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O conceito de capacidades militares. Uma nova forma de planeamento de Defesa 1

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2015/11/23

O conceito de capacidades militares. Uma nova forma

de planeamento de Defesa

1

Alexandre Reis Rodrigues

O conceito de capacidade como forma de

planeamento militar nasceu, pela mão dos EUA, no final da década de oitenta, com o fim da Guerra Fria. O objetivo era responder ao imperativo de substituir o planeamento baseado numa ameaça, que era então muito específica, por um planeamento pensado para enfrentar o imprevisto e o desconhecido, portanto, baseado na definição de um dispositivo que deveria estar disponível para um conjunto diversificado de situações.

O assunto, como era de esperar, sempre gerou interesse em Portugal, mas as perspetivas sobre a sua utilidade foram sempre muito diversas. Pela minha parte, nunca encarei o seu mérito apenas sob a ótica original, acima referida. Aliás, para uma pequena potência, com um reduzido papel internacional, essa consideração de planeamento, embora importante, não seria, certamente, a mais crítica. Na verdade, o que me fez interessar pelo assunto foi o ver nele um excelente contributo para repensarmos a nossa metodologia de planeamento de defesa e, sobretudo, o seu potencial para trazer mais racionalidade, objetividade e transparência ao processo.

Na minha ideia, seria a melhor forma de resolver a crónica vulnerabilidade dos nossos conceitos estratégicos de defesa nacional ao não estarem alicerçados num plano que sustente a sua concretização. Enquanto este assunto não for resolvido, os conceitos estratégicos, independentemente da qualidade do seu conteúdo, serão sempre de reduzida utilidade, pouco mais do que um papel interessante para discutir em alguns círculos mas que logo a seguir se guarda até vir um novo.

É verdade que, regra geral, temos conseguido garantir nos sucessivos conceitos estratégicos, quer um nível elevado de qualidade, quer uma linha de melhoria de conteúdos e de formato. Não tem, no entanto, havido o mesmo cuidado, nem de longe nem de perto, em adotar um nível idêntico de exigência no escrutínio da metodologia de planeamento que lhe está associada, que se mantém praticamente

inalterada desde o início da década de oitenta.2 aparte pequenas adaptações

pontuais mais ditadas pelo interesse de coordenar o planeamento nacional com o da NATO e da União Europeia do que para efetuar correções que a experiência de vários anos tem vindo a revelar serem necessárias.

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Texto que serviu de base a uma palestra proferida no IDN, no seminário comemorativo do 40º aniversário da Associação de Comandos, realizado nesta mesma data. O conteúdo desta apresentação encontra-se desenvolvido no livro “Planeamento militar por capacidades: uma visão político-estratégica”, do autor e editado pela Diário de Bordo.

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Mais exatamente, desde 1982, altura em que foi aprovada a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, entretanto, substituída por nova legislação que não alterou a metodologia adotada. Não obstante foram feitas pequenas adaptações, mais ditadas por necessidades de coordenação com os planeamentos da NATO e da UE, do que por interesse em corrigir aspetos que se foram revelando menos ajustados à realidade.

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Este problema é absolutamente central, na minha perspetiva. Portugal, como pequena potência, não se pode dar ao luxo de deixar somar ao problema sistemático de escassez de meios, as dificuldades de um sistema de planeamento estratégico de defesa que, devido a falhas, não garante a otimização dos poucos recursos.

Por algum tempo, perante a forma voluntariosa como o conceito parecia estar a ser adotado pelas estruturas da Defesa, pensei que Portugal estava no caminho da implementação da respetiva metodologia de planeamento. Afinal não estava. O primeiro passo, que seria definir um entendimento comum do termo capacidade, acabou por ser dado apenas em 2014 e não exatamente da melhor forma. Limitou-se a adotar a definição da NATO Limitou-sem cuidar de saber Limitou-se era essa a mais adequada para um pequeno país.

Entretanto, mesmo sem um entendimento comum, o termo passou a ser usado sobretudo para formular as leis de programação militar, sob a interpretação de que capacidades são os meios que as forças armadas devem ter para poderem cumprir as suas missões. Malgrado as constantes referências ao planeamento por capacidades na documentação oficial da Defesa, não se avançou minimamente. É o próprio Conceito Estratégico de 2013 que o reconhece ao renovar o compromisso de «implementar decisivamente a metodologia de planeamento por capacidades». Não vi, entretanto, qualquer medida a confirmar a vontade de honrar esse compromisso.

Não vai ser possível fazer progredir o assunto se não for pensado de raiz em função da realidade nacional que, obviamente, não tem nada a ver com a realidade americana, onde o conceito nasceu, nem com a realidade da NATO, que, nas linhas gerais segue a mesma doutrina. Para que possa progredir de forma útil e consistente terá que ser concebido a partir das circunstâncias específicas da nossa situação. Não vai valer a pena insistir em copiar modelos, como muitas vezes se tenta fazer. Teremos que criar o nosso próprio, um desafio a que se tem tentado passar ao lado.

É sob este objetivo que eu proponho tratar o planeamento militar com base no conceito de capacidades, encarando-o como uma nova forma de abordar, em primeira instância ao nível político estratégico, as necessidade de defesa militar para subsequentemente desenvolver o correspondente planeamento de forças. A essência do que proponho centra-se na ideia de capacidade como «uma aptidão para cumprir um determinado objetivo requerendo o emprego operacional das Forças Armadas». Inclui a associação integrada dos seguintes três componentes: O propósito que se pretende alcançar com a especificação das condições em que isso deve ser previsto (nível de conflitualidade máximo, requisitos de sustentação e mobilidade, duração, prontidão, etc.).

Os meios necessários para alcançar esse propósito (unidades, plataformas, equipamentos, sistemas de armas e sensores, etc.) e a organização sob a qual deve ser concebido o seu emprego.

Vontade política para a sua utilização, quando necessário ou conforme compromissos feitos.

Esta ideia rejeita a interpretação do termo capacidade como meios que devem ser disponibilizados às Forças Armadas para o cumprimento das missões atribuídas, que é a que tem tradicionalmente sido seguida, como atrás referido. É uma interpretação que, para mim, tem o inconveniente de encarar os meios como o produto final. Na ideia que defendo, os meios, sejam de que tipo for, (blindados,

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instrumentos que, organizados em função dos objetivos militares estabelecidos, podem servir várias capacidades, não sendo, regra geral, específicos de uma determinada.

Uma possível estrutura de capacidades

Como deve ser o modelo de uma estrutura de capacidades a um nível nacional depende da caracterização geopolítica de cada caso particular, não tendo necessariamente que haver uma arquitetura comum.

No patamar político-estratégico – que é o que estou a tratar neste artigo - e pensando nas especificidades de Portugal e no atual ambiente de segurança, imagino uma estrutura de capacidades delineada em duas grandes linhas, sob a ideia de que o papel das forças armadas reparte-se entre preservar a soberania e apoiar a política externa do Estado.

A estes dois grandes objetivos deverão corresponder quatro vertentes de ação, materializadas em outras tantas capacidades:

• Defesa do território e Vigilância e defesa do espaço interterritorial, que

correspondem, no essencial, ao exercício de funções de soberania;

• Exercer influência/Defesa de interesses e Afirmação da solidariedade

internacional, que insiro no âmbito do apoio à política externa.

Defesa do território Defesa e vigilância do espaço interterritorial Defesa de interesses/Exercer influência Preservar a soberania Apoiar a política externa Afirmar solidariedade internacional

Portugal, como é habitual num pequeno país, precisa de compensar as normais limitações para lidar autonomamente com qualquer eventualidade contrária aos seus interesses, com um esforço de redução das principais vulnerabilidades e com uma capacidade de defesa que lhe proporcione tempo para fazer funcionar os mecanismos internacionais disponíveis no espaço de segurança em que se insere. Essa capacidade – que designei acima como “defesa do território” - deve ser encarada como algo intrínseco à própria existência do Estado português e que não se justifica apenas em função das ameaças e riscos, embora sejam estes que vão definir os seus principais contornos.

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A vigilância e defesa do espaço interterritorial devem encarar esse espaço sob as seguintes quatro dimensões: espaço onde se joga parte dos desafios decorrentes da nossa dispersão territorial, como espaço onde o País detém a exclusividade de recursos potencialmente importantes, como espaço que funciona como a fronteira mais ocidental da União Europeia e, finalmente, como espaço onde o País detém responsabilidades internacionais (busca e salvamento, controlo do espaço aéreo, etc.).

As outras duas capacidades, que associo ao apoio à política externa, embora com pontos de interação com as do primeiro grupo, visam a otimização das potencialidades de afirmação internacional e de influência externa na defesa dos principais interesses nacionais e no evitar do isolamento internacional. Se, por um lado, dependem da iniciativa e nível de ambição nacional, por outro lado, devem assegurar o cumprimento de obrigações internacionais/afirmação da nossa solidariedade.

Serão estas duas capacidades que clarificarão se Portugal tem ou não o propósito de ir além do papel de um pequeno Estado que se limita a adaptar-se ao sistema internacional, não tentando contribuir para o influenciar na medida dos seus interesses. Será nelas que assenta a possibilidade de se concretizar a alternativa de ser visto como uma pequena potência, empenhada em usar o seu potencial estratégico nas áreas onde pode acrescentar mais-valias.

As vantagens do novo sistema

Como disse inicialmente, esta metodologia de planeamento trará mais racionalidade, objetividade e transparência, o que posso desdobrar em seis vantagens:

1ª - Facilita a adoção de uma metodologia que comece por identificar claramente o que se pretende alcançar - o output – sem prejuízo de o ir ajustando ao longo do processo em função de indispensabilidade de resolver o tradicional desencontro entre meios e objetivos que retira credibilidade ao planeamento e ao seu documento principal: o conceito estratégico de defesa nacional.

2ª - Evita os défices de orientação útil para os planeadores militares que, tradicionalmente, se verificam no formato adotado nos conceitos estratégicos de defesa nacional, porque obriga a uma mais clara formulação dos objetivos que as Forças Armadas devem atingir. Paralelamente, ajuda a introduzir realismo evitando as tradicionais metas muito ambiciosas que a opinião pública gosta de ouvir, mas que, na prática, ficam sempre sob o «condicionamento aos recursos disponíveis». Dito por outras palavras, traz para o processo uma racionalidade e clareza de propósito que o atual não tem proporcionado.

3ª - Melhora o processo das decisões de reequipamento na medida em que obriga a submeter todos os meios ao teste de verificação do seu efetivo contributo para o objetivo a alcançar. Evita o risco de dispersão dos recursos em meios que não são de utilidade comprovada para as capacidades em questão. Ajuda a clarificar a importância relativa de cada meio e assim estabelecer prioridades.

4ª - Auxilia a centrar a discussão sobre as forças armadas na clarificação do que devem estar prontas a garantir e não em saber se devem ter o meio X ou Y, vindo a identificação destes como corolário das opções tomadas. Fica facilitada a explicação pública dos gastos com a Defesa na medida em que os investimentos surgem sempre associados com um propósito concreto e não com um meio. Faculta uma melhor compreensão dos contributos que as forças armadas podem dar e uma mais clara visualização das potencialidades de associação das suas capacidades com as de outros departamentos do Estado.

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5ª - Auxilia a responder ao direito dos portugueses em saberem com que podem contar por parte das suas Forças Armadas e assim inverter a tendência do crescente desinteresse público pelas questões de defesa, o que acaba por constituir uma vulnerabilidade nacional.

6ª - Ajuda à construção de capacidades conjuntas, um objetivo que se tem deixado entregue às contingências do nosso potencial de improvisação, imaginando que pode ser realizada a partir da junção dos meios existentes em cada ramo. Ou seja, esquecendo que têm que ser concebidas de raiz e desenvolvidas condicionando, como necessário, o planeamento dos ramos.

Referências

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