An´
alise Matem´
atica III
Textos de Apoio
textos de apoio foram recolhidos de folhas pr´aticas elaboradas ao longo dos anos por v´arios docentes do Departamento de Matem´atica da FCTUC.
´Indice
1 C´alculo diferencial em Rn 1
1.1 Algumas no¸c˜oes topol´ogicas em Rn . . . . 1
1.1.1 Produto interno. Norma e distˆancia euclidianas . . . 1
1.1.2 Bolas abertas e fechadas. Pontos interiores, fronteiros, de acumula¸c˜ao, isolados, exteriores e aderentes. Vizinhan¸ca de um ponto. Conjuntos abertos, conjuntos fechados e conjuntos limitados . . . 3
1.1.3 Exerc´ıcios . . . 7
1.2 Fun¸c˜oes reais de v´arias vari´aveis reais (parte 1) . . . 7
1.2.1 Defini¸c˜oes b´asicas . . . 7 1.2.2 Exerc´ıcios . . . 10 1.2.3 Limites . . . 11 1.2.4 Exerc´ıcios . . . 20 1.2.5 Continuidade . . . 22 1.2.6 Exerc´ıcios . . . 25 1.2.7 Deriva¸c˜ao parcial . . . 26 1.2.8 Teorema de Schwarz . . . 31 1.2.9 Exerc´ıcios . . . 33
1.2.10 Fun¸c˜oes diferenci´aveis e diferencial de uma fun¸c˜ao . . . 34
1.2.11 Exerc´ıcios . . . 41
1.2.12 Deriva¸c˜ao de fun¸c˜oes compostas . . . 42
1.2.13 Exerc´ıcios . . . 45
1.2.14 Derivadas direccionais . . . 46
1.2.15 Exerc´ıcios . . . 51
1.3 Fun¸c˜oes vectoriais . . . 53
1.3.1 Limites, continuidade e matriz Jacobiana . . . 53
1.3.2 Exerc´ıcios . . . 58
1.3.3 Curvas no espa¸co. Recta tangente a uma curva no espa¸co, plano tangente e recta normal a uma superf´ıcie . . . 59
1.3.4 Exerc´ıcios . . . 65
1.3.5 Teorema da fun¸c˜ao inversa . . . 66
1.3.6 Exerc´ıcios . . . 68
1.4 Fun¸c˜oes reais de v´arias vari´aveis reais (parte 2) . . . 68
1.4.1 Teorema da fun¸c˜ao impl´ıcita . . . 68
1.4.2 Exerc´ıcios . . . 72
1.4.3 F´ormula de Taylor para fun¸c˜oes reais de 2 vari´aveis reais . . . 73 i
1.4.5 Exerc´ıcios . . . 91
2 Equa¸c˜oes diferenciais lineares 95 2.1 Defini¸c˜oes . . . 95
2.2 Exerc´ıcios . . . 97
2.3 Equa¸c˜oes diferenciais lineares de primeira ordem . . . 98
2.4 Exerc´ıcios . . . 101
2.5 Equa¸c˜oes diferenciais lineares de ordem n . . . 102
2.5.1 Classifica¸c˜ao e teorema da existˆencia e unicidade . . . 102
2.5.2 Sistemas fundamentais de solu¸c˜oes para equa¸c˜oes diferenciais lineares homog´eneas . . . 104
2.5.3 Exerc´ıcios . . . 112
2.5.4 M´etodo de abaixamento de ordem ou m´etodo de D’Alembert . . . . 113
2.5.5 Exerc´ıcios . . . 119
2.5.6 Equa¸c˜oes diferenciais lineares homog´eneas de coeficientes constantes 120 2.5.7 Exerc´ıcios . . . 134
2.5.8 M´etodo do polin´omio anulador . . . 136
2.5.9 Exerc´ıcios . . . 139
2.5.10 Exemplo de aplica¸c˜ao das equa¸c˜oes diferenciais lineares de ordem dois e coeficientes constantes . . . 140
Movimento harm´onico simples . . . 140
Movimento harm´onico amortecido . . . 144
Movimento harm´onico for¸cado . . . 145
2.5.11 Exerc´ıcios . . . 145 2.5.12 Equa¸c˜oes de Euler . . . 146 2.5.13 Exerc´ıcios . . . 150 2.5.14 M´etodo de Lagrange . . . 151 2.5.15 Exerc´ıcios . . . 154 Bibliografia 157
Cap´ıtulo 1
C´
alculo diferencial em R
n
1.1
Algumas no¸c˜
oes topol´
ogicas em R
n1.1.1
Produto interno. Norma e distˆ
ancia euclidianas
Seja n um inteiro positivo. Por Rn designamos o conjunto
{(x1, x2, . . . , xn) : xi ∈ R , i = 1, 2, . . . , n} .
Rn ´e um espa¸co vectorial real de dimens˜ao n para a adi¸c˜ao de vectores e multiplica¸c˜ao
escalar definidas do seguinte modo:
para x = (x1, x2, . . . , xn), y = (y1, y2, . . . , yn)∈ Rn, λ∈ R
x + y = (x1+ y1, x2+ y2, . . . , xn+ yn)
e
λx = (λx1, λx2, . . . , λxn) .
A base can´onica de Rn ´e a base constitu´ıda pelos vectores e
1, e2, . . . , en, onde
i ↓
ei = (0, . . . , 0, 1 , 0, . . . , 0) , i = 1, 2, . . . , n .
Para x = (x1, x2, . . . , xn) e y = (y1, y2, . . . , yn) em Rn o produto interno de x e y ´e o
n´umero real definido por
< x, y >=
n
X
i=1
xiyi.
Observa¸c˜ao 1.1.1 S˜ao tamb´em usuais as nota¸c˜oes ~x para (x1, x2, . . . , xn) ∈ Rn e ~x· ~y
para < x, y >.
Para x = (x1, x2, . . . , xn) em Rn a norma euclidiana de x ´e o n´umero real n˜ao negativo
kxk =√< x, x > = q
x2
1+ x22+· · · + x2n.
O espa¸co vectorial real Rn com este produto interno e esta norma ´e o espa¸co euclidiano
de dimens˜ao n.
Recorde-se, de ´Algebra Linear, que num espa¸co vectorial real,V , com um produto in-terno < , > e uma norma definida por kvk =√< v, v > s˜ao v´alidas as desigualdades:
| < u, v > | ≤ kuk kvk , ∀u, v ∈ V (desigualdade de Cauchy-Schwarz) ; ku + vk ≤ kuk + kvk , ∀u, v ∈ V (desigualdade triangular) ;
ku − vk ≥ | kuk − kvk | , ∀u, v ∈ V .
No caso particular do espa¸co euclidiano de dimens˜ao n estas desigualdades tomam a forma: n X i=1 xiyi ≤ v u u t n X i=1 x2 i v u u t n X i=1 y2 i , ∀(x1, . . . , xn), (y1, . . . , yn)∈ Rn (1.1) (desigualdade de Cauchy-Schwarz) ; v u u t n X i=1 (xi+ yi)2 ≤ v u u t n X i=1 x2 i + v u u t n X i=1 y2 i , ∀(x1, . . . , xn), (y1, . . . , yn)∈ Rn (1.2) (desigualdade triangular) ; v u u t n X i=1 (xi− yi)2 ≥ v u u t n X i=1 x2 i − v u u t n X i=1 y2 i , ∀(x1, . . . , xn), (y1, . . . , yn)∈ R n. (1.3)
Sejam x = (x1, x2, . . . , xn) e y = (y1, y2, . . . , yn) em Rn. A distˆancia euclidiana entre x
e y ´e o n´umero real n˜ao negativo
d(x, y) =kx − yk =p(x1− y1)2+ (x2− y2)2+· · · + (xn− yn)2.
Verifica-se facilmente que d(x, y) = 0⇔ x = y.
Em R, R2 e R3 a no¸c˜ao de distˆancia euclidiana coincide com a “no¸c˜ao intuitiva”de distˆancia entre dois pontos:
Para x, y ∈ R, d(x, y) = p(x− y)2 = |x − y| ´e a medida do segmento de recta cujas
extremidades s˜ao os pontos da recta real de abcissas x e y, respectivamente. Se y > x > 0 esse segmento de recta ´e o representado na figura 1.1.1.
Fig. 1.1.1
Para x = (x1, x2) e y = (y1, y2) em R2, d(x, y) = kx − yk ´e a medida do segmento de
recta cujas extremidades s˜ao os pontos do plano de coordenadas (x1, x2) e (y1, y2),
respec-tivamente (figura 1.1.2).
Fig. 1.1.2
1.1.2
Bolas abertas e fechadas. Pontos interiores, fronteiros, de
acumula¸c˜
ao, isolados, exteriores e aderentes. Vizinhan¸ca
de um ponto.
Conjuntos abertos, conjuntos fechados e
conjuntos limitados
Seja n um inteiro positivo. Vamos definir duas no¸c˜oes que generalizam os conceitos de intervalo aberto e intervalo fechado de R.
Chama-se bola aberta de centro em a ∈ Rn e raio δ ∈ R+ ao conjunto
B(a, δ) ={x ∈ Rn: d(a, x) < δ} .
Chama-se bola fechada de centro em a ∈ Rn e raio δ ∈ R+ ao conjunto
B(a, δ) ={x ∈ Rn: d(a, x)≤ δ} . Observe-se que a∈ B(a, δ) e B(a, δ) ⊂ B(a, δ).
Exemplo 1.1.1 (1) Em R,
B(a, δ) ={x ∈ R : |x − a| < δ} =]a − δ, a + δ[ e
B(a, δ) ={x ∈ R : |x − a| ≤ δ} = [a − δ, a + δ] .
(2) Em R2 a bola aberta de centro em a e raio δ ´e o c´ırculo, sem a circunferˆencia que o
delimita, de centro em a e raio δ. A bola fechada de centro em a e raio δ ´e o c´ırculo de centro em a e raio δ (figura 1.1.3).
Fig. 1.1.3
(3) Em R3 a bola aberta de centro em a e raio δ ´e a esfera, sem a superf´ıcie esf´erica que
a delimita, de centro em a e raio δ. A bola fechada de centro em a e raio δ ´e a esfera de centro em a e raio δ.
Seja S um subconjunto de Rn.
Um ponto a ∈ S diz-se um ponto interior de S se existe uma bola aberta de centro em a e contida em S, isto ´e, se
∃δ ∈ R+: B(a, δ)⊆ S .
O interior de S ´e o conjunto dos pontos interiores de S e representa-se por int(S). Se a ´e um ponto interior de S diz-se tamb´em que S ´e uma vizinhan¸ca de a.
Um ponto a∈ Rndiz-se um ponto fronteiro de S se qualquer bola aberta de Rncentrada
em a intersecta (isto ´e, tem intersec¸c˜ao n˜ao vazia com) S e o complementar de S, Rn\S = {x ∈ Rn : x6∈ S} .
A fronteira de S ´e o conjunto dos pontos fronteiros de S e representa-se por f r(S). Um ponto a∈ Rn diz-se um ponto de acumula¸c˜ao de S se toda a bola aberta centrada
em a cont´em pontos de S distintos de a, isto ´e,
Observe-se que um ponto de acumula¸c˜ao n˜ao precisa de pertencer ao conjunto. O conjunto de pontos de acumula¸c˜ao de S ´e o derivado de S e representa-se por S0.
Um ponto a diz-se um ponto isolado de S se a∈ S e a 6∈ S0, isto ´e,
∃δ > 0 : B(a, δ) ∩ S = {a} . ´
E v´alido o resultado:
Proposi¸c˜ao 1.1.1 Sejam S ⊆ Rn e a∈ Rn. O ponto a ´e um ponto de acumula¸c˜ao de S
se e s´o se a ´e um ponto interior de S ou a ´e um ponto fronteiro n˜ao isolado.
Um ponto a ∈ Rn diz-se um ponto exterior de S se a ´e um ponto interior de Rn\S. O
exterior de S ´e o conjunto dos pontos exteriores de S e representa-se por ext(S). Um ponto a∈ Rn diz-se um ponto aderente a S se
∀δ ∈ R+ B(a, δ)∩ S 6= ∅ .
O conjunto de pontos aderentes a S ´e o fecho de S e representa-se por S. Facilmente se conclui que S0 ⊆ S.
Exemplo 1.1.2
(1) Seja S1 = [2, 4[∪{5} ⊆ R. Tem-se:
int(S1) =]2, 4[, f r(S1) = {2, 4, 5}, S10 = [2, 4], ext(S1) =]− ∞, 2[∪]4, 5[∪]5, +∞[ e
S1 = [2, 4]∪ {5}.
Observe-se que 4 ´e um ponto fronteiro e um ponto de acumula¸c˜ao de S1 mas n˜ao
pertence a S1. O ponto 5 ´e um ponto isolado de S1.
(2) Seja S2 ={(x, y) ∈ R2 : x≤ y}.
Para este conjunto tem-se: int(S2) = {(x, y) ∈ R2 : x < y}, fr(S2) ={(x, y) ∈ R2 : x = y}, ext(S2) ={(x, y) ∈ R2 : x > y}, S20 = S2 e S2 = S2. (3) Seja S3 = 1 n, 0 : n∈ N .
O interior de S3´e o conjunto vazio porque qualquer vizinhan¸ca de um n´umero racional
cont´em n´umeros irracionais. Vejamos que (0, 0) ´e um ponto de acumula¸c˜ao (ali´as o ´
unico) de S3. Seja δ > 0 qualquer. Considere-se n∈ N tal que n > 1/δ. Ent˜ao
1 n, 0 − (0, 0) = r 1 n2 = 1 n < δ
e portanto em toda a bola aberta centrada em (0, 0) existem pontos de S3obviamente
distintos de (0, 0).
Seja S um subconjunto S de Rn.
S diz-se um conjunto aberto se S coincide com o seu interior, isto ´e, int(S) = S. S diz-se um conjunto fechado se S cont´em a sua fronteira, isto ´e, f r(S)⊆ S. S diz-se um conjunto limitado se existe uma bola aberta de Rn que cont´em S.
Prova-se que
Proposi¸c˜ao 1.1.2 Um subconjunto S de Rn ´e aberto se e s´o se S ´e uma uni˜ao (finita ou
infinita) de bolas abertas.
Proposi¸c˜ao 1.1.3 Seja S um subconjunto Rn. As afirma¸c˜oes seguintes s˜ao equivalentes
(i) S ´e fechado; (ii) Rn\S ´e aberto;
(iii) S = S. Exemplo 1.1.3
(1) O conjunto vazio e Rn s˜ao simultaneamente abertos e fechados.
(2) O conjunto S1 = [2, 4[∪{5} ⊆ R n˜ao ´e aberto nem fechado. S1´e limitado. Por exemplo
1.1.3
Exerc´ıcios
1. Verifique se cada um dos seguintes conjuntos ´e ou n˜ao vizinhan¸ca dos pontos P indicados: (a) {(x, y) ∈ R2 : (x− 3)2+ (y− 1)2 < 1} e P = (3, 1); (b) {(x, y) ∈ R2 : (x− 3)2+ (y− 1)2 ≤ 1 2} e P = (3, 1); (c) R2 e P = (3, 1); (d) {(3, 1)} e P = (3, 1);
(e) Uma recta que contenha o ponto (3, 1) e P = (3, 1); (f) Uma bola fechada de centro em (2, 1, 5) e P = (2, 1, 5); (g) Uma recta que contenha (2, 1, 5) e P = (2, 1, 5);
(h) Um plano que contenha (2, 1, 5) e P = (2, 1, 5). 2. Considere os seguintes subconjuntos de R2:
S1 ={(x, y) ∈ R2 : (x > 0 ∧ x + y < 1) ∨ (1 < x < 3 ∧ 0 < y < 2)} ;
S2 ={(x, y) ∈ R2 : xy 6= 0} ;
S3 ={(x, y) ∈ R2 : y−xxy2 ∈ R ou xy = 0} ;
S4 ={(x, y) ∈ R2 : 4−x2x2
−y2 ∈ R ou x = 0} .
Para cada um deles,
(a) determine o interior, o exterior, a fronteira, o fecho e o derivado; (b) verifique se s˜ao abertos, fechados ou limitados.
1.2
Fun¸c˜
oes reais de v´
arias vari´
aveis reais (parte 1)
1.2.1
Defini¸c˜
oes b´
asicas
Seja ∅ 6= D ⊆ Rn. Uma fun¸c˜ao real de n vari´aveis reais definida em D ´e uma
corres-pondˆencia que a cada x = (x1, x2, . . . , xn) ∈ D associa um e um s´o n´umero real y =
f (x1, x2, . . . , xn). Abreviadamente escreve-se f : D ⊆ Rn −→ R (x1, x2, . . . , xn) 7−→ f(x1, x2, . . . , xn) ou f : D ⊆ Rn −→ R x 7−→ f(x) .
O dom´ınio de f ´e D. O contradom´ınio de f ´e o conjunto dos valores que f toma em R, isto ´e,
{f(x1, x2, . . . , xn) : (x1, x2, . . . , xn)∈ D} ⊆ R .
O gr´afico de f ´e o subconjunto de Rn+1
{(x1, x2, . . . , xn, f (x1, x2, . . . , xn)) : (x1, x2, . . . , xn)∈ D} .
Observa¸c˜ao 1.2.1 Em R2 e R3 ´e usual usarem-se as nota¸c˜oes f (x, y) e f (x, y, z) em vez
de f (x1, x2) e f (x1, x2, x3), respectivamente.
Exemplo 1.2.1 Seja f a fun¸c˜ao real de duas vari´aveis reais definida por f (x, y) = x2+ y2.
O dom´ınio de f ´e R2, o contradom´ınio ´e R+
0 e o gr´afico ´e
{(x, y, x2+ y2) : (x, y)∈ R2} = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ R2 e z = x2+ y2} .
Uma representa¸c˜ao gr´afica (do gr´afico) de f ´e
Fig. 1.2.1
Exemplo 1.2.2 O dom´ınio da fun¸c˜ao real de 2 vari´aveis reais f (x, y) = 50ln(|xy| + 1) x2+ y2+ 1 ´e
R2. Qual o contradom´ınio ? Como obter uma representa¸c˜ao gr´afica do gr´afico de f ? Podemos usar um programa de computador. Na figura 1.2.2 tem-se uma representa¸c˜ao gr´afica da por¸c˜ao de superf´ıcie
{(x, y, z) ∈ R3 : (x, y)∈ [−10, 10] × [−10, 10] e z = f(x, y)} ,
obtida com o programa de computador “Mathematica”, sendo marcadas as imagens, por f , de 2500 pontos do quadrado [−10, 10] × [−10, 10].
Geralmente n˜ao ´e f´acil representar graficamente uma fun¸c˜ao real de 2 vari´aveis reais, isto ´e, representar em R3 o gr´afico da fun¸c˜ao e as representa¸c˜oes obtidas com programas de
computador nem sempre tˆem a precis˜ao desejada. ´E por vezes ´util recorrer `as chamadas curvas de n´ıvel da fun¸c˜ao que numa imagem a duas dimens˜oes permitem obter informa¸c˜ao sobre o gr´afico da fun¸c˜ao.
Considere-se a fun¸c˜ao real de 2 vari´aveis reais f : D ⊆ R2 −→ R
(x, y) 7−→ f(x, y) .
Para k pertencente ao contradom´ınio de f a curva de n´ıvel de f de valor k ´e a projec¸c˜ao ortogonal, sobre o plano XOY , da intersec¸c˜ao do plano de equa¸c˜ao z = k com o gr´afico de f , isto ´e, com a superf´ıcie de equa¸c˜ao z = f (x, y).
Analiticamente a curva de n´ıvel de f de valor k ´e {(x, y) ∈ D : f(x, y) = k}.
C ´e a curva de n´ıvel de f de valor k Fig. 1.2.3
Na figura 1.2.4 est˜ao representadas as curvas de n´ıvel de valores 2,5, 5 e 7,5 da fun¸c˜ao do exemplo 1.2.2, obtidas com o programa de computador “Mathematica”. Verifica-se ainda facilmente que a curva de n´ıvel de valor 0 dessa fun¸c˜ao ´e constitu´ıda pela uni˜ao dos eixos dos XX e dos Y Y .
Exemplo 1.2.3 Sendo f (x, y) = x2 + y2 o contradom´ınio de f ´e R+
0. Para k ∈ R+0, a
curva de n´ıvel de f de valor k ´e : o ponto (0, 0) se k = 0;
a circunferˆencia do plano XOY de centro (0, 0) e raio √k se k > 0.
Analogamente definem-se as superf´ıcies de n´ıvel de uma fun¸c˜ao real de 3 vari´aveis reais. Sendo
f : D ⊆ R3 −→ R
(x, y, z) 7−→ f(x, y, z) ,
para k pertencente ao contradom´ınio de f , a superf´ıcie de n´ıvel de f de valor k ´e {(x, y, z) ∈ D : f(x, y, z) = k} .
Exemplo 1.2.4 Seja
f : R3 −→ R
(x, y, z) 7−→ x2+ y2+ z2 .
O contradom´ınio de f ´e R+0. Para k ∈ R+0, a superf´ıcie de n´ıvel de f de valor k ´e {((x, y, z) ∈ R3 : x2+ y2+ z2 = k} ,
ou seja:
o ponto (0, 0, 0) se k = 0;
a superf´ıcie esf´erica de centro (0, 0, 0) e raio √k se k > 0.
1.2.2
Exerc´ıcios
1. Descreva geometricamente o dom´ınio das seguintes fun¸c˜oes : (a) f (x, y) = xy y− 2x; (b) f (x, y) = √ x + 1 p 1− x2− y2; (c) f (x, y) = ln (xy); (d) f (x, y) = x 3 3 + arcsin (y + 3); (e) f (x, y, z) =p4− x2− y2− z2; (f) f (x, y) = s x2+ y2+ 2x x2+ y2− 2x; (g) f (x, y) = ln[x ln (y− x2)]; (h) f (x, y) = ln [(16− x2− y2)(x2+ y2− 4)];
(i) f (x, y, z) = h(x) + h(y) + h(z), onde h ´e uma fun¸c˜ao real de vari´avel real com dom´ınio [0, π/2]; (j) f (x, y) = sin(x4+ y6) x4+ y6 se x > 0 y +√1− x se x≤ 0 .
1.2.3
Limites
Sejam f : D ⊆ Rn −→ R
x 7−→ f(x)
, a = (a1, a2, . . . , an) um ponto de acumula¸c˜ao de D e
L∈ R. Diz-se que L ´e o limite de f quando x tende para a ou o limite de f no ponto a, e escreve-se
lim
x→af (x) = L ou (x1,x2,...,xnlim)→(a1,a2,...,an)
f (x1, x2, . . . , xn) = L ,
se
∀ε > 0 ∃δ > 0 : (0 < kx − ak < δ ∧ x ∈ D) ⇒ |f(x) − L| < ε . (1.4) Observa¸c˜ao 1.2.2
(1) O facto de se impˆor em (1.4) que 0 <kx − ak faz com que possa existir o limite de f quando x tende para a sem que f esteja definida em a (exemplo 1.2.5) ou, no caso de f estar definida em a, o valor de f em a n˜ao interessa para o c´alculo do limite. Isto ´e, nesta defini¸c˜ao de limite de f quando x tende para a n˜ao interessa o que se passa em a. Para real¸car este facto por vezes escreve-se
lim
x → a x 6= a
f (x) = L
e diz-se que “x tende para a por valores distintos de a”.
(2) O motivo de se definir o limite de f quando x tende para a apenas para pontos a pertencentes ao derivado de D ´e que se a n˜ao ´e ponto de acumula¸c˜ao de D ent˜ao qualquer n´umero real L verifica (1.4). De facto, se a6∈ D0, ent˜ao existe um n´umero
real δ > 0 tal que
B(a, δ)∩ D = {a} se a ∈ D ∅ se a 6∈ D . Ent˜ao {x ∈ D : 0 < kx − ak < δ} = ∅
e portanto quaisquer que sejam L ∈ R e ε > 0 a afirma¸c˜ao de que |f(x) − L| < ε para todo o x pertencente a {x ∈ D : 0 < kx − ak < δ} ´e verdadeira.
De modo intuitivo se a6∈ D0 existe uma bola aberta centrada em a que n˜ao cont´em
pontos deD distintos de a e portanto “n˜ao ´e poss´ıvel fazer x tender para a por pontos distintos de a”.
Exemplo 1.2.5 Considere-se a fun¸c˜ao real de duas vari´aveis reais cuja express˜ao anal´ıtica ´e
f (x, y) = 2x
3
x2+ y2 .
O dom´ınio de f ´e D = R2 \ {(0, 0)}. O ponto (0, 0) n˜ao pertence a D mas ´e um ponto
de acumula¸c˜ao de D. Verifique-se ainda que existe o limite de f quando (x, y) tende para (0, 0) e que esse limite ´e zero.
Seja ε > 0 qualquer. Pretende-se provar que existe δ > 0 verificando 0 < k(x, y) − (0, 0)k < δ ∧ (x, y) ∈ R2\ {(0, 0)}⇒ |f(x, y) − 0| < ε . (1.5) Ora |f(x, y)| = 2x 3 x2+ y2 = 2|x| x 2 x2+ y2 , e uma vez que, para (x, y)∈ R2\ {(0, 0)}, x2 ≤ x2+ y2, tem-se que
x2 x2+ y2 ≤ 1 e portanto |f(x, y)| = 2|x| x2 x2+ y2 ≤ 2|x| ≤ 2 p x2+ y2 = 2k(x, y) − (0, 0)k .
Assim, para todo o ε > 0 existe δ = ε/2 > 0 verificando (1.5) e portanto lim
(x,y)→(0,0)
2x3
x2+ y2 = 0 .
Uma quest˜ao que se coloca naturalmente ´e a de saber se ´e poss´ıvel que dois n´umeros reais distintos L1 e L2 verifiquem simultaneamente (1.4). Provaremos que n˜ao.
Proposi¸c˜ao 1.2.1 Considere-se uma fun¸c˜ao real de n vari´aveis reais
f : D ⊆ Rn −→ R
x 7−→ f(x) .
Seja a um ponto de acumula¸c˜ao de D. Se existe o limite de f quando x tende para a ent˜ao ele ´e ´unico.
Demonstra¸c˜ao: Sejam L1 e L2 n´umeros reais verificando (1.4). Considere-se ε > 0
qualquer. Ent˜ao ∃δ1 > 0 : (0 < kx − ak < δ1∧ x ∈ D) ⇒ |f(x) − L1| < ε 2; (1.6) ∃δ2 > 0 : (0 < kx − ak < δ2∧ x ∈ D) ⇒ |f(x) − L2| < ε 2. (1.7)
Seja δ = min{δ1, δ2}. Sendo a um ponto de acumula¸c˜ao de D, existe x0 ∈ D tal que
0 <kx0− ak < δ. De (1.6) e (1.7) conclui-se que |f(x0)− L1| < ε 2 e |f(x0)− L2| < ε 2. Ent˜ao |L1 − L2| = |L1− f(x0) + f (x0)− L2| ≤ |f(x0)− L1| + |f(x0)− L2| < ε .
Provou-se assim que |L1 − L2| < ε para todo o ε ∈ R+. Uma vez que |L1 − L2| ∈ R+0
conclui-se que |L1− L2| = 0, ou seja, L1 = L2.
Em (1.4) interv´em apenas a distˆancia de x a a e n˜ao o modo como x se aproxima de a. Se existir o limite de f quando x tende para a ele deve ser independente da forma como x se aproxima de a.
Sejam f : D ⊆ R2 → R e a ∈ D0. Seja C uma curva (traject´oria) contida em D e que
cont´em a.
Fig. 1.2.5
Considerando o limite de f quando (x, y) tende para a = (a1, a2) ao longo de C tem-se
um limite trajectorial,
lim
(x, y) → (a1, a2)
(x, y) ∈ C
f (x, y) .
Claro que se existe o lim
(x,y)→(a1,a2)
f (x, y), todos os limites trajectoriais (no ponto a) devem existir e ser iguais.
Esta no¸c˜ao de limite trajectorial pode ser formalizada definindo o conceito de limite segundo um conjunto.
Sejam f : D ⊆ Rn → R, A um subconjunto de D e a ∈ A0. Diz-se que L∈ R ´e o limite
de f quando x tende para a no conjunto A e escreve-se lim x → a x ∈ A f (x) = L , se ∀ε > 0 ∃δ > 0 : (0 < kx − ak < δ ∧ x ∈ A) ⇒ |f(x) − L| < ε . (1.8) Este conceito ser´a muito ´util na pr´atica para se concluir que um dado limite n˜ao existe, uma vez que ´e v´alido o resultado:
Proposi¸c˜ao 1.2.2 Sejam f : D ⊆ Rn → R, A um subconjunto de D e a ∈ A0. Se existe
lim
x→a f (x), ent˜ao tamb´em existe x → alim x ∈ A
f (x) e s˜ao iguais.
Demonstra¸c˜ao : exerc´ıcio 4 da sec¸c˜ao 1.2.4. Exemplo 1.2.6 Considere-se a fun¸c˜ao
f : R2 \ {(0, 0)} −→ R
(x, y) 7−→ x4
y4+(y−x)2
.
Seja A = {(x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)} : y = x}. Isto ´e, A obt´em-se da recta de equa¸c˜ao y = x
retirando-lhe o ponto (0, 0). O ponto (0, 0) ´e um ponto de acumula¸c˜ao de A. lim (x, y) → (0, 0) (x, y) ∈ A f (x, y) = lim (x, y) → (0, 0) y = x x4 y4+ (y− x)2 = limx→0 x4 x4+ 0 = 1 .
Seja B = {(x, y) ∈ R2\ {(0, 0)} : y = x2}. Isto ´e, B obt´em-se da par´abola de equa¸c˜ao
y = x2 retirando-lhe o ponto (0, 0). O ponto (0, 0) ´e um ponto de acumula¸c˜ao de B.
lim (x, y) → (0, 0) (x, y) ∈ B f (x, y) = lim (x, y) → (0, 0) y = x2 x4 y4+ (y− x)2 = lim x→0 x4 x8+ (x2− x)2 = lim x→0 x2 x6+ x2− 2x + 1 = 0 .
De acordo com a proposi¸c˜ao anterior e uma vez que lim (x, y) → (0, 0) (x, y) ∈ A f (x, y)6= lim (x, y) → (0, 0) (x, y) ∈ B f (x, y) ,
conclui-se que n˜ao existe o limite de f quando (x, y) tende para (0, 0).
Proposi¸c˜ao 1.2.3 SejamD ⊆ Rn, comD = A∪B, e seja a ∈ Rnum ponto de acumula¸c˜ao
de A e tamb´em de B. Seja ainda f :D → R. Se lim x → a x ∈ A f (x) = lim x → a x ∈ B f (x) = L
ent˜ao existe o limite de f quando x tende para a e ´e igual a L. Demonstra¸c˜ao: exerc´ıcio 5 da sec¸c˜ao 1.2.4.
H´a um caso particular de limite segundo um conjunto que ´e especialmente importante. ´
da fun¸c˜ao com uma semi-recta com origem no ponto em causa, isto ´e, a traject´oria ´e uma semi-recta com origem no ponto onde se pretende calcular o limite.
Sendo a = (a1, a2, a3)∈ R3 e ~v = (v1, v2, v3)∈ R3\ {0}, a recta de R3 que passa por a
e tem a direc¸c˜ao de ~v ´e
{a + t~v : t ∈ R} = {(a1+ tv1, a2+ tv2, a3+ tv3) : t∈ R} .
A semi-recta com origem em a e que tem a direc¸c˜ao e o sentido de ~v ´e {a + t~v : t ∈ R+0} = {(a1+ tv1, a2+ tv2, a3+ tv3) : t∈ R+0} .
Estes conceitos generalizam-se facilmente para Rn. Sendo a ∈ Rn e ~v ∈ Rn\ {0}, a
semi--recta de Rn com origem em a e que tem a direc¸c˜ao e o sentido de ~v ´e o subconjunto de
Rn, S = {a + t~v : t ∈ R+ 0} . Sejam f : D ⊆ Rn −→ R x 7−→ f(x) , a∈ Rn, ~v ∈ Rn\ {0} e S a semi-recta de Rn com
origem em a e que tem a direc¸c˜ao e o sentido de ~v. Suponha-se que a ´e um ponto de acumula¸c˜ao de S ∩ D. O limite direccional de f no ponto a segundo ~v ´e, caso exista, o limite de f quando x tende para a segundo S∩ D.
Observe-se que uma vez que a semi-recta S ´e independente da norma do vector ~v, o limite direccional de f no ponto a segundo ~v coincide, caso exista, com limite direccional de f no ponto a segundo qualquer vector da forma α~v, para α∈ R+.
Isto ´e, para o limite direccional de f no ponto a segundo ~v apenas interessam a direc¸c˜ao e o sentido de ~v. ´E por isso usual falar-se no limite direccional de f no ponto a segundo a direc¸c˜ao e o sentido de ~v e calcular-se o referido limite usando o versor de ~v, isto ´e, o vector de norma 1 que tem a direc¸c˜ao e o sentido de ~v.
Prova-se facilmente que o limite direccional de f no ponto a segundo ~v existe se e s´o se existe o limite (de uma fun¸c˜ao real de uma vari´avel real)
lim
t → 0+
a + t~v ∈ D
f (a + t~v) , e que nesse caso os dois limites coincidem.
Os limites laterais de fun¸c˜oes reais de uma vari´avel real s˜ao limites direccionais. Da proposi¸c˜ao 1.2.2 conclui-se que se existe o limite de f no ponto a ent˜ao existem e s˜ao iguais todos os limites direccionais de f em a (para vectores ~v ∈ Rn\ {0} tais que a ´e
ponto de acumula¸c˜ao de S∩D, sendo S a semi-recta com origem em a e que tem a direc¸c˜ao e o sentido de ~v) e o seu valor comum coincide com o limite de f no ponto a.
No caso n = 1, isto ´e, no caso de fun¸c˜oes reais de uma vari´avel real o resultado rec´ıproco ´e verdadeiro: se existem (isto ´e, se existem e s˜ao n´umeros reais) ambos os limites laterais de f no ponto a e s˜ao iguais, ent˜ao existe o limite de f no ponto a e ´e igual aos limites laterais.
Para n > 1 o rec´ıproco ´e falso. Podem existir todos os limites direccionais no ponto e serem iguais sem que exista o limite da fun¸c˜ao no ponto, como se pode comprovar atrav´es do exemplo seguinte.
Exemplo 1.2.7 Considere-se a fun¸c˜ao f : n(x, y)∈ R2 : y 6= − 1 3 √ 2x 2o −→ R (x, y) 7−→ x6x+2y2y23 . Seja ~v = (v1, v2)∈ R2\ {(0, 0)}. Para a = (0, 0), lim t→0+ f (a + t~v) = t→0lim+ (tv1)2(tv2)2 (tv1)6+ 2(tv2)3 = lim t→0+ tv2 1v22 t3v6 1 + 2v32 = 0 .
Existem todos os limites direccionais de f no ponto (0, 0) e s˜ao todos iguais a zero. No entanto n˜ao existe o limite de f no ponto (0, 0). De facto, se se calcular o limite de f quando (x, y) tende para (0, 0) segundo a par´abola de equa¸c˜ao y = x2 obt´em-se
lim (x, y) → (0, 0) y = x2 x2y2 x6+ 2y3 = limx→0 x6 x6+ 2x6 = 1 3 6= 0 ,
concluindo-se da proposi¸c˜ao 1.2.2 que n˜ao existe o limite de f no ponto (0, 0).
Nas trˆes proposi¸c˜oes seguintes ser˜ao enunciadas algumas propriedades dos limites. Proposi¸c˜ao 1.2.4 Sejam α um n´umero real, D um subconjunto n˜ao vazio de Rn, a um
ponto de acumula¸c˜ao de D e f a fun¸c˜ao constante
f : D −→ R
x 7−→ α .
Ent˜ao existe o limite de f no ponto a e ´e igual a α.
Demonstra¸c˜ao: Seja ε > 0 qualquer. Para (qualquer!) δ > 0, se x ´e um ponto de D tal que 0 <kx − ak < δ, ent˜ao
|f(x) − α| = |α − α| = 0 < ε .
Proposi¸c˜ao 1.2.5 Sejam D um subconjunto n˜ao vazio de Rn e i ∈ {1, 2, . . . , n}.
Consi-dere-se a fun¸c˜ao
Pi : D −→ R
x = (x1, x2, . . . , xn) 7−→ xi .
Se a = (a1, a2, . . . , an) ´e um ponto de acumula¸c˜ao de D, ent˜ao existe o limite de Pi no
Demonstra¸c˜ao: Seja ε > 0 qualquer. |Pi(x)− ai| = |xi− ai| = p (xi− ai)2 ≤ v u u t n X j=1 (xj − aj)2 =kx − ak .
Sendo δ = ε, para x∈ D tal que 0 < kx − ak < δ tem-se ent˜ao |Pi(x)− ai| < ε.
Sejam f e g duas fun¸c˜oes reais de n vari´aveis reais de dom´ıniosDf eDg, respectivamente.
Seja ainda α um n´umero real. A soma de f e g ´e a fun¸c˜ao
f + g : Df ∩ Dg −→ R
x 7−→ f(x) + g(x) . O produto de α pela fun¸c˜ao f ´e a fun¸c˜ao
α f : Df −→ R
x 7−→ α f(x) . O produto de f e g ´e a fun¸c˜ao
f g : Df ∩ Dg −→ R
x 7−→ f(x) g(x) .
O quociente de f e g ´e a fun¸c˜ao f
g : {x ∈ Df ∩ Dg : g(x)6= 0} −→ R
x 7−→ f (x)
g(x).
Proposi¸c˜ao 1.2.6 Nas condi¸c˜oes anteriores, seja a um ponto de acumula¸c˜ao de Df e
de Dg. Suponha-se que existem os limites de f e g no ponto a e que a ´e um ponto de
acumula¸c˜ao dos dom´ınios de f + g, f g e f
g. Ent˜ao: 1. Existe o limite de f + g no ponto a e lim
x→a(f + g)(x) = limx→a f (x) + limx→ag(x);
2. Existe o limite de α f no ponto a e lim
x→a(α f )(x) = α limx→af (x);
3. Existe o limite de f g no ponto a e lim
x→a(f g)(x) = limx→af (x) x→alim g(x);
4. Se lim
x→a g(x)6= 0, existe o limite de
f g no ponto a e lim x→a f g (x) = lim x→a f (x) lim x→ag(x) .
Demonstra¸c˜ao: Sejam L1 = lim
1. Considere-se ε > 0, qualquer. Existem δ1, δ2 ∈ R+ tais que (0 <kx − ak < δ1∧ x ∈ Df) =⇒ |f(x) − L1| < ε 2 e (0 <kx − ak < δ2∧ x ∈ Dg) =⇒ |g(x) − L2| < ε 2. Seja δ = min{δ1, δ2}. Para x ∈ Df ∩ Dg tal que 0 < kx − ak < δ tem-se
|(f+g)(x)−(L1+L2)| = |(f(x)−L1)+(g(x)−L2)| ≤ |(f(x)−L1)|+|(g(x)−L2)| < ε 2+ ε 2 = ε . 2. Considere-se ε > 0, qualquer.
Se α = 0, |α f(x)| = 0 e portanto para um qualquer δ > 0,
(0 <kx − ak < δ ∧ x ∈ Df) =⇒ |α f(x)| = 0 < ε ,
concluindo-se que lim
x→a(α f )(x) = 0 = α limx→a f (x).
Suponha-se que α6= 0. Uma vez que ε
|α| > 0, existe δ > 0 tal que (0 <kx − ak < δ ∧ x ∈ Df) =⇒ |f(x) − L1| <
ε |α| =⇒ |α f(x) − αL1| < ε .
Tendo em conta que o dom´ınio de α f ´eDf, conclui-se que lim
x→a(α f )(x) = αL1.
3. Considere-se ε > 0, qualquer. Existem δ1, δ2 ∈ R+ tais que
(0 <kx − ak < δ1∧ x ∈ Df) =⇒ |f(x) − L1| <√ε
e
(0 <kx − ak < δ2∧ x ∈ Dg) =⇒ |g(x) − L2| <√ε .
Seja δ = min{δ1, δ2}.
Para x∈ Df ∩ Dg tal que 0 < kx − ak < δ tem-se
|(f(x) − L1)(g(x)− L2)− 0| = |(f(x) − L1)||(g(x) − L2)| < √ ε√ε = ε . Assim, lim x→a[(f (x)− L1)(g(x)− L2)] = 0 .
Tem-se ainda que
f (x) g(x)− L1L2 = (f (x)− L1)(g(x)− L2) + L2(f (x)− L1) + L1(g(x)− L2) .
Por outro lado, da parte 1 desta proposi¸c˜ao e da proposi¸c˜ao 1.2.4 obt´em-se lim
Analogamente
lim
x→a(g(x)− L2) = 0 .
Usando estas 3 igualdades e as partes 1 e 2 desta proposi¸c˜ao obt´em-se lim
x→a(f (x)g(x)− L1L2) =
= lim
x→a[(f (x)− L1)(g(x)− L2) + L2(f (x)− L1) + L1(g(x)− L2)]
= lim
x→a [(f (x)− L1)(g(x)− L2)] + limx→aL2(f (x)− L1) + limx→aL1(g(x)− L2)
= 0 + L2× 0 + L1× 0
= 0 .
Ou seja, e uma vez que o dom´ınio da fun¸c˜ao f g− L1L2 ´eDf ∩ Dg,
∀ε > 0 ∃δ > 0 :
(0 <kx − ak < δ ∧ x ∈ Df ∩ Dg) ⇒ |(f(x)g(x) − L1L2)− 0| < ε
⇒ |f(x)g(x) − L1L2| < ε .
Mas isto significa precisamente que lim
x→af (x)g(x) = L1L2.
4. Atendendo `a parte 3 desta proposi¸c˜ao basta provar que lim x→a 1 g(x) = 1 L2 .
Seja ε > 0, qualquer. Uma vez que |L2| > 0, existe δ1 > 0 tal que
(0 < kx − ak < δ1∧ x ∈ Dg) =⇒ |g(x) − L2| <
1 2|L2| . Usando a desigualdade (1.3) com n = 1 obt´em-se
|α − β| ≥ | |α| − |β| | ≥ |α| − |β| , ∀α, β ∈ R . Assim, |g(x) − L2| = |L2− g(x)| ≥ |L2| − |g(x)| , ∀x ∈ Dg e portanto (0 <kx − ak < δ1∧ x ∈ Dg) =⇒ |g(x)| > 1 2|L2| . Por outro lado existe tamb´em δ2 > 0 tal que
(0 <kx − ak < δ2 ∧ x ∈ Dg) =⇒ |g(x) − L2| <
1 2|L2|
2ε .
Sendo δ = min{δ1, δ2}, para x ∈ Dg tal que 0 <kx − ak < δ,
g(x)1 − L12 = |L|L22− g(x)|||g(x)| < 1 2|L2|2ε 1 2|L2|2 = ε .
1.2.4
Exerc´ıcios
1. Prove, usando a defini¸c˜ao, que lim
(x,y)→a f (x, y) = L, sendo (a) f (x, y) = 2x + 3y, a = (1, 3) e L = 11; (b) f (x, y) = xy, a = (0, 0) e L = 0; (c) f (x, y) = x 4y4 x4+ 1, a = (0, 0) e L = 0; (d) f (x, y) = x 3y2 x2+ y2, a = (0, 0) e L = 0.
2. Calcule (se existir)
(a) lim (x,y)→(1,2) x2 x2+ y2; (b) lim (x,y,z)→(π/2,1/√2,1/2) ln sin x 2 + (yz) 2 3 ; (c) lim (x,y)→(1,−1) 2xy (x + y)2; (d) lim (x,y)→(0,0) x4− 4y4 2x2+ 4y2; (e) lim (x,y)→(1,3) xy− 2x − y + 2 (x− 1)(y2− 4y + 4).
3. Usando traject´orias convenientes tire conclus˜oes sobre a existˆencia dos seguintes lim-ites (a) lim (x,y)→(0,0) x2 x2+ y2; (b)(x,y)→(0,0)lim xy(x2− y2) x4+ y4 ; (c) lim (x,y)→(1,0) 2xy− 2y (x− 1)2+ y2; (d)(x,y)→(0,0)lim xy(x− y) x2+ y4 ; (e) lim (x,y)→(0,0) xy4 x3+ y6; (f)(x,y,z)→(1,0,0)lim (x− 1)yz (x− 1)3+ y3+ z3. 4. Demonstre a proposi¸c˜ao 1.2.2. 5. Demonstre a proposi¸c˜ao 1.2.3.
6. Sejam f, g : D ⊆ Rn → R e a ∈ D0. Suponha-se que |f(x)| ≤ |g(x)| para todo o
x ∈ (V \ {a}) ∩ D, onde V ´e uma vizinhan¸ca de a, e que lim
x→ag(x) = 0. Prove que
lim
x→af (x) = 0.
7. Sejam f, g :D ⊆ Rn→ R e a ∈ D0. Suponha-se que existe uma vizinhan¸ca V de a tal
que g ´e limitada em (V \ {a}) ∩ D e que lim
8. Mostre que (a) lim (x,y)→(0,0)(x 2+ 2y2) sin 1 xy = 0 ; (b)(x,y)→(0,0)lim 3x2y x2+ 2y2 = 0 ; (c) lim (x,y)→(0,0) x2+ xy− y2 p x2+ y2 = 0; (d)(x,y)→(0,0)lim 3x2sin y x2+ 2y2 = 0 .
9. Determine o dom´ınio das seguintes fun¸c˜oes e estude a existˆencia de limite nos pontos a indicados. (a) f (x, y) = x 2 x2+ y2 em a = (0, 0); (b) f (x, y) = x 2y2 x2+ y2 em a = (0, 0); (c) f (x, y) = 2xy x2+ y2 se (x, y)6= (0, 0) 0 se (x, y) = (0, 0) em a = (0, 0) ; (d) f (x, y) = x 2− y2 x + y em a = (−1, 1); (e) f (x, y) = x2− y2 x + y se x6= −y 0 se x =−y em a = (−1, 1) ; (f) f (x, y) = x 2− 2xy + y2 x2y− y3 em a = (−1, 1); (g) f (x, y) = x 2y2 x2y2+ (y− x)2 em a = (0, 0); (h) f (x, y) = xy x2+ y2 se (x, y)6= (0, 0) 1 se (x, y) = (0, 0) em a = (0, 0) ;
(i) f (x, y, z) = x 2yz x8+ y4+ z2 em a = (0, 0, 0); (j) f (x, y) = x se x = y x2 se x6= y em a = (1, 1) ; (k) f (x, y) = x|y| |x| + |y| em a = (0, 0); (l) f (x, y) = |y| x2 e −|y|x2 se x6= 0 0 se x = 0 em a = (0, 0) .
1.2.5
Continuidade
Sejam f :D ⊆ Rn → R uma fun¸c˜ao real de n vari´aveis reais e a ∈ D. Se a ´e um ponto de
acumula¸c˜ao de D, diz-se que f ´e cont´ınua em a se existe o limite de f em a e esse limite ´e igual a f (a).
Se a ´e um ponto isolado de D, por defini¸c˜ao, f ´e cont´ınua em a. Verifica-se facilmente que:
Proposi¸c˜ao 1.2.7 A fun¸c˜ao f ´e cont´ınua em a∈ D se e s´o se
∀ε > 0 ∃δ > 0 : (kx − ak < δ ∧ x ∈ D) ⇒ |f(x) − f(a)| < ε .
O dom´ınio de continuidade de f ´e o subconjunto de D constitu´ıdo pelos pontos nos quais f ´e cont´ınua.
Usando a proposi¸c˜ao 1.2.6 prova-se facilmente o resultado seguinte:
Proposi¸c˜ao 1.2.8 Sejam f e g duas fun¸c˜oes reais de n vari´aveis reais de dom´ınios Df
e Dg, respectivamente. Suponha-se que f e g s˜ao cont´ınuas em a ∈ Df ∩ Dg. Ent˜ao as
fun¸c˜oes f + g e f g s˜ao cont´ınuas em a. Se g(a)6= 0 tamb´em a fun¸c˜ao f
g ´e cont´ınua em a. Suponham-se dadas n fun¸c˜oes reais de uma vari´avel real,
fi :Di ⊆ R → R , i = 1, 2, . . . , n .
Usando estas n fun¸c˜oes define-se uma fun¸c˜ao real de n vari´aveis reais de dom´ınio D = D1× D2× · · · × Dn={(x1, x2, . . . , xn) : xi ∈ Di, i = 1, 2, . . . , n} ,
do seguinte modo:
f : D ⊆ Rn −→ R
Proposi¸c˜ao 1.2.9 Suponha-se que, para i = 1, 2, . . . , n, fi ´e cont´ınua em ai ∈ Di. Ent˜ao
f ´e cont´ınua em a = (a1, a2, . . . , an).
Demonstra¸c˜ao: Vai fazer-se a demonstra¸c˜ao apenas para n = 2. Para x1 ∈ D1 e x2 ∈ D2,
| f(x1, x2)− f(a1, a2)| = | f1(x1)f2(x2)− f1(a1)f2(a2)| = | (f1(x1)− f1(a1))f2(x2) + f1(a1)(f2(x2)− f2(a2))| ≤ | f1(x1)− f1(a1)| | f2(x2)| + | f1(a1)| | f2(x2)− f2(a2)| . Usando (1.3) obt´em-se | f2(x2)| ≤ | f2(x2)− f2(a2)| + | f2(a2)| e portanto | f(x1, x2)− f(a1, a2)| ≤ | f1(x1)− f1(a1)| | f2(x2)− f2(a2)| + | f2(a2)| | f1(x1)− f1(a1)| + | f1(a1)| | f2(x2)− f2(a2)| . (1.9)
Considere-se ε > 0, qualquer. Seja ε1 > 0 tal que
ε1 < min 1, ε | f2(a2)| + | f1(a1)| + 1 . Sendo ε1 < 1 ent˜ao ε21 < ε1. Por outro lado, de ε1 <
ε | f2(a2)| + | f1(a1)| + 1 resulta que ε1(| f2(a2)| + | f1(a1)|) + ε1 < ε. Assim, ε1(| f2(a2)| + | f1(a1)|) + ε21 < ε . (1.10)
Uma vez que f1 ´e cont´ınua em a1 e f2 ´e cont´ınua em a2, existem δ1, δ2 ∈ R+ tais que
(|x1 − a1| < δ1∧ x1 ∈ D1)⇒ |f1(x1)− f1(a1)| < ε
e
(|x2− a2| < δ2∧ x2 ∈ D2)⇒ |f2(x2)− f2(a2)| < ε .
Seja δ = min{δ1, δ2}. Para (x1, x2)∈ D1× D2,
k(x1, x2)− (a1, a2)k < δ ⇐⇒ p (x1− a1)2+ (x2− a2)2 < δ =⇒ |x1− a1| < δ |x2− a2| < δ =⇒ |f1(x1)− f1(a1)| < ε1 |f2(x2)− f2(a2)| < ε1 =⇒ (1.9) |f(x1, x2)− f(a1, a2)| < ε1(| f2(a2)| + | f1(a1)|) + ε21 =⇒ (1.10) |f(x1, x2)− f(a1, a2)| < ε .
Exemplo 1.2.8 Usando a proposi¸c˜ao anterior conclui-se facilmente que a fun¸c˜ao definida por
f (x, y, z) = x sin x cos z ey
´e cont´ınua em R3.
Casos importantes de fun¸c˜oes cont´ınuas no seu dom´ınio s˜ao as fun¸c˜oes polinomiais, isto ´e, as fun¸c˜oes f :D ⊆ Rn→ R em que f(x
1, . . . , xn) ´e uma soma finita de parcelas do tipo
α xk1
1 xk
2
2 · · · xknn com α∈ R e ki ∈ N0, para i = 1, . . . , n.
Tamb´em as fun¸c˜oes racionais (fun¸c˜oes que s˜ao o quociente de duas fun¸c˜oes polinomiais) s˜ao cont´ınuas no seu dom´ınio.
Exemplo 1.2.9 A fun¸c˜ao definida por
f (x, y) = xy− x
2
x2− y2
´e uma fun¸c˜ao racional e portanto ´e cont´ınua no seu dom´ınio, que ´e {(x, y) ∈ R2 : x6= y e x 6= −y} .
Tem-se ainda o resultado:
Proposi¸c˜ao 1.2.10 Sejam f :A ⊆ Rn → R e g : B ⊆ R → R duas fun¸c˜oes com f(A) ⊆ B
e seja a um ponto de A tal que f ´e cont´ınua em a. Suponha-se ainda que g ´e cont´ınua em f (a). Ent˜ao a fun¸c˜ao g◦ f ´e cont´ınua em a.
Demonstra¸c˜ao: Seja ε > 0, qualquer. Sendo g cont´ınua em f (a), existe δ1 > 0 tal que
(|y − f(a)| < δ1∧ y ∈ B) =⇒ |g(y) − g(f(a))| < ε .
Por outro lado, sendo f cont´ınua em a, existe δ > 0 tal que
(kx − ak < δ ∧ x ∈ A) =⇒ |f(x) − f(a)| < δ1.
Ent˜ao,
(kx − ak < δ ∧ x ∈ D) =⇒ (|f(x) − f(a)| < δ1∧ f(x) ∈ B)
=⇒ |g(f(x)) − g(f(a))| < ε =⇒ |(g ◦ f)(x) − (g ◦ f)(a)| < ε .
Exemplo 1.2.10 A fun¸c˜ao f definida por f (x, y) = x
2+ y2
´e uma fun¸c˜ao racional e portanto ´e cont´ınua no seu dom´ınio que ´e R2\{(0, 0)}. Al´em disso,
f (x, y) > 0 para todo o (x, y)∈ R2\ {(0, 0)}. Pode ent˜ao considerar-se a fun¸c˜ao definida
por g(x, y) = ln x2+ y2 x4+ y4
e a proposi¸c˜ao anterior permite-nos concluir que g ´e cont´ınua em R2\ {(0, 0)}.
Da proposi¸c˜ao 1.2.10 e atendendo a que a fun¸c˜ao m´odulo ´e cont´ınua em R obt´em-se: Corol´ario 1.2.1 Seja f :D ⊆ Rn → R uma fun¸c˜ao cont´ınua em a ∈ D. Ent˜ao a fun¸c˜ao
|f| ´e cont´ınua em a.
Exemplo 1.2.11 Deste corol´ario e do exemplo 1.2.9 conclui-se que o dom´ınio de con-tinuidade da fun¸c˜ao f (x, y) = xy− x2 x2− y2 ´e {(x, y) ∈ R2 : x6= y e x 6= −y} .
1.2.6
Exerc´ıcios
1. Sejam f : A ⊆ Rn → R e g : B ⊆ R → R duas fun¸c˜oes com f(A) ⊆ B e seja a
um ponto de acumula¸c˜ao de A. Suponha-se que lim
x→af (x) = b, em que b ´e um ponto
de acumula¸c˜ao de B, e que lim
y→bg(y) = L. Prove que limx→a(g◦ f) (x) = L, se uma das
condi¸c˜oes seguintes for verificada:
(a) ∃r > 0 : (0 < kx − ak < r ∧ x ∈ A) ⇒ f(x) 6= b; (b) g ´e cont´ınua em b.
2. Calcule os limites indicados, depois de escrever cada uma das fun¸c˜oes como com-posi¸c˜ao de duas: (a) lim (x,y)→(0,0) ln(1− x2− y2) x2+ y2 ; (b) lim (x,y)→(0,0) x2+ y2 p x2+ y2+ 1− 1; (c) lim (x,y)→(2,0) sin(xy) xy .
3. Determine o dom´ınio de continuidade das fun¸c˜oes definidas por: (a) f (x, y) = x2+ y2 se x2+ y2 ≤ 1 0 se x2+ y2 > 1 ;
(b) f (x, y) = 3x2y x2+ y2 se (x, y)6= (0, 0) 0 se (x, y) = (0, 0) ;
(c) As fun¸c˜oes dos exerc´ıcios 9 (c), (d), (e), (f), (g), (j) e (l) da sec¸c˜ao 1.2.4; (d) f (x, y) = eyx se x6= 0 2y se x = 0 ; (e) f (x, y) = 1 + x2 se y = 0 1 + y2 se x = 0 0 se x6= 0 e y 6= 0 ; (f) f (x, y) = xy2 x2+ y4 se x < y 2 0 se x≥ y2 ; (g) f (x, y) = x + y se xy = 0 0 se xy 6= 0 . 4. Demonstre a proposi¸c˜ao 1.2.7.
1.2.7
Deriva¸c˜
ao parcial
Seja f : D ⊆ R2 −→ R (x, y) 7−→ f(x, y)uma fun¸c˜ao real de duas vari´aveis reais e (x0, y0)∈ D.
Fixando y = y0 define-se uma fun¸c˜ao real de uma vari´avel real,
g : {x ∈ R : (x, y0)∈ D} −→ R
x 7−→ f(x, y0) .
Se a fun¸c˜ao g for deriv´avel no ponto x0, `a derivada de g em x0, g0(x0), chama-se derivada
parcial de f em ordem a x no ponto (x0, y0) e representa-se por
∂f
∂x(x0, y0) ou fx(x0, y0) . Tem-se ent˜ao que
∂f ∂x(x0, y0) = limh→0 g(x0+ h)− g(x0) h = limh→0 f (x0+ h, y0)− f(x0, y0) h , (1.11)
desde que o limite exista.
Exemplo 1.2.12 Se f ´e a fun¸c˜ao definida em R2 por f (x, y) = x2sin(xy) e y
0 = π a fun¸c˜ao
g tem dom´ınio R e ´e definida por g(x) = x2sin(xπ). Assim g0(x) = 2x sin(xπ)+x2π cos(xπ),
para todo o x∈ R e portanto ∂f
∂x(x0, π) = 2x0sin(x0π) + x
2
0π cos(x0π) ,∀x0 ∈ R .
Suponha-se que existe a derivada parcial de f em ordem a x no ponto (x0, y0) e veja-se
qual o seu significado geom´etrico.
Designe-se por S a por¸c˜ao de superf´ıcie
{(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ D e z = f(x, y)} .
Considere-se o ponto de S, P0 = (x0, y0, f (x0, y0)).
Intersectando a superf´ıcie S com o plano (paralelo a XOZ) de equa¸c˜ao y = y0
obt´em-se uma curva, C1, contida no plano y = y0 e de equa¸c˜ao z = f (x, y0) = g(x). Ent˜ao
∂f
∂x(x0, y0) = g0(x0) ´e o declive da recta r1, contida no plano y = y0 e que ´e tangente `a curva C1 no ponto P0. Ou seja, ´e a tangente da medida do ˆangulo que a recta r1 faz com
o semi-eixo ˙OX.
Fig. 1.2.6
De modo an´alogo, a derivada parcial de f em ordem a y no ponto (x0, y0) ´e definida
como sendo o limite, caso exista, lim
h→0
f (x0, y0+ h)− f(x0, y0)
h .
Esta derivada parcial representa-se por ∂f
Intersectando a superf´ıcie S, de equa¸c˜ao z = f (x, y), com o plano (paralelo a YOZ) de equa¸c˜ao x = x0obt´em-se uma curva, C2, contida no plano x = x0e de equa¸c˜ao z = f (x0, y).
Ent˜ao ∂f
∂y(x0, y0) ´e o declive da recta r2, contida no plano x = x0 e que ´e tangente `a curva C2 no ponto P0 = (x0, y0).
Como calcular as derivadas parciais de f em (x0, y0)? Regra geral, se numa vizinhan¸ca
do ponto (x0, y0) a fun¸c˜ao f ´e dada por uma ´unica express˜ao, para calcular a derivada
parcial de f em ordem a x considera-se y constante na express˜ao de defini¸c˜ao de f e deriva-se em ordem a x, fazendo em seguida x = x0 e y = y0. De modo an´alogo, para
calcular a derivada parcial de f em ordem a y considera-se x constante na express˜ao de defini¸c˜ao de f e deriva-se em ordem a y, fazendo em seguida x = x0 e y = y0.
Exemplo 1.2.13 Seja f (x, y) = 2xy + y2cos(−2x + y). Ent˜ao
fx(0, π) = (2y + 2y2sin(−2x + y))|x=0,y=π = 2π + 2π2sin(π) = 2π
e
fy(0, π) = (2x− y2sin(−2x + y) + 2y cos(−2x + y))|x=0,y=π = 2π cos(π) =−2π .
No caso de, em qualquer vizinhan¸ca de (x0, y0), a fun¸c˜ao f ser dada por mais do que uma
express˜ao de defini¸c˜ao, as derivadas parciais fx(x0, y0) e fy(x0, y0) obteem-se calculando os
limites (1.11) e (1.12), respectivamente. Exemplo 1.2.14 Considere-se a fun¸c˜ao
f : R2 −→ R (x, y) 7−→ xy se y 6= x x3 se y = x . ∂f ∂x(1, 1) = limh→0 f (1 + h, 1)− f(1, 1) h = lim h→ 0 h6= 0 f (1 + h, 1)− f(1, 1) h = lim h→0 (1 + h)1− 13 h = lim h→0 h h = 1 . Por outro lado,
lim h→0 f (2 + h, 2)− f(2, 2) h = limh→0 (2 + h)2− 8 h = lim h→0 −4 + 2h h
e este limite n˜ao existe, concluindo-se que n˜ao existe a derivada parcial de f em ordem a x em (2, 2).
Fazendo variar o ponto (x0, y0) definem-se duas novas fun¸c˜oes reais de duas vari´aveis
reais a que se chama derivadas parciais de 1a ordem de f :
• fun¸c˜ao derivada parcial de 1a ordem de f em ordem a x, definida por
∂f
∂x(x, y) = fx(x, y) = limh→0
f (x + h, y)− f(x, y)
h ;
• fun¸c˜ao derivada parcial de 1a ordem de f em ordem a y, definida por
∂f
∂y(x, y) = fy(x, y) limh→0
f (x, y + h)− f(x, y)
h .
Cada uma destas fun¸c˜oes s´o est´a definida nos pontos (x, y) do dom´ınio de f onde existe o limite considerado.
Sendo ∂f ∂x e
∂f
∂y fun¸c˜oes reais de 2 vari´aveis reais podem considerar-se as suas derivadas parciais . Obtˆem-se assim as derivadas parciais de 2a ordem de f :
∂2f ∂x2 = ∂ ∂x ∂f ∂x
tamb´em representada por (fx)x = fx2;
∂2f ∂y∂x = ∂ ∂y ∂f ∂x
tamb´em representada por (fx)y = fxy;
∂2f ∂x∂y = ∂ ∂x ∂f ∂y
tamb´em representada por (fy)x = fyx;
∂2f ∂y2 = ∂ ∂y ∂f ∂y
tamb´em representada por (fy)y = fy2.
ordem de f e assim sucessivamente: f ∂f ∂x ∂2f ∂x2 ∂3f ∂x3 · · · ∂3f ∂y∂x2 · · · ∂2f ∂y∂x ∂3f ∂x∂y∂x · · · ∂3f ∂y2∂x · · · ∂f ∂y ∂2f ∂x∂y ∂3f ∂x2∂y · · · ∂3f ∂y∂x∂y · · · ∂2f ∂y2 ∂3f ∂x∂y2 · · · ∂3f ∂y3 · · · .
Para k inteiro positivo h´a 2k derivadas parciais de ordem k. Conforme se ver´a, em
certas condi¸c˜oes, algumas identificam-se.
A no¸c˜ao de deriva¸c˜ao parcial vista para fun¸c˜oes reais de 2 vari´aveis reais generaliza-se facilmente para fun¸c˜es reais de n vari´aveis reais.
Considere-se a fun¸c˜ao
f : D ⊆ Rn −→ R
(x1, x2, . . . , xn) 7−→ f(x1, x2, . . . , xn) .
Para i = 1, 2, . . . , n, a fun¸c˜ao derivada parcial de f em ordem a xi ´e a fun¸c˜ao fxi ou
∂f ∂xi definida por ∂f ∂xi (x1, x2, . . . , xn) = lim h→0 f (x1, x2, . . . , xi−1, xi+ h, xi+1, . . . , xn)− f(x1, x2, . . . , xn) h ,
desde que o limite exista.
Sejam f : D ⊆ Rn→ R, S ⊆ D e r um n´umero inteiro n˜ao negativo. Diz-se que f ´e de
classeCr em S e escreve-se f ∈ Cr(S) se f admite derivadas parciais cont´ınuas at´e `a ordem
r em todos os pontos de S. Se S coincide com o dom´ınio D de f diz-se simplesmente que f ´e de classe Cr. Dizer que f ´e de classe C0 em S significa que f ´e cont´ınua em S.
1.2.8
Teorema de Schwarz
O Teorema de Schwarz d´a condi¸c˜oes suficientes para que a existˆencia de uma das chamadas derivadas rectangulares (fxy e fyx) num dado ponto garanta que a outra derivada
rectan-gular existe e que ambas coincidem.
Teorema 1.2.1 (Teorema de Schwarz)
Sejam f uma fun¸c˜ao real de 2 vari´aveis reais de dom´ınio D e (x0, y0) um ponto interior
de D. Suponha-se que as fun¸c˜oes fx, fy e fxy existem numa bola aberta, B, contida em D
e centrada em (x0, y0). Suponha-se ainda que fxy ´e cont´ınua em (x0, y0). Ent˜ao existe a
derivada fyx em (x0, y0) e
fyx(x0, y0) = fxy(x0, y0) .
Demonstra¸c˜ao: Pretende provar-se que existe o lim
h→0
fy(x0+ h, y0)− fy(x0, y0)
h (1.13)
e que ´e igual a fxy(x0, y0).
Seja h6= 0 suficientemente pequeno, em m´odulo, (isto ´e, h suficientemente pr´oximo de zero) para que (x0+ h, y0)∈ B. Ent˜ao
fy(x0+ h, y0)− fy(x0, y0) = = lim k→0 f (x0+ h, y0+ k)− f(x0+ h, y0) k − limk→0 f (x0, y0 + k)− f(x0, y0) k = lim k→0 1 k[f (x0 + h, y0+ k)− f(x0+ h, y0)− f(x0, y0+ k) + f (x0, y0)] . Seja k 6= 0 suficientemente pequeno, em m´odulo, para que (x0+ h, y0+ k), (x0, y0+ k)∈
B.
Sem perda de generalidade suponha-se que h > 0 e considere-se a fun¸c˜ao real de uma vari´avel real
ϕk : [x0, x0+ h] −→ R
x 7−→ f(x, y0+ k)− f(x, y0) .
(Se h < 0 basta considerar ϕk definida em [x0+ h, x0]).
Ent˜ao
f (x0+ h, y0+ k)− f(x0+ h, y0)− f(x0, y0+ k) + f (x0, y0) = ϕk(x0+ h)− ϕk(x0) . (1.14)
Com o objectivo de aplicar o teorema do valor m´edio a ϕk vai provar-se que ϕk ´e
deriv´avel em ]x0, x0+ h[ e cont´ınua em [x0, x0+ h]. Seja x1 ∈]x0, x0+ h[, qualquer. lim `→0 ϕk(x1+ `)− ϕk(x1) ` = lim`→0 f (x1+ `, y0+ k)− f(x1+ `, y0)− f(x1, y0+ k) + f (x1, y0) ` .
Uma vez que x1 ∈]x0, x0+ h[ verifica-se facilmente que (x1, y0 + k), (x1, y0) ∈ B. Ent˜ao,
por hip´otese existem os limites lim `→0 f (x1+ `, y0+ k)− f(x1, y0+ k) ` e lim`→0 f (x1+ `, y0)− f(x1, y0) ` ,
e s˜ao iguais, respectivamente, a fx(x1, y0 + k) e fx(x1, y0).
Assim,
lim
`→0
ϕk(x1+ `)− ϕk(x1)
` = fx(x1, y0+ k)− fx(x1, y0)
e portanto ϕk ´e deriv´avel em ]x0, x0+ h[. Ent˜ao ´e tamb´em cont´ınua em ]x0, x0+ h[.
Analogamente lim `→0+ ϕk(x0+ `)− ϕk(x0) ` = fx(x0, y0+ k)− fx(x0, y0) . Ent˜ao lim `→0+([ϕk(x0+ `)− ϕk(x0)] = `→0lim+ `ϕk(x0+ `)− ϕk(x0) ` = 0× [fx(x0, y0+ k)− fx(x0, y0)] = 0 , concluindo-se que lim `→0+ϕk(x0+ `) = ϕk(x0) .
Assim ϕk ´e cont´ınua em x0. Do modo semelhante prova-se que ´e cont´ınua em x0+ h.
O teorema do valor m´edio garante a existˆencia de c∈]x0, x0 + h[ tal que
ϕk(x0+ h)− ϕk(x0) = h ϕk0(c) .
Mas sendo c um elemento do intervalo ]x0, x0 + h[, existe t ∈]0, 1[ tal que c = x0 + th.
Ent˜ao
ϕk(x0+ h)− ϕk(x0) = h [fx(x0+ th, y0+ k)− fx(x0+ th, y0)] .
Provou-se assim que, para h tal que (x0+ h, y0)∈ B, existe t ∈]0, 1[ tal que
fy(x0+ h, y0)− fy(x0, y0) = lim k→0 h [fx(x0+ th, y0+ k)− fx(x0+ th, y0)] k = h lim k→0 fx(x0+ th, y0+ k)− fx(x0+ th, y0) k = hfxy(x0+ th, y0) .
Assim, o limite (1.13) ´e igual a lim
h→0fxy(x0+ th, y0) ,
que por sua vez ´e igual a fxy(x0, y0), porque fxy ´e cont´ınua em (x0, y0).
Corol´ario 1.2.2 Sejam f uma fun¸c˜ao real de 2 vari´aveis reais de dom´ınioD e (x0, y0) um
ponto interior de D. Suponha-se que f ´e de classe C2 numa vizinhan¸ca de (x
0, y0). Ent˜ao
1.2.9
Exerc´ıcios
1. Usando a defini¸c˜ao de derivada parcial, determine (a) fx(0, 0) e fy(1, 2), sendo f (x, y) = x2y; (b) fx(1, 1) e fy(0, 0), sendo f (x, y) = x se x < y y se x≥ y . 2. Mostre que a fun¸c˜ao f definida por
f (x, y) =
2xy
x2+y4 se (x, y) 6= (0, 0)
0 se (x, y) = (0, 0)
possui derivadas parciais em (0, 0), embora seja descont´ınua nesse ponto. 3. Calcule as derivadas parciais de 1a ordem das fun¸c˜oes seguintes:
(a) f (x, y) = e2xy3 ;
(b) f (x, y, z) = ln(ex+ zy) ;
(c) f (x, y, z) = exsin y + cos(z− 3y) ;
(d) f (x, y) = (cotg x)tg y ; (e) f (x, y) = arcsin s x2− y2 x2+ y2 ; (f) f (x, y, z) = cos(y√x2+ z2); (g) f (x, y) = x3y x6+ y2 se (x, y) 6= (0, 0) 0 se (x, y) = (0, 0) ; (h) f (x, y) = ( xy x + y se x + y6= 0 x se x + y = 0 .
4. Calcule as derivadas parciais de 2a ordem das fun¸c˜oes seguintes:
(a) f (x, y) = ln(x + y) + ln(x− y) ; (b) f (x, y, z) = sin(xyz) ;
5. Prove que, sendo f (x, y) = − ln(x3+ y3) se tem f
xy = fxfy.
Nota: A igualdade acima nem sempre ´e verdadeira.
6. Uma fun¸c˜ao f (x, y) diz-se harm´onica se verificar a equa¸c˜ao seguinte, dita equa¸c˜ao de Laplace,
∂2f
∂x2 +
∂2f
∂y2 = 0 .
Prove que as seguintes fun¸c˜oes s˜ao harm´onicas: (a) f (x, y) = arctg (x ) ;y
(b) f (x, y) = ln(px2+ y2) .
7. Sejam u(x, y) e v(x, y) duas fun¸c˜oes com derivadas de 2a ordem cont´ınuas. Prove
que, se
ux(x, y) = vy(x, y)
uy(x, y) = −vx(x, y) ,
ent˜ao u ´e uma fun¸c˜ao harm´onica.
8. Sendo w(x, y) = cos(x− y) + ln(x + y) prove que ∂∂x2w2 − ∂ 2w
∂y2 = 0 .
9. Calcule todas as derivadas de 3a ordem da fun¸c˜ao definida por z(x, y) = ln(x2+ y2) .
10. Utilizando o Teorema de Schwarz, mostre que n˜ao existe nenhuma fun¸c˜ao f : R2 → R
tal que ∂f∂x = xy2+ 1 e ∂f
∂y = y2 .
11. Considere a fun¸c˜ao f : R2 → R definida por f(x, y) =
xy2 x + y se x6= −y 0 se x =−y . Calcule fy(x, 0), fx(0, y) e mostre que fxy(0, 0)6= fyx(0, 0).
1.2.10
Fun¸c˜
oes diferenci´
aveis e diferencial de uma fun¸c˜
ao
A no¸c˜ao de diferenciabilidade est´a ligada aos chamados problemas de aproxima¸c˜ao linear. Se uma fun¸c˜ao f : D ⊆ R −→ R
x 7−→ f(x)
´e diferenci´avel em x0, ponto interior de D,
ent˜ao numa vizinhan¸ca suficientemente pequena de x0, a fun¸c˜ao cujo gr´afico ´e a recta
tangente ao gr´afico de f no ponto (x0, f (x0)) d´a uma boa aproxima¸c˜ao para f .
Se uma fun¸c˜ao real de 2 vari´aveis reais, f , ´e diferenci´avel em (x0, y0), ponto interior do
dom´ınio de f , ent˜ao numa vizinhan¸ca suficientemente pequena de (x0, y0) pode substituir-se
f por uma fun¸c˜ao cujo gr´afico ´e um plano, com um erro pequeno.
Veja-se ent˜ao qual a defini¸c˜ao de fun¸c˜ao diferenci´avel num ponto para fun¸c˜oes reais de 2 vari´aveis reais. Considere-se a fun¸c˜ao
f : D ⊆ R2 −→ R
e seja z = f (x, y) (diz-se que x e y s˜ao as vari´aveis independentes e z ´e a vari´avel depen-dente).
Seja (x0, y0) um ponto interior de D.
Considerem-se acr´escimos ∆x e ∆y (∆x, ∆y ∈ R) das vari´aveis independentes x e y tais que (x0+ ∆x, y0+ ∆y)∈ D. Seja ∆z o acr´escimo correspondente da vari´avel dependente
z, isto ´e,
∆z = f (x0+ ∆x, y0 + ∆y)− f(x0, y0) .
Observe-se que ∆z ´e fun¸c˜ao de ∆x e de ∆y.
P0 = (x0, y0, f (x0, y0)) P1 = (x0+ ∆x, y0+ ∆y, f (x0+ ∆x, y0+ ∆y))
Fig. 1.2.7
Diz-se que f ´e diferenci´avel em (x0, y0) se existem as derivadas parciais de 1a ordem
de f em (x0, y0) e se existe uma bola aberta centrada em (x0, y0) e contida em D, B, tal
que, para quaisquer ∆x e ∆y n´umeros reais tais que (x0+ ∆x, y0+ ∆y) ∈ B, se tem
∆z = ∆xfx(x0, y0) + ∆yfy(x0, y0) + ∆x ε1(∆x, ∆y) + ∆y ε2(∆x, ∆y) , (1.15)
onde ε1 e ε2 s˜ao fun¸c˜oes de ∆x e ∆y tais que
lim
(∆x,∆y)→(0,0)ε1(∆x, ∆y) =(∆x,∆y)→(0,0)lim ε2(∆x, ∆y) = 0 .
Se S ⊆ int(D) e f ´e diferenci´avel em todo o ponto de S, diz-se que f ´e diferenci´avel em S.
Resulta da defini¸c˜ao que se f ´e diferenci´avel em (x0, y0) ent˜ao existem as derivadas
parciais de primeira ordem de f em (x0, y0). Contudo, como se ver´a (exemplo 1.2.16), a
existˆencia das derivadas parciais de primeira ordem de f em (x0, y0) n˜ao ´e suficiente para
garantir a diferenciabilidade de f em (x0, y0). Esta ´e uma diferen¸ca importante em rela¸c˜ao
`as fun¸c˜oes reais de uma vari´avel real, para as quais a existˆencia de derivada no ponto garante a diferenciabilidade nesse ponto.
Usar a defini¸c˜ao para saber se uma dada fun¸c˜ao de 2 vari´aveis ´e diferenci´avel num ponto pode ser bastante complicado. Frequentemente usar-se-`a o resultado seguinte.
Proposi¸c˜ao 1.2.11 Sejam f : D ⊆ R2 → R e (x
0, y0) um ponto interior de D.
Suponha-se que f admite derivadas parciais de 1a ordem em todos os pontos de uma bola aberta
centrada em (x0, y0) e contida em D. Suponha-se ainda que pelo menos uma das derivadas
parciais fx ou fy ´e cont´ınua em (x0, y0). Ent˜ao f ´e diferenci´avel em (x0, y0).
Demonstra¸c˜ao: Sem perda de generalidade suponha-se que fx ´e cont´ınua em (x0, y0).
SejaB uma bola aberta contida em D tal que f admite derivadas parciais de 1a ordem em
todos os pontos de B. Sejam ∆x, ∆y ∈ R tais que (x0+ ∆x, y0+ ∆y)∈ B.
∆z = f (x0+ ∆x, y0+ ∆y)− f(x0, y0)
= [f (x0+ ∆x, y0+ ∆y)− f(x0, y0+ ∆y)] +
[f (x0, y0+ ∆y)− f(x0, y0)] . (1.16)
Sem perda de generalidade suponha-se que ∆x≥ 0 e considere-se a fun¸c˜ao real de uma vari´avel real
ϕ : [x0, x0+ ∆x] −→ R
x 7−→ f(x, y0+ ∆y) .
(Se ∆x < 0 basta considerar ϕ definida em [x0+ ∆x, x0]).
Prova-se que ϕ ´e deriv´avel em ]x0, x0+ ∆x[ e cont´ınua em [x0, x0 + ∆x] e portanto o
teorema do valor m´edio garante a existˆencia de c∈]x0, x0+ ∆x[ tal que
ϕ(x0+ ∆x)− ϕ(x0) = ∆x ϕ0(c) .
Assim, para ∆x, ∆y tais que (x0+ ∆x, y0+ ∆y) ∈ B existe c ∈]x0, x0+ ∆x[ (se ∆x ≥ 0),
ou c∈]x0+ ∆x, x0[ (se ∆x < 0) tal que
f (x0+ ∆x, y0+ ∆y)− f(x0, y0+ ∆y) = ∆x fx(c, y0+ ∆y) . (1.17)
Observe-se que c depende de ∆x e de ∆y. Considere-se a fun¸c˜ao ε2 definida por
ε2(∆x, ∆y) =
f (x0,y0+∆y)−f(x0,y0)
∆y − fy(x0, y0) se ∆y6= 0
0 se ∆y = 0 .
Verifica-se facilmente que lim
(∆x,∆y)→(0,0)ε2(∆x, ∆y) = 0. Por outro lado, de (1.16) e (1.17)
obt´em-se
∆z = ∆x fx(c, y0 + ∆y) + ∆y ε2(∆x, ∆y) + ∆y fy(x0, y0) . (1.18)
Considere-se a fun¸c˜ao ε1 definida por
ε1(∆x, ∆y) = fx(c, y0+ ∆y)− fx(x0, y0) .
Uma vez que c ∈]x0, x0+ ∆x[ ou c∈]x0+ ∆x, x0[, o ponto (c, y0+ ∆y) aproxima-se de
(x0, y0) quando (∆x, ∆y) → (0, 0). Por outro lado, fx ´e cont´ınua em (x0, y0), logo
lim
e portanto
lim
(∆x,∆y)→(0,0)ε1(∆x, ∆y) = 0 .
De (1.16) e (1.18) obt´em-se finalmente que
∆z = ∆xfx(x0, y0) + ∆yfy(x0, y0) + ∆x ε1(∆x, ∆y) + ∆y ε2(∆x, ∆y) ,
e portanto f ´e diferenci´avel em (x0, y0).
Corol´ario 1.2.3 Sejam f :D ⊆ R2 → R e S ⊆ D um conjunto aberto. Se f ´e de classe
C1 em S ent˜ao f ´e diferenci´avel em S.
Os rec´ıprocos dos dois resultados anteriores s˜ao falsos. Pode acontecer que f seja diferenci´avel em (x0, y0) sem que nenhuma das derivadas parciais fx e fy seja cont´ınua em
(x0, y0). ´E o que se passa com a fun¸c˜ao do exemplo seguinte no ponto (0, 0).
Exemplo 1.2.15 Considere-se a fun¸c˜ao
f : R2 −→ R (x, y) 7−→ x2sin 1x se x6= 0 y2sin1 y se x = 0 e y 6= 0 0 se x = y = 0 .
Calculem-se as derivadas parciais de 1a ordem de f .
Seja (x, y)∈ R2. Se x 6= 0, fx(x, y) = 2x sin 1 x − cos 1 x . Para x = 0 e y 6= 0, lim h→0 f (0 + h, y)− f(0, y) h = limh→0 h2sin 1 h − y2sin1 y h = lim h→0 h sin 1 h − 1 hy 2sin 1 y
e este limite ´e zero se y ´e da forma 1/(kπ), com k ∈ Z \ {0}, e n˜ao existe nos restantes casos. Se x = y = 0, lim h→0 f (0 + h, 0)− f(0, 0) h = limh→0 h2sin 1 h − 0 h = lim h→0 h sin 1 h = 0 ,
concluindo-se que fx(0, 0) = 0.
Resumindo, o dom´ınio de fx ´e
{(x, y) ∈ R2 : x6= 0} ∪ {(x, y) ∈ R2 : x = 0 e y = 1/(kπ) , k ∈ Z \ {0}} ∪ {(0, 0)} e fx(x, y) = 2x sin 1 x − cos 1 x se x6= 0 0 se x = 0 e y = 1/(kπ) , k ∈ Z \ {0} 0 se (x, y) = (0, 0) .
De modo an´alogo conclui-se que o dom´ınio de fy ´e R2 e
fy(x, y) = ( 2y sin1 y − cos1 y se x = 0 e y6= 0
0 nos restantes casos .
Verifica-se facilmente que n˜ao existe o limite de fx em (0, 0) segundo{(x, y) ∈ R2 : x6=
0} e portanto fx n˜ao ´e cont´ınua em (0, 0).
Tamb´em n˜ao existe o limite de fy em (0, 0) segundo {(x, y) ∈ R2 : x = 0} e portanto
fy n˜ao ´e cont´ınua em (0, 0).
Contudo, como se prova seguidamente, f ´e diferenci´avel em (0, 0).
Designe-se por B a bola aberta de centro (0, 0) e raio δ > 0. Sejam ∆x, ∆y ∈ R tais que (∆x, ∆y)∈ B. f (0 + ∆x, 0 + ∆y)− f(0, 0) = f(∆x, ∆y) = (∆x)2sin 1 ∆x se ∆x6= 0 (∆y)2sin 1 ∆y se ∆x = 0 e ∆y6= 0 0 se ∆x = ∆y = 0 .
Assim, sendo ε1 e ε2 definidas por
ε1(∆x, ∆y) = (∆x) sin ∆x1 se ∆x6= 0 0 se ∆x = 0 e ε2(∆x, ∆y) = ( (∆y) sin 1 ∆y se ∆x = 0 e ∆y 6= 0
0 nos restantes casos ,
tem-se
f (∆x, ∆y) = ∆x× 0 + ∆y × 0 + ∆x × ε1(∆x, ∆y) + ∆y× ε2(∆x, ∆y)
= ∆xfx(0, 0) + ∆yfy(0, 0) + ∆x× ε1(∆x, ∆y) + ∆y× ε2(∆x, ∆y) .
Uma vez que
lim
(∆x,∆y)→(0,0)ε1(∆x, ∆y) =(∆x,∆y)→(0,0)lim ε2(∆x, ∆y) = 0 ,
Proposi¸c˜ao 1.2.12 Sejam f : D ⊆ R2 → R e (x
0, y0) um ponto interior de D. Se f ´e
diferenci´avel em (x0, y0) ent˜ao f ´e cont´ınua em (x0, y0).
Demonstra¸c˜ao: Sendo (x0, y0) um ponto interior de D ent˜ao (x0, y0) ´e um ponto de
acumula¸c˜ao deD. Da defini¸c˜ao de fun¸c˜ao diferenci´avel conclui-se que lim
(∆x,∆y)→(0,0)[f (x0+ ∆x, y0+ ∆y)− f(x0, y0)] = 0
e portanto
lim
(∆x,∆y)→(0,0)f (x0+ ∆x, y0+ ∆y) = f (x0, y0) .
A proposi¸c˜ao anterior ´e particularmente ´util quando se pretende mostrar que uma dada fun¸c˜ao n˜ao ´e diferenci´avel num ponto. ´E o que se far´a no exemplo seguinte, que serve ainda para apresentar uma fun¸c˜ao que, embora admitindo derivadas parciais de 1a ordem
em (0, 0) n˜ao ´e diferenci´avel nesse ponto.
Exemplo 1.2.16 Considere-se a fun¸c˜ao real de 2 vari´aveis reais definida por f (x, y) =
0 se x = 0 ou y = 0 1 se x6= 0 e y 6= 0 . A fun¸c˜ao f admite derivadas parciais de 1a ordem em (0, 0):
fx(0, 0) = lim h→0 f (0 + h, 0)− f(0, 0) h = limh→0 0 h = 0 , fy(0, 0) = lim h→0 f (0, 0 + h)− f(0, 0) h = limh→0 0 h = 0 . No entanto, lim (x, y)→ (0, 0) x = 0 f (x, y) = 0 e lim (x, y)→ (0, 0) x = y f (x, y) = 1 ,
concluindo-se que f n˜ao ´e cont´ınua em (0, 0) e portanto da proposi¸c˜ao 1.2.12 resulta que f n˜ao ´e diferenci´avel em (0, 0).
Seja f uma fun¸c˜ao diferenci´avel em (x0, y0). Seja B uma bola aberta centrada em
(x0, y0) para a qual se verifica (1.15).
Considere-se z = f (x, y) e designem-se os acr´escimos das vari´aveis independentes por dx e dy. O diferencial total em (x0, y0) da vari´avel dependente, z (ou da fun¸c˜ao f ), ´e
dz(x0, y0) = fx(x0, y0) dx + fy(x0, y0) dy . (1.19)
Tamb´em se usa a nota¸c˜ao df (x0, y0). Posteriormente veremos qual o significado geom´etrico