PROFESSORA, EU POSSO ESCREVER DAS DUAS FORMAS?
Antonieta Capparelli Adão – Pós graduanda da UFRJ Tânia Regina Ferreira do Amaral – Pós graduanda da UFRJ
Este trabalho está baseado nas reflexões de educadoras inseridas em classes de alfabetização de jovens e adultos, situadas na Zona Sul e Zona Oeste do Rio de Janeiro. Antes de iniciarmos atividades lúdicas em nossas turmas, buscamos compreender e respeitar o universo cultural dos educandos. Para nos orientar teoricamente, buscamos subsídios em (AMARAL, 2007), para ela, a alfabetização não está restrita a ensinar números, formas e letras. A elaboração e aplicação de jogos educativos auxiliam tanto educandos quanto educadores. Em (HAETINGER, 1998), salas de aula devem se tornar ambientes dinâmicos, onde além de ler e escrever, o aluno tenha atividades criativas que favoreçam a aprendizagem. Compreendendo que linguagem e realidade se prendem dinamicamente em todo processo de escrita, desconstruindo assim a compreensão errônea sobre o ato de ler, em (FREIRE, 1982). Na tentativa de melhorar o progresso da aprendizagem da leitura e escrita, demos início ao trabalho com materiais lúdicos, confeccionados por nós, organizado por famílias silábicas (CV), e, letras do alfabeto, grafadas com letra de forma de um lado e cursiva de outro, em EVA colorido, de formato quadrado. O primeiro contato dos educandos com o “Alfasílabas” trouxe um excelente resultado, quanto à formação de palavras, escritas com os dois tipos de letras. Percebemos que o contato com o material foi extremamente prazeroso para a turma, quer seja pela cor, forma e/ou textura. Ressaltamos que os resultados são ainda parciais, haja vista nosso estudo ter-se iniciado em maio de 2010. Acrescentamos que outros materiais estão em fase de aperfeiçoamento como os dados temáticos e painel de textos.
Palavras-chave: Aprendizagem, Material Didático, Lúdico, Educação de Jovens e Adultos
INTRODUÇÃO: JUSTIFICATIVA, OBJETIVOS E CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS
Muitas são as questões e inquietações que envolvem as práticas pedagógicas de educadores de jovens e adultos, e uma delas diz respeito à importância do material didático na área, principalmente, quando este deve ser complementado e enriquecido com a ludicidade.
As brincadeiras e os jogos sempre estiveram presentes nas sociedades antigas ainda que as atitudes em relação a elas fossem contraditórias (NEGRINE, in Santos 2008) se de um lado eram aceitos sem reservas pela maioria, de outro eram vistos com intolerância por uma minoria elitista rigorosa.
A partir dos séculos XVII e XVIII a relação com os jogos e as brincadeiras tornou-se mais moderna e desde então passa a existir um sentimento de infância que até então não havia. A preocupação em preservar os infantes e classificar e proibir os jogos maus dos bons passa a ser uma atitude constante. O ato de jogar e/ou brincar passa a ter relevância no processo de desenvolvimento do ser humano.
Nosso objetivo com essa experiência é focar o jogo, a brincadeira e o lúdico no universo adulto, precisamente, no universo dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em seu processo de alfabetização nas fases iniciais.
Sem a pretensão de nos aprofundarmos nas concepções teóricas que nos apresentam o jogo como recreação “Teoria do Recreio” Schiller (1875), como atividade de descanso e restabelecimento de energias consumidas, “Teoria do descanso”, Lazarus (1883), a função do jogo como a de provocar catarse “Teoria do excesso de energia”, em Spencer (1897). O jogo como preparação para as funções necessárias à vida adulta, na “Teoria da antecipação funcional”, Gross (1902), (In Santos, 2008)
Nossa experiência tem por embasamento os seguintes autores: Stanley Hall (1906), que caracteriza o jogo como uma função atávica da atividade lúdica; Fortuna; (In Santos 2008), Freire (1982); Haetinger (1998) e Amaral (2007).
Acreditamos que o jogo e a brincadeira não se restringem ao universo infantil. Entendemos ainda hoje a dificuldade que o adulto apresenta em dispor do seu tempo para atividades lúdicas, seja por perceber a própria imposição de ser adulto, ou simplesmente negar-se a oportunidade que o brincar proporciona.
A partir das inquietudes vivenciadas em nossas classes de alfabetização percebemos a necessidade de orientarmo-nos por novos procedimentos que incluíssem o uso de material lúdico aliado aos métodos já utilizados, de maneira a proporcionar um processo de desenvolvimento mais significativo das habilidades da escrita e leitura.
A busca por referenciais teóricos que focam em atividades lúdicas e embasam nosso fazer pedagógico nas classes da EJA nos levam a concordar com Fortuna (in SANTOS, 2008) sobre a importância da atividade lúdica no processo da aprendizagem humana.
Nosso estudo iniciou-se em maio de 2010 oportunizando a aplicação do material produzido - “Alfasílabas”. Confeccionado em EVA colorido, de formato quadrado, organizado por famílias silábicas (CV), e, letras do alfabeto, grafadas com letra de forma de um lado e cursiva de outro.
Com o objetivo de proporcionar ao educando uma interação diferenciada com o aspecto cognitivo adotamos este experimento introduzindo atividades lúdicas. Que busca dinamizar o ambiente da sala de aula e consequentemente as relações entre linguagem e a realidade, (HAETINGER, 1998). Dialogando com este autor, Freire (1982) nos revela que a linguagem e realidade se prendem dinamicamente, e que a leitura da palavra é precedida pela leitura do mundo.
Concordamos com Carvalho (2005) que deve ser proposta uma alfabetização reflexiva, onde os diversos métodos devem ser considerados, pois, independente do método adotado pelo educador, o importante é saber responder a algumas questões que direcione ao objetivo almejado – a alfabetização. Pretendemos ponderar o uso de material lúdico como um facilitador ou não no processo da escrita e leitura em turmas de alfabetização inicial na EJA.
Segundo Klein (1999) todo material diversificado deve estar a favor da aprendizagem quer a partir de um método global, tendo o texto como eixo norteador, ou para as atividades também necessárias de codificação/decodificação que são inerentes a alfabetização.
Como nos revelam Klein e Carvalho o objetivo do processo de aquisição da alfabetização é formar o aluno para ser um leitor/escritor ativo e criativo. Nesse sentido, escrever e ler deve favorecer a inserção efetiva dos educandos em contextos diferenciados para a vida e o trabalho.
Segundo Amaral (2007), as atividades lúdicas proporcionam ativar o pensamento e a memória, favorecendo o aprendizado. Dessa maneira estimulam a inteligência, a criatividade e a concentração através de atividades que exijam resoluções de maneira mais atraente e propiciam o desenvolvimento da linguagem e da sociabilidade, ao promover a interação.
Todo o trabalho está baseado em pesquisa-ação realizada com duas turmas de jovens e adultos. Uma está localizada na Zona Sul, em uma escola da rede privada de ensino (Turma 1) e a outra num espaço não formal situado em uma das comunidades do Complexo da Maré (Turma 2), ambas no Rio de Janeiro.
O experimento coaduna com a abordagem de Demo (1996) sobre pesquisa-ação. Na visão desse autor ela é um princípio educativo, não um ato isolado, antes de tudo é uma atitude crítica e inquiridora diante da realidade. Deve estar presente em todo o processo de formação do educando, pois não existe distinção entre ensino e pesquisa.
A faixa etária do público alvo está compreendida entre 20 a 77 anos. O trabalho com as duas turmas mostrou a diversidade geracional e cultural. Esses alunos ocupam profissões desde prendas do lar até operários da construção civil; alguns se encontram desempregados. A maioria é advinda do nordeste brasileiro que vem a procura de trabalho e melhores condições de vida.
No entanto, o sonho de uma vida melhor na cidade grande se apaga, quando percebem que por não terem a escolaridade necessária, as chances de trabalho são diminuídas. Somando-se a esse fator, a privação do lazer, de condições precárias que impossibilitam uma vida mais digna e que acarretam a uma baixa auto estima.
A apresentação do material foi por exploração e manuseio livre de letras e silabas. Em seguida utilizamos um roteiro elaborado com a intenção de identificar se as opiniões dos alunos estavam alinhadas com os objetivos propostos. (Anexo 1)
Durante o manuseio foi solicitado aos alunos que dessem suas opiniões sobre o mesmo. Relatamos abaixo algumas de suas falas:
_ “muito macio, bom de pegar” (Do diário de campo - Turma 1, maio 2010). Identificamos o jogo caracterizado em sua função de atividade lúdica (Stanley, 1906).
_ “professora, posso escrever das duas formas, na letra cursiva, de mão dada; ou na outra letra” - que não soube nomear (Do diário de campo, turma 1, maio 2010).
A fala de um dos alunos nos chamou a atenção:
_ “depois de um dia de trabalho é bom pegar em algo macio”. (Do diário de campo, turma 1, maio 2010). Apreendemos nessa fala o que Lazarus (1883) chamou de
“Teoria do descanso”, o lúdico como atividade de descanso e restabelecimento de energias consumidas.
Os alunos continuaram formando palavras, ora utilizando as sílabas, ora recorrendo às letras do alfabeto. Alguns educandos sinalizaram para importância do trabalho coletivo que a atividade proporciona. (Anexo 2)
O experimento na Turma 2 foi realizado a partir da escrita livre de palavras com os dois tipos de letras, recorremos à contextualização do nosso trabalho no momento da campanha nacional, que solicitava donativos para os desabrigados pelas fortes chuvas ocorridas no Nordeste, principalmente em Pernambuco. Donativo - foi usada como palavra geradora e sistematizada no quadro. As famílias silábicas da palavra foram apresentadas e a partir disso foi solicitado aos alunos que construíssem palavras com as sílabas.
Também nessa turma algumas falas nos trouxeram reflexões:
_ “é bonito, adoro o amarelo, fica mais claro para entender a sílaba” (Do diário de campo, Turma 2, maio 2010)
_ “assim é mais fácil de aprender, posso ver as letras”. (Do diário de campo, Turma 2, maio 2010)
Em aulas posteriores outras palavras geradoras foram usadas, sempre contextualizadas e respeitando os conhecimentos anteriores dos educandos.
Observamos que o “Alfasílabas” facilitou a compreensão CV na formação silábica. Escrever com os dois tipos de letras - cursiva e forma - demonstrou ser um diferencial para os alunos. Possibilitou inferências na construção de palavras, como por exemplo: elefante; em palavras masculinas e femininas, no emprego das letras o e u no final dos vocábulos moto e mato. (Anexo 2)
Considerações Finais
Este experimento, que é um processo inicial de introduzir novos materiais em nossa prática educativa, nos fez perceber que o aprendizado da escrita não ocorre sem dois personagens principais nesse processo: educando e educador. Não queremos reduzir as atividades com o “Alfasílabas”, mas sim, questionar, mostrar, indicar, ressaltar, apresentar, acompanhar os resultados, as deduções e inferências formadas pelos alunos, que estão em permanente situação de reflexão.
A elaboração do material nos mostrou a necessidade de uma formação que leve em conta a dimensão lúdica na prática diária do educador com o intuito de uma produção fértil de novos suportes.
Salientamos que este experimento não encerra respostas sobre a alfabetização nesse segmento. A partir das falas dos alunos e da dinâmica em sala de aula, inferimos que o uso do material lúdico pedagógico, ao contrário, traz reflexões quanto à necessidade de introduzir novos conceitos sobre a ludicidade, tanto na sua aplicabilidade nas turmas da EJA, como para a formação inicial e continuada de educadores que atuarão ou já estão envolvidos com o campo nesse segmento.
O experimento realizado contribuiu para a ressignificação de nossa prática como educadoras diante das dificuldades que se apresentam no processo para aquisição da escrita e leitura nas fases iniciais da alfabetização de jovens e adultos.
Novos materiais estão em fase de produção para dar suporte aos conhecimentos construídos pelos alunos a partir da segmentação de novas palavras e na elaboração de frases, em etapas posteriores da alfabetização, com uso de palavras e não de sílabas soltas. Em igual processo se encontram os dados temáticos e o painel de textos.
Bibliografia
AMARAL, Tânia R. F. do. Uma perspectiva multicultural na alfabetização de Jovens e Adultos no contexto social, político e educacional. In: Educação Popular e leituras do mundo: distintos registros de experimentos educativos junto às classes populares. (org.) Maria Lídia Souza da Silveira. Rio de Janeiro, 2007, p. 97-102.
CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e Letrar: Um diálogo entre a teoria e a prática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
FORTUNA, Tania. O jogo e a educação: uma experiência na formação do educador. In: Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. Santa Marli Pires dos Santos (organizadora). 6. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
FREIRE, Paulo (1982). A importância do ato de ler: em três artigos que se completam / São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
HAETINGER, Max. Criatividade: criando arte e comportamento. 2 ed. Porto Alegre: MM Produtores Associados, 1998.
NEGRINE, Airton. O Lúdico no contexto da vida humana: da primeira infância à terceira idade. In: Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. Santa Marli Pires dos Santos (organizadora). 6. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
ANEXO 1
Perguntas feitas aos alunos das Turmas 1 e 2.
1. O que você achou do material?
2. Você acha que assim fica mais fácil?
3. O que você acha das cores?
4. Você prefere a aula com esse material ou com material impresso?
Respostas dos alunos das Turmas 1 e 2:
Turma 1:
1. É muito bonito e bom de pegar.
2. Fica mais fácil de fazer atividade porque está todo mundo junto. 3. As cores ajudam a gente a ler melhor.
4. Esse material é melhor, depois de um dia de trabalho é bom pegar em algo macio.
Turma 2:
1. É muito bonito e macio.
2. Fica mais fácil para ver as letras. 3. É amarelo, parece ouro.
ANEXO 2
Registro do experimento – Turma 1
Manuseio livre das sílabas com o material.
Registro do experimento – Turma 2