• Nenhum resultado encontrado

A COOPTAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PELAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E OS DESAFIOS PARA O PODER NACIONAL

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A COOPTAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PELAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E OS DESAFIOS PARA O PODER NACIONAL"

Copied!
73
0
0

Texto

(1)

ANDRÉA DE PENTEADO FAVA

A COOPTAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PELAS

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E OS DESAFIOS PARA O

PODER NACIONAL

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.

Orientadora: Professora Lucy de Mello Carvalho Vianna

Rio de Janeiro 2018

(2)

C2018 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitida a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa.

Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não

expressam qualquer orientação

institucional da ESG

_________________________________ ANDRÉA DE PENTEADO FAVA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Elaborada por Alessandra Alves dos Santos – CRB-7/6327

F272c Fava, Andréa de Penteado.

A cooptação de crianças e adolescentes pelas organizações criminosas e os desafios para o Poder Nacional / Promotora de Justiça Andréa de Penteado Fava. - Rio de Janeiro: ESG, 2018.

72 f.: il.

Orientadora: Professora Lucy de Mello Carvalho Vianna.

Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2018.

1. Crime Organizado. 2. Crianças e Adolescentes. 3. Poder Nacional. I.Título.

(3)

À minha avó, DHORI, in memoriam,

eterna entusiasta e incentivadora dos meus estudos.

(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus, início de tudo.

Aos meus pais, Pedro e Solveig, pelo exemplo de profissionalismo e retidão de caráter e, em especial, à minha mãe, pelo auxílio na busca da bibliografia referencial.

Ao meu marido, João Paulo, verdadeiro companheiro, pelos debates correntes em torno do tema, pelo compartilhamento de conhecimento e ideias, pela generosidade diária e pela dedicação à causa comum de reconstrução do País para as futuras gerações.

Aos meus filhos, Matheus e Lucas, amores da minha vida, inspirações eternas que nunca me permitiram esmorecer, presentes dessa existência que fortalecem minhas ações e esperançam meus dias.

À minha instituição, Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por ter viabilizado o afastamento das minhas funções precípuas e por ter acreditado na missão.

Aos estagiários e amigos da Turma Ética e Democracia, a melhor de todos os tempos, pelo aprendizado e convivência carinhosa.

À minha orientadora, Professora Lucy, pelas palavras de incentivo a cada etapa vencida.

Ao Comandante Tepedino, pela generosidade nas correções criteriosas das referências bibliográficas.

Ao Comandante Lameiras, pela seriedade e orientações na execução deste trabalho.

Ao Corpo Docente e Administrativo da Escola Superior de Guerra, por viabilizarem a excelência do Curso de Altos Estudos de Política Estratégica e o conhecimento amplo do Brasil.

(5)

A promessa futura de qualquer

nação pode ser medida,

diretamente, pela atual perspectiva da sua juventude

(6)

RESUMO

Esta monografia aborda a cooptação de crianças e adolescentes pelas organizações criminosas e os desafios para o Poder Nacional. A degeneração das instituições, o abuso do poder dominante, a infiltração do crime organizado nos poderes constituídos e a inserção de crianças e adolescentes em um ciclo de violência e corrupção viciosas demandam, além de reflexão, o desenvolvimento de mecanismos de integração e controle, os quais devem ser inseridos em um real projeto de nação, de modo a proteger as futuras gerações e, mais que isso, preservar a nossa Pátria. Desta feita, o objetivo final deste estudo firma-se na investigação das formas de emprego do Poder Nacional para o combate às facções de drogas e preservação da nossa juventude. A abordagem pretende estabelecer a realidade das comunidades do Estado do Rio de Janeiro e os vácuos de poder que favoreceram a instalação e dominação de espaços por criminosos, com análise sobre os papéis de relevância crescente desempenhados por nossos infantes junto ao narcotráfico. As seções intermediárias estão focadas no estudo das organizações criminosas e no debate sobre a proteção transnacional dos direitos humanos das crianças, confrontando-se, ainda, a experiência internacional com o alistamento de crianças-soldado de guerra e a cooptação de nossos infantes e adolescentes para a violência organizada. A conclusão indica ações concretas, visando melhor aproveitar as potencialidades e as capacidades do País, perpassando por propostas de alteração legislativa, reformulação de políticas públicas para efetivar direitos prestacionais, operações interagências e cooperação internacional para neutralização do crime organizado. Palavras chave: Crime Organizado. Crianças e Adolescentes. Poder Nacional.

(7)

ABSTRACT

This monograph addresses the cooptation of children and adolescents by criminal organizations and the challenges to National Power. The degeneration of institutions, the abuse of dominant power, the infiltration of organized crime into constituted powers and the insertion of children and adolescents in a cycle of vicious violence and corruption demand, in addition to reflection, the development of integration and control mechanisms, the which must be inserted in a real project of nation, in order to protect the future generations and, more than that, to preserve our Homeland. This time, the final objective of this study is based on the investigation of the forms of employment of the National Power for the fight against drug factions and preservation of our youth. The approach aims to establish the reality of the communities of the State of Rio de Janeiro and the vacuums of power that favored the installation and domination of spaces by criminals, with an analysis of the increasingly important roles played by our infants along with drug trafficking. The intermediary sections focus on the study of criminal organizations and the debate on the transnational protection of children's human rights, as well as international experience with the recruitment of child soldiers and the cooptation of our infants and adolescents to organized violence. The conclusion indicates concrete actions, aiming to take advantage of the potential and capacities of the country, through proposals for legislative changes, reformulation of public policies to implement rights benefits, interagency operations and international cooperation to neutralize organized crime.

(8)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Brasil: variação da taxa de homicídios de jovens homens, por grupo de 100 mil, por UF (2016/2015) ... 68 Figura 2 Quantitativo de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no

(9)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Cobranças Ilegais na Favela. Faturamento da Quadrilha com o “Imposto do terror” ... 70 Tabela 2 Dados do Núcleo de Audiência de Apresentação (NAAP), referentes ao

quantitativo de adolescentes apreendidos em situação de flagrância na cidade do Rio de Janeiro – Resumo anual 2017 ... 71 Tabela 3 Quantitativo de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no País até novembro de 2016 ... 72 Tabela 4 Quantitativo de cumprimento de medidas socioeducativas no País no

(10)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CCPI Centro de Cooperação Policial Internacional

CP Código Penal

CRFB Constituição da República Federativa Brasileira

CDC Convenção sobre os Direitos das Crianças

CINDACTA Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo

CPP Código de Processo Penal

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

END Estratégia Nacional de Defesa

ESG Escola Superior de Guerra

GAECO Grupo de Combate ao Crime Organizado

LBDN Livro Branco de Defesa Nacional

MPRJ Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

ONU Organização das Nações Unidas

OIT Organização Internacional do Trabalho

PNE Plano Nacional de Educação

PND Política Nacional de Defesa

(11)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. REFERENCIAL TEÓRICO ... 16

3. ASPECTOS ESSENCIAIS DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ... 21

3.1 ELEMENTOS ESTRUTURANTES DO CONCEITO ORGANIZACIONAL ... 21

3.2 ENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA VIOLÊNCIA ARMADA ORIUNDA DO NARCOTRÁFICO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ... 27

4. TUTELA DOS DIREITOS DOS INFANTES E JOVENS ... 34

4.1 REGULAMENTAÇÃO DA PROTEÇÃO NACIONAL ... 34

4.2 DIREITOS HUMANOS DAS CRIANÇAS E SUA UNIVERSALIDADE ... 36

4.3 A REALIDADE INTERNACIONAL DAS CRIANÇAS-SOLDADO DE GUERRA E A LIMITAÇÃO DA SOBERANIA ... 38

5. O EMPREGO DO PODER NACIONAL: ATUALIDADE E POSSIBILIDADE .. 43

5.1 EXPRESSÃO POLÍTICA ... 43

5.2 EXPRESSÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ... 49

5.3 EXPRESSÃO MILITAR ... 51 5.4 EXPRESSÃO PSICOSSOCIAL ... 55 CONCLUSÃO ... 58 REFERÊNCIAS ... 61 ANEXO A – ILUSTRAÇÕES ... 68 ANEXO B – TABELAS ... 70

(12)

1 INTRODUÇÃO

O conhecimento empírico a partir da atuação como promotora de justiça junto às varas criminais do Estado do Rio de Janeiro desnudou a triste realidade de que, nas diversas regiões dominadas pelas facções criminosas de narcotraficantes, há a participação relevante de crianças e adolescentes, não só na atividade

economicamente organizada de comercialização de entorpecentes, mas

principalmente na prática de crimes violentos relacionados.

Partindo de uma das regras da geopolítica de que não existe vácuo de poder e diante da constatação de que os espaços territoriais estão ocupados por grupos fortemente armados, premente compreender as raízes desse fenômeno, buscando estabelecer um diálogo entre os autores que se debruçaram, ainda que de modo embrionário, sobre o tema. A inquietude na busca da conciliação necessária entre a repressão eficaz aos autores de crimes graves e a proteção integral das crianças e adolescentes inspirou a realização da pesquisa ora desenvolvida.

De igual modo, há uma linha de aproximação evidente entre a experiência internacional com o alistamento de crianças-soldado de guerra e a cooptação de nossos infantes e adolescentes para a violência organizada, com a negação dos seus direitos e liberdades individuais, o que demanda reflexão acerca da melhor forma de emprego do Poder Nacional para reversão ou minimização deste cenário, de modo, inclusive, a impedir intervenções de organismos internacionais e relativização da Soberania Nacional.

Neste sentido, o objetivo final deste estudo firma-se na investigação das formas de emprego do Poder Nacional para a prevenção e repressão à cooptação de crianças e adolescentes pela nefasta organização criminosa voltada ao tráfico de drogas. Para tal, foram estabelecidos alguns objetivos intermediários, quais sejam:

1 – Identificar os principais aspectos da criminalidade organizada no Estado do Rio de Janeiro, com enfoque no envolvimento das crianças e adolescentes na violência armada oriunda do narcotráfico;

(13)

2 – Analisar os diplomas normativos pátrios de proteção aos direitos dos infantes, bem como os tratados internacionais enunciadores dos direitos humanos das crianças;

3 – Sistematizar os mecanismos já existentes de combate ao crime organizado no ordenamento jurídico vigente;

4 – Delinear a experiência internacional com as crianças-soldado de guerra, estabelecendo uma análise comparativa com as crianças e adolescentes do tráfico; e

5 – Identificar possível estratégia de integração de políticas regionais, nacionais e globais contra o crime organizado e, a reboque, contra a arregimentação de infantes por facções de drogas.

A abordagem pretende estabelecer a realidade das diversas comunidades do Estado do Rio de Janeiro e os vácuos de poder que favoreceram a instalação e dominação de espaços por criminosos. Neste cenário, se perpassa pela análise dos papéis de relevância crescente desempenhados por nossos infantes junto às facções de narcotraficantes, como igualmente pelo delineamento do seu envolvimento intrínseco com os crimes violentos relacionados, evidenciando-se crimes patrimoniais como roubos de cargas e extorsões; crimes contra a vida e a integridade física (homicídios e tortura); assim como crimes contra a incolumidade pública, donde se extraem os delitos de porte de armas de fogo.

Desse modo, a intenção da monografia repousa no desenvolvimento do tema proposto à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990b), das minutas dos Projetos de Política e Estratégia Nacionais de Defesa (BRASIL, 2016c; 2016a), bem como da Convenção sobre os Direitos das Crianças da Organização das Nações Unidas (BRASIL, 1990a), traçando aspectos de aproximação entre a realidade do Estado do Rio de Janeiro e a experiência internacional com as crianças-soldado de guerra, de modo a identificar estratégias exequíveis no contexto brasileiro.

Por fim, o trabalho aborda o emprego do Poder Nacional, especialmente as suas expressões política, tecnológica, psicossocial e militar, como meio de enfrentamento das ameaças do crime organizado, que utiliza pessoas, ainda em

(14)

desenvolvimento físico e mental, como braços armados importantes no processo de dominação territorial. Essencial a delimitação do estudo, tanto no que tange aos diplomas normativos consultados, quanto em relação ao espaço geográfico de análise, de modo a viabilizar um maior aprofundamento do tema central.

O assunto é de relevância ímpar para uma sociedade que tem cicatrizes cada vez mais profundas decorrentes da transgressão moral, legal e constitucional. A degeneração das instituições, o abuso do poder dominante, a infiltração do crime organizado nos poderes constituídos, a utilização de recursos públicos para promoção dos interesses privados, a escassez do reconhecimento de que crianças são também vítimas de um ciclo de violência e corrupção viciosas, tudo é um reflexo claro de uma comunidade que está decaindo e adoecendo. Urge estabelecer mecanismos dinâmicos de integração e controle, os quais devem ser inseridos em um real projeto de nação, de modo a proteger as futuras gerações e, mais que isso, preservar a nossa Pátria.

A reflexão eternizada por John F. Kennedy, ao asseverar que “A promessa futura de qualquer nação pode ser medida, diretamente, pela atual perspectiva da sua juventude [...]” (1963, apud MOREIRA; GOMES, 2014, p. 311), sintetiza de modo exaustivo a relevância da temática ora proposta para a Segurança, o Desenvolvimento e a Defesa Nacionais. Com efeito, inviável dissociar o Desenvolvimento Nacional da tutela dos direitos prestacionais positivos das crianças e adolescentes, com o aprimoramento de técnicas de aperfeiçoamento dos seus atributos físicos, morais e intelectuais, sem olvidar que o Homem é decisivo ator no processo de desenvolvimento de uma Nação.

Ressalte-se que o crime de tráfico de drogas, contando cada vez mais com o envolvimento ativo dos infantes e jovens brasileiros, viola não só o bem jurídico ─ saúde pública ─, como principalmente a Segurança Nacional, mormente diante dos "crimes-satélites" a este relacionados, quais sejam: tráfico de armas, roubos de carga, extorsões, torturas, corrupção e homicídios, sendo, portanto, as maiores mazelas da nossa sociedade. O domínio de territórios por facções criminosas e o estabelecimento de um poder paralelo, que desafia as autoridades estatais, deve ser severamente combatido através de um planejamento estratégico integrado, envolvendo todos os entes da federação, aliado ao patrulhamento das fronteiras e

(15)

controle do espaço aéreo, marítimo e fluvial. Premente, desse modo, a união de esforços para que a sociedade brasileira viva sem medo ou privações.

Impõe-se observar que, havendo um hiato entre o compromisso com os direitos humanos das crianças e adolescentes que, à semelhança das crianças-soldado, têm sua infância suprimida pela ação do crime organizado, e sua efetiva prática, a monitorização internacional poderá relativizar a soberania estatal, sendo, pois, imperioso o aprofundamento dos Direitos Humanos para assegurar a Defesa Nacional, o que, por oportuno, foi sinalizado na Política Nacional de Defesa de 2016 (BRASIL, 2016c). Depreende-se, desta feita, que o estudo realizado pretende interferir positivamente no destino do nosso País, sendo importante para a Escola Superior de Guerra e para todas as instituições voltadas ao combate das organizações criminosas.

No que concerne à metodologia da consecução do presente trabalho, esta se baseou na taxonomia de Vergara (2007), quanto aos fins e meios. Com efeito, no que tange aos fins, a pesquisa é descritiva, explicativa e aplicada. De início, se buscou descrever, ou seja, expor características do fenômeno da juventude armada organizada no Estado do Rio de Janeiro e da experiência internacional com as crianças-soldado de guerra, o que perpassou pela análise de bibliografia especializada e de processos judiciais.

Legítimo igualmente defini-la como explicativa, porquanto visou tornar inteligível o tema pertinente ao crime organizado com envolvimento dos infantes, os direitos constitucionais e humanos envolvidos, o direito internacional cogente, bem como esmiuçar os meios já existentes de reversão deste cenário conflituoso. Ademais, a pesquisa foi aplicada, eis que teve por escopo o desenvolvimento de uma estratégia integrada para minimização do problema, com a formulação de políticas públicas nos campos político, tecnológico, militar e psicossocial.

Quanto aos meios de investigação, o estudo se define como bibliográfico e documental, tendo buscado contextualizar o objeto da pesquisa através de artigos jurídicos e sociológicos sobre o tema, além de literatura especializada com enfoque nas organizações criminosas e suas características primordiais; proteção transnacional dos direitos humanos e medidas nacionais e internacionais de repressão a crimes envolvendo crianças e adolescentes. Em termos documentais,

(16)

foram colacionadas algumas ementas de julgados afetos ao tema e dados estatísticos pertinentes ao Estado do Rio de Janeiro.

A abordagem perpassa ainda pela análise da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), especificamente o capítulo destinado à proteção dos direitos e garantias fundamentais, aliada à abordagem dos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990b) e da Convenção sobre os Direitos das Crianças (BRASIL, 1990a).

Tratando-se de pesquisa sobre o Poder Nacional, foram explicitados os incisos da Política e da Estratégia Nacional de Defesa de 2016 (BRASIL, 2016c; 2016a), ambas sob apreciação do Congresso Nacional, os quais versam sobre a necessidade de garantia da soberania brasileira e da manutenção da estabilidade regional, paz e segurança internacionais, severamente abaladas pela internalização e domínio das organizações criminosas. Por fim, o Livro Branco de Defesa (BRASIL, 2016b) foi uma relevante fonte de pesquisa, especialmente no que tange à capacidade nacional militar dissuasória e à proteção das fronteiras.

(17)

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A Constituição da República (BRASIL, 1988) prevê, em seu artigo 1º, como fundamentos do Estado Democrático de Direito, a soberania e a dignidade da pessoa humana. A presente monografia trata de ambos os conceitos, tendo em vista que a otimização do emprego do Poder Nacional com vistas à prevenção e repressão à cooptação de crianças e jovens para o narcotráfico repercute na preservação da soberania nacional e na dignidade dos nossos infantes.

Enfrentando a temática dos mecanismos internacionais de relativização ou mesmo compartilhamento de soberania estatal, sob o argumento de resguardo da paz e Segurança Humana, assim se posiciona Hirst:

Nos espaços de governança global, tornou-se lugar-comum a argumentação de que realidades vulneráveis – nas quais a precariedade institucional se agravava como conseqüência de crises políticas severas e escalada de violência – eram propícias para a presença e a livre propagação das novas ameaças (o crime organizado, o narcotráfico e o terrorismo internacional). Ajusta-se a esta percepção a noção de “soberania compartilhada” (KRASNER, 2005, p. 85-86) para lidar com situações nas quais o exercício da soberania convencional já “não funciona”. (HIRST, 2014, p. 15, grifos do autor).

Desta feita, firme na concepção de que o Brasil se reveste de potencial para assumir uma posição de destaque no cenário multipolar mundial, impõe-se o fortalecimento das instituições nacionais para a solução das mazelas internas, pertinentes ao crime organizado e a atos de corrupção, o que poderá ser viabilizado através de um planejamento estratégico de Estado e não meramente de Governo. O ponto de partida para o alcance de uma paz duradoura deverá ter como epicentro a questão das crianças arregimentadas pelo crime.

Acerca do conceito de ─ dignidade da pessoa humana ─, Ingo Sarlet identifica claramente uma concepção prestacional do termo, intrinsecamente voltada, portanto, para a promoção dos direitos de segunda geração, como se verifica do trecho a seguir transcrito:

É justamente neste sentido que assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa

(18)

dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma dimensão paralela e conexa defensiva e prestacional da dignidade [...]. (SARLET, 2015, p. 30).

Alinhavando-se à concepção positiva prestacional de dignidade humana, não se deve olvidar que a nossa nação é uma das signatárias da Convenção sobre os Direitos da Criança (BRASIL, 1990a), através da qual se reconheceu a importância da cooperação internacional para a melhoria das condições de vida das crianças em todos os países, especialmente naqueles em desenvolvimento. Nesta esteira, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990b), que enuncia o ─ Princípio do Interesse Superior da Criança ─, assim dispondo:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990b, art. 3º).

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.(BRASIL, 1990b, art. 5º).

Depreende-se, pois, que a necessária proteção foi descortinada internacionalmente e internalizada com status de norma constitucional, o que demonstra a cogência na sua observância, sob pena de exclusão dos direitos fundamentais das futuras gerações e de monitorização internacional invasiva. Tratando dos direitos sob a perspectiva da segurança humana, os pesquisadores lusos Vital Moreira e Carla Marcelino Gomes (2014) apontam os direitos humanos como ─ uma genuína cultura da prevenção de conflitos ─, além de conferirem sustentáculo para uma boa governança, que abrangeria “[...] a construção do Estado e o desenvolvimento da sociedade [...]” (MOREIRA; GOMES, 2014, p. 48). Nesta linha de raciocínio, Mendroni identifica a relação entre subdesenvolvimento e criminalidade, alertando que:

Se o desenvolvimento é um processo de construção em uma sociedade de trabalhadores, as ações criminosas funcionam como uma espécie de

(19)

„antidesenvolvimento‟, destruindo as relações sobre as quais a sociedade é baseada. O crime interfere diretamente na economia do País, provocando estagnação econômica, e com ela, o subdesenvolvimento. (MENDRONI, 2016, p. 505, grifos do autor).

Na década passada, Luke Dowdney já identificava semelhanças intrínsecas entre as crianças do tráfico no Estado do Rio de Janeiro e a situação das "[...] crianças-soldado [...]" em guerras, buscando, a partir desse confronto entre realidades, meios de desmobilização e reintegração na comunidade (DOWDNEY, 2003, p. 09), o que se aprofundou anos depois, com a perspectiva voltada para os grupos armados organizados de várias partes do mundo, ocasião em que o autor observava que se tratavam de “[...] estruturas violentas, usando armas de fogo como forma de progredir, armando menores e utilizando-os em confrontos armados [...]” (DOWDNEY, 2005, p. 11). Passados muitos anos, a situação apenas se agravou, com o surgimento de novas facções criminosas, invariavelmente munidas de armas de grosso calibre, e o incremento na participação de crianças e adolescentes, com papéis de maior destaque na hierarquia do tráfico.

Preocupantes e reveladoras as semelhanças entre as crianças-soldado de guerra e os infantes e adolescentes brasileiros arregimentados pelas organizações criminosas ─ sempre permeadas por um poder corrosivo de ambição e riqueza, além de aproveitamento de cenário de abandono estatal ─, cabendo destaque a experiência vivida e narrada em primeira pessoa por Ismael Beah, ex-menino-soldado de guerra, na obra ─ Muito longe de casa ─, como se verifica do trecho ora assinalado:

Sou de Serra Leoa, e o problema que afeta a nós, crianças, é que a guerra nos força a fugir de nossas casas, a perder nossas famílias e a vagar sem rumo pelas florestas. O resultado disso é que acabamos envolvidos no conflito como soldados, transportando cargas e fazendo muitas outras tarefas difíceis. Tudo por causa da fome, da perda das nossas famílias e da necessidade de nos sentirmos seguros e parte de alguma coisa, quando tudo mais está destruído [...]. (BEAH, 2015, p. 221).

Dessa forma, a mera constatação, sem a devida tomada de decisões e o delineamento de uma estratégia integrada para o estabelecimento de um Estado pacificado e seguro, nos moldes das minutas da Política Nacional de Defesa (PND) (BRASIL, 2016c), da Estratégia Nacional de Defesa (END) (BRASIL, 2016a) e do

(20)

Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) (BRASIL, 2016b), poderá gerar resultados irreversíveis para o Brasil, com prejuízo real ao seu desenvolvimento e vulneração da soberania nacional. Emergencial, desta feita, “[...] harmonizar as iniciativas de todas as expressões do Poder Nacional intervenientes com o tema, visando melhor aproveitar as potencialidades e as capacidades do País [...]” (BRASIL, 2016c, p. 4), implementando as capacidades nacionais através da “[...] participação coordenada e sinérgica de órgãos governamentais [...]” (BRASIL, 2016a, p. 18). Neste cenário, de importância ímpar a atuação das Forças Armadas nas operações interagências, visando a “[...] neutralização do crime organizado [...]”. (BRASIL, 2016b, p. 125).

Outra não é a meta traçada no Plano Geral de Atuação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para o ano de 2018, ao estabelecer como objetivos estratégicos da Coordenadoria de Segurança e Inteligência e das Promotorias de Justiça Criminais a intensificação do combate ao crime organizado (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2018). Possível, desta feita, a conciliação de uma severa e eficaz estratégia de desmantelamento de organizações criminosas e um planejamento direcionado à proteção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, dentre os quais se destaca o direito à vida, à educação, ao respeito, à liberdade e à dignidade. A socialização da responsabilidade na promoção desses direitos previne, inclusive, os danos decorrentes da sua inobservância.

O Relatório da Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre a Criança, elaborado no ano de 2002, traça as metas para o milênio e cria um Anexo intitulado ─ Um mundo para as crianças ─, dispondo em seu Plano de Ação (item III), o que se segue:

[...] 14. Um mundo para as crianças é aquele onde todas as crianças adquirem a melhor base possível para sua vida futura, têm acesso ao ensino básico de qualidade, incluída a educação primária obrigatória e gratuita para todos. É aquele onde todas as crianças e adolescentes desfrutam de várias oportunidades para desenvolver sua capacidade individual em um meio seguro e propício. Promoveremos, como parte das prioridades global e nacional, o desenvolvimento físico, psicológico, espiritual, social, emocional, cognitivo e cultural das crianças.

[...]

18. A pobreza crônica continua sendo o maior obstáculo para satisfazer as necessidades a proteção e a promoção dos direitos das crianças. É necessário combatê-la em todas as frentes, desde a prestação de serviços sociais básicos até a criação de oportunidade de emprego, desde a disponibilidade de microcrédito até o investimento na infra-estrutura e desde o perdão da dívida até as práticas comerciais justas. As crianças são as

(21)

mais prejudicadas pela pobreza porque afeta a raiz de seu potencial de desenvolvimento: sua mente e seu corpo em crescimento. Como conseqüência, a eliminação da pobreza e a redução das disparidades devem estar entre os principais objetivos de todas as iniciativas de desenvolvimento. As metas e estratégias acordadas nas recentes e maiores conferências das Nações Unidas, em particular a Cúpula do Milênio, provêem uma estrutura internacional favorável para as estratégias nacionais de redução da pobreza para cumprir e proteger os direitos e promover o bem-estar das crianças. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002, p. 19-20).

Translúcido, desse modo, o movimento cada vez mais pujante de ratificações de instrumentos internacionais relevantes para crianças e adolescentes, em que se busca enfatizar o compromisso de desenvolvimento humano sustentável, norteado pelos princípios da democracia, igualdade, não-discriminação, paz e justiça social (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002). Para tanto, deve-se expurgar a influência e o poder atrativo do crime organizado sobre os nossos infantes, combatendo-o de forma veemente e proporcional aos meios de que dispõe a criminalidade. A doutrina pátria propõe que se trace um raciocínio similar ao dos líderes das grandes organizações para se atacar a raiz do problema, o que será desenvolvido ao longo do presente trabalho, nos moldes a seguir delineados:

O controle razoável do tráfico de drogas exige, necessariamente, o conhecimento do problema, antes da sua repressão. O “negócio” do tráfico de drogas passa pela produção, venda e comercialização. A quantidade de droga é comprada, a princípio, para ser “otimizada” (misturada e render maior quantidade). Depois há necessidade de estabelecer uma logística de distribuição, considerada a competição com outros traficantes, localizando os pontos de maiores demandas e encontrando os pontos mais rentáveis e aqueles onde o Estado tenha menor força de repressão – tudo isso é ponderado pelos Chefes das Organizações Criminosas. Não será prendendo o vendedor de papelotes, facilmente substituível, que será possível diminuir ou controlar essas ações criminosas. Será necessário encontrar e atacar a sua raiz. Então, para o combate – efetivo – ao tráfico de drogas, é preciso conhecer todo esse procedimento, e para tanto, imprescindível valer-se de medidas legais como “ação controlada”, “infiltração de agentes”, “interceptação de comunicações”, “campanas”, “colaboração premiada” etc. (MENDRONI, 2016, p. 71-72, grifos do autor).

(22)

3 ASPECTOS ESSENCIAIS DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

O presente capítulo tem por objetivo analisar o histórico das organizações criminosas no Brasil, bem como a evolução legislativa criminal que tipificou e conceituou a expressão. Ato contínuo, são estudados os elementos do tipo penal e as implicações da teia organizacional, com a prática de crimes que atingem bens jurídicos diversos e visam, em última análise, a consecução dos interesses dos poderes privados criminais. Na última subseção deste capítulo, se aborda o narcotráfico e sua influência na violência armada praticada por adolescentes no Estado do Rio de Janeiro, com a colação de alguns julgamentos proferidos pelo Tribunal de Justiça.

3.1 ELEMENTOS ESTRUTURANTES DO CONCEITO ORGANIZACIONAL

O histórico das organizações criminosas no Brasil remonta ao século XX, época em que os jagunços, liderados pelo lendário Lampião, associavam-se para praticar crimes violentos contra as famílias de fazendeiros desafetos, saques a bancos e delitos patrimoniais com emprego de arma de fogo. (SILVA, 2014, p. 07).

Com o passar do tempo, nos idos de 1970, surge a criminalidade organizada e estruturada por poderes criminais privados ─ objeto do presente estudo ─, cabendo destaque, à época, o Comando Vermelho (CV), caracterizado por práticas agressivas, sendo seguido, nas décadas seguintes, pelo surgimento de outras organizações delinquenciais – Terceiro Comando (TC), Terceiro Comando Puro (TCP), Amigo dos Amigos (ADA) e Primeiro Comando da Capital (PCC) :

Pode-se identificar três fases claras na formação das facções e sua territorialização posterior das favelas do Rio: 1) Antes da cocaína e do Comando Vermelho; 2) Os anos 80: a cocaína, o Comando Vermelho e a definição dos territórios; 3) Os anos 90: a continuação das disputas territoriais e o surgimento de novas facções. (DOWDNEY, 2003, p. 22).

(23)

Observa-se, a partir da evolução normativa brasileira, que, muito embora a estrutura organizacional violenta tenha uma origem remota, o primeiro diploma legal só veio à tona em 1995 na Lei no 9.034/95 (BRASIL, 1995), dispondo sobre a utilização dos meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Ocorre que doutrinadores de renome criticaram severamente a parca conceituação da Lei no 9.034/95 (BRASIL, 1995), como se verifica do trecho a seguir transcrito:

Assim, ao limitar a definição de organização criminosa, o legislador equiparou o tratamento de quadrilhas que praticavam pequenos ou médios crimes (furto e receptação de toca fitas, roubo e receptação de relógios) a grandes organizações que se dedicam ao crime organizado (tráfico ilícito substâncias de entorpecentes e de armas, grandes fraudes fiscais), em frontal contradição com a tendência contemporânea de separar as diversas modalidades de crimes [...]. (SILVA, 2014, p. 20).

De fato, a norma pioneira nacional, não obstante tenha inovado quanto aos meios de investigação e prova, configurando um avanço no tratamento da matéria ao estabelecer meios diferenciados para o combate ao crime organizado, não descreveu claramente os elementos estruturantes das organizações criminosas, dificultando sobremaneira sua aplicabilidade. Ato contínuo, editou-se a Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012, que, além de outras providências, dispõe sobre o processo e julgamento dos crimes perpetrados por organizações criminosas e enuncia, em seu artigo 2º, uma conceituação mais precisa, qual seja:

Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2012b, art. 2º).

Por fim, o ordenamento jurídico brasileiro, através da Lei nº 12.850/2013, praticamente repete os requisitos anteriormente definidos, exigindo a associação ordenada e com divisão de tarefas de pelo menos 4 (quatro) pessoas para a configuração de organização criminosa. Amplia-se, pois, a exigência do quantitativo de agentes associados, como ora se demonstra:

(24)

Art. 1º, § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2013, art. 1º, § 1º).

O crime é formal, não se exigindo, para a sua consumação, resultado naturalístico. Basta a comprovação da estabilidade da associação, a divisão de tarefas de seus integrantes e o objetivo de obtenção de vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de ilícitos penais com pena máxima superior a quatro anos ou de caráter transnacional, ou seja, “[...] aqueles que se caracterizam pela sua natureza multifuncional de impacto além das fronteiras de um determinando País, atingindo ou gerando efeitos diretos ou indiretos em dois ou mais Países [...]”. (MENDRONI, 2016, p. 25-26).

As ligações internacionais formam uma espécie de teia organizacional, marcada pela multiplicidade e readaptabilidade constante dos meios de infringência da norma penal, sendo certo que os delitos corriqueiramente praticados pelas organizações voltadas ao tráfico de drogas são, além da própria comercialização de entorpecentes, as extorsões, torturas, corrupção e concussão, ameaças, receptações, roubos de cargas, homicídios, ocultação de cadáveres, lesões corporais dolosas, tráfico de armas e lavagem de dinheiro. Mendroni (2016) estabelece uma categorização dos referidos ilícitos penais, diferenciando-os entre “crimes principais”, direcionados para o lucro em escala geométrica; os “secundários”, como aqueles que conferem suporte aos principais; e os de “terceiro nível”, consistentes naqueles que buscam atribuir uma aparência legítima aos ganhos espúrios, de onde se destaca a lavagem de dinheiro.

Quanto ao crime de corrupção, cabe trazer à baila trecho da ementa de recente julgado referente a processo oriundo da Comarca de Duque de Caxias, o qual reforça a rede ilícita organizada, inclusive com o envolvimento de agentes estatais, que conferem suporte ao tráfico ilícito de drogas:

APELAÇÃO CRIMINAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. POLICIAIS MILITARES. "ARREGO". [...] 5) A associação criminosa. - A prova dos autos revela que, em nome do tráfico, as delatoras eram encarregadas de

(25)

entregar dinheiro a policiais militares do 15º BPM, geralmente durante as escalas de serviço dos finais de semana, para que se abstivessem de reprimir o comércio ilegal de drogas, libertassem traficantes presos em flagrante e interviessem para que outros policiais abandonassem incursões nas favelas. O sistema de pagamentos funcionava da seguinte forma: policiais que compunham guarnições, autodenominadas "bondes", valendo-se de cognomes como "Tarzan", "Zorro", "Azeite", "Dragão", etc., telefonavam através de celulares de origem ilícita (alguns vinculados a pessoas mortas) para uma das delatoras cobrando o "arrego"; a mulher conferia a procedência das ligações ao comparar o número do identificador de chamadas com uma lista prévia de telefones fornecida pelos chefes do tráfico e, de posse do dinheiro, combinava o local de entrega da propina que, no mais comum das vezes, era feita por ela ou por sua companheira dentro do próprio DPO para posterior repartição entre os "bondes". Nesse sentido, são vários os telefonemas degravados. - O esquema de pagamentos possuía uma organização mínima que permitia o recebimento do "arrego" com certa regularidade e sua redistribuição entre os "bondes" que operavam, inclusive, com intercâmbio entre seus os membros. Havia um acordo maior entre guarnições corrompidas, articuladas como uma verdadeira "associação de associações". [...]6) Emendatio libelli (art. 383 do CPP1) - Os tipos penais dos artigos 288, p. único do CP2, e 35 da Lei 11.343/063 tutelam, embora em graus diferentes, o mesmo bem jurídico, importando a condenação por ambos os delitos em verdadeiro bis in idem. Desse modo, em relação aos policiais denunciados em concurso, cumpre o afastamento do crime do art. 228, p. único, do CP, restando somente o delito do art. 35 da Lei 11.343/06, que também visa proteger a paz social e, no contexto do tráfico de drogas, mais especificamente a saúde pública. - Dentro desse mesmo raciocínio, nota-se que a tipificação da conduta dos demais policiais no delito do art. 288, p. único, do CP, dissente da própria narrativa da peça inicial acusatória. Com efeito, embora a acusação indique apenas alguns policiais militares como responsáveis pela retirada de outros agentes do Estado das favelas de Santa Lúcia e parada Angélica, só esse fato não afasta o enquadramento dos demais na moldura do delito do art. 35 da Lei 11.343/06, na medida em que - conforme descrito na denúncia - esses recebiam propina semanal para deixar de combater o comércio ilegal de drogas. Quem age dessa forma está atuando como partícipes de traficantes, dando proteção ao comércio ilegal e contribuindo para a circulação e venda da droga; consequentemente, está também associado para a prática do tráfico, cabendo, portanto, remodelar a tipificação dessas condutas para o delito do art. 35 da Lei 11.343/06, nos termos do art. 383, caput, do CPP, em vista dos critérios da especialidade e cronologia. 7) Perda do cargo público (art. 92, I, b, do CP) - Após o contato com a prova dos autos, emerge a certeza de que a aparente eficiência do 15º BPM escondia uma grotesca realidade: com as guarnições atuando em cumplicidade e escudados no poder estatal, policiais invadiam domicílios, forjavam flagrantes, destruíam provas, ameaçavam, espancavam e sequestravam pequenos traficantes e extorquiam os chefes do tráfico local. O combate à traficância era feito não por dever funcional, mas motivado na proporção inversa do recebimento semanal de propina. Não surpreende, pois, a notícia de que traficantes teriam comemorado com festejos a prisão preventiva dos réus, uma vez que se viram livres dos "sócios"

1

Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. (BRASIL, 1941).

2

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. (BRASIL, 1940).

3

Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não

(26)

inconvenientes. Parcial provimento do recurso ministerial; desprovimento dos recursos defensivos. (TJRJ, Terceira Câmara Criminal, Apelação nº 0032562-53.2007.8.19.0021, Des(a). SUIMEI MEIRA CAVALIERI, [julgado] em 15.08.2017). (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2017a, grifos do autor).

Vê-se, portanto, que a associação para a prática do crime de tráfico de drogas nas "comunidades”4

do Estado do Rio de Janeiro configura uma atividade lucrativa, comumente realizada pelas organizações criminosas, que utilizam a violência e o domínio territorial como recursos regulares de suas ações, perpetrando crimes que atingem bens jurídicos diversos e estabelecendo redes de relacionamento e influência para ampliação de seu poderio. O líder do movimento é senhor de todos os atos típicos perpetrados por seus subalternos, detendo poderes decisórios inclusive sobre a vida ou a morte dos seus subordinados hierárquicos. Para o sucesso da organização criminosa, impera a "lei do silêncio" nessas regiões, o que dificulta a repressão criminal dessa modalidade delituosa na medida em que os testemunhos, na fase da persecutio em juízo, restringem-se aos depoimentos de agentes da lei.

Ressalte-se, outrossim, o caráter transnacional da traficância de entorpecentes no País, especificamente porque, em princípio, não somos produtores em grande escala de drogas ilícitas. Ao revés, a mercancia ilícita no território nacional depende da rota de comercialização advinda de outras nações. Esmiuçando as origens das drogas ilícitas, cabe destacar as considerações expostas na sequência:

Pequenos laboratórios têm sido localizados e destruídos pela polícia, mas a maior parte da droga que chega ao Brasil já vem preparada para o consumo. Há uma produção relativamente pequena de cannabis (maconha) no Nordeste, sempre sob repressão federal, que não é suficiente para abastecer o consumo no país. A maior parte das drogas ilícitas, principalmente a cannabis e a cocaína, chegam ao Brasil por meio da fronteira com o Paraguai. O Brasil faz parte da rota internacional da cocaína que sai da Bolívia, do Peru e da Colômbia com destino à Europa e aos Estados Unidos. As partidas de cocaína no atacado seguem por três caminhos principais: pela Amazônia, via Manaus e Belém do Pará, para o Caribe e os Estados Unidos; pela tríplice fronteira com o Paraguai e a Argentina, passa para o Paraná; pelas fazendas de fronteira com o Mato

4 Comunidades são áreas habitacionais, ocupadas de forma irregular, por população hipossuficiente

economicamente, caracterizadas por precária infraestrutura e com insuficiente prestação de serviços públicos essenciais.

(27)

Grosso do Sul, segue pelo interior de São Paulo para os portos de Santos e do Rio de Janeiro, com destino à África (Nigéria) e à Europa (Espanha). As mesmas rotas são utilizadas para abastecer o tráfico de drogas a varejo, inicialmente com base no desvio de frações das partidas do tráfico internacional e, já nos anos 1980, constituindo uma via própria de abastecimento. (MISSE, 2011, p. 17-18, grifos do autor).

Vê-se, desse modo, que as facções criminosas que dominam o tráfico de drogas no Estado do Rio de Janeiro subsumem-se ao conceito organizacional, fixando-se sobre o ─ “[...] eixo dinheiro-poder [...]” ─ (MENDRONI, 2016, p. 34). A atividade é economicamente organizada e busca neutralizar a incidência legal, seja através do imperativo do silêncio, alhures mencionado, seja através de meios de intimidação e aniquilação de membros integrantes de órgãos de repressão (Ministério Público, Poder Judiciário, polícias civil e militar e forças armadas). Não foi outra, a propósito, a mens legis ao se incluir como uma das qualificadoras do crime capital ter o agente perpetrado homicídio contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), “[...] integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição [...]” (BRASIL, 2015, art. 2o

). Trata-se de uma reação legislativa ao extermínio repetido e audacioso, pelo crime organizado, de agentes da lei.

O eixo dinheiro poder é corriqueiramente alvo de reportagens pela mídia, que denunciou recentemente a narcomilícia da Rocinha, demonstrando que as fontes de lucro desses grupos criminosos de narcotraficantes não se restringem à comercialização de drogas, estendendo-se à cobrança de valores da população local, atividade típica das milícias. Consta da matéria jornalística que as extorsões e as taxas do tráfico (aos que se convencionou chamar de imposto do terror) já rendem mais de R$ 1 milhão por mês, compelindo moradores da comunidade a financiar a compra de mais armas de fogo e munições: “o tráfico passou a imitar a milícia e, a cada semana, cobra taxas de segurança, além de faturar em cima do transporte alternativo e da venda de botijões de gás, água e outros produtos” (SCHMIDT, 2018, p. 17). A tabela 1 do Anexo B ilustra parte da fonte de lucratividade da atividade espúria do tráfico de drogas e crimes correlatos.

(28)

Acerca, ainda, do domínio territorial, importante salientar que a ocupação do espaço geográfico por facções criminosas vem dificultando, inclusive, o prosseguimento dos processos criminais no Estado do Rio de Janeiro, na medida em que oficiais de justiça são impedidos de adentrar nas comunidades e cumprir seu

munus de execução das determinações judiciais, seja para fins citatórios, seja para

intimação de testemunhas residentes nas referidas localidades. Forma-se uma rede de proteção e blindagem que dificulta sobremaneira a atuação dos órgãos de persecução penal, razão pela qual se faz premente a implantação de estrutura sólida e eficaz de combate ao crime organizado, sob pena de desequilíbrio cada vez mais significativo de forças, com o fiel da balança pendendo para o lado da ilicitude.

3.2 ENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA VIOLÊNCIA

ARMADA ORIUNDA DO NARCOTRÁFICO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Dentre as ameaças do crime organizado no Brasil, deve-se ressaltar a cooptação de crianças e adolescentes para integrarem a congregação criminosa, desempenhando papéis importantes para o sucesso dos esquemas orquestrados pelos líderes das facções. Do mesmo modo que os imputáveis se submetem às ordens e determinações das lideranças, os infantes são utilizados como braços armados na atividade economicamente organizada do tráfico de drogas, o que ocorre há décadas, sem aparente perspectiva de alteração diante do cenário social e legislativo. A topografia de várias cidades do Estado do Rio de Janeiro e o processo de favelização facilitaram essa evolução cooptativa ao longo dos anos, tendo sido formada uma geração para a qual o movimento do tráfico integra o repertório cultural:

Uma parcela desses jovens oferece-se regularmente para substituir os que foram presos ou mortos, de modo a manter o “movimento” mesmo quando é duradoura a repressão. Do mesmo modo, foi constituindo-se – em um ambiente social desprovido, em geral, de outras identificações coletivas fortes – um referencial simbólico de identidade local, mesmo para os jovens não envolvidos diretamente com o tráfico, que os fazem se identificar com o

(29)

Comando algumas vezes com o mesmo grau de adesão que torcedores têm por seus clubes de futebol. (MISSE, 2011, p. 19, grifos do autor).

Além disso, vemos esse aumento começando no início dos anos 80 [1980], quando as facções da droga começaram a se instalar nas favelas do Rio e a aumentar o seu crescimento, principalmente a partir de 1993, quando as disputas entre facções se intensificaram. A partir dessa época, crianças e adolescentes começaram a substituir traficantes mais velhos em funções antes ocupadas somente por adultos. Isso se deveu ao fato de muitos adultos estarem presos ou terem sido mortos, abrindo caminho para que mais crianças entrassem no comércio da droga, como trabalho em tempo integral. A partir de 1996, constatamos prisões de menores de 18 anos por delitos relacionados com o tráfico em número consideravelmente mais elevado do que por roubo, homicídio, danos corporais e porte ilegal de armas. (DOWDNEY, 2003, p. 100-101).

Enquanto estabelecemos comandos normativos que encaram a infância como um valor a ser protegido, a criminalidade usurpa qualquer respeito ao desenvolvimento sadio e digno dos infantes, atraindo-os e os mantendo sob seu jugo. São estabelecidas jornadas de trabalho pelo desempenho de funções, inclusive armadas, com fixação de salário, à semelhança de outros países, já conhecidos pela perniciosa atividade do tráfico de drogas, como se verifica do trecho a seguir:

Grupos armados que pagam salários fixos o fazem basicamente pelo desempenho de funções armadas. Entrevistas com membros de facções do tráfico de drogas, no Rio de Janeiro, e com membros de bandas delincuentes, em Medellin, demonstram que os membros responsáveis pela proteção armada do território, por meio de presença e patrulhamento abertamente armados, recebem em geral salários fixos. (DOWDNEY, 2005, p. 53).

As crianças e adolescentes arregimentados pelas facções de drogas são doutrinados pela violência e se submetem às normas de conduta fixadas pelas lideranças, sob pena de serem julgadas, condenadas e executadas pelo “Tribunal do Tráfico". De forma diametralmente oposta à tripartição de poderes5, desenvolvida por Montesquieu, os jovens do tráfico aprendem, desde muito cedo, que, nas "comunidades" dominadas por organizações criminosas, as funções de legislar, administrar, julgar e executar concentram-se em um único eixo de poder, que tem o

5 “O Legislativo faz as leis para algum tempo ou para sempre, e corrige ou revoga as que estão feitas; o

Judiciário pune os crimes ou julga as demandas dos particulares; e o Executivo, sendo o restante poder, exerce as demais funções do Estado, a administração geral, constituindo-se por isso no executor das leis em geral.” (MONTESQUIEU, 2007, p. 166).

(30)

domínio final de todos os fatos criminosos perpetrados pelos demais integrantes do grupo. Jovens manuseiam, corriqueiramente, armas de guerra, fuzis automáticos e granadas, defendendo a manutenção da atividade ilícita economicamente organizada contra a ação policial e de facções rivais, detectando inimigos por ordens superiores e tendo contato com a realidade da corrupção de parte dos policiais, que mancham a farda das suas corporações. Neste sentido, Dowdney (2005, p. 104) observa que:

Todos os grupos investigados se valem de um sistema de regras internas para seus membros. Essas regras são mais conhecidas do que escritas e, embora variem por grupo, na maior parte dos casos, elas giram em torno da disciplina interna, das funções de trabalho e, em alguns casos, especialmente entre as gangues jovens da América Latina, possuem uma identidade clara e definida.

[...]

Nas facções do tráfico de drogas do Rio de Janeiro, as regras tendem a estar relacionadas com a manutenção da funcionalidade do grupo e do controle sobre o comércio de drogas. Isso significa andar armado para proteger os territórios da facção, seguir ordens, nunca informar à polícia e não roubar dinheiro ou drogas estando de serviço. Significa também regular o comportamento, não ameaçando ou causando danos gratuitamente a moradores da comunidade, uma vez que a importância do apoio comunitário é visto pelas facções como fundamental para a manutenção do controle de uma favela. Essas regras são seguidas pelos membros da facção sob pena de morte.

Invariavelmente, portanto, são empregadas pessoas ainda em

desenvolvimento nas atividades criminosas relacionadas ao tráfico de drogas no Estado do Rio de Janeiro, devendo-se asseverar que os depoimentos diuturnamente prestados perante os juízos criminais por policiais militares revelam o desempenho de funções de destaque por adolescentes nas comunidades, não mais se restringindo às funções de "vapores6" ou de "olheiros/radinhos"7. Com efeito, são descortinados papéis de soldados8 e gerentes de carga9, com ascensão a uma posição proeminente na hierarquia do tráfico, sem olvidar dos crimes periféricos de roubos de carga, lesões corporais dolosas, torturas e homicídios, que contam

6 Vapores – membros do tráfico a quem cabe a venda da droga no varejo

7 Olheiros – membros do tráfico a quem incumbe, através da vigilância das entradas principais da

comunidade, avisar ao grupo criminoso, por meio de fogos de artifício ou radiocomunicadores, a aproximação de agentes da lei ou membros de facções rivais

8 Soldados – membros do tráfico responsáveis pela defesa da atividade de mercancia e dos líderes,

bem como pelos ataques armados

9 Gerentes de carga – membros responsáveis por determinado tipo de droga, se reportando ao

(31)

igualmente com a participação de pessoas ainda em desenvolvimento físico e mental. A jurisprudência pátria confirma o envolvimento de adolescentes na violência armada organizada, como se verifica da ementa ora trazida à colação:

APELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATOS INFRACIONAIS ANÁLOGOS AOS DELITOS DOS ARTIGOS 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV DA LEI 10.826/0310, ARTIGO 35, CAPUT, DA LEI 11.343/06 E ARTIGO 329 DO CÓDIGO PENAL. EFEITO DEVOLUTIVO NO RECEBIMENTO DO RECURSO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. POSSIBILIDADE. [...] MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE

INTERNAÇÃO. ADOLESCENTES COM PASSAGENS ANTERIORES.

MODUS OPERANDI DO ATO INFRACIONAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO CONTRA OS POLICIAIS. GRAVIDADE CONCRETA A ENSEJAR A APLICAÇÃO DO ARTIGO 122 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Adolescentes apreendidos em localidade dominada pelo tráfico de drogas, onde atua a organização criminosa "ADA" (Amigos dos Amigos), por policiais militares que ao tentarem a abordagem, foram recebidos a tiros por um deles, ocasião em que os polícias revidaram, sendo o adolescente atingido na perna. Os atos infracionais praticados pelos adolescentes revestiram-se de violência e gravidade, eis que efetuaram tiros contra os policiais, colocando em risco efetivo a vida e a integridade física dos agentes da lei, revelando extrema audácia e periculosidade, sendo irrelevante, na hipótese, que a arma tenha sido portada e utilizada por apenas um deles, pois é indiscutível que o outro adolescente aderiu à conduta. Passagens anteriores no sistema juvenil, com descumprimento de medida aplicada. Qualquer outra medida mais branda não surtiria o efeito de proteção integral e recuperação social dos adolescentes, pois seria ineficiente para afastá-los do ambiente pernicioso em que vivem e que ensejou a prática de novos atos infracionais. Com o advento do Sinase, instituído pela Lei nº 12.594/1211, a finalidade do Estatuto da Criança e do Adolescente não é só tutelar e proteger crianças e adolescentes, mas também, e principalmente, padronizar os métodos de

execução das medidas socioeducativas aplicadas

aos adolescentes infratores. Afinal, executar uma medida socioeducativa é tão ou mais importante do que propriamente aplica-la. Por outro lado, independente do trânsito em julgado das medidas anteriormente aplicadas, o cometimento de outras infrações graves, já é fundamento mais do que suficiente para a aplicação da medida de internação. Precedentes. Adolescente baleado e operado que tem recebido os cuidados médicos necessários na unidade em que se encontra, que possui serviço de saúde e enfermagem suficientes para o tratamento do adolescente. Recurso conhecido, mantendo o seu recebimento no efeito devolutivo, mas

10

Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. (BRASIL, 2003).

11

Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. (BRASIL, 2012a).

(32)

desprovido. Unânime. (TJRJ, Terceira Câmara Criminal, Apelação nº 0251169-78.2016.8.19.0001, Des(a). ANTONIO CARLOS NASCIMENTO AMADO, [julgado] em 27.06.2017). (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2017b, grifos do autor).

No caso concreto referente ao julgado acima ementado, visualiza-se uma reiteração de condutas delituosas pelo adolescente em conflito com a lei, no bojo da facção criminosa Amigo dos Amigos, que culminou na aplicação da medida socioeducativa mais drástica prevista no estatuto da Criança e do Adolescente, qual seja: a internação. Visa-se, com isto, afastar o menor do ambiente pernicioso em que vive, firmando-se na aplicação de meios ressocializadores durante o cumprimento da medida definida judicialmente. Para a fixação da medida mais adequada, o §1º do artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990b) estabelece como elementos norteadores da decisão a capacidade do adolescente para cumprir a medida, as circunstâncias do fato perpetrado e a gravidade da infração. Nesta análise acerca da capacidade para cumprimento da medida, é perquirida principalmente a participação da família na vida do menor, de modo a dosar o grau necessário de ingerência estatal na inserção do adolescente no convívio social sadio.

De fato, o perfil dos adolescentes envolvidos na criminalidade organizada no Estado do Rio de Janeiro está permeado por estrutura familiar frágil, baixa escolaridade e uso de drogas, o que deve repercutir na seleção da medida socioeducativa a ser aplicada. Em recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o juízo, ao rechaçar os fundamentos recursais defensivos, aborda de modo ímpar a arregimentação precoce dos nossos infantes para práticas criminosas e algumas concausas para o referido fenômeno:

APELAÇÃO CRIMINAL. ECA. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME

DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROCEDÊNCIA DA

REPRESENTAÇÃO. APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. (...) APELO DEFENSIVO REQUERENDO O

RECEBIMENTO DO RECURSO NO DUPLO EFEITO, A

INCONSTITUCIONALIDADE DA OITIVA INFORMAL DO APELANTE PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO, A IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO, SEJA PELA FRAGILIDADE PROBATÓRIA, SEJA PELA ATIPICIDADE DA CONDUTA, TENDO EM VISTA QUE PRATICADA NO CONTEXTO DE EXPLORAÇÃO DE TRABALHO INFANTIL E, POR FIM, O ABRANDAMENTO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA IMPOSTA

(33)

PARA A DE LIBERDADE ASSISTIDA. [...] 3- Materialidade e autoria do ato infracional análogo ao delito de tráfico de entorpecentes que restaram devidamente comprovadas, pelas provas técnicas e orais, destacando-se os firmes e precisos depoimentos prestados pelos policiais responsáveis pela apreensão, que, de forma uníssona, relataram terem arrecadado em poder do apelante os entorpecentes descritos na representação criminal. Por outra banda, e com todas as vênias à combativa defesa, em que pese reconhecer o crescente recrutamento de adolescentes para a prática da abjeta mercancia, que, segundo a OIT, "é uma das piores formas de trabalho infantil", não se pode deixar de reconhecer também que o princípio da proteção integral insculpido na Carta Cidadã de 1988, e reproduzido pelo legislador infraconstitucional no Estatuto da Criança e do Adolescente, enseja o caráter pedagógico e preventivo das medidas socioeducativas, em especial daquelas que, em maior ou menor patamar de restrição do status libertatis (como, verbis gratia, internação e semiliberdade), permitem uma maior atuação do Estado junto ao adolescente, na busca da concretização de valores e internalização de conceitos essenciais à convivência. Ademais, deve-se focar a solução a partir da causa dos problemas, e não de suas consequências. E, neste aspecto, é certo que uma das causas (mas não a única), de fato, orbita na falta de políticas públicas voltadas para dar efetividade à garantia da proteção integral insculpida na Constituição da República, e reproduzida no Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas, repisa-se, esta inoperância estatal é apenas uma das causas que, juntas concorrem para, no caso do tráfico de drogas, o aliciamento cada vez intenso, e mais cedo, de nossos jovens. Ou seja, a ela somam-se outras tantas concausas, dentre as quais destaca-se não apenas a falta de orientação (muitas vezes, mas não só, resultante da própria falta de estrutura familiar) como também a falta de repreensão, de admoestação, pelo mal comportamento eventualmente observado. Nesta linha de

intelecção, conquanto seres ainda em formação,

os adolescentes demandam a imposição de limites, carecem de ter a exata noção de que todo ato - seja ele comissivo ou omissivo -, quando finalisticamente considerado, gera consequências, que, por sua vez, ensejam respostas. Urge observar, neste aspecto, que negar uma resposta ao menor que atuou em desalinho à lei, afrontando as regras do convívio em sociedade, é negar, em ultima ratio, a exegese do próprio Estatuto Menorista. [...] 5- RECURSO DEFENSIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJRJ, Sétima Câmara Criminal, Apelação nº 0004515-75.2016.8.19.0001, Des(a). MARIA ANGÉLICA GUIMARÃES GUERRA GUEDES, [julgado] em 22.02.2018). (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2018a, grifos do autor).

Inseridos em um ciclo vicioso, os jovens, carentes de uma rede densa familiar e social, se tornam coautores de crimes violentos intermediários, os quais têm como escopo comum a manutenção da atividade economicamente organizada do tráfico de drogas. Neste compasso, a repetição dessa realidade ao longo de gerações deixa um rastro de violência que parece não ter fim. Jovens são internados ou mesmo mortos, por ação das facções de drogas rivais e nos confrontos com os agentes da lei, e facilmente substituídos por outros, para se prosseguir na atividade ilícita lucrativa, tornando-se visíveis agentes de violência perante a sociedade civil,

Referências

Documentos relacionados

submetidos a procedimentos obstétricos na clínica cirúrgica de cães e gatos do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Viçosa, no período de 11 de maio a 11 de novembro de

Promovido pelo Sindifisco Nacio- nal em parceria com o Mosap (Mo- vimento Nacional de Aposentados e Pensionistas), o Encontro ocorreu no dia 20 de março, data em que também

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

Os interessados em adquirir quaisquer dos animais inscritos nos páreos de claiming deverão comparecer à sala da Diretoria Geral de Turfe, localizada no 4º andar da Arquibancada

3.3 o Município tem caminhão da coleta seletiva, sendo orientado a providenciar a contratação direta da associação para o recolhimento dos resíduos recicláveis,

Logo, o presente trabalho tem como objetivo geral propor metáforas de interação com o usuário para ferramentas CASE baseadas na tecnologia touch-screen.. Assim, com o

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

Costa (2001) aduz que o Balanced Scorecard pode ser sumariado como um relatório único, contendo medidas de desempenho financeiro e não- financeiro nas quatro perspectivas de