandar prender o devedor como suposto depositário infiel quando, na verdade, ele nunca assentira em assumir a condição de depositário22. Agora, mal-sucedida a busca efetuada para apreensão do bem, a única possibilidade restante é ajuizar a ação de execução pertinente contra o devedor23. Superada a discussão constitucional relativa à validade do artigo 4º, porém, restaram os espinhos do artigo 3º. Esse artigo da Lei de Busca e Apreensão virou foco, portanto, dos 02 (dois) agudos problemas mencionados acima: ter-se de pagar a integralidade pendente para 21. Havia expressa sugestão de se revogar deliberadamente qualquer possibilidade de se purgar a mora, inclusive da parte do então Ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho – veja-se o trecho da Exposição de Motivos da Lei n 10.931, de 02 de agosto de 2004, transcrito pelo Relator do Recurso Especial n 1.418.593 MS, Ministro Luís Felipe Salomão, no voto que serviu de base ao acórdão (p. 12). (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.418.593 MS. Recorrente: Bradesco Financiamentos S/A. Recorrido: Gerson Fernandes Rodrigues Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. DJe, 27 maio 2014. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/ jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28purga%E7%E3o+adj2+mora+e+integralidade+adj2+d%EDvida%29+e+REPE TITIVOS.NOTA.&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 11 jan. 2016). 22 Inclusive porque sequer assinara contrato de depósito; o negócio jurídico entre as partes invariavelmente é o de mútuo a juros (ou mútuo feneratício), servindo a alienação fiduciária como pacto adjeto de garantia (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Contratos: teoria geral e contratos em espécie. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. v. 4, p. 251-400). 23 De fato, nisso se saiu muito bem a alteração legislativa, visto que em nada se atenta contra o ordenamento jurídico vigente com tal disposição, ao contrário daquilo que acontecia com a prisão, a qual, além de nitidamente inconstitucional, era, inclusive, contrária à Convenção Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Tanto assim ficou claro que o declarou o Supremo Tribunal Federal (STF), primeiramente em situação isolada (Recurso Extraordinário n 466.343 SP) (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n 466.343 SP. Recorrente: Banco Bradesco S/A. Recorrido: Luciano Cardoso Santos. Relator: Ministro Cezar Peluso. 03 dez. 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+466343 %2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+466343%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos &url=http://tinyurl.com/ax2k326>. Acesso em: 25 nov. 2016) e, em seguida, de maneira erga omnes e vinculante (Súmula Vinculante n 25) (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sumula Vinculante n 25. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito. 16 dez. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/SUV_25__PSV_31.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2016). A inconstitucionalidade e a explícita contrariedade aos termos da convenção foram reconhecidas, diga-se de passagem, por unanimidade..

(26) 25. reaver o bem apreendido e a possibilidade de ele ser alienado antes de proferida a sentença do juízo originário (isto é, antes de esgotado o ofício da instância). O tema veio a julgamento, como seria de se esperar face à potencial controvérsia, sendo, posteriormente, abordado pelo Recurso Especial n 1.418.593 MS. Visitemo-lo agora, portanto, para saber de seus termos.. 2.3 Para conhecer o Recurso Especial n 1.418.593 MS. O Recurso Especial n 1.418.593 MS foi interposto para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra acórdão proferido em sede resolutória de agravo regimental, que, por sua vez, fora interposto contra acórdão de agravo de instrumento, tendo sido ambos os recursos em questão, o regimental e o instrumental, julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (TJMS). A decisão original, a partir de cuja sede se deu a discussão, lavrada pela 20ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande, capital do Estado, determinara que o bem alienado (um veículo automotor) ficasse na comarca em que se processava a lide até que a mora fosse purgada – e fosse purgada mediante o pagamento do montante vencido, isto é, do equivalente ao valor do inadimplemento. A corte estadual manteve o entendimento originário recorrido, em julgamento cuja ementa vale a pena transcrever: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PURGAÇÃO DA MORA. PARCELAS VENCIDAS. VENDA ANTECIPADA OU REMOÇÃO DO BEM. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. 01. Para a purgação da mora em ações de busca e apreensão fundadas em pacto adjeto de alienação fiduciária, é suficiente o depósito das parcelas vencidas acrescidas dos encargos moratórios até a data do depósito. 02. A remoção da comarca ou a venda antecipada do veículo apreendido depende de prévia autorização judicial, em atenção aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. 03. Agravo regimental conhecido e não provido24.. 24. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.418.593 MS. Recorrente: Bradesco Financiamentos S/A. Recorrido: Gerson Fernandes Rodrigues. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14 maio 2014. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON.

(27) 26. Como se pode observar, discutia-se, no litígio, a necessidade de autorização do juízo para remoção do bem da comarca onde se encontrava (uma outra maneira, indireta, de se discutir se o veículo poderia ou não ser alienado a terceiro antes de encerrada a ação de busca) e o que compreenderia o conceito de purgação da mora (se a purgação compreenderia apenas o já vencido ou se compreenderia, inclusive, o montante vincendo). Havia 02 (dois) pontos de discussão interligados, pois, e a corte estadual responsável firmou, com base assumidamente principiológica e constitucional (ampla defesa, contraditório e devido processo legal), que não se poderia fazer a alienação durante o curso da ação, e que o bem seria restituído contanto que o vencido fosse depositado, com os acréscimos moratórios. Note-se que a casa decisória não se limitou a fazer uma leitura estrita e segregada da letra da lei, mas a viu como atravessada por princípios que a moldam em seu conteúdo, assim como a viu como parte de um ordenamento com o qual ela, necessariamente, tem de interagir, e da maneira mais harmônica possível, isto é, respeitando o funcionamento do todo e (inclusive) a normatividade dos estratos legiferados superiores – como a Constituição, obviamente. O recurso especial interposto foi admitido pela corte nacional como representativo de controvérsia, isto é, foi recebido em regime especial que permitia que as decisões proferidas se tornassem de observância obrigatória para causas similares nas instâncias inferiores. Essa era uma ferramenta legal de uniformização de entendimento do antigo Código de Processo para quando a discussão apresentava caráter multitudinário, garantindo agilidade na decisão e isonomia a todos os interessados (visto que a situação conflituosa se repetia fora dos autos com outras partes). In verbis: Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. § 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. /jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28purga%E7%E3o+adj2+mora+e+integralidade+adj2+d%EDvida%29+e+REPE TITIVOS.NOTA.&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 11 jan. 2016..

(28) 27. § 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. [...] § 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. § 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso 25 especial .. Logo, vê-se que o caso foi admitido para uma ampla discussão, porque sua decisão se tornaria um núcleo irradiador de efeitos para situações similares em todo o país. Pois bem. O recurso especial terminou decidido posteriormente nos termos do seguinte acórdão: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: "Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária". 2. Recurso especial provido26.. A decisão superior seguiu caminho diverso e manifestamente contrário ao que ficara assentado na decisão do colegiado estadual.. 25. BRASIL. Lei n. 11.672, de 08 de maio de 2008. Acresce o art. 543-C à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, estabelecendo o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2008/Lei/L11672.htm>. Acesso em: 1o fev. 2017. Atualmente, o Código de Processo Civil é a Lei n 13.105, de 16 de março de 2015, que trata da matéria nos seus artigos 1.036 a 1.041. 26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.418.593 MS. Recorrente: Bradesco Financiamentos S/A. Recorrido: Gerson Fernandes Rodrigues. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14 maio 2014. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON /jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28purga%E7%E3o+adj2+mora+e+integralidade+adj2+d%EDvida%29+e+REPE TITIVOS.NOTA.&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 11 jan. 2016..

(29) 28. Foi tomada unanimemente pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), composta pelas Terceira e Quarta Turmas (turmas de Direito Privado), e votaram os Ministros Luís Felipe Salomão (relator do recurso), Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Galotti, Antônio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas, Marco Buzzi, João Noronha e Sidnei Beneti. A Ministra Nancy Andrighi, justificadamente ausente, não participou, e o Ministro Marco Buzzi consignou razões para sua inicial discordância em voto apartado, mas terminou por subscrever o acórdão em conjunto com seus pares em respeito, segundo suas próprias palavras, à “função uniformizadora” do Superior Tribunal de Justiça (STJ)27. O Ministro Relator reformou o decisum recorrido sem discutir a matéria constitucional que lhe servia de fundamentação: contraditório, ampla defesa e devido processo legal não se fizeram presentes na pauta de discussão, que enveredou pela divisão de poderes e pela justeza da atuação jurisdicional, isto é, pela limitação funcional (self-restraint) que deve ter o Poder Judiciário ao sindicar o que disse o Poder Legislativo. Carlos Maximiliano foi citado no fito de lembrar que o limite da interpretação é o texto interpretado, Claus Canaris foi revisitado (por tratar das “soluções diferenciadas” do Direito Privado) e, após esse percurso teórico, o Ministro relator concluiu que não se pode ignorar o fato de que o legislador quis, de maneira deliberada, eliminar a purgação do rol de faculdades do réu devedor e que, por isso, a despeito da definição legal do instituto “purgação de mora” e da função social do contrato e da boa-fé objetiva serem a regra entre os contratantes no civilismo brasileiro (artigos 401, 421 e 422 do Código Civil)28, quando se trata de busca e apreensão de bem, só (e somente só) se deve aceitar a devolução se e quando o valor total (vencido e vincendo) for pago. Essa seria, 27. Que, aliás, já decidira reiteradamente nesse sentido, conforme faz constar o ministro. Código Civil, instituído pela lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002. In verbis: Art. 401. Purga-se a mora: I por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta; II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data. [...] Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Código de Defesa do Consumidor instituído pela lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990 (BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 1o fev. 2017). 28.

(30) 29. portanto, a correta interpretação da expressão “integralidade da dívida pendente” e, face a isso, purgar a mora (entendido aí como pagar, após vencido, o inadimplido) deixou de ser uma opção legal, mesmo que se saiba estar o Código de Defesa do Consumidor a proteger o cliente de cláusulas exageradas ou abusivas (conforme artigo 51, caput, inciso IV, §1º e incisos I a III)29, e mesmo que se saiba que essa proteção resguarda (também) a propriedade (só que do consumidor), um direito tão fundamental quanto qualquer outro30.. 2.4 Do que se pôde apreender (até agora) da Lei de Busca e Apreensão e do Recurso Especial n 1.418.593 MS – e das perguntas que daí surgem. Apesar de a ação de busca e apreensão de bem (em alienação fiduciária em garantia) ter sido disciplinada por decreto expedido por junta militar provisória – ou seja, sem qualquer participação do Legislativo e sem mesmo a lavra de presidente eleito direta ou indiretamente – a sua redação original foi alterada (já dentro do período democrático atual) para ser (ainda) mais rigorosa: se antes a purgação da mora era permitida através do pagamento do vencido e se, antes, o bem aguardava a prolação da sentença para ser alienado a terceiro, com a mudança legal, na expressão “integralidade da dívida pendente” passou-se a contemplar tanto vencido quanto vincendo e, como visto, a venda do bem restou possível a qualquer tempo, mesmo. 29. Código de Defesa do Consumidor. In verbis: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; [...] § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (BRASIL. Lei n 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 1o fev. 2017). 30 A propósito, e por uma questão de precisão, convém relatar que o Ministro Marco Buzzi, ao se reportar ao código consumerista, refere os artigos 52 (contrato de concessão de crédito) e 54 (contrato de adesão) da lei – mas é o artigo 51, caput e incisos, transcritos na nota anterior, que disciplina as cláusulas nulas de pleno direito, independentemente de se tratar ou não de contrato de concessão de crédito e/ou de contrato de adesão – daí porque minha opção por trazer esse referencial normativo..

(31) 30. antes da sentença, desde que após pelo menos 05 (cinco) dias de apreendido, de acordo com a redação final (e atual) do §1º do artigo 3º da Lei de Busca e Apreensão. Por ter sido votado à unanimidade por um colegiado de renome nacional – dado que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a instância máxima de discussão do Direito Privado no Brasil31 – a discussão do Recurso Especial n 1.418.593 MS tomou grande relevo. Primeiro, porque foi processada em sede de recurso repetitivo e, por conseguinte, suas conclusões se tornaram precedente aplicável a todos os casos similares, em curso ou a propor, do país. Segundo, porque, ainda que não fosse vinculante o entendimento, as razões servem de norte para todo o Poder Judiciário e, consequentemente, se tornaram fundamento decisório para toda e qualquer discussão parecida: se não cabe ao intérprete vir divisar onde não divisou o legislador em função da separação de poderes, e se não cabe a um terceiro, ainda que se trate do Estado-Juiz, se imiscuir na vida contratual de particulares em razão das soluções “diferenciadas” do Direito Privado para seus conflitos patrimoniais, esse é um raciocínio que se aplica, ou pode se aplicar, a outros temas da seara privada do ordenamento, trate-se ou não de contrato de mútuo feneratício com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia. Também merece destaque que, em tendo sido adotada a decisão estampada no acórdão publicado, a clara orientação axiológica dos princípios civis (preservação dos contratos, boafé e função social) e consumeristas (proteção do consumidor contra cláusulas e prerrogativas abusivas, iníquas e/ou exageradas) foi anulada, e o direito fundamental de propriedade foi abordado apenas pelo viés do credor fiduciante, mas não pelo lado do devedor fiduciário. Isso depõe, por conseguinte, contra esses princípios e contra esse direito de propriedade, apesar da normatividade indiscutível dos primeiros e da importância constitucional deste último, ainda 31. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) se compõe de 06 (seis) turmas, que se agrupam 02 (duas) a 02 (duas) em 03 (três) seções: a primeira seção, composta pelas 02 (duas) primeiras turmas, trata de Direito Público; a segunda, composta pelas 02 (duas) turmas subsequentes, trata de Direito Privado; e a última seção, composta pelas 02 (duas) últimas turmas, trata de Direito Penal. Todas essas informações, e ainda outras complementares, no sítio (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Institucional. Composição. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Institucional/Composi%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 11 jan. 2016)..

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