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INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA: o reconhecimento da origem

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INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA

: o reconhecimento da origem genética à luz do princípio da dignidade da pessoa humana

MIRIA SOARES ENEIAS1 PRISCILLA ALVES SILVA2

RESUMO: Este trabalho tem o intuito de apresentar um estudo sobre o direito à investigação da origem genética dos filhos oriundos da técnica de reprodução assistida heteróloga, frente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Será abordado o direito do filho, se ele, mesmo já possuindo um estado de filiação socioafetivo, ainda assim poderá ter direito ao reconhecimento de sua identidade genética, ainda que implique na quebra do anonimato do doador do sêmen. Serão apresentadas razões que mostram porquê o filho tem direito de saber sua identidade genética, mesmo que não haja a vontade de se reconhecer a paternidade ou estabelecer qualquer tipo de vínculo familiar.

PALAVRAS CHAVES: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; Inseminação Artificial Heteróloga; Identidade Genética; Investigação de Paternidade.

INTRODUÇÃO

Com a evolução da ciência e com o surgimento de diversas técnicas permitiu-se que os casais que não podem ter filhos tenham a possibilidade de tê-los. Contudo, o direito não acompanhou a ciência, deixando de criar normas para legislar sobre tais assuntos. Ficando muitas vezes o legislador sem saber o que fazer para resolver determinadas questões que envolvam, por exemplo, direitos como a investigação de paternidade frente ao direito do doador de sêmen, na reprodução assistida heteróloga.

1

Mestre em Direito das Relações econômicas empresarias pela Universidade de Franca – UNIFRAN. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia. Professora da disciplina Direito Processual Civil na Universidade Presidente Antônio Carlos, campus Araguari-MG. Advogada.

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No Brasil, ainda não há lei para regulamentar a prática da reprodução humana assistida, o que pode afetar a seriedade de alguns centros que se dedicam a esta tarefa, já que a Resolução nº 1.957/2010, editada pelo Conselho Federal de Medicina com o objetivo de regular eticamente a matéria, além de não possuir força legal, não prevê a aplicação de sanções penais no caso de prática ilícita3.

A filiação é um direito previsto a todos, sendo assim a investigação de paternidade é o caminho adotado por aqueles que ainda não tem a sua filiação firmada. Mas, quando se trata de casos como o de reprodução assistida heteróloga, onde temos, além da intervenção médica, material genético de outrem, fora da relação familiar, a investigação de paternidade se torna meio ineficaz para tal fim, tendo em vista que o doador do gameta tem sua identidade protegida, com base na resolução do CFM nº 1.957/2010. Mas frente a este caso questiona-se: não teria a criança, fruto da reprodução assistida heteróloga, com base no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e do direito de filiação, direito ao reconhecimento de sua origem genética?

Sabemos que apesar do Conselho Federal de Medicina trazer tal resolução, este tema ainda não está legislado, não havendo, portanto, uma norma que determine qual o procedimento correto em situações como esta, onde de um lado temos o direito do reconhecimento da origem genética e do outro o direito do doador ao anonimato, um direito, que não podemos esquecer, lhe foi garantido no momento da doação do sêmen.

Vários doutrinados tratam do assunto e por ser um tema ainda muito divergente, utilizam dos Direitos Fundamentais para justificarem as posições adotadas. Há aqueles que defendem sua posição com base no princípio da inviolabilidade do corpo humano, quando há a recusa do doador em se submeter ao exame de DNA. Outros já fazem menção ao princípio da dignidade da pessoa humana, quando se trata do reconhecimento da origem genética, mesmo que não haja intenção de estabelecer laços familiares com o doador.

3 VIEIRA, Tereza Rodrigues. AMATO, Eliana Zamarian. Adoção, Bioética e o Direito de conhecer a

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Este trabalho vem tratar destes assuntos, levando em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana com relação ao direito do reconhecimento da origem genética versos o direito do doador ao anonimato, além de apresentar um capítulo sobre a reprodução assistida, explanando brevemente sobre a reprodução assistida homóloga e aprofundando mais no assunto mestre do trabalho, que é a reprodução assistida heteróloga.

CAPÍTULO I – INVESTIGAÇÃO DA ORIGEM GENÉTICA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1 – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Diante da omissão da lei quanto a investigação de paternidade, nos casos de inseminação artificial heteróloga há uma necessidade de se verificar a importância e definição do princípio da dignidade da pessoa humana.

O mesmo é defino por Alexandre de Moraes como:

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos4. Já, segundo João Carlos Gonçalves Loureiro “a dignidade da pessoa humana significa um valor intrínseco que cada ser humano detém, bem como uma obrigação geral de respeito da pessoa”5.

A Constituição Federal da República do Brasil, logo em seu artigo 1º, já faz menção ao princípio da dignidade da pessoa humana, notando-se assim o seu papel fundamental nas relações sociais e de direito. Tal princípio encontra-se explícito em outros artigos da nossa Carta Magna, tais como: art. 226, §7º, que trata da

4 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas AS, 2004, p. 52.

5 LOUREIRO, João Carlos Gonçalves. O Direito à identidade genética do ser humano. Editora

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paternidade responsável; e art. 227, que se refere aos direitos da criança, do adolescente e do jovem, sendo que dentre eles temos o direito à dignidade.

Com a evolução histórica, permitiu-se que as pessoas criassem uma consciência moral da sociedade no sentido de proteger os valores considerados essenciais para elas, sendo que entre esses valores temos a dignidade como principal, fazendo com que protejam o corpo humano para que não seja comercializado como se fosse um objeto.

Por isso, afirma-se que a reprodução assistida tem afinidade com os direitos fundamentais pelo fato de envolver a vida e a saúde das pessoas, porque as intervenções da ciência na reprodução humana trazem consigo numerosos problemas que repercutem na própria concepção de ser humano e na proteção de sua dignidade, além de envolverem direitos personalíssimos como a identidade e a proteção do corpo humano6.

O princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação do Estado, de modo que o poder público não pode praticar atos que a violem e deve ter meta a promoção de uma vida digna para todas as pessoas. Por outro lado, impõe também limites nas relações entre os particulares, coibindo comportamentos inter-relacionais que violem a dignidade7. Desta forma, assevera-se que o princípio da dignidade da pessoa humana excede os limites éticos e morais, passando a ser uma norma jurídica que orienta os direitos no homem.

No Brasil, a CF/88 fundamentou a dignidade da pessoa humana como base da nossa República e os direitos que surgem dela e da sua afirmação e proteção foram adotados como fundamentais.

O princípio da dignidade da pessoa humana, por seu enorme valor, impõe aos médicos e pesquisadores que respeitem sempre o ser humano diante das técnicas de reprodução assistida, vez que tal procedimento mexe com a vida mais íntima de todo e qualquer ser envolvido nesta situação. Diante disto afirma-se que não se

6 BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Reprodução Humana Assistida e Anonimato de Doadores de

Gametas: o direito brasileiro frente às novas formas de parentalidade. In: Ensaios de Bioética e Direito. Tereza Rodrigues Vieira (org). Brasília: Consulex, 2009, p. 30.

7 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

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pode tratar a pessoa como meio para lucrar financeiramente, uma vez que o procedimento da reprodução assistida vai além da experiência laboratorial, sendo este um meio de se alcançar o sonho daqueles que não podem ter filhos da forma convencional, já que sendo o embrião um projeto de vida ou uma futura pessoa, ele tem sua dignidade e de qualquer modo merece respeito.

Segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

A dignidade humana é valor próprio e extrapatrimonial da pessoa, especialmente no contexto do convívio na comunidade, como sujeito moral, sendo assim não há dúvida que todos os interesses têm como centro a pessoa humana, a qual é foco principal de qualquer política pública ou pensamento, sendo necessário harmonizar a dignidade da pessoa humana ao progresso científico e tecnológico, porquanto este deve tender sempre a aprimorar e melhorar as condições e a qualidade de vida das pessoas humanas, e não o inverso8.

Por ser o princípio da dignidade da pessoa humana essencial para o biodireito, este precisa ser harmonizado com os demais princípios garantidores da proteção da pessoa humana, para que, não apenas na atual geração, mas também nas futuras, possam aprimorar o desenvolvimento da pessoa humana, independentemente de sua origem ser pela reprodução assistida.

A dignidade da pessoa humana não deve ser respeitada apenas quando a ordem jurídica assim determinar, sendo assim, mesmo que não exista previsão expressa sempre deverá ser assegurada a dignidade da pessoa humana, por ser ela de valor essencial e fundamental para a ordem social.

2 – DIREITO FUNDAMENTAL AO RECONHECIMENTO DA ORIGEM GENÉTICA

A inseminação artificial heteróloga, aquela onde se utiliza material genético de um terceiro, estranho a relação familiar, traz a discussão a respeito da criança gerada através deste procedimento conhecer a sua origem genética.

8 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro:

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O direito à busca pela identidade genética destes não está de forma expressa na Constituição Federal, apesar dele ser um direito fundamental, já que o direito à origem genética insere-se no grupo dos direitos da personalidade, além de ser fundamentado na dignidade do ser humano.

Segundo Silvio Rodrigues, “os direitos da personalidade são inatos, de forma que não se pode conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física e intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à imagem e àquilo que ele crê ser sua honra”9.

O direito à identidade pessoal do ser humano, segundo Ana Claudia Brandão apud Jubert Olga Krell, “compreende tudo aquilo que identifica cada pessoa como indivíduo singular, seja a sua história genética (dados biologicamente genéticos), seja sua história pessoal (dados sociais, identidade civil de ascendentes e descendentes)”10.

Segundo Ana Claudia Brandão, o reconhecimento da origem genética,

Consiste em saber sua origem, sua ancestralidade, suas raízes, de entender seus traços (aptidões, doenças, raça, etnia) socioculturais, conhecer a bagagem genético-cultural básica. Conhecer sua ascendência é um anseio natural do homem, que busca saber, por suas origens, suas justificativas e seus possíveis destinos. Não há como negar o direito a conhecer a verdade biológica, pela importância enquanto direito de personalidade11.

Portanto, a identificação desta é um direito de cada ser humano, uma vez que conhecer sua origem genética se faz necessário para uma construção sociocultural do indivíduo.

Mesmo que o direito ao reconhecimento da origem genética não seja um direito previsto de forma taxativa, ele trata de um direito da personalidade, não se pode, portanto, negar ao indivíduo, gerado pela reprodução assistida heteróloga, o direito de investigar e ter acesso a sua origem.

9 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. V. 1. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 61. In. Reprodução humana

assistida e suas conseqüências nas relações de família (p. 126)

10 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

consequências nas relações de família. 1. ed., 2. reimpr. Curitiba: Juruá: 2011, p. 132

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Uma parte da doutrina defende que somente aqueles direitos que estejam tipificados na legislação merecem proteção, o que significa que todo e qualquer direito que não esteja mencionado de forma expressa estará desprotegido. Porém, há outra parte que defende que os direitos da personalidade, mesmo que não mencionados, por sua enorme importância não podem ser reduzidos apenas àqueles expressos, uma vez que é difícil haver uma previsão que acoberte todo e qualquer direito necessário à personalidade do homem. Dessa forma, embora nossa Constituição não tenha dispositivo específico destinado a origem genética, tal direito é reconhecido através do princípio da dignidade da pessoa humana, que trata-se de uma base geral de tutela dos indivíduos. Tudo isso tem como base o art. 5°, §2° da CF/88, que menciona o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamental, prevendo a não exclusão de outros direitos e garantias, mesmo não expressos, que decorram dos princípios adotados por nossa Carta Magna. Sendo assim, os diferentes direitos devem ser tutelados, ainda que não previstos de forma expressa.

O conhecimento da origem genética se faz necessário tendo em vista a indispensável necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos, para prevenir problemas de saúde genéticos e para os casos de doenças em que somente são solucionáveis através de compatibilidade consanguínea, além de evitar os enlaces matrimoniais, tal como, o casamento ou uniões entre ascendentes e descendentes ou entre irmãos.

Segundo ensinamentos de Ana Claudia Brandão:

Na maioria das vezes, pretende-se ter acesso à origem genética por questões psicológicas, pela necessidade de se conhecer. Em certos casos concretos, o fato de não se saber de onde veio, do ponto de vista biológico, pode comprometer a integração psíquica da pessoa12.

Reconhecer a origem genética é de fundamental importância para a pessoa, tanto dos pontos de vista psicológico, sociológico, médico, como o jurídico. Reconhecendo o direito à origem genética faz-se prevalecer a dignidade da pessoa humana.

12 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

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Apesar da maioria da doutrina brasileira reconhecer o direito de saber a origem genética, ao indivíduo gerado por inseminação artificial heteróloga, ainda há certa confusão quanto aos efeitos que este reconhecimento irá gerar para a filiação.

Muitos são os posicionamentos a favor do reconhecimento da origem genética, sendo que em sua maioria são embasados no princípio da dignidade da pessoa humana, como se vê na opinião de Gabriela de Borges Henriques:

Ainda que não conste de modo expresso o direito a investigação da origem biológica em casos de reprodução assistida, em especial a inseminação artificial heteróloga, com fulcro no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é concebível a investigação da origem genética no direito brasileiro, numa extensão do que seria o direito à identidade genética, ainda que já se tenha o estado de filiação estabelecido13.

Negar ao indivíduo o direito de conhecer a sua origem genética seria extremamente lesivo ao princípio da dignidade da pessoa humana e a própria pessoa, uma vez que faz-se necessário a todo e qualquer ser humano saber a sua origem, mesmo que ele já tenha um estado de filiação determinado, o direito à identidade genética deve ser respeitado e permitida a sua busca.

Os motivos para a busca da origem genética podem ser vários, dependendo de cada indivíduo, uma vez que a identidade genética é sinônimo de individualidade genética. Sendo assim, ainda que se questione o quanto influenciará na vida do indivíduo tomar conhecimento de sua origem genética, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prever em seu art. 27 a possibilidade do adotado conhecer os dados de seus pais biológicos, possibilitou o direito à pesquisa da identidade genética também dos filhos provenientes de inseminação artificial heteróloga, fazendo-se analogia e com embasamento no princípio da dignidade da pessoa humana. Vale lembrar, que este conhecimento da origem genética não mudará o estado de filiação civil da criança, sendo este apenas um meio de se distinguir suas origens.

13 HENRIQUES, Gabriela de Borges. Inseminação artificial heteróloga e o direito fundamental ao

conhecimento da origem genética. Disponível em: <www.advogadobr.com/comentarios-ao-CPC/monografia_03122008.PDF>. Acesso em: 25 ago. 2011.

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Com base no art. 2° do Código Civil, todo homem é capaz de direitos e obrigações. Sendo assim, a partir do nascimento com vida da pessoa, esta passa a ter todos os direitos por lei reconhecidos, sendo que aqueles que são implícitos mas são essenciais para a realização da pessoa, são direitos da personalidade.

Vários projetos de Lei foram criados com o intuito de regulamentar a reprodução assistida e em todos eles é resguardado o direito da criança em conhecer sua origem genética, quando há vontade neste sentido. Contudo, nenhum projeto de Lei previu qual ação seria utilizada para se buscar este conhecimento, apenas o projeto nº 120/03 trouxe a ação cabível para estas questões, que é a ação de investigação de paternidade, sendo que o posicionamento da doutrina é majoritário também neste sentido. Porém, essa ação não deverá ter efeitos próprios da investigação de paternidade, eis que já se encontra estabelecida a paternidade e não existem motivos para descaracterizá-la, a ação deverá ter efeitos limitados ao conhecimento da origem genética14.

3 – DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Segundo Paulo Lôbo, a convivência familiar se define como sendo:

A relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum. É o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e protegidas, especialmente as crianças15.

Portanto, o afeto entre pais e filhos, não originam da relação biológica, mas sim da convivência familiar estabelecida entre eles.

Tanto o art. 227 da Constituição Federal, como o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, fazem menção ao direito à convivência familiar saudável que a criança, o adolescente e o jovem possuem, sendo este um direito fundamental.

14 CÂNDIDO, Nathalie Carvalho. Reprodução medicamento assistida heteróloga: distinção entre

filiação e origem genética. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/10171/reproducao-medicamente-assistida-heterologa/4>. Acesso em 07 nov. 2011.

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Deve-se observar que a obrigação imposta nos artigos acima mencionados, se refere a um dever da família e não apenas dos pais. Com isso observamos que atualmente admitem-se diversas formas de entidades familiares, como, por exemplo, a monoparental, formada apenas por mãe e filho. Dessa forma, as obrigações disciplinadas também são conferidas aos membros de todos os modelos de família.

A obrigação de proteger o direito à convivência familiar, estabelecido por princípios e regras impostos, no que diz respeito, principalmente, a criança e ao adolescente, é dirigido a todos os membros da família, além de ao Estado e à sociedade como um todo. Sendo assim, o direito a convivência familiar ultrapassa o exercício do poder familiar.

Nos dizeres de Danielle Diniz:

A convivência familiar assegurada é aquela espontânea, baseada no afeto, salutar para os seus componentes, principalmente para as crianças. Ao colocar a convivência familiar como dever da família, não desejou o legislador impor uma relação que não existe. Não se pode aqui olvidar que a família hodierna é aquela construída a partir da afetividade, sendo a convivência familiar fundamental para a formação da criança16.

O direito à convivência familiar não se esgota na chamada família nuclear, composta apenas pelos pais e filhos. O Poder Judiciário, em caso de conflito, deve levar em conta a abrangência da família considerada em cada comunidade, de acordo com seus valores e costumes17. Portanto, mesmo que os pais estejam separados, o filho menor tem direito à convivência familiar, com ambos, apenas com exceção quando o direito da criança assim não o quiser.

É um grande erro relacionar o dever de convivência familiar com a pura relação familiar, uma vez que assume deveres parentais todos aqueles que exercem o papel de pai ou mãe, seja essa relação de origem biológica ou afetiva. Vale ressaltar que na origem genética se enquadram, também, todas aquelas decorridas de inseminação artificial heteróloga.

16 DINIZ, Danielle Alheiros. A impossibilidade

de responsabilização civil dos pais por abandono

afetivo. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12987/a-impossibilidade-de-responsabi lizacao-civil-dos-pais-por-abandono-afetivo>. Acesso em: 6 set. 2011.

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A convivência familiar, protegida pela Constituição Federal, é aquela originada em uma relação de afetividade, pois se assim não fosse a forçosa convivência familiar poderia fazer mal a criança, já que a mesma não estaria vivendo em um ambiente de amor. Sendo que, este direito defende o melhor interesse da criança, já que um pai ou uma mãe que não convive com o filho não merece ter sobre ele qualquer direito.

CAPÍTULO II – FILIAÇÃO E A INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

1 – FILIAÇÃO

Filiação vem do latim “filiatio” e significa liame entre um indivíduo e seu pai ou sua mãe, com caráter de dependência, de parentesco. Sendo que, no mundo jurídico, filiação abrange mais do que a simples relação entre pais e/ou mães biológicos, uma vez que aqueles filhos não biológicos também se enquadram na caracterização de filiação.

Pois, segundo Paulo Lôbo, “filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga”18.

Até pouco tempo, era reconhecida para o Direito Brasileiro apenas a filiação oriunda do casamento, a chamada filiação legítima e apenas estes filhos eram protegidos. Presumia-se que os filhos havidos na constância do casamento eram do marido da mãe, desprezando, desta forma uma possível verdade diversa. Esta presunção tinha o intuito de admitir que a procriação ocorre-se apenas no casamento, tanto que aqueles filhos havidos fora deste não eram considerados merecedores de proteção, eram os chamados filhos ilegítimos19.

18 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.195.

19 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

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Contudo no Brasil, desde a Constituição Federal de 1988, não se admite discriminações ou adjetivações com relação a filiação, sendo a mesma biológica ou não biológica, mas sempre de conceito único, não havendo diferença entre os filhos independentemente de sua origem (art. 227, §6º). A nossa Carta Magna apresentou o princípio da igualdade entre os filhos, proibindo qualquer discriminação aos filhos, qualquer que seja sua origem, confirmando, desta forma, o princípio da proteção integral da criança e do direito à convivência familiar.

Tal preceito se observa de forma clara também no art. 1.596 do Código Civil, in verbis, onde determina que: “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Apesar do artigo não mencionar a reprodução assistida heteróloga, por analogia, aplica-se a mesma, uma vez que a mesma é mencionada no art. 1.597, V do CC.

Sendo assim, o direito de todos os filhos deverá ser reconhecido, sem que haja qualquer discriminação contra aqueles que são frutos dos relacionamentos extramatrimoniais.

Em suma, filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, onde uma é considerada filha e a outra pai ou mãe. “O estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados”20.

Segundo José Roberto:

Ser pai ou mãe, atualmente, não é apenas ser a pessoa que gera ou a que tem vínculo com a criança. É, antes disso, a pessoa que cria, quem ampara, que dá amor, carinho, educação, dignidade, ou seja, a pessoa que realmente exerce as funções de pai ou de mãe em atendimento ao melhor interesse da criança21.

A filiação é classificada, apenas didaticamente, como matrimonial e extramatrimonial, uma vez que a Constituição Federal de 1988, como já

20 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao Estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção

necessária. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4752/direito-ao-estado-de-filiacao-e-direito-a-origem-genetica>. Acesso em: 06 set 2011.

21 FILHO, José Roberto Moreira. Direito à identidade genética. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/

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mencionado, não permite que se faça distinção entre os filhos havidos ou não no casamento. Tais classificações serão abordadas nos tópicos seguintes.

A contestação da filiação é uma ação privativa do pai, sendo que terceiros não podem contestá-la (art. 1.601, CC)

A atual família brasileira, segundo Ana Claudia Brandão:

Passa a priorizar os laços afetivos. A troca de afeto, de cuidado e a solidariedade entre os membros como meio de se realizarem como pessoa humana adquire mais relevância do que o tipo de entidade familiar no qual tal realização se concretizará. Portanto, seja qual for a espécie de entidade familiar, o indivíduo é o centro em torno do qual gravitam todos os direitos, a fim de que a pessoa se realize sentimentalmente no grupo familiar em que está inserida22.

Daí a afirmação de que a paternidade/maternidade passou a ter um significado mais relevante do que de fato a verdade biológica, esta está sendo construída com base no amor, no afeto, no carinho, pouco importando a origem da filiação, mas apenas o livre desejo de ser pai ou mãe. Neste sentido, Ana Claudia Brandão apud Rolf Madaleno explica que, “a paternidade real não é a biológica, mas sim a cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança”23.

O fato de o caráter socioafetivo prevalecer sob a filiação biológica recebe o nome de desbiologização e João Baptista Villela foi um dos primeiros juristas no país a tratar deste tema, em um artigo de 1979, “defendendo que são verdadeiramente mães ou pais aqueles que melhor defendem os interesses da criança”24.

Uma forma de demonstrar que o biologismo não é mais importante na filiação se faz com a presunção de paternidade do marido que autoriza a inseminação artificial heteróloga em sua mulher, baseada apenas na verdade afetiva25.

O reconhecimento da filiação socioafetiva não importa no desprezo da filiação biológica. Não há qualquer hierarquia entre elas, eis que apenas no caso concreto

22 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

consequências nas relações de família. 1. ed., 2. reimpr. Curitiba: Juruá: 2011, p. 96.

23

Ibid, p. 96.

24 Ibid, p. 96. 25 Ibid, p. 98.

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será possível determinar o critério a ser utilizado, o biológico ou o socioafetivo, para se estabelecer a filiação que melhor concretize os interesses da criança, buscando sempre como finalidade a dignidade da pessoa humana.

Com tudo, conclui-se que é o afeto a base de uma entidade familiar e não apenas os laços biológicos, apesar de ser, na maioria das vezes, o fator decorrente.

1.1 – Filiação Matrimonial

Segunda Maria Helena Diniz, “a filiação matrimonial é a concebida na constância do matrimônio, seja ele válido, nulo ou anulável, ou, em certos casos, antes da celebração do casamento, porém nascida durante a sua vigência, por reconhecimento dos pais”26.

Com referência a concepção na constância do casamento, se a criança for concebida antes e vier a nascer após a celebração do casamento, também será considerada como uma filiação matrimonial, desde que esteja dentro do prazo estabelecido pelo art. 1597, incisos I e II do Código Civil, vez que este já estabelece quando começa e quando termina a presunção.

A inseminação heteróloga é definida como uma filiação matrimonial, vez que o Código Civil estabelece em seu artigo 1597, inciso V, que presumem-se nascidos na constância do casamento filhos havidos da inseminação heteróloga, quando há a anuência do marido.

Além destas presunções já mencionadas, também está presente no art. 1597 do Código Civil, que presumem-se concebidos na constância do casamento, os filhos havidos de inseminação homóloga, mesmo que o marido já tenha vindo a óbito (inciso III) e aqueles havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga (inciso IV).

26 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol.5. 24.ed. reformulada.

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A filiação matrimonial se estabelece, basicamente, pelo parto da criança, onde há a incidência da presunção legal da paternidade conferida ao marido da parturiente. Sempre levando-se em conta as possibilidades previstas no art. 1597, do CC.

Segundo os arts. 1.600 e 1.602 do CC, não basta o adultério e nem apenas a confissão da mulher sobre a paternidade da criança para que o marido venha a negar esta. É necessário que se produza provas, como o exame de DNA, por exemplo. Esta confissão, a que se referem tais artigos, servirá apenas como um elemento na ação negatória de paternidade, não sendo suficiente para o não reconhecimento do filho como seu.

A contestação da paternidade não prescreve, como mostra o art. 1.601 do Código Civil, in verbis: “art. 1.601 – Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível”.

A ação negatória da paternidade terá como réu o filho, que sendo menor será assistido por sua mãe, devendo o Ministério Público ser oficiado do mesmo. A sentença referente a este processo será averbada na certidão de nascimento do filho.

Da mesma forma, a ação de prova de filiação, que compete ao filho, não prescreve, vez que esta pode ser impetrada enquanto viver, passando a ação aos herdeiros se este morrer menor ou incapaz (art. 1.606, CC).

Lembrando que a certidão de nascimento registrada no Cartório de Registro Civil faz prova de filiação (art. 1.603, CC), sendo que a mesma só poderá ser alterada se ficar provado erro ou falsidade do registro (art. 1.604, CC).

1.2 – Filiação Não-Matrimonial

A filiação não-matrimonial ou extramatrimonial, também é estabelecida pelo parto em regra quanto à linha materna, mas depende do reconhecimento espontâneo ou judicial do pai.

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Esta é definida por Maria Helena Diniz, como aquela “decorrente de relações extramatrimoniais, sendo que os filhos durante elas gerados classificam-se didaticamente em: naturais e espúrios”27.

As classificadas como naturais, são aquelas que derivam de pais que não havia impedimento matrimonial no momento da concepção.

Já a classificação a que se dá o nome de espúrios, se origina de pais entre os quais havia impedido matrimonial no momento da concepção. Esta classificação ainda se subdivide em: adulterinos e incestuosos. O primeiro se refere aos filhos nascidos de um casal com impedimento no momento da concepção por um deles possuir matrimônio no momento da concepção. O segundo, porém, diz respeito a criança gerada por um casal com impedimento matrimonial por possuírem parentesco natural, civil ou afim.

Os filhos descendentes de casal separado não são classificados como adulterinos, mas sim como naturais, uma vez que não possuem mais impedimento matrimonial, apesar de também não possuírem casamento ou união estável entre si.

É a partir do reconhecimento da filiação que se estabelece o parentesco entre pai e mãe e seu filho, havido fora do matrimônio.

Se o filho já tinha uma filiação reconhecida anteriormente, esta precisa ser anulada por erro ou falsidade, para que o novo reconhecimento de filiação seja estabelecido e válido.

O reconhecimento da filiação pode ser a partir da livre manifestação da vontade dos pais ou de um deles, neste caso estará ocorrendo a manifestação voluntária. Outra hipótese é o reconhecimento derivado da ação de investigação de paternidade, onde o filho demanda a ação, a sentença desta ação irá declarar que o autor é filho do investigado, neste caso estará ocorrendo o reconhecimento forçado ou judicial. Em ambos os casos, o reconhecimento da filiação produzirá os mesmos efeitos jurídicos (art. 1.616, CC).

27 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol.5. 24.ed. reformulada.

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Assim como determina os arts. 1.609 e 1.610, ambos do Código Civil, o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento não pode ser revogado.

Qualquer pessoa pode contestar a ação de investigação de paternidade, desde que tenha motivos justos para isto (art. 1615, CC).

O filho havido de relacionamento extramatrimonial e que tenha a filiação reconhecida, só poderá residir no lar conjugal se o cônjuge do pai ou mãe assim autorizar (art. 1.611, CC).

2 – O DIREITO QUANTO À INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

Todo ser que nasce é filho de alguém e, como tal, sujeito de direitos que deverão, necessariamente, ser imputados a um pai.

Maria Helena Diniz define a ação de investigação de paternidade da seguinte forma:

A investigação de paternidade processa-se mediante ação ordinária promovida pelo filho ou seu representante legal, se incapaz, contra o genitor ou seus herdeiros ou legatários, podendo ser cumulada com a de petição de herança, com a de alimentos, que passarão a ser devidos a partir da citação e com a de retificação ou anulação de registro civil28. O antigo Código Civil fazia previsão de quando poderia ocorrer a investigação de paternidade (art. 263, CC de 1916), porém o novo Código Civil não faz tais exigências. Sendo que, sempre que houver a dúvida quanto à filiação, o interessado deve ingressar em juízo para investigar sua paternidade biológica, vez que possui o direito de saber sua identidade genética.

A ação de investigação de paternidade se faz diferente da ação de investigação da origem genética, apesar de se usar o termo paternidade quando se refere a investigação da origem genética.

28 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v.5. 24.ed. São Paulo:

(18)

Investigar a origem genética, nada mais é do que buscar pelo seu genitor, biológico. O objetivo de conhecer a origem genética é assegurar o direito de personalidade, enquanto conhecer a paternidade é um estado de filiação.

Na investigação de paternidade, julgado procedente o pedido, já estará o pai obrigado a direitos e obrigações decorrente deste estado de filiação, até com a consequente alteração do registro civil. Já na investigação da origem genética, não se tem tais efeitos, pois aqui apenas se declara a origem biológica a alguém, não tendo o fim de gerar obrigações pessoais, como a alteração do registro civil, e obrigações patrimoniais, como o direito a alimentos e herança. Na ação de investigação da origem genética apenas declara a ascendência com estes efeitos, estando tal fato totalmente alheio a uma relação de família.

No entendimento de Maria Berenice Dias, a ação de investigação da origem genética, nada mais é do que uma ação de investigação de paternidade, com conteúdo meramente declaratório, sem efeitos jurídicos29.

Conforme posicionamento de Ana Claudia Brandão:

Uma vez estabelecida a filiação socioafetiva com os pais não biológicos, não mais caberia investigar a paternidade ou a maternidade, para a produção dos efeitos típicos da relação de filiação, tais como: nome, alimentos, direitos sucessórios etc. em relação ao doador do sêmen, mas, apenas, na esfera do direito da personalidade30.

A filiação não deve ser confundida com o reconhecimento da origem genética, uma vez que a certeza deste não é suficiente para fundamentar a filiação, pois com as mudanças da atualidade formaram-se outros valores que passaram a dominar as relações de família. Portanto, a função de pai não se confunde com a de ascendente biológico.

A ação que declara a origem genética, não tem o poder de produzir vínculo parental entre o indivíduo que já tem uma família socioafetiva e a pessoa que está

29 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009, p. 363.

30 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

(19)

sendo investigada. Mesmo porque, não podemos esquecer, que nos casos de inseminação artificial heteróloga, quando há doação do sêmen, a mãe é biológica.

Hoje não se reconhece a filiação apenas em face do vínculo biológico, sendo que, pelas atuais modificações no cenário do direito, a filiação socioafetiva prepondera sobre o biologismo.

Após a Constituição Federal de 1988 e a essencial criação do Código Civil de 2001 ficou definido que o descendente tem direito de investigar sua paternidade sem restrição alguma, uma vez que o princípio da igualdade entre os filhos alicerça isto, não podendo tratar os filhos de forma diferente, apenas por serem oriundos de relações extramatrimoniais.

3 – O DIREITO DO DOADOR AO ANONIMATO

As clínicas de reprodução assistida buscam ocultar a identificação dos doadores de sêmen que serão utilizados em inseminação heteróloga e, com isso, visam impossibilitar à investigação de paternidade e a reivindicação de alimentos e de herança.

Os fundamentos para a proteção do anonimato dos doadores estão em considerar que a existência de um projeto parental para o embrião formado com os gametas de um doador, insere a criança em uma família. A proteção ao interesse superior da criança estaria assegurada na medida em que ela fará parte de uma família tanto de modelo biparental ou monoparental, o que, para tanto, não necessitaria conhecer o seu doador.

Verifica-se que há poucos doadores de sêmen, isso significa que com uma possível quebra da identidade civil do doador a quantidade de doadores diminuiria ainda mais, levando a uma possível crise nas clínicas de reprodução humana.

No direito francês foi adotada uma postura restritiva no que se refere ao fornecimento de dados para se reconhecer a identidade do doador do sêmen. Não se permite fornecer nenhuma informação que possa levar a identificação do doador,

(20)

o mesmo serve para o caso do doador querer conhecer o filho, o que também não é permitido pelo ordenamento francês. Tal legislação apenas admiti que se faça o levantamento da identificação para fins terapêuticos, mas as informações ficarão restritas aos médicos do doador e do receptor. O fornecimento da identificação, no Direito Francês, caracteriza crime punido pelo Código Penal, com pena de prisão de dois anos e multa, como nos ensina Guilherme Calmon31.

Ao contrario do direito francês, o direito sueco prevê direito à obtenção de informação sobre o doador do sêmen, ou seja, assim que o filho tiver maturidade suficiente poderá requerer informações sobre seu doador, sem, contudo, que tal conhecimento gere qualquer vínculo parental. Nas palavras de Guilherme Calmon, “a lei sueca reconhece, desse modo, o direito da pessoa à sua historicidade biológica”32.

Cada doutrinador apresenta uma visão quanto ao anonimato do doador de sêmen, sendo que cada um possui um fundamento para posição adotada. Há aqueles que são contrários à revelação da identidade, mas favoráveis ao conhecimento da história pessoal e condições de nascimento da criança, estes defendem o acesso aos dados não identificadores. Para tanto, seria necessário uma lei que regulamentasse as condições e a quais informações teria o filho direito ao acesso. Outros, também contrários à revelação da identidade, defendem que o anonimato do doador se faz necessário para permitir que a criança se integre totalmente a sua família. Assim, os princípios do sigilo do procedimento e do anonimato do doador têm como finalidades essenciais a proteção e a acesso dos melhores interesses da criança ou do adolescente, impedindo qualquer tratamento detestável no sentido da discriminação e estigma à pessoa fruto de procriação assistida heteróloga33.

Ainda há outros que fundamentam no sentido de que diante de alguns fatos que poderiam vir a ocorre, a identidade do doador do sêmen, assim como a do filho e a dos pais, deveriam ser mantidas anônimas, para manterem a proteção destes.

31

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 902.

32 Ibid, p. 902. 33 Ibid, p. 903.

(21)

Como exemplo34, no caso do doador do sêmen descobrir que a criança ficou órfã e se tornou herdeira de uma grande fortuna, sendo que o doador poderia se aproveitar desta situação e requerer a adoção desta criança alegando ser seu filho legítimo, eis que doou o sêmen, mas com o verdadeiro intuito de aproveitar-se da situação financeira.

Até aqueles doutrinadores que consideram que o anonimato deve ser em caráter absoluto, alegam que este fato deve ceder a interesses maiores, como nos casos de risco concreto de doenças hereditárias ou genéticas que podem ser prevenidas ou mais bem tratadas quando se tem conhecimento da origem genética. Portanto, não há como permitir que o anonimato do doador prevaleça perante um risco de lesão à vida da pessoa que foi gerada com material genético de um doador. Mesmo que o anonimato seja fundamentado com base no direito á intimidade e privacidade do doador, tal direito não pode se sobrepor ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana com fundamento, neste caso, no direito à vida.

Diante destas afirmações, até as próprias leis da França, que são rígidas quanto ao sigilo da identidade do doador e da criança, abrem exceções para casos de indicações terapêudicas, como já mencionado anteriormente, demonstrando, desta forma, a clara prevalência do direito à vida e saúde em detrimento com o direito à privacidade e intimidade do doador.

Segundo Maria Helena Diniz, “o anonimato do doador do material fertilizante traz em si a perda da identidade genética do donatário, a possibilidade de incesto e de degeneração da espécie humana”35.

4 – A RECUSA DO INVESTIGADO EM SUBMETER-SE AO EXAME DE DNA

Muitas vezes quando se busca reconhecer a paternidade o filho encontra obstáculos, como o fato do suposto pai recusar-se a realizar o exame de DNA, uma

34 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro:

Renovar, 2003, p. 900.

35 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 6.ed. revista, aumentada e atualizada. São

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vez que este é meio de prova mais eficaz para comprovar tal fato. Este geralmente fundamenta tal atitude com embasamento no direito à intimidade, à honra, à vida privada e à inviolabilidade do próprio corpo.

O fato do pai não ser obrigado a realizar o exame de DNA traz um grande conflito entre direitos fundamentais, o direito à identidade genética e à investigação de paternidade da criança versus o direito à privacidade e à intangibilidade corporal do suposto pai.

Esta é uma questão bastante delicada, principalmente quando as partes fazem uso de princípios e prerrogativas para embasar suas vontades. Aqui cabe pesar qual direito deverá prevalecer, se o da criança em busca pela sua origem biológica, ou do investigado na manutenção de sua identidade.

Portanto, entende-se que reconhecer a origem é um direito superior se comparado ao do suposto pai em negar-se ao exame de DNA, eis que aquele não pode ser frustrado em detrimento deste.

Contudo, deve-se analisar os direitos do suposto filho em confronto com os do réu, uma vez que os direitos daquele devem ser considerados superiores ao deste, eis que o direito ao reconhecimento da origem biológica é um direito fundamental, levando-se em consideração a dignidade da pessoa humana.

Segundo Maria Helena Diniz, “o suposto pai pode negar-se a fazer o teste, por ser um atentado à sua privacidade, imagem científica e intangibilidade corporal. Com sua recusa imotivada, o juiz basear-se-á em presunção juris tantum de paternidade”36. Isto se confirma com o descrito na Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça, a saber: “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”, ou seja, admite-se a possibilidade de prova em contrário, a partir dos fatos narrados pelo autor em face

36 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol.5. 24.ed. reformulada.

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de instrução, não cabendo a prova ao filho que solicitou o exame, mas ao pai que se recusou em fazer37.

O Código Civil determina que a recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA não deverá ser aproveitado em seu favor (art. 231), eis que isso tornaria a recusa como uma facilidade ao réu quando o mesmo não tem interesse no reconhecimento da filiação.

Com relação ao art. 232, também do Código Civil, o mesmo seria aplicado na demanda da ação de investigação de paternidade, nos casos em que o juiz entender que a recusa do investigado em não se submeter a exame com a finalidade de se buscar a paternidade, estaria ele se recusando por acreditar que possa ser o pai ou por ter fortes indícios de que seja.

Contudo, fazer presunção da paternidade a partir da negação do réu em realizar o exame de DNA é uma violação aos princípios constitucionais, uma vez que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.

O réu se recusando a submeter-se ao exame de DNA, sob a alegação do direito à liberdade e de sua integridade física, ele não pode ser constrangido a fazê-lo sem sua vontade.

O suposto pai não pode ser obrigado a realizar o exame, porém de acordo com o art. 130 do CPC, o juiz tem legitimidade para determinar a realização de qualquer prova que entender necessária à elucidação da verdade. Contudo, deve-se observar o princípio do contraditório para não ferir qualquer direito do suposto pai.

CAPÍTULO III – INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA

1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA

37 BEZERRA, Larissa Cavalcante. Ação de Investigação de paternidade e o direito personalíssimo da

criança em confronto com o direito do suposto pai. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/ dhall.asp?id_dh=2534>. Acesso em: 17 out. 2011.

(24)

Desde os primórdios que os cientistas buscam técnicas para realização de fecundação fora do ato sexual. Com a evolução da ciência e a dedicação deles tal feito se tornou possível, sendo que em 1799 um médico inglês realizou e teve sucesso pela primeira vez na história com a fecundação da reprodução assistida em seres humanos. Já em 1884, com uma evolução maior, um médico, também inglês, realizou pela primeira vez a inseminação artificial heteróloga. Porém, só em 1940 que surgiram os chamados “bancos de sêmen” nos Estados Unidos.

Tais técnicas versavam basicamente na intervenção da medicina no processo de criação natural, possibilitando que pessoas estéreis ou inférteis pudessem realizar o sonho de ser pai ou mãe.

Nos anos 70, os estudos acerca da fertilização in vitro foi intensificado, os pesquisados passaram a analisar a formação de óvulos e espermatozóides fora do corpo humano, para que posteriormente pudessem ser implantados no corpo da mulher. No Brasil, o primeiro bebê de proveta foi Ana Paula Caldeira, que ocorreu em 07 de outubro de 1984, cerca de 6 anos após o nascimento do primeiro caso que ocorreu no mundo, a inglesa Louise Brown.

Até o momento a reprodução assistida no Brasil está sendo gerenciada sob o plano prático por meio de critérios definidos pelos próprios médicos. Como orientação para essa prática foi adotada uma resolução formulada recentemente pelo Conselho Federal de Medicina, a Resolução de nº 1.957 de dezembro de 2010, que veio revogando a Resolução nº 1.358/92.

Atualmente, as principais técnicas de reprodução empregadas no mundo são as de inseminação artificial, que pode ser homóloga, heteróloga ou post mortem; a fecundação in vitro e as “mães de substituição”, também chamadas de “barriga de aluguel” ou de “mãe sub-rogada”.

As técnicas de reprodução humana assistida surgem como forma de concretizar o desejo de ter filhos para aqueles que sofrem com a esterilidade38. Se faz oportuno uma distinção entre esterilidade e infertilidade, eis que estes termos

38 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

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são usados de forma aleatória como se não houve uma distinção entre eles. A Infertilidade é caracterizada como um problema temporário, ou seja, que possui condições de ser tratado e revertido. Já a esterilidade é um termo usado para determinar a incapacidade permanente e irreversível de ter filhos.

2 – INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA

Em breves palavras, definimos a inseminação artificial como sendo uma técnica que importa na substituição da relação sexual, onde ocorre a fecundação artificial dos gametas feminino e masculino, dando origem a um ser humano. Na inseminação artificial a inoculação do sêmen na mulher ocorre de forma interna, ao contrário da fertilização in vitro, que se concretiza pela retirada do óvulo da mulher para fecundar com sêmen de seu marido ou outro homem, para após a fecundação ser introduzido no seu útero ou no de outra mulher, este último conhecido como gestação de substituição, chamada também de “barriga de aluguel” ou “útero sob-rogado”.

A inseminação artificial homóloga ocorre quando os espermatozóides introduzidos na mulher, no seu período fértil, pertence ao seu marido ou companheiro39. Esta pode ocorrer durante a vida do marido ou companheiro ou após sua morte.

Esta técnica de reprodução não gera muitos problemas jurídicos, tendo em vista que o material genético usado será do marido e da esposa, ambos coniventes com a realização da técnica. O próprio Código Civil prevê a filiação para os casos de inseminação homóloga, como no art. 1.597, em seus incisos III e IV40.

39 Ibid, p. 44.

40 Art. 1.597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: III – havidos por

fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga.

(26)

Segundo Paulo Lôbo, “o uso do sêmen do marido somente é permitido se for de sua vontade e enquanto estiver vivo, por ser exclusivo titular de partes destacadas de seu corpo”41.

Contudo, há a possibilidade da fecundação ocorrer após a morte do marido, mas para tanto deve o marido ter deixado anuência expressa para isto ocorrer, não podendo, portanto, a mulher fazer uso do material genético, uma vez que este não é caracterizado como objeto de herança. Admiti-se a utilização do sêmen após a morte sem o consentimento apenas nos casos de doador anônimo, eis que este não implica atribuição de paternidade.

Há no artigo 1.597, inciso II presunção da paternidade se o filho tiver nascido até trezentos dias após a morte do marido, sendo assim, ocorrendo a fecundação, mesmo após a morte, presumir-se-á a filiação em razão do marido falecido. Desta forma, entende-se que não há necessidade de autorização do marido, pois no entendimento deste inciso acima mencionado, a cláusula “mesmo que falecido o marido”, deve ser interpretado para fins do estabelecimento da paternidade, observando apenas o prazo de 300 dias42.

Paulo Lôbo faz menção ao enunciado da I Jornada de Direito Civil, do Conselho de Justiça Federal, 2002, no que diz respeito ao inc. III do art. 1597, CC, a saber:

Interpreta-se o inciso III do art. 1.597 do Código Civil para que seja presumida a paternidade do marido falecido, que seja obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja ainda na condição de viúva, devendo haver ainda autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após a morte43. O fato do marido ter deixado o sêmen não presumi que estes possam ser utilizado após sua morte. “O princípio da autonomia da vontade condiciona a utilização do material genético ao consentimento expresso a esse fim”.44 Por não se

41 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.200.

42 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009, p.334.

43 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.201.

44 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista

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tratar de objeto de herança, a viúva não pode requerer a clínica que lhe entregue todo material genético do marido falecido, sem que este tenha deixado de forma expressa autorização para utilização do mesmo. Não havendo esta autorização, o sêmen deve ser destruído.

No que tange aos direitos sucessórios, os filhos concebidos por inseminação artificial homóloga terá direito à sucessão, desde que tenham sido nascidos ou concebidos no momento da abertura da sucessão. O maior problema com referência a sucessão é no caso dos embriões congelados que são implantados no corpo da mulher após a morte do marido, neste caso há uma divergência entre os doutrinados, aqueles que entendem que o filho não terá direito à sucessão embasam na regra estabelecida no art. 1.798 do CC, os outros que são favoráveis à sucessão defendem que ao mencionar na lei “pessoas já concebidas”, não requer que tenha sido implantado no corpo da mulher. Com relação aos embriões excedentários, entendem que não tem qualquer possibilidade de ter direito à sucessão, por não estar nem implantado não havendo nem possibilidade de considerá-lo como nascituro antes da transferência para o útero materno.

Contudo, segundo Maria Berenice Dias,

Ainda que não tenha sido concebido ao tempo da morte do genitor, terá direito sucessório na hipótese de ter o proprietário do sêmen expressamente manifestado seu consentimento para que a fertilização possa ocorrer depois de sua morte, [...] contando que nasça até dois anos após a abertura da sucessão45.

3 – INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA

A inseminação artificial heteróloga ocorre quando o material genético introduzido na mulher não pertence ao seu marido ou companheiro, mas sim a um doador, cujo anonimato em regra é preservado e o material genético encontrado em um banco de sêmen de clínicas especializadas neste tipo de procedimento.

Esta técnica de reprodução assistida é buscada pelos casais quando um dos dois é infértil, ocorrendo na maioria das vezes com relação a infertilidade do marido

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ou companheiro. Mas também, apesar de pouco mencionado entre os doutrinadores, outra hipótese que faz os casais buscarem pela reprodução assistida heteróloga é quando um ou outro possui uma doença genética que pode ser transmitida para a criança. Ou seja, não é apenas a infertilidade o motivo para a realização da inseminação em estudo.

Para ocorrer a inseminação artificial heteróloga o marido ou companheiro deve consentir com tal procedimento, não necessitando este consentimento ser escrito, bastando ser prévio, para que assim o filho nascido seja considero seu com base no art. 1.597, inciso V.

Este procedimento ainda pode ocorrer de forma bisseminal, que se dá quando o material genético masculino utilizado pertence a duas pessoas diversas, ao marido ou companheiro e ao doador anônimo. Isto se dá devido ao sêmen do marido ou companheiro ser insuficiente, sendo que são misturados ao do doador para realizar a introdução na mulher46.

Maria Helena Diniz se mostra desfavorável a técnica de inseminação artificial heteróloga ao mencionar que esta deveria ser coibida, para se evitar possíveis riscos de origem física e psíquica para a descendência, além da incerteza sobre a sua identidade47.

A reprodução heteróloga é proibida na Itália, além de ser considerada pela Igreja Católica como prejudicial à criança que concebida desta maneira e uma forma de infidelidade.

Segundo Maria Berenice Dias, a paternidade na fecundação heteróloga gera presunção juris et de jure, pois não há possibilidade de ser impugnada, já que a manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal do filho, sem possibilidade de retratação no desejo de ser pai48. Se pudesse ser impugnada,

46 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

consequências nas relações de família. 1. ed., 2. reimpr. Curitiba: Juruá: 2011, p. 44.

47 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 6.ed. revista, aumentada e atualizada. São

Paulo: Saraiva, 2009, p. 546.

48 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista

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estaríamos diante de uma paternidade incerta, eis que o doador do sêmen tem sua identidade protegida.

De acordo com opiniões de doutrinadores, o consentimento do pai não admite retratação após a implantação do óvulo no ventre da mãe, eis que já se encontra em andamento a gestação. O que poderia ocorrer é o questionamento quanto a filiação ser oriunda de reprodução assistida, nos casos em que o marido desconfiar de infidelidade conjugal.

Há que se fazer uma interpretação extensiva com relação a certos aspectos da adoção que serão aplicados na reprodução assistida heteróloga, como por exemplo, no que diz respeito a atribuição da condição de filho desligando-o de qualquer vínculo com os parentes consangüíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais e também no que diz com o estabelecimento dos vínculos de parentesco49.

Mesmo havendo proibição para se identificar o doador do sêmen, devemos levar em consideração a possibilidade do filho requerer tal reconhecimento, com a finalidade de identificar sua origem genética, mesmo que tal feito não implique em efeitos registrais. Com isso, deve-se analisar a real necessidade de se identificar tal origem, eis que o reconhecimento da identidade genética trata-se de direito da personalidade protegido pela dignidade da pessoa humana.

A inseminação heteróloga, que pode ocorrer com homens e mulheres, ocorre mais frequentemente com mulheres, ou seja, no caso em que seu marido ou companheiro não tem condições de fornecer sêmen para ser utilizado nas técnicas conceptivas50. Nesta inseminação heteróloga a questão polêmica é com relação ao vínculo da criança com o pai, eis que esses não possuem nenhum vínculo biológico, contudo com relação a mãe não possui dúvidas, já que neste caso há presença do vínculo biológico.

Por não haver vínculo paterno, deverá ser verificado se houve consentimento do marido ou companheiro para a realização da inseminação heteróloga. Uma vez

49 Ibid, p.336.

50 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro:

(30)

que o vínculo não será estabelecido pelo biologismo, mas sim pela afetividade, há plena necessidade de ter este consentimento. Contudo, Guilherme Calmon entende que havendo o nascimento da criança na constância do casamento, mesmo sem autorização do marido, estará havendo presunção de paternidade, no entanto, esta presunção é relativa, eis que poderá ser afastada se o marido provar que não houve vontade manifesta de consentir com a mulher para realização da inseminação51. Contudo, se o há consentimento do marido a presunção passa a ser absoluta.

O fornecimento de sêmen, óvulo e embrião para a prática de inseminação heteróloga, em hipótese alguma poderá ser feito mediante efetivação de pagamento. Em alguns Estados norte-americanos, por valores culturais e morais no local, há a permissão de remuneração para os doadores de gametas.

Segundo Guilherme Calmon:

Para a realização da inseminação heteróloga é indispensável que o casal preencha o requisito que se encontra previsto no art. 226, §7º da CF/88, ou seja, possua e desenvolva seu projeto parental que permita aferir a legitimidade do interesse de ambos os cônjuges ou companheiros em ter acesso à técnica de reprodução assistida heteróloga. [...] não se pode admitir a procriação assistida heteróloga em favor do casal que não tenha por exemplo condições de oferecer ambiente familiar adequado52.

3.1 – Estado de Filiação derivado da inseminação artificial heteróloga

Conforme já informado neste trabalho, com o avanço da medicina e a evolução das técnicas de reprodução assistida passou a ser possível a concepção sem que haja relação sexual. Contudo, tais inovações trouxeram várias consequências para o Direito de Família, principalmente no que tange a filiação e a paternidade.

O Código Civil faz menção em seu art. 1.597, V, sobre a inseminação artificial heteróloga, porém tal menção é ineficaz para legislar a respeito destas técnicas e de suas consequências para o Direito.

51 Ibid, p. 737.

(31)

Com isso, afirma-se que o estado de filiação na inseminação artificial heteróloga é uma questão complexa, vez que envolve duas possíveis paternidades. Sendo que uma é a paternidade biológica, aquela decorrente do homem que cedeu o sêmen e a outra é a paternidade legal, aquela do homem que assentiu com a inseminação de sua mulher.

Contudo, se há a possibilidade da manifestação livre e consciente da vontade do marido, esta prevalece sobre o caráter biológico, o qual, se fosse questionado, levaria a analise de outra paternidade.

A resolução nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina estabelece que a autorização do marido deve ser expressa e escrita, contudo o Código Civil nada estabeleceu sobre o assunto. Por sua vez, a doutrina majoritária entende que deve ser expressa e escrita, para que possa evitar qualquer tipo de impugnação da paternidade que vier a ocorrer posteriormente. Porém, há uma parte minoritária da doutrina que afirma não ser necessário anuência escrita, uma vez que a lei não exige esta forma, podendo, portanto, ser apenas verbal.

Diante desta questão, o Conselho de Justiça Federal, por iniciativa do Superior Tribunal de Justiça, elaborou um enunciado tratando do assunto. A saber:

Enunciado nº 104 do Conselho de Justiça Federal: no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento53.

Portanto, frente a este enunciado, verificamos que aceita-se a manifestação implícita da vontade no curso do casamento.

Os filhos que têm origem na inseminação artificial heteróloga, desde que haja prévia autorização do marido, presumem-se serem filhos havidos na constância do casamento, de acordo com o art. 1.597, V do Código Civil.

53 GONÇALVES, Fernando David de Melo. A paternidade decorrente de Inseminação Artificial

Heteróloga, segundo o Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.revistaautor.com/index.php? option=com_content&task=view&id=435&Itemid=63> Acesso em: 23 set. 2011.

(32)

Se a esposa se submete a uma inseminação deste tipo sem a prévia autorização do marido, poderíamos estar diante de uma causa para separação judicial por injúria grave, pois a paternidade forçada atinge a integridade moral e a honra do marido54.

O art. 1597, V, do Código Civil estabelece a presunção de nascimento no casamento dos filhos nascidos da reprodução humana assistida com recurso de doador, desde que o marido tenha autorizado previamente sua esposa a realizar tal técnica para engravidar, caso contrário, teria ele direito de contestar a paternidade que lhe fosse imputada.

Este artigo faz prova da inovação no campo da filiação, mostrando mais uma vez que a filiação biológica não mais prevalece sobre a não-biológica, eis que com a autorização do marido para que sua mulher utilize sêmen de terceiro este coloca em primeiro lugar a vontade da família em ter um filho, independentemente do vínculo biológico que haverá com outra pessoa.

A manifestação de vontade se faz necessária, uma vez que o marido e a mulher estão associados na vontade de ter filhos, portanto a escolha não pode ser de apenas um, exceto nos casos de família monoparental.

Ana Claudia Brandão apud Silmara Juny Chinelato afirma que:

A presunção de paternidade, nos casos de inseminação heteróloga, é absoluta, em face do sigilo do doador, que poderia importar em negação ao filho do direito de filiação. Trata-se, portanto, de presunção juris et de jure55.

O marido não pode impugnar a paternidade, eis que não pode se voltar contra ato próprio, pois o venire contra factum proprium é repelido por nosso ordenamento jurídico56.

Neste sentido, Maria Helena Diniz afirma que:

54 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol.5. 24.ed. reformulada.

São Paulo: Saraiva, 2009, p. 462.

55 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas

consequências nas relações de família. 1. ed., 2. reimpr. Curitiba: Juruá: 2011, p. 106.

Referências

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