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Poluição visual ou vitalidade urbana?

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Academic year: 2021

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exclusivamente, ou principalmente, da exposição à publicidade externa, nem se existe um limite (e qual seria ele) para que uma paisagem congestionada de informações passe a causar estresse.

Considerando o grande volume de informações visuais, ainda por cima co-loridas e esteticamente atraentes, que povoam a paisagem urbana, é possível afirmar que o desvio de atenção é algo muito freqüente entre os motoristas. Além disso, segundo a especialista em engenharia de tráfego Marilita Braga, eles têm a visão prejudicada pelo excesso de luminosidade e reflexo de cores, principalmente em tons vermelhos e laranja, que emanam dos painéis.38

Considerando que, para Marilita Braga, só há segurança no trânsito quando 90% da atenção dos condutores está concentrada no tráfego viário, seria possí-vel afirmar que os anúncios publicitários, especialmente os instalados próximo ou no mesmo plano visual dos elementos de sinalização e advertência, contri-buem para o desvio da atenção dos motoristas e, assim, podem dar margem a acidentes de trânsito.

Se na maioria das vezes, porém, as interferências da mídia exterior na paisa-gem urbana é percebida como algo negativo, há situações em que o excesso de anúncios se traduz em mensagem de puro dinamismo e vitalidade.

Poluição visual ou vitalidade urbana?

A união de todas as interferências negativas na paisagem resulta numa situação ambiental e urbanística que se costuma chamar de “poluição visual”, cuja definição tem sido esboçada por vários autores. Assim, afirma Lucrecia D’Alessio Ferrara:

Em termos informacionais, poluição visual urbana é um significado deter-minado pela impossibilidade que o usuário encontra para apropriar-se do espaço urbano e usá-lo. Poluição é o significado de um ruído entre ambiente

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urbano e usuário; poluição se opõe, portanto, a significado e a ambiente urbano planejado enquanto sistema de comunicação.39

Cauduro, por sua vez, sustenta que “poluição não é outra coisa senão o efeito negativo da tecnologia”, enquanto, para Lúcio Gomes Machado, “este descompasso entre uma semelhança em determinadas formas de utilização da cidade e as mani-festações formais, por exemplo as referentes à comunicação visual, levou alguns a levantar o conceito de poluição visual”. Já de acordo com Homem de Melo, “a poluição visual seria, grosso modo, o excesso de sinais comerciais – placas, letreiros, luminosos – justapostos ou sobrepostos à arquitetura”. 40

E Issao Minami e João Lopes Guimarães Júnior concluem:

Poluição visual é, pois, conseqüência e resultado de desconformidades de todas essas situações e também o efeito da deterioração dos espaços da cida-de pelo acúmulo exagerado cida-de anúncios publicitários em cida-determinados lo-cais, porém o conceito mais abrangente é aquele que diz que há poluição visual quando o campo visual do cidadão se encontra de tal maneira que a sua percepção dos espaços da cidade é impedida ou dificultada.41

Em busca de uma definição mais abrangente, que dispensasse a descrição dos processos e, por analogia, do conceito de poluição ambiental, Vargas assim conceitua poluição visual:

[…] limite a partir do qual o meio não consegue mais digerir os elementos causadores das transformações em curso e acaba por perder as

caracterís-39 Lucrecia D’Alessio Ferrara, Poluição visual e leitura do ambiente urbano (São Paulo: FAU-USP, 1976), p. 1. 40 João Carlos Cauduro, Design e ambiente, cit., p. 39; Lúcio Gomes Machado, Comunicação visual emergente:

contri-buição para o estudo do patrimônio cultural urbano em suas relações com a comunicação visual erudita, dissertação de mestrado (São Paulo: FAU-USP, 1981), p. 159; Francisco Inácio Homem de Melo, “Poluição visual ou signofobia?”, cit., p. 22.

41 Issao Minami & João Lopes Guimarães Júnior, “A questão da ética e da estética no meio ambiente

urbano ou por que todos devemos ser belezuras”, em Arquitextos, no 15, texto especial no 94, agosto de

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ticas naturais que lhe deram origem. No caso, o meio é a visão, os elemen-tos causadores são as imagens e as características iniciais seriam a capacida-de do meio capacida-de icapacida-dentificar e compreencapacida-der as mensagens.42

Sob o aspecto qualitativo das mensagens e sua relação com a composição da paisagem urbana, Ferrara estabelece a seguinte classificação:

– Poluição aglomerativa. Caracteriza ambientes com excesso de elementos que não constituem um repertório e não estabelecem relações entre si (varie-dade de formas, cores, materiais, ângulos, usos).

– Poluição aditiva. Quando há redundância de informações sobre um mes-mo repertório, comes-mo em locais em que os sinais gráficos publicitários são abundantes e predominantes.

– Poluição imprevista. Decorre de tentativas de organização de um novo siste-ma de usos e significados que acabam por elevar a taxa de inforsiste-mações e acrescentam repertório, como no caso do Elevado Costa e Silva (Minhocão). Construída para interligar as regiões Leste e Oeste da cidade de São Paulo, a via elevada incorporou pobreza, vulgaridade e poluição.43

Do ponto de vista legal, a Lei Federal no 6.938/1981 define “poluição” como “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente afetem as condições estéticas do meio ambiente”.

Essa última definição também é aplicada aos demais tipos de “poluição” que contribuem para a degradação da qualidade ambiental (meio ambiente e seus usuários), como a poluição das águas, do ar, do solo e sonora. Nesses casos, há parâmetros concretos e mensuráveis para o estabelecimento de “limites” a partir dos quais se pode considerar degradada a qualidade ambiental e ameaçada a saúde dos habitantes de determinado lugar. É possível medir, por exemplo, os níveis de oxigênio das águas e do ar e os níveis de ruído de um ambiente.

Entretanto, os parâmetros empregados para mensurar a poluição visual são alta-mente subjetivos, apesar de alguns pesquisadores, como James Maskulka, afirmarem

42 Heliana Comin Vargas, A lógica do espaço terciário, cit., p. 319.

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que há um limite a partir do qual a quantidade de anúncios publicitários no espaço urbano passa a irritar, em vez de atrair a atenção dos interlocutores e de seduzi-los.44

As raras pesquisas científicas nessa área não constataram a existência desse “limite” nem formas de detectá-lo, pois a apreensão das mensagens visuais não está unicamente ligada à quantidade de signos gráficos, mas também à sua qua-lidade (cores, formas, contraste, layout).

Outro fator que caracteriza a subjetividade da expressão “poluição visual” refere-se à paisagem urbana – o meio pelo qual os signos gráficos são transmi-tidos a seus interlocutores. Composta de elementos fixos (edificações e estrutu-ra urbana), semifixos (signos informacionais, publicidade exterior) e móveis (pedestres, automóveis), a paisagem urbana é extremamente dinâmica, comple-xa e heterogênea, o que dificulta a determinação de parâmetros objetivos que possibilitem identificar e medir os níveis de “saturação visual”.

Embora existam mais indefinições do que certezas sobre o tema “poluição visual”, a interferência dos anúncios publicitários na paisagem das grandes ci-dades contemporâneas é evidente. Por isso, especialistas da área jurídica, como a advogada Bianca Antacli e o ex-promotor de Justiça de Habitação e Urbanis-mo do Estado de São Paulo, João Lopes Guimarães Júnior, acreditam ser pos-sível a determinação de “padrões estéticos aceitáveis” para balizar a veiculação da publicidade exterior, a fim de impedir prejuízos à paisagem urbana.

Guimarães Júnior afirma:

É evidente que o julgamento de padrões estéticos será sempre subjetivo, e a imposição de um “padrão oficial de estética” seria autoritária. Algum grau de consenso, no entanto, pode haver em relação à beleza de elemen-tos naturais em geral (vegetação, prédios históricos com características marcantes de determinado estilo e fachadas visualmente desobstruídas).45

A partir de idéia semelhante, Antacli resume:

44 James M. Maskulka, Outdoor Advertising, cit.

45 João Lopes Guimarães Júnior, “Publicidade externa e tutela legal do paisagismo urbano”, em Revista de

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Não há como negar que há um grau de subjetividade na percepção da polui-ção visual por cada indivíduo, mas seus efeitos deletérios sempre existirão, ainda que atuando no subconsciente de cada um. E nessa mesma linha de raciocínio é possível e necessário estabelecer padrões mínimos ou padrões de aceitabilidade [...] sobre a estética urbana, sem nenhum autoritarismo, mas para que a harmonia visual prevaleça.46

Embora não disponha de pesquisas científicas, Guimarães Júnior afirma que entre 70% e 80% da poluição visual na cidade de São Paulo é conseqüência do uso intensivo da mídia exterior.

Bianca Antacli concorda com esses dados. Para ela, um dos principais moti-vos da poluição visual é a exposição ininterrupta dos anúncios publicitários ao ar livre. Nos demais veículos de comunicação, como rádio, televisão, jornais e revistas, o tempo de exposição é definido pelo usuário.

Na realidade, a grande questão relaciona-se com o direito de utilização de um bem considerado público – a paisagem urbana – como meio de veiculação de mensagens de interesse privado.

Nas degradadas metrópoles brasileiras, a publicidade não é a grande vilã da paisagem urbana, na opinião de Rubens Damato. Ele argumenta que pichações, terrenos mal-conservados, mato invadindo calçadas irregulares, ruas esburacadas, fiação elétrica aparente, mensagens do próprio poder público e panfletos cola-dos em postes formam o verdadeiro “pano de fundo” da publicidade. Para Damato, mesmo que todos os anúncios fossem retirados da cidade (de São Paulo, no caso), a situação de poluição visual não se alteraria. Tal cenário, segun-do ele, facilita a proliferação da publicidade e minimiza o repúdio aos anúncios. Ele admite que, num cenário de qualidade, como o de inúmeras cidades euro-péias, os anúncios funcionam como obstáculo à visão da paisagem natural. Mas em muitas regiões de São Paulo, desprovidas de qualidade estética, chega a ser preferível que a mídia exterior ajude a esconder a paisagem.47

46 Bianca M. Bilton Signorini Antacli, Aspectos jurídicos da poluição visual, cit., pp. 44-45. 47 Rubens Damato, em entrevista à autora em 2002.

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É claro que as opiniões divergem conforme os interesses de cada ator envol-vido com a paisagem urbana. O próprio usuário da cidade – que não participa diretamente do processo de produção dessas mensagens (como é o caso de proprietários de terrenos, anunciantes, sistema de produção e distribuição de bens e serviços, poder público, publicitários), mas sofre sua interferência – res-ponderá de várias maneiras a essa questão, de acordo com os seus interesses, momento de vida, cultura e formação.

De todo modo, o excesso de formas pode conduzir à homogeneização da paisagem urbana e à perda das referências de identidade que diferenciam as cidades umas das outras. E a produção artística e tecnológica hoje massificada dos anúncios, que se repetem mundo afora, agrava ainda mais essa situação.

Nesse sentido, Minami destaca:

Cores fortes e vibrantes estão associadas a maior divulgação de seus pro-dutos. A imagem do vernacular sobreposto à excessiva informação sufo-cando o público-alvo. Este não mais presta a atenção, fisufo-cando vacinado a pouco estímulo. Assim, no outro lado da rua, pode existir um ambiente “clean” também inibidor: a inexistência da informação publicitária cria um certo distanciamento no público popular consumista, que, talvez, não se sinta convidado a entrar.48

Para Sanoff, a concentração, num mesmo espaço, de grande quantidade de informações que teoricamente devem ser apreendidas num curto período de tempo confunde o público, que, assim, não consegue compreender inteiramen-te as mensagens.49

No caso da mídia externa, é preciso considerar ainda o chamado “efeito clutter” (“efeito bagunça”), que, segundo Peter H. Webb, se refere à não-apreen-são das mensagens em razão de fatores externos que dispersam a atenção, como

48 Issao Minami, “Paisagem urbana de São Paulo: publicidade externa e poluição visual”, em Arquitextos,

no 13, texto especial no 74, junho de 2001, disponível em http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/

arq000/esp074.asp; acesso em 10-7-2006.

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choro de criança, barulho de automóveis, etc. (situação em que a mídia exterior se destaca).50

Por outro lado, como no exemplo da cidade de Las Vegas, nos Estados Unidos, citado no capítulo 2, o congestionamento de mercadorias, pessoas, veículos e imagens pode significar vitalidade e dinamismo, e deixar para trás qualquer impressão de poluição visual.

Para Vargas, a identidade de algumas cidades, como Tóquio e Nova York, é criada e reforçada por meio da abundância de elementos de comunicação visual (luzes, cores, formas, símbolos), que, ao lado do congestionamento de pessoas, veículos e mercadorias, expressam a imagem de dinamismo e vitali-dade do comércio.

Os anúncios publicitários veiculados no espaço público visível podem, por-tanto, desempenhar papéis positivos nas grandes metrópoles ocidentais con-temporâneas sob vários aspectos: o sociocultural, o da utilização do espaço e ainda o da composição da paisagem urbana.

Robert Venturi estabelece uma relação entre a satisfação ambiental do usuá-rio e a complexidade ambiental: “O gráfico que representa essa relação tem a forma de sino: baixa complexidade implica baixa satisfação; maior complexida-de implica maior satisfação; e, no limite, excesso complexida-de complexidacomplexida-de volta a gerar baixa satisfação ambiental”.51

Em alguns locais, portanto, a mídia exterior, em virtude da sensação de vita-lidade e de “espetáculo” que ela eventualmente proporciona, pode funcionar como elemento essencial para a valorização da paisagem urbana, que implica efervescência comercial e turismo.

Diante do exposto, ficam algumas dúvidas. A primeira diz respeito à eficiência da mídia exterior – embora os anunciantes disputem acirradamente o espaço da paisagem urbana. A segunda refere-se aos reais impactos que esse tipo de publici-dade provoca na imagem das grandes cipublici-dades e em sua qualipublici-dade ambiental.

50 Peter H. Webb, “Consumer Initial Processing in a Difficult Media Environment”, em Journal of Consumer

Research, 6 (3), dezembro de 1979, pp. 225-235.

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