PROGRAMA TERRITÓRIOS DA CIDADANIA E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
Wanda Karine da Silva Santana wanda.karine.santana@gmail.com
Eduardo Faria Silva
Doutor em Direito pelo PPGD/UFPR, Mestre em Direito pelo PPGD/UFPR Universidade Positivo
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar e analisar o Programa Territórios da Cidadania, com ênfase ao Território do Vale do Ribeira, no estado do Paraná, sob a perspectiva dos princípios fundamentais e direitos sociais fundados na Constituição Federal de 1988. O Programa tem o intuito de promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, em ações sociais e integradas entre o governo federal, estados e municípios. Tendo como premissa básica o art. 3º, III, da Constituição Federal, temos por objetivo analisar o referido Programa, demonstrando a eficácia deste no tocante à efetivação de direitos sociais, com imprescindível vinculação com a noção de Constituição e Estado Democrático de Direito. Outrossim, gostaríamos de afirmar que, por meio destas políticas públicas, o governo federal está submetido ao caráter da força normativa, vinculativa e obrigatória da Carta Magna.
Palavras-chave: Programa Territórios da Cidadania; Aplicabilidade da Norma Constitucional, Direitos Fundamentais; Direitos Sociais.
Introdução
O Programa Territórios da Cidadania foi criado em 2008 pelo governo federal, com o intuito de promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas de cidadania através de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, em ações sociais e integradas entre o governo federal, estados e municípios.
Cada território é formado por um conjunto de municípios com mesma característica econômica e ambiental, identidade e coesão social, cultural e geográfica, e é composto atualmente por 120 territórios.
Nos últimos anos, o país avançou na redução das desigualdades sociais e regionais. A participação social e a integração de ações entre Governo Federal, estados e municípios são fundamentais para a construção dessa estratégia. O Território é formado por um conjunto de municípios com mesma característica econômica e ambiental, identidade e coesão social, cultural e geográfica. Maiores que o município e menores que o estado, os Territórios demonstram, de forma mais nítida, a realidade dos grupos sociais, das atividades econômicas e das instituições de cada localidade. Isso facilita o planejamento de ações governamentais para o desenvolvimento dessas regiões.
Em 2008 foram atendidos 60 Territórios em todo o País. Em 2009, com a ampliação para 120 Territórios da Cidadania, o Programa alcança a meta estabelecida pelo
Governo Federal. O número de Ministérios e órgãos federais parceiros cresceu em 2009, passando de 19 para 22.
A pobreza é uma questão central a ser enfrentada na formulação e execução de estratégias nacionais de desenvolvimento. Considerado esse contexto, nosso objetivo neste estudo é o de analisar o Programa, dentro das perspectivas de um Estado Democrático Constitucional Contemporâneo, concebendo seus princípios fundamentais e a efetivação dos Direitos Sociais, dentro da deste modelo de estratégia nacional de desenvolvimento.
Os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, em seu conteúdo, titularidade, eficácia e efetivação ao longo do tempo. Existe a divisão clássica em gerações, na doutrina nacional. Usualmente é utilizado também o termo “dimensões”, para que não haja a impressão que estes direitos sejam substituídos ao longo do tempo, mas em um permanente processo de expansão.
Nesta divisão clássica, podemos citar:
Os direitos fundamentais da primeira dimensão;
Os direitos econômicos, sociais e culturais da segunda dimensão; Os direitos de solidariedade e fraternidade da terceira dimensão;
Os direitos fundamentais de quarta e quinta dimensões (direito à democracia direta, informação e ao pluralismo; direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo, etc.)
De acordo com o art. 3º, III da Constituição Federal, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Cremos que a adesão de vários estados ao Programa como instrumento de planejamento e execução das políticas públicas tem como objetivo satisfazer esta premissa constitucional.
Objetivos
O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar o Programa Territórios da Cidadania, especificamente o Território do Vale do Ribeira. Neste território, foram realizadas ações de apoio a atividades produtivas e de cidadania e direitos, e nosso intento é demonstrar como o referido programa concretiza a efetivação dos direitos sociais, garantindo a segurança alimentar dos indivíduos da região, com base no art. 3º, III, da Constituição Federal.
Método e Técnicas de Pesquisa
Na pesquisa desenvolvida, o método é dedutivo, com revisão bibliográfica da temática a partir da seleção de alguns autores selecionados como norte teórico, bem como dados oficiais acerca do referido Programa nas bases de dados do Governo Federal.
Resultado
Nosso ponto de partida é a obra de Konrad Hesse, “A força normativa da Constituição”, resultado de uma palestra proferida na Alemanha, em 1959, Hesse (1919-2005) trava um breve diálogo com o pensamento do socialista Ferdinand
Lassale (1825-1864) sobre constitucionalismo. O termo “Constituição”, usada pelos dois autores, não tem o mesmo significado. Enquanto Lassale se reportava a uma constituição prussiano-alemã nos idos de 1862, prestigiada por revolucionários de uma crescente revolução socialista, Hesse tratava de uma constituição alemã do pós-guerra, dos idos de 1959, em que, na esfera mundial, imperava a busca pelo Estado Democrático de Direito que garantisse os direitos fundamentais de todos os cidadãos, seja na Alemanha, seja no resto do mundo, mas que protegesse o Estado de novas aventuras militares como a que deflagrou a Segunda Guerra.
Usamos como referência a obra “Curso de Direito Constitucional”, de Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco e Inocêncio Coelho. Os capítulos sobre limites dos direitos fundamentais, direito adquirido, direitos fundamentais de caráter judicial, direito de nacionalidade, direitos políticos, Poder Executivo e Judiciário, além de toda a parte sobre controle de constitucionalidade, foram escritos por Gilmar Mendes. Os capítulos sobre o ordenamento jurídico, fundamentos do Estado de Direito, Estado de Direito, direitos sociais, couberam todos a Inocêncio Coelho. Já os capítulos sobre o Poder Constituinte originário e Poder Constituinte de reforma couberam a Paulo Branco, responsável também pelos tópicos da teoria geral dos direitos e liberdades fundamentais.
O livro “Curso de Direito Constitucional Contemporâneo”, de Luis Roberto Barroso, nos foi de grande valia. Seu ponto crucial nesta obra, a ideia de uma nova interpretação constitucional, trazida pelo autor, através da tríade norma – problema – intérprete, percebe-se que a interpretação constitucional contemporânea traz a norma não como única razão resolutiva, mas esta como pressuposto fundamental aliada as mais diversas ferramentas do intérprete no processo de criação do Direito. A obra de Ingo Sarlet, intitulada “A eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional”, nos serve de base para afirmar a efetividade da norma constitucional, sobretudo os direitos sociais, enfatizados em nosso trabalho. Sarlet analisa os direitos e garantias individuais no sistema constitucional de 1988, destacando as suas condições de aplicabilidade e eficácia. Aborda também a questão dos direitos sociais.
Além das seguintes obras, durante a pesquisa, selecionamos referências de suma importância, a fim de obter maior enriquecimento doutrinário acerca do tema Aplicabilidade na Norma Constitucional, sua eficácia e efetividade, como resultado das políticas públicas. Destacamos autores, como José Afonso da Silva, em “Curso de Direitos Constitucional Positivo” e “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”. Acrescentamos mais duas obras do renomado jurista Luis Roberto Barroso: “O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas – limites a possibilidades da Constituição brasileira”, e “Interpretação e Aplicação da Constituição”. Consultamos ainda o site do Governo Federal, na página do Portal da Cidadania, onde consultamos as matrizes, os relatórios e demais dados do Programa Território da Cidadania.
Discussão
Os direitos sociais e os princípios fundamentais tiveram grande destaque no pós-guerra, quando as Declarações dos Direitos Humanos foram incorporadas às Constituições dos Estados Liberais, com o nascimento, desenvolvimento e afirmação do Estado de Direito.
No tocante aos princípios fundamentais e direitos sociais, cujas normas veiculam direitos à prestação material, estes apresentam alta densidade normativa, cujos enunciados são redigidos de tal modo que seu conteúdo seja expresso, para que seus efeitos sejam imediatos, sem a interposição do legislador. Estes direitos de prestação material têm o propósito de reduzir as desigualdades fáticas de oportunidades, e estão sujeitos à existência de situação econômica favorável para sua efetivação, garantidos pelo mínimo existencial, sendo estes de caráter programático, ou seja, que estes sejam desenvolvidos pelo Estado para que alcancem o indivíduo.
No Brasil, esta perspectiva constitucionalista de norma fundamental teve seu reconhecimento na Constituição de 1988, e a partir deste momento, toda norma, doutrina e jurisprudência seria produzida dentro destes moldes. A norma constitucional, neste momento, é caracterizada pela superioridade jurídica, natureza da linguagem, conteúdo específico e caráter político, e sua interpretação decorre de alguns princípios, que são: supremacia da Constituição, presunção da constitucionalidade das leis e atos do Poder Público, interpretação conforme a Constituição, unidade da Constituição, razoabilidade ou da proporcionalidade e efetividade.
Segundo o princípio da efetividade, a eficácia constitucional seria a sua capacidade de produzir efeitos jurídicos, de aplicabilidade direta e imediata. Neste tocante, os direitos sociais são normas constitucionais autoaplicáveis, cujos efeitos independem de complementação por norma infraconstitucional. Estas normas são revestidas de todos os elementos necessários à sua execução, tornando possível sua aplicação de maneira direta, imediata e integral, sendo elementos orgânicos da Constituição. Com a positivação de certos princípios e normas constitucionais, na qualidade de expressões de valores e necessidades reconhecidas pelo Poder Constituinte e a Constituição, transformando-se na “reserva de justiça” em parâmetro de legitimidade formal e material da ordem jurídica estatal. Neste sentido, o fundamento de validade da Constituição (legitimidade) é a dignidade Constituição (legitimidade) é a dignidade do seu reconhecimento como ordem justa e a convicção, por parte da coletividade, de sua bondade intrínseca.
Com o marco histórico da promulgação da Constituição Federal, houve a consolidação da doutrina da efetividade, em oposição à carência de sinceridade normativa e excessos de supremacia política não abarcadas pelos princípios constitucionais. A norma constitucional neste momento passa a ter status de norma jurídica suprema, não estando mais sujeita à livre vontade do legislador e à discricionariedade do administrador, sem interferência relevante do Judiciário.
Instituída como norma jurídica, a norma constitucional passou a ter como atributo a imperatividade, sendo observado que seus preceitos implicam comandos, mandamentos e ordens, dotados de força jurídica e mecanismos de coação e cumprimento forçado, caso haja inobservância ou insubmissão a estas normas. Criado em 2008 pelo governo federal, o Programa Territórios da Cidadania tem o intuito de promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas de cidadania através de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, em ações sociais e integradas entre o governo federal, estados e municípios. Cada território é formado por um conjunto de municípios com mesma característica
econômica e ambiental, identidade e coesão social, cultural e geográfica, e é composto atualmente por 120 territórios.
O Território da Cidadania a ser estudado neste trabalho será o Território do Vale do Ribeira, localizado no estado do Paraná, que abrange uma área de 6.079,30 Km² e é composto por sete municípios: Adrianópolis, Bocaiúva do Sul, Cerro Azul, Doutor Ulysses, Itaperuçu, Rio Branco do Sul e Tunas do Paraná. A população total do território é de 100.880 habitantes, dos quais 43.131 vivem na área rural, o que corresponde a 42,75% do total. Possui 5.596 agricultores familiares, nenhuma família assentada e 12 comunidades quilombolas. Seu IDH médio é 0,69.
No ano de 2013, as ações do Governo Federal nestas áreas se concentraram no apoio às atividades produtivas e ações de cidadania e direitos.
Para garantir a segurança alimentar, foi criado um programa de aquisição de alimentos provenientes da agricultura familiar, sem a obrigatoriedade de licitação, conforme a Lei 11.326/96. Esta ação, que destina seus produtos para pessoas em insegurança alimentar, prioriza as famílias com renda de R$ 70,00 per capita, beneficiados pelo Programa Brasil sem miséria. A aquisição destes produtos seguem normas, que definem os prazos e quantidades máximas, limitadas por unidade familiar.
Ações de apoio a projetos de infraestrutura e serviços nos territórios rurais são realizadas, a fim de fortalecer a agricultura familiar, como apoio técnico especializado, compra de equipamentos e máquinas, bem como veículos. Estas ações são debatidas e definidas dentro de cada colegiado territorial, e executadas, com apoio dos gestores municipais e estaduais, além de Organizações Não-Governamentais. Ainda sob a perspectiva do Programa Brasil sem Miséria, o Ministério de Desenvolvimento Social, em conjunto com o Programa Territórios da Cidadania, desenvolveu o programa de Proteção Social para Crianças e Adolescentes em Situação de Trabalho Infantil.
Considerações Finais
Concluímos, por meio de dados oficiais, a comprovação da hipótese da efetividade da norma constitucional, no que tange ao que diz o art. 3º, III, de nossa Carta Magna. A ação conjunta em diversas atividades, resultantes de parcerias entre os entes federativos e Ministérios da Educação, Saúde, Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social, tiveram como frutos, a exemplo, o apoio à agricultura familiar sustentável, compra de equipamentos e insumos agrícolas, aquisição de produtos da agricultura familiar sem a necessidade de licitação, conforme a Lei 11.326/96, ações de combate ao trabalho infantil, apoio à mulher trabalhadora rural, incentivo às ações de vigilância em saúde e inclusão digital nas redes de ensino. Estas ações vão de encontro a redução das desigualdades sociais e regionais, um dos objetivos que fundamentam a nossa República
Referências
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Constituição Federal: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014.
Portal da Cidadania.
<http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/one-community> Acesso em 17/08/2014.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
SILVA, José Afonso, Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 3 ed., 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1999.