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A QUESTÃO NUCLEAR NA PENÍNSULA COREANA: AS REFORMAS

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ORTE E OS DESAFIOS REGIONAIS

7

Pedro Vinícius Pereira Brites8

A chegada de Kim Jong Un, ainda em 2011, ao poder representou o

início de uma inflexão no plano político interno da Coreia do Norte.

A política estabelecida pelo novo líder, o byungjin, que busca vincular

desenvolvimento e capacidade de dissuasão tem sido o centro das ações do

país desde 2011.

O recrudescimento das ações externas do país a partir de 2015, se

relacionam com o avanço das reformas econômicas internas e com a

intenção de aproveitar o atual contexto internacional para estabelecer um

novo processo de negociações com os EUA principalmente.

Apresentação

Em janeiro de 2016, a Península Coreana voltou a ser centro das atenções globais em virtude do anúncio da realização do quarto teste nuclear pela Coreia do Norte. O país, que já havia testado armamentos nucleares em 2006, 2009 e 2013, alegou ter realizado de forma exitosa teste com bomba de hidrogênio (bomba-H). Embora não haja confirmação quanto à alegação, esse

7 Agradecimento à colaboração de Pedro Henrique Prates Cattelan na elaboração desse artigo.

8 Professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Ritter dos Reis. Doutorando e Mestre em

Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS. Email: pvbrittes@gmail.com.

evento representaria um avanço sem precedentes no programa nuclear do país, pois colocaria a Coreia do Norte no seleto rol de países capazes de miniaturizar uma ogiva. Nesse sentido, a capacidade missilística do país seria incrementada significativamente e ampliaria, por conseguinte, o poder dissuasório do regime comunista.

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Não obstante, o anúncio da realização do teste foi apenas o início de uma série de eventos que ampliaram as tensões no Leste Asiático e desafiam o equilíbrio regional. Em fevereiro, a Coreia do Norte anunciou o lançamento de um satélite (Kwangmyongsong-4), com o dobro do tamanho do que havia sido lançado em 2012. Mais recentemente, em abril, o país comunista testou mísseis balísticos a partir de submarinos. Esse último teste evidencia a procura em desenvolver a capacidade de lançar mísseis balísticos intercontinentais a partir de distintas plataformas. Como resposta a esses eventos, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma nova rodada de sanções contra a Coreia do Norte, endossada também pela China. Na Coreia do Sul, avançaram as negociações acerca da instalação de um escudo antimísseis móvel - THAAD (Terminal High Altitude Area Defense)9 -

em parceria com os EUA. Cabe destacar que a instalação do THAAD ameaça os interesses chineses e russos na região, tanto que ambos países firmaram posição contrária à instalação por temer o THAAD limite a capacidade missilística dos dois países. Por fim, em março iniciaram os exercícios militares na Península Coreana entre EUA e Coreia do Sul. Os exercícios Foal Eagle e Key Resolve de 2016 foram os maiores realizados até então. Cerca de 300 mil soldados sul-coreanos e 17 mil estadunidenses participaram desses exercícios que têm como objetivo simular ataques anfíbios e em terra na península.

9 No dia 8 de julho de 2016, Estados Unidos e Coreia do Sul anunciaram a instalação do Sistema THAAD

na península. Segundo o anúncio, a instalação do sistema atende à necessidade responder aos avanços do programa balístico norte-coreano.

À Coreia do Norte, a realização desses exercícios representa uma afronta ao armistício de 1953 e um treinamento para uma eventual invasão do país.

Conquanto se possa analisar esses eventos de modo isolado, na realidade, parecem representar sintomas de processos mais amplos de transformações da ordem regional. Por um lado, em relação à Coreia do Norte, não se deve observar essa série de demonstrações de força sem que se analise o contexto doméstico e os condicionantes da sua inserção internacional. Mais do que isso, é importante que se avalie a importância da capacidade nuclear como elemento de dissuasão no plano internacional. Principalmente neste ano, pois é um ano eleitoral nos Estados Unidos e o governo de Kim Jong-Un observa essa conjuntura com atenção com vistas a atrair as atenções para a questão norte-coreana. No plano regional, observa-se o acirramento das disputas entre EUA e China e o redimensionamento da posição estratégica da Coreia do Sul e do Japão nesse contexto. Assim, o período de tensionamento derivaria de um lado, do processo de modernização por que vem passando a Coreia do Norte e a sua busca por normalizar suas relações com os EUA; e, de outro, pelo avanço das disputas geopolíticas entre EUA, China, Japão e, em um contexto mais reduzido, Rússia.

As origens da questão nuclear na

Península Coreana

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A análise da atual conjuntura na península coreana demanda a compreensão de fatores estruturais e históricos e da situação na península coreana desde a ascensão de Kim Jong-Un ao poder em 2011. Em termos estruturais, pode-se identificar três fatores centrais para a avaliação da conjuntura atual na península: i) os efeitos da Guerra da Coreia; ii) o significado da doutrina juche; iii) o desenvolvimento do programa nuclear na Coreia do Norte. A esses fatores estruturais somam-se os fatores típicos da situação atual: a) processo de modernização na Coreia do Norte; b) a doutrina de “paciência estratégica” implementada pelo governo Obama; e, c) os efeitos do processo de modernização da China para as relações no Leste Asiático. À luz desses fatores, pretende-se, portanto, avaliar os últimos eventos que vêm recolocando a questão nuclear norte-coreana no topo da agenda securitária do continente asiático.

A Península Coreana, historicamente, foi um corredor de conexão entre China e Japão. Assim, desde a antiguidade esteve sempre no cerne das disputas entre os dois impérios. Atualmente, a península é a única região envolta apenas por grandes potências: China, Rússia e Japão, além da presença significativa dos EUA (Visentini 2011). Esse quadro gera uma situação peculiar do ponto de vista geopolítico.

A colonização japonesa e a subsequente divisão da península em virtude da ocupação das forças soviéticas e estadunidenses

representam uma ruptura histórica. Afinal, a Coreia era um reino unificado há séculos. O surgimento da República Democrática Popular da Coreia (Coreia do Norte) e da República da Coreia (Coreia do Sul) representa assim a sobreposição da cultura da Guerra Fria sobre a cultura coreana (Bleiker 2005).

A Guerra da Coreia (1950-1953) trouxe um aprofundamento da cisão entre os dois Estados. Em termos econômicos, entretanto, já havia uma distinção entre o norte e o sul. A ocupação japonesa estabeleceu um aparato de infraestrutura industrial no norte, enquanto no sul predominam as atividades agrícolas (Malkasian 2001; Vizentini & Pereira 2014) . Com a eclosão da conflagração, uma das mais sangrentas da Guerra Fria , as Coreias tornaram-se o epicentro geopolítico do Leste Asiático. A invasão estadunidense, a reação chinesa e o apoio soviético deixaram marcas profundas para as relações intercoreanas e, em grande medida, condicionam a inserção de ambos países até hoje.

O avanço dos EUA sobre as tropas de Kim Il-Sung, líder comunista, em direção ao norte, extrapolando o mandato da ONU , acabou por promover a entrada da China na guerra. A entrada da China forçou a retirada americana em direção a Seul. A participação chinesa na conflagração, nesse contexto, ocorre com vistas a afastar os EUA de sua fronteira. Entretanto, pode ser entendida como um antecedente do “Tratado de Amizade, Assistência e Cooperação Mútua” assinado por China e Coreia do Norte em 1961 . A retirada das tropas americanas ficou marcada por uma maciça

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campanha de destruição (Cumings 2010). O General MacArthur, líder das tropas da ONU, ordenou a completa destruição de qualquer indústria, vila ou construção que pudesse auxiliar na reorganização das forças norte-coreanas. Ordenou-se inclusive o bombardeio sistemático de usinas hidrelétricas do país, o que causou graves danos à infraestrutura, inundações e afetou profundamente a população civil. Cabe destacar que nessa retirada foram usados mais explosivos do que contra o Japão durante toda a Segunda Guerra Mundial (Cumings 2010). Além disso, a Coreia do Norte foi gravemente ameaçada com armas nucleares. Todo esse processo revelou uma sensação de vulnerabilidade securitária por parte dos norte-coreanos diante dessa guerra de extermínio (Malkasian 2001; Cumings 2010; Vizentini & Pereira 2014). Esse é um elemento crucial para a compreensão dos desdobramentos políticos e securitários contemporâneos na Coreia do Norte, bem como para o entendimento sobre a opção de desenvolvimento de armas nucleares.

Além disso, a Guerra da Coreia terminou sem desfecho, afinal em 1953, apenas foi estabelecido um armistício, e não um tratado de paz. A falta de um tratado de paz é um dos elementos condicionantes da inserção norte-coreana até hoje. Afinal, a busca pela normalização das relações do país com a comunidade internacional passa pelo fim dos embargos promovidos pelos EUA. Para tanto, é necessário que o país comunista não esteja mais formalmente em guerra com os EUA, como ainda está

estabelecido no armistício. Por isso, a busca por capacidade de dissuasão está vinculada ao objetivo de estabelecer negociações diretas com os EUA.

No período pós-guerra, a Coreia do Norte adotou a doutrina juche . O ideário é um elemento central para a coesão social do país e está baseado na perspectiva da “autoconfiança”, da “autossuficiência” (Cumings 2004; Scobell 2005). Assim, estabelece que o povo coreano é o senhor de seu próprio destino. Pode-se dizer, grosso modo, que estabelece as bases para o nacionalismo norte-coreano e a perspectiva de não submissão aos interesses externos. Em termos práticos, diz respeito à autossuficiência econômica e à capacidade de garantir sua segurança externa de modo autônomo.

É nesse contexto, no final da década de 1950, que a Coreia do Norte inicia seu programa nuclear. Em termos imediatos, foi uma resposta à instalação de artefatos nucleares na Coreia do Sul. Todavia, o estabelecimento do programa nuclear atendia a objetivos estratégicos-securitários e à demanda energética, bem como possibilitava o uso de grandes minas de urânio de alta qualidade que possuía o país. Apenas em 1965 é instalado o primeiro reator na cidade de Yongbyon em cooperação com a União Soviética. É nessa década também que inicia o programa missilístico do país (mísseis Scud, de curto alcance), igualmente em parceria com os soviéticos.

A década de 1980 e o declínio da URSS trouxeram efeitos significativos para a Coreia do Norte. A perda de seu

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principal parceiro representou o corte no fornecimento de grãos e combustíveis subsidiados. Diante desse quadro de dificuldade, a Coreia do Norte buscou se aproximar da Coreia do Sul e normalizar suas relações com os EUA. Como decorrência, em 1991, as duas Coreias assinam o “Acordo para reconciliação, Não-agressão, Cooperação e Intercâmbio entre Norte e Sul” e, em 1992, lançam a “Declaração Conjunta para Desnuclearização da Península” (Cha 2012).

Nesse contexto, a questão do programa nuclear norte-coreano parecia se encaminhar para uma resolução pacífica. Cabe destacar que esse era o quadro de desintegração da ordem bipolar. Desse modo, o controle da proliferação nuclear passou a ser prioridade na agenda internacional. Os EUA passam então a exercer pressão sobre as potências regionais e sobre os países do bloco comunista para que esses abdiquem de suas armas estratégicas.

Esses esforços levaram à assinatura do Acordo de Genebra em 1994. O acordo de 1994 representava a resolução da questão nuclear, entretanto, a morte de Kim Il-Sung em julho do mesmo ano e o atraso na entrega de combustíveis prometida pelo governo Clinton levaram ao arrefecimento das negociações. A ascensão de Kim Jong-Il ao poder representou uma transformação na política norte-coreana. Diante desse quadro de incertezas e crises por que passa o país na década de 1990 (Marcha Penosa ), Kim Jong-Il implementa o

Songun. Ao contrário do governo de seu pai, cujo governo estava assentado em termos institucionais no papel preponderante do Partido dos Trabalhadores Coreanos (KWP), Jong-Il cria a política dos “militares em primeiro lugar”. Assim, aprofunda a perspectiva de um Garrison State, ou seja de um estado militarizado.

Nos anos 2000, a questão nuclear passou a ser discutida no âmbito regional, com a criação da Six-Party Talks em 2003. Cabe destacar que o estabelecimento da Doutrina Bush, segundo a qual a Coreia do Norte fazia parte do denominado “eixo do mal”, trouxe muita instabilidade para a península e ampliou a percepção de ameaça por parte dos norte-coreanos. Dentro das Six-Party Talks houve certo distanciamento na posição dos atores. A Coreia do Norte ofereceu a proposta do reward for freeze (recompensa pelo congelamento do programa), enquanto os EUA insistiam que só passariam a negociar efetivamente depois do desmantelamento do programa nuclear. Nesse contexto, China, Rússia e Coreia do Sul apoiavam a proposta do reward for freeze, enquanto o Japão, naquele momento liderado por Junichiro Koizumi, dava suporte à proposta americana (Cordesman & Hess 2013).

Diante da falta de avanços das negociações, a Coreia do Norte adota uma atitude mais ofensiva. A partir de 2005, o país passa a utilizar seu programa nuclear efetivamente como elemento de dissuasão e anuncia o desenvolvimento de armas nucleares. É nesse contexto, que no mesmo ano as

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negociações avançam e é lançada a “Declaração Conjunta das Seis Partes” que previa o fim das ameaças entre as duas Coreias e os EUA. Porém, em 2006, após testes missilísticos da Coreia do Norte, os Estados Unidos e a ONU adotam novas sanções. Em resposta, a Coreia do Norte realiza seu primeiro teste nuclear.

Cabe ressaltar que o desenvolvimento de armas nucleares para a Coreia do Norte apresenta uma dupla função. De um lado, pode vir a prover capacidade de dissuasão contra os inimigos externos; embora, essa capacidade ainda seja passível de discussão frente à capacidade de defesa anti-mísseis de Coreia de Sul e Japão. De outro, representam a face moderna do país e, portanto, ampliam a legitimidade interna do regime (Ahn 2011). Em parte, pode-se dizer, que se constitui como elemento que contribui para a resiliência do país frente às dificuldades enfrentadas nas últimas décadas.

A ascensão de Kim Jong-Un e o

processo de modernização

A chegada de Kim Jong-Un ao poder trouxe uma série de questionamentos acerca da capacidade de resiliência do regime frente ao processo de transição política. Em termos gerais, a perspectiva ocidental tem se centrado, desde o final da Guerra Fria, na crença do colapso iminente. Entretanto, o novo líder assumiu o país reafirmando o discurso de autonomia e buscou dar demonstrações de força. Nesse contexto, o país iniciou uma nova rodada de ameças e provocações que

culminaram na realização do terceiro teste nuclear em fevereiro de 2013. Apesar da manutenção do discurso agressivo no plano regional, no plano doméstico, ascensão do novo líder representou uma inflexão. Em primeiro lugar, relativizou o Songun, dando mais espaço ao KWP. Nesse sentido, buscou se aproximar do perfil de liderança de seu avô, Kim Il-Sung. Além disso, passou a priorizar projetos para modernização econômica. Em um primeiro momento, utilizou as forças armadas em obras públicas (autopistas, plantas energéticas). Ademais, procurou estabelecer uma série de medidas com vistas a ampliar a capacidade produtiva, comercial e financeira do país. Principal sintoma desse processo é a adoção da Linha Byungjin (병진), que tem como princípio a busca simultânea por desenvolvimento econômico e defesa nuclear (Vizentini & Pereira 2014; Panda 2015).

Em termos econômicos, ainda em 2012, Jong-Un adotou as chamadas “Medidas de Junho” que previam uma espécie de “reprivatização” da agricultura. A partir de 2013, a terra permaneceu sob jurisdição estatal, porém o produto agrícola passou a ser dividido entre o Estado e as famílias que trabalhassem na terra (proporção de 70:30, respectivamente. Após 2014, essa proporção ficou em 40:60, respectivamente) (Lankov 2014). Essa mudança vem contribuindo para um incremento na produção agrícola. Em termos industriais, foram adotadas medidas que dão mais autonomia aos administradores no processo de

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contratação e investimentos. No plano financeiro, em 2015, o país criou um Comitê de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de práticas terroristas. Cabe destacar que a Coreia do Norte tornou-se membro observador do Comitê Asiático Anti-lavagem de Dinheiro (APG) ainda em 2014 - o que representou uma conquista diplomática para o país. Por fim, cabe destacar a realização da Conferência da Indústria Financeira em dezembro de 2015. Essa conferência, que não ocorria desde 1990, teve como objetivo discutir a criação de mecanismos para dar suporte ao aumento da circulação de moeda no país derivado do fortalecimento dos mercados não-oficiais (Jangmadang).

Todo esse panorama reflete um projeto de modernização mais amplo. Porém, não é um projeto desvinculado do desenvolvimento nuclear. Por essa razão, não é paradoxal a manutenção do desenvolvimento do programa nuclear e busca por modernizar a economia: são projetos complementares. Afinal, no plano externo, ainda persistem as limitações que condicionam a inserção internacional do país.

No que diz respeito às relações com os EUA, Kim Jong-Un ainda não teve a possibilidade de estabelecer negociações diretas. Partindo do pressuposto que o novo líder procura normalizar as relações com a comunidade internacional, torna-se imprescindível lograr se aproximar dos EUA. Dentre seus interesses mais amplos, inclui-se o objetivo de participar da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation), do Banco Asiático de

Investimento em Infraestrutura (AIIB); e se aproximar da Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP) liderada pela China. A inclusão nesses projetos passa por uma normalização das relações com os EUA.

Entretanto, o governo Obama tem adotado a chamada política da Paciência Estratégica, igualmente assentada na percepção de que o regime norte-coreano tende a colapsar mais cedo ou mais tarde (Chanlett-Avery, Rinehart & Nikitin 2016). Nesse sentido, crê no uso de medidas não-militares para promover uma mudança de regime. Ou seja, nesse caso, não haveria razões para estabelecer negociações. Assim, as definições estratégicas dos EUA para a península se mantêm voltadas para o controle de danos em caso de colapso do regime. E do ponto de vista político, o governo Obama adota a postura de afirmar que só aceitaria negociações em caso de demonstrações mais evidentes por parte da Coreia do Norte de que pretende abandonar seu programa nuclear.

No entanto, as experiências recentes ocorridas de derrubada ou ameaça de deposição de regimes considerados párias, tanto no Iraque (2003), na Líbia (2011) quanto na Síria (2011) acabaram por reforçar o entendimento norte-coreano de que renunciar ao programa nuclear tornaria o país vulnerável. Assim, não é de se esperar um recuo do governo norte-coreano quanto ao avanço do programa nuclear e balístico.

Cabe salientar que os recentes acordos estabelecidos pelo governo

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Obama com Irã e Cuba também servem de modelo para os norte-coreanos. O objetivo seria obter um espaço para negociações com os EUA, semelhante ao que os dois estados obtiveram.

O ano de 2016 é o último de mandato do presidente Obama. Tendo em vista que os candidatos que hoje lideram as prévias para concorrer à presidência dos EUA - Hillary Clinton pelo Partido Democrata e Donald Trump pelo Partido Republicano - adotam um discurso mais agressivo em termos de política externa em relação a Obama, essa é uma janela de oportunidade para estabelecer um entendimento com os EUA. Destarte, é de se esperar que a Coreia do Norte mantenha a sequencia de testes militares, como forma de chamar a atenção para a necessidade de um processo de negociação na região e manter a questão nuclear na península no topo da agenda securitária das grandes potências.

Para a China, o quadro de instabilidade na península configura-se em obstáculo para os objetivos geopolíticos do país. Afinal, a questão norte-coreana serve como alegação para a manutenção da presença americana no Leste Asiático. Situação agravada pela recente proposta de instalação do THAAD na Coreia do Sul - projeto que para o governo chinês limitaria suas capacidades defensivas. Recentemente, o Ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, da China reafirmou a preocupação do país com a situação na península. Essa preocupação está assentada em três princípios: em primeiro lugar, as armas nucleares devem ser banidas da

Península Coreana sob quaisquer circunstâncias; segundo, ação militar para resolução da questão não é uma opção; e, por último, a segurança nacional da China não deve ser prejudicada. Não se pode ignorar que a política de balanceamento dos EUA tem ampliado as disputas geopolíticas na região da Ásia-Pacífico; e a península coreana não está alheia a esse processo, A Coreia do Norte, por sua vez, já demonstrou que seus interesses não estão subordinados aos interesses de seu principal aliado. Por sua vez, o governo de Xi Jinping vem adotando uma postura mais dura quanto à Coreia do Norte, que ficou evidenciada na aprovação das recentes sanções votadas no Conselho de Segurança. Porém, no quadro atual a China teria muito perder com um colapso do regime norte-coreano e uma eventual transformação da península em região de influência dos EUA. Seria uma grave ameaça à segurança do país. Por isso, trata-se de um balanço complexo para o governo chinês. Por isso, a aposta na modernização da Coreia do Norte é a mais promissora para os interesses chineses. Especialmente, em um quadro onde a China tem buscado ampliar seus laços econômicos com a Coreia do Sul e estabilizar suas relações com o Japão. Japão que, no governo Abe, vem procurando adotar uma postura mais nacionalista, com vistas redimensionar o papel geopolítico do país na Ásia.

A Coreia do Sul, nesse contexto, enfrenta um dilema. Por um lado, não pode se afastar da aliança com os EUA e do processo de instalação do THAAD. A

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manutenção e ampliação da parceria securitária reforça o sentido de dependência militar do país em relação aos EUA, em que pese o processo de modernização das forças armadas estabelecido desde o final dos anos 1990. Porém, por outro lado, especialmente no governo da presidenta Park Geun-Hye, a Coreia do Sul tem ampliado sua aproximação econômica e política com a China. Nesse sentido, não tem interesse em minar o progresso nas relações com o vizinho. Principalmente, porque a parceria econômica com a China tem grande relevância para a economia do país. Cabe ressaltar que a Coreia do Sul vive um momento de desaceleração econômica, aumento do desemprego e queda das exportações.

Tendo em vista esse panorama, as tensões na península coreana parecem evidenciar transformações mais profundas na ordem regional asiática. Embora, as relações na península se caracterizem por um padrão de tensionamento-aproximação entre as Coreias, há um contexto mais profundo que justifica, portanto, as tensões atuais.

Considerações Finais

A análise da situação na península coreana não parece indicar que possa ocorrer uma grande inflexão no curto prazo. Entretanto, tendo em vista que há um processo de modernização em curso na Coreia do

Norte e que o país vem procurando estabelecer canais de diálogo com os EUA principalmente, é de se esperar que se mantenham as demonstrações de força por parte do regime comunista.

Nesse sentido, é possível que haja convergência entre os interesses chineses e norte-coreanos. Afinal, a abertura de diálogo - a retomada das Six Party Talks, por exemplo - seria de grande interesse para ambos os países tendo em vista seus interesses atuais. Entretanto, uma escalada nas tensões na península está longe de ser uma hipótese descartável. Afinal, não se sabe se o governo Obama ainda tem fôlego - e mesmo interesse - para iniciar uma nova abordagem na região.

Cabe destacar que durante o 7º Congresso do KWP - o primeiro em trinta seis anos – a Coreia do Norte deu importante indicativos do processo de modernização e de busca por normalização de suas relações internacionais. Nesse sentido, asseverou o Byongjin, defendeu a aproximação com o Sul e, mais relevante talvez, assegurou o “no first use policy”; ou seja, o país declarou seu compromisso de não usar armas nucleares de forma preventiva. Entretanto, apesar desses indicativos, esse é um processo cujos desdobramentos ainda são imprevisíveis. Assim, a evolução da recomposição política interna e o avanço da modernização econômica na Coreia do Norte são indicadores bastante relevantes para que se trace um cenário mais preciso da região.

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