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PEDAGOGIA DO MST E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

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Academic year: 2021

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PEDAGOGIA DO MST E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Claudia Gallert Resumo: O MST como movimento social de massas desenvolveu ao longo de seus vinte anos de formação, a preocupação com a Educação, e nesse sentido surgiu a necessidade de organizar a escola inserida no Movimento de acordo com seus interesses quanto movimento social em luta pela Reforma Agrária, com atuação na área rural, e que possibilitasse a formação do sujeito sociocultural Sem Terra. Nesse sentido, a escola não poderia ser um reflexo das escolas formais existentes, embora os caráter de escola pública e gratuita, sob responsabilidade do Estado não poderia deixar de ser considerado e exigido, então o MST inseriu nas suas bandeiras de luta a Educação voltada para a sua especificidade, portanto uma Educação Popular, do Campo e no Campo, e que estivesse de acordo com seus interesses enquanto classe trabalhadora do campo. Ao longo de seus vinte anos de historia, o MST organizou os princípios da Pedagogia do MST, que não se constitui uma nova Pedagogia, mas a reunião de elementos pedagógicos, filosóficos e sociológicos de teorias elaboradas por autores que servem de referencial teórico para a chamada Pedagogia do MST. Para entender essa construção é necessário fazer antes a analise da construção histórica do MST e como se deu em seu interior a preocupação com a Educação e quais as contribuições que o seu pensamento pedagógico tem a oferecer também para as escolas fora do MST, na construção de uma Educação que esteja voltada para a transformação social.

Palavras chaves: MST / Educação / Movimento dialético

Introdução: O MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - constitui-se hoje num importante movimento social no cenário político brasileiro, abrangendo sua

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atuação além das questões da Reforma Agrária. Um dos espaços que conta com a participação do MST é a Educação, mais especificamente a Educação do Campo, onde participa da elaboração de uma proposta pedagógica que atenda aos interesses das pessoas que vivem no meio rural, e assim garantir uma escola que esteja de acordo com suas especificidades quanto meio geográfico, cultural. Nesse sentido o MST tem atuado na elaboração de materiais que são usados como referencial teórico, nas lutas por políticas publicas etc.

No entanto, no momento de sua formação, o MST não preocupava-se com a Educação. Assim, para entender a atual participação do MST, é preciso perceber como foi se construindo, junto com o MST e com o sujeito Sem Terra a preocupação com a Educação, pois esta compreensão faz-se fundamental para entender a proposta pedagógica do MST.

Segundo CALDART, a preocupação do MST com a Educação, surgiu no interior do Movimento, no processo de formação do próprio Movimento e do sujeito Sem Terra. Para a autora, o MST não pode ser compreendido senão como o conjunto dos sujeitos que o constituem. Isso nos ajuda a entender porquê o MST que atua hoje não é o mesmo que surgiu a mais de vinte anos, quando sua única preocupação era com a terra, e a organização da luta por ela. No processo de formação do MST os sujeitos inseridos também vão se formando, tanto que hoje podemos verificar a existência de dois sujeitos, o sem-terra, que não possui terra, e o Sem Terra, sujeito sociocultural no interior do MST. Quando o indivíduo entra no MST, e não possui nenhuma propriedade rural, é chamado sem-terra, na medida que ele vai participando das vivência do Movimento, junto com as demais pessoas ali inseridas, e assim vai adquirindo uma série de princípios, valores, conhecimentos, que compartilha com os demais sujeitos na construção e efetivação de um projeto de sociedade que vise a superação da diferenciação de classes, se torna o Sem Terra. Esse Sem Terra pode ser muitas vezes alguém que compartilhe dos mesmos ideais e que encontrou no MST espaço para sua luta, sem nunca ter sido um sem-terra, por isso,

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é comum encontrarmos dentro do MST, pessoas que se dedicam as mais diversas áreas, agrônomos, pedagogos, advogados, economistas etc, e que são também Sem Terra. Esses dois sujeitos existem simultaneamente no MST, o sem-terra, quando novas pessoas ingressam no Movimento, e o Sem Terra, as pessoas que já constituem a coletividade do Movimento.

Para entender a preocupação do MST com a Educação é preciso compreender o processo histórico de formação do MST e do Sem Terra no movimento dialético de suas relações, e para isso constitui-se fundamental também entender o MST como sujeito educativo. Essas concepções constituem a base também da Pedagogia do MST.

Objetivos: Identificar a concepção pedagógica elaborada pelo MST a partir de teorias pedagógicas já existentes e suas contribuições para a construção de uma escola que esteja pautada nos princípios de emancipação humana, desenvolvimento omnilateral do homem e voltada para a construção de um projeto de sociedade que vise a superação da desigualdade de classes.

Metodologia: Tendo o movimento histórico dialético é possível entender os processos educativos que estão inseridos na trajetória histórica do MST, na sua construção em conjunto com a construção do sujeito sociocultural Sem Terra. Sob essa ótica, portanto, é que se pretende captar os aspectos educativos inseridos nos diferentes momentos históricos e nas vivências dos sem-terra, bem como se deu a ocupação da escola, passando pela organização de uma Pedagogia do MST. Fazendo, portanto a analise desse movimento de construção coletiva, pretende-se observar as condições que levaram o MST a se preocupar com a organização da referida Pedagogia.

Resultados: Esse sujeito sociocultural Sem Terra, tem sua formação como foi dito, no interior do MST e juntamente com a formação do MST. Isso é possível quando

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entende-se o movimento social como sujeito educativo, que orienta o processo de formação humana, buscando alternativas que vão de encontro com seus interesses formativos. No MST, isso se efetiva nas vivências que ele possibilita ao sujeito que ingressa na luta, nos momentos de ocupação, acampamento, assentamento, no ser Sem Terra e no processo de ocupação da escola. Cada momento desses tem sua contribuição na formação do Sem Terra, pois constituem-se espaços em que o indivíduo pode desenvolver valores, atitudes, romper com antigos valores etc.

No artigo primeiro da LDB encontramos a seguinte delimitação da educação:

Art. 1. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (sem grifo no original)

Assim entende-se que a educação possui elementos materiais de formação humana que estão além da escola e da relação professor/aluno, mas que se encontra na dinâmica social cotidiana e que integra aspectos de um determinado jeito de ser da sociedade onde acontecem. Logo, para se olhar a educação, não basta verificar como a dinâmica social condiciona as práticas educativas, mas também o movimento inverso. Assim, nesse processo de constante movimento, no caso específico do MST, ocorre o processo de formação do individuo e do Movimento na medida em que um influência no outro, estando ambos em constante processo de formação.

Avançando nesse olhar, é preciso perceber que o sujeito educativo (MST) acontece mesmo quando não é dito e tantas outras nem mesmo percebido, uma vez que acontece na

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própria vivência do individuo, na medida em que o MST se produziu historicamente como ambiente educativo do Sem Terra. Para entender como ocorreu esse formação do MST como sujeito educativo, é preciso fazer uma analise histórica do MST, abordando em conjunto como surgiu a preocupação com a Educação.

O primeiro momento histórico da formação do MST tem como marco inicial a ocupação da fazenda Sarandi, no Rio Grande do Sul, em 1979. a ocupação foi feita por um grupo de pessoas sem-terra, que aguardavam já a alguns anos a desapropriação da fazenda. Como o governo não cumpria com os acordos e prazos, a única saída tornou-se a ocupação. Esse grupo e outros de outros estados como Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, contavam com a ajuda da CPT - Comissão Pastoral da Terra, e também da igreja luterana. Essa ajuda das igrejas foi fundamental para a formação do MST, pois garantiu o contato dos grupos que atuavam então isoladamente na luta pela terra. Na região sul do pais haviam vários grupos como Mastro, Mastes, Masten, Mastreco, Mastel e outros, que se uniram então em janeiro de 1984 para a formação do MST. Nesse primeiro momento, seu lema era “Ocupar, Resistir e Produzir”, e sua preocupação era com a Reforma Agrária e a organização da luta pela terra.

Sendo o MST um movimento de massas, permite que nele ingressem todas as pessoas, sem distinção de raça, sexo ou idade. Isso fez com que nos acampamentos estivessem um grande numero de crianças, e logo surgiu portando a necessidade de escola para elas. Nesse momento, as mães que tivessem um pouco mais de escolarização, outras vezes freiras, é que davam aulas às crianças, mas não havia uma escola formal onde elas pudessem estudar. Ainda nesse momento uma das preocupações do MST era com a formação de lideranças, e para isso seria preciso voltar-se pra Educação. Assim, logo nesse primeiro momento as pessoas que constituíram o MST na sua formação inicial, puderam perceber nas primeiras conquistas de terra que sua luta iria muito além de apenas terra, então surge o lema, terra é mais que terra, pois perceberam que para garantir sua humanização, seria preciso além da terra, das condições básicas para

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cultivá-la e de outros aspectos, dentre eles a escocultivá-la. Então podemos afirmar, que no inicio o MST não tinha a Educação nas suas bandeiras de luta, mas que, a partir do momento que os sujeitos inseridos no Movimento passaram a atentar para a importância desta, foi organizado o Coletivo de Educação, com a finalidade de organizar as escolas nos assentamentos e acampamentos e de se preocupar com a formação de professores. Nesses coletivos surgiram as discussões de como organizar uma escola que realmente tivesse voltada para o campo e para aquelas crianças.

No segundo momento do MST, a preocupação maior é a organização interna quanto movimento de massa, inserindo na sua luta os interesses individuais e coletivos dos sujeitos, buscando organizar-se estruturalmente a fim de garantir a continuidade das lutas desses sujeitos, seja acampado ou assentado, uma vez que a formação inicial se dá no acampamento, e os interesses e vivencias desses sujeitos são diferentes momentaneamente dos assentados, mas já devem visualizar o próximo momento que é a organização do assentamentos. Para os sujeitos que já estão assentados, o MST precisa garantir a continuidade da luta, abrangendo aqui o principio de que terra é mais que terra. Esse segundo momento histórico abrangeu as bandeiras de luta do MST, exigindo maior organização interna visando manter a unidade do Movimento.

No que se refere a Educação, o MST busca estruturar-se internamente para garantir a luta pela educação que já havia sido iniciada. As praticas nas escolas e nos Coletivos de Educação já apontavam para a necessidade de uma articulação nacional que garantisse a unidade do trabalho pedagógico, foi então o momento de criação do Setor de Educação, é uma organização maior dentro do MST que irá elaborar a proposta de educação, ou proposta pedagógica do MST, pois já não se trata mais de apenas ter acesso a escola, mas de constituí-la como parte de sua indenidade, fazer da escola conquistada, uma escola do MST, e para isso é necessário ter os princípios teóricos definidos, a fim de garantir a unidade do trabalho escolar em diferentes locais. Uma das funções portanto do Setor de Educação é a organização de tais princípios teóricos, filosóficos e pedagógicos, inicia-se

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portanto a elaboração de materiais para serem estudados pelos envolvidos no processo educativo formal do MST.

As crianças e jovens ganham novo espaço de atuação dentro do Movimento, e há a aproximação entre formação e educação, visto que, antes, entendia-se que a formação ocorria apenas nas vivencias, e com o Setor de Educação, esta começou a ser organizada também nos espaços de educação formal.

Nas experiências com as escolas, logo se percebeu que uma escola dentro do MST, seja no acampamento ou no assentamento, não poderia ser igual as demais escolas formais. Deveria ser uma escola que estivesse de acordo com os interesses do Movimento, das especificidades da realidade do campo, da produção agrícola, e que estivesse pautada nos mesmos princípios do MST. É nesse sentido que o Setor de Educação foi buscar em autores como Paulo Freire, Krupskaya, Makarenko, Pistrak e José Martí, os elementos teóricos para organização dos Cadernos de Educação.

No seu terceiro momento histórico, o MST prioriza ações que visam mostrar à população geral que a Reforma Agrária não é interesse corporativo do sem-terra, mas sim uma dimensão fundamental para a melhoria da vida de todos os brasileiros. Passa a lutar por um projeto popular de desenvolvimento para o Brasil, e como agora é impossível dissociar a Educação desse processo, já insere em seus questionamento e discussões qual a contribuição da escola do MST na formação dos sujeitos que vão agir nesse projeto de desenvolvimento. É nesse momento que o MST se articula nas discussões referentes à Educação Básica no Campo, pois as políticas educacionais voltadas para a educação no campo até hoje estiveram comprometidas com as elites rurais, deixando a margem da questão os que realmente necessitavam de uma educação que estivesse de fato voltada aos interesses de quem vive no campo: os trabalhadores rurais com ou sem terra.

A falta dessas políticas então forçou o MST a tomar a frente das discussões junto com outras entidades, forçando assim as instâncias públicas a abrir espaço para debate das necessidades e especificidades dessa modalidade educativa, para propor uma educação

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inclusiva, que compreenda as necessidades especificas da realidade rural, bem como sua diversidade cultural, rompendo com a atual escola rural que tem sido apenas uma extensão da escola urbana, pois “o campo é mais que uma concentração espacial geográfica; é o cenário de uma série de lutas e movimentos sociais, é o ponto de partida para uma série de reflexos sociais; é um espaço culturalmente próprio, detentor de tradições, místicas e costumes singulares; é ainda um espaço com dimensões temporais independentes do calendário convencional civil. Enfim, o homem e a mulher do campo, são sujeitos historicamente construídos a partir de determinadas sínteses sociais, que são especificas, de dimensões diferentes da urbana.” (MARTINS, 2004)

Essa participação na luta por políticas publicas estreita suas relações com a sociedade, pois passa a fazer a discussão junto com a mesma, buscando algo que será útil tanto para o Movimento como para as pessoas que vivem no campo e não tem relação com o MST mas também sofrem com a falta de políticas educacionais para essa particularidade da população.

Internamente, há a ruptura da separação entre formação e educação, deslocando a escola para o centro da proposta de educação, buscando sua maior valorização. A escola ganha um novo olhar, e passa a ser vista como um tempo e um local fundamentais no processo de formação dos sem-terra, mas entende suas limitações, não atribuindo a ela um papel que não lhe cabe, que é a formação do Sem Terra, uma vez que parte dessa ocorre nas vivencias cotidianas dentro do Movimento.

Aqui a Educação passa a ser vista como “mais do que escola”, o Movimento todo é a “escola” que formará o Sem Terra, o que é preciso separar, é o papel especifico da escola nesse processo, o que pode dar conta e o que deve ser feito nos outros espaços educativos do Movimento, como a ocupação, o acampamento, a organização do assentamento. Percebe-se um movimento no caminhar do MST quanto à questão da educação, nesses três momentos, enquanto no primeiro a preocupação era com o que e como ensinar, no segundo a preocupação maior foi em como organizar a escola, e no terceiro o foco de

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discussão é o sujeito a ser formado, e a partir disso pensar nos outros aspectos do processo educativo. Isso não quer dizer que um momento tenha sido mais importante que o outro, mas foram partes de um processo histórico onde os sujeitos MST e Sem Terra foram construindo sua preocupação com a Educação e suas ações nesse aspecto. Hoje esse processo é chamado de “ocupação da escola”.

O processo de ocupação da escola trouxe algumas contribuições na formação do Sem Terra, como a importância que receberam os novos personagens que foram construídas na trajetória do MST: a criança, o Sem Terrinha e a professora Sem Terra. Quanto a professora Sem Terra, possui três componentes identitários levantados por Roseli Caldart, que são a sua condição de mulher, oficio de educadora que se preocupa com as dimensões pedagógicas de sua ação e dos demais, e a participação na luta pela terra e na organicidade do MST. Abrindo espaço para a participação feminina com suas características próprias nas lutas, e trazendo a preocupação pedagógica das ações dos sem-terra, chamando a atenção de todos para o processo educativo que existe nas relações e vivências diárias. Além de propiciar uma nova característica no Sem Terra que hoje é tido como um sujeito que estuda, dentro do Movimento o conhecimento tem papel fundamental na vida de todos, e percebem a importância do conhecimento na sua luta. Essa foi a trajetória histórica do MST no processo de ocupação da escola. De acordo com uma perspectiva dialética, tem-se claro que esse não é o fim do processo, mas que continuará se construindo nas vivências dos Sem Terra e nas atuações do MST.

Perceber como se deu esse processo é fundamental para entender a Pedagogia do MST, pois estes princípios tratados até aqui e que se fizeram presentes na formação do MST e dos Sem Terra estarão presentes também na referida Pedagogia, uma vez que fazem parte do entendimento do processo histórico e do processo de formação e emancipação humana em todos os aspectos do Movimento. O principio aqui tratado é o princípio do movimento, do que não está parado, do constante processo de formação.

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Paulo Freire, Krupskaya, Makarenko, Pistrak e José Martí os elementos teóricos pedagógicos que orientariam o trabalho nas suas escolas. Portanto, o MST não construiu uma nova Pedagogia, mas colocou as teorias existentes em movimento, buscando referencial teórico que viesse ao encontro de suas proposições quanto ao projeto de sociedade, a visão de homem e de mulher, a organização coletiva, ao trabalho pedagógico e aos demais aspectos que vão constituir o MST como sujeito educativo, sempre baseados no principio do movimento dialético e na concepção do materialismo-histórico, voltados para a emancipação humana e para a superação da sociedade de classes. Hoje o MST continua produzindo material teórico para suas escolas, e também participa ativamente das discussões e lutas por uma escola do campo.

Um desses materiais são os Cadernos de Educação, sistematizados pelo Coletivo Nacional do Setor de Educação do MST que tratam de assuntos como planejamento, avaliação, metodologia, gestão etc. Este material é utilizado pelas escolas dos acampamentos e assentamentos para organizar sua prática afim de evitar que esta caia no espontaneísmo, já que a organização do MST “está cada vez maior e mais complexa. A luta dos trabalhadores cresce em necessidade e força, por isso os desafios também aumentam e ficam mais complexos. A educação precisa assumir as tarefas que lhe cabem nesse processo de fortalecimento da organicidade, de clareza do projeto político dos trabalhadores e de construção prática e cotidiana da sociedade, da justiça social e da dignidade humana” (MST: 1999, 03)

O Caderno de Educação N° 08 trata dos princípios da Educação no MST que direcionam a organização do PPP das escolas dos assentamentos. Sendo estes os princípios que fundamentaram as demais particularidades da educação torna-se imprescindível sua análise para facilitar o entendimento da educação no MST.

O MST formulou seus princípios de educação para elaborar suas diretrizes de ação, foram divididos em filosóficos e pedagógicos para entender as questões especificas, embora na realidade estejam ligados.

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O Caderno de Educação N° 08 trás a seguinte definição:

Os princípios filosóficos dizem respeito a nossa visão de mundo, nossas concepções mais gerais em relação a pessoa humana, à sociedade e ao que entendemos que seja educação. Remetem aos objetivos mais estratégicos do trabalho educativo no MST. (MST: 1999, 04)

Sendo eles:

1. Educação para a transformação social: esse princípio visa a transformação da sociedade atual e a construção de uma nova ordem social, baseada na justiça social, radicalidade democrática e valores humanistas e socialistas, para isso o MST propõe:

a) Educação de classe: visa a construção da hegemonia do projeto político da classe trabalhadora com o compromisso de desenvolver a consciência de classe e consciência revolucionária.

b) Educação massiva: direito de todos à educação.

c) Educação organicamente vinculada ao movimento social: necessidade de construir uma proposta de educação do MST (mais do que uma educação para o movimento) ligada às lutas, aos objetivos do movimento.

d) Educação aberta para o mundo: abertura de horizontes dos educandos.

e) Educação para a ação: desenvolver a chamada “consciência organizativa”, para que as pessoas não apenas critiquem, mas ajam na intervenção da realidade. f) Educação aberta para o novo: aberta para entender e para ajudar a construir as

novas relações sociais e interpessoais, tem a ver com novos valores e novas relações entre pessoas.

2. Educação pra o trabalho e a cooperação: educar para o trabalho é diferente de educar para o mercado de trabalho. Tem o objetivo de ajudar a solucionar os problemas dos acampamentos e dos assentamentos para garantir a permanência no campo e melhorar a qualidade de vida, tudo isso com base na cooperação, como possibilidade de organizar a vida no meio rural.

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voltada para a formação omnilateral que prioriza o homem em seus diversos aspectos, sendo alguns deles: formação político-ideológica, formação organizativa, formação técnico-profissional, formação do caráter ou moral, formação cultural e estética, formação afetiva e formação religiosa.

4. Educação com/para valores humanistas e socialistas: romper com os valores da sociedade capitalista, centrada no lucro e no individualismo, enfatizando os valores humanistas e socialistas, onde o ser humano e a sua liberdade são centro dos processos de transformação, além da apropriação coletiva dos bens materiais e espirituais da humanidade.

5. Educação como um processo permanente de formação/transformação humana: crença na capacidade de transformação do ser humano.

Quando aos princípios pedagógicos o Caderno de Educação N° 08 define-os como “o jeito de pensar e fazer a educação, para concretizar os para concretizar os próprios princípios filosóficos. Dizem dos elementos que são essenciais e gerais da nossa proposta de educação, incluindo especialmente a reflexão metodológica dos processo educativos”. (MST: 1999,04)

São eles:

1. Relação entre prática e teoria.

2. Combinação metodológica entre processo de ensino e de capacitação. 3. A realidade como base da produção de conhecimento.

4. Conteúdos formativos socialmente úteis. 5. Educação para o trabalho e pelo trabalho.

6. Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos. 7. Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos. 8. Vínculo orgânico entre educação e cultura.

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10. Auto-organização dos estudantes.

11. Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores. 12. Atitudes e habilidade de pesquisa.

13. Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.

O MST entende esses princípios pedagógicos como uma forma de colocar em prática os princípios filosóficos, e tendo em vista que podem existir práticas diferentes num mesmo princípio buscou fundamentá-los da seguinte forma: na relação entre teoria e prática, se vê necessário que o indivíduo seja capaz de articular com competência esses dois aspectos, é bem educado o sujeito que sabe juntar o que vê na escola com o cotidiano e a luta, que consegue dar conta dos desafios do contexto social atual, como um cidadão e como integrante do MST.

O MST procura fazer distinção entre os processos de ensino e de capacitação. Porque no ensino o conhecimento vem antes da ação e na capacitação a ação antecede o conhecimento sobre ela. Quem ensina é o educador e quem capacita é uma atividade objetiva onde essa ação provoca a pessoa a aprender, não desaparece o educador, porém seu papel muda, pois é ele quem introduz a atividade objetiva. O MST procura combinar o ensino e capacitação, ora priorizando um ora outro, dependendo dos objetivos para a formação em determinado tempo. É importante combinar também a educação com a vivência dos educandos na forma deles organizarem a escola em forma de cooperativa para uma educação omnilateral. No MST é estabelecido nas escolas ou cursos não só as listas de conteúdos, mas também as metas de capacitação, ou seja, as habilidades a serem desenvolvidas numa disciplina ou etapa do curso e isso implica na reformulação dos métodos de avaliação porque estes costumam estar voltados para a apreensão de conteúdos. Deve ser partir da realidade do educando é necessário que os educandos produzam conhecimento, mas conhecimento sobre a realidade, porém não só a realidade que os cerca e sim a do mundo, no entanto é não é possível conhecer o mundo sem

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conhecer o assentamento ou acampamento, é nele que se vive e é para melhorar as condições de vida nele que se estuda. Partindo da realidade mais próxima, já conhecida pelos educandos é um facilitador no processo de aprendizagem. Se aprende passando pelo particular para o geral e do geral para o particular. Partir da realidade próxima é um método pedagógico para chegar ao conhecimento da realidade mais ampla. “educadores que não conhecem a realidade não tem como desenvolver um ensino que a tenha como base(...) Quem vive num assentamento não necessariamente conhece a sua realidade” (MST: 1999, 14).

No MST partilha-se da convicção pedagógica que os conteúdos são instrumentos para atingir os objetivos tantos os ligados ao ensino quanto à capacitação. Isto significa que não é qualquer conteúdo que serve precisam ser escolhidos adequadamente. Pode-se dizer que os conteúdos são sínteses de conhecimento. Não se tem condições de ensinar e nem de aprender tudo. Então o currículo ou programa do curso é montado fazendo uma seleção de conteúdos, nesse sentido é preciso ter clareza de que esta escolha não é neutra ela tem a ver com os objetivos educacionais e sociais mais amplos, não se pode esquecer que o conhecimento é produzido socialmente. Por isso os conteúdos têm incorporados os interesses sociais, posições políticas.

Na proposta de educação do MST o trabalho tem valor fundamental, quando se diz criar sujeitos para a ação se entende que esses sujeitos são principalmente trabalhadores. Vincular educação com o trabalho é condição para realizar os objetivos políticos pedagógicos. Educação ligada para o mundo, a escola não tem como único objetivo à formação para o trabalho, mas é lugar privilegiado para dar conta disso selecionando conteúdos vinculados ao mundo do trabalho. Para isso alguns objetivos pedagógicos se tornam importantes como desenvolver amor pelo trabalho, especialmente no meio rural. Entender o valor do trabalho e superar a discriminação do trabalho manual e intelectual, educando para ambos.

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e também o trabalho como construtor de relações sociais é espaço privilegiado para exercício de cooperação e democracia.

Estabelecer vínculo orgânico entre a educação e a política significa fazer a política entrar, atravessar os processos pedagógicos que acontecem nas escolas ou cursos de formação. É necessário alimentar a indignação ética diante das injustiças e de indignidade humanas. Não se pode perder a sensibilidade frente à lógica da violência da exclusão, imposta pelo modelo de sociedade atual. É preciso intencionalmente cultivar esta sensibilidade porque os espaços e os meios de comunicação social dominantes estão fazendo o contrário, essa indignação é necessária para a mudança na sociedade e em cada um dos indivíduos. Incentivar os educandos para se organizarem e para que aprendam a lutar pelos seus direitos de criança, de jovens, de estudantes, de mulheres, de homens, de trabalhadores, de cidadãos, etc. Chegar a ser militante é a meta porque nada mais efetivo no aprendizado político do que pertencer a uma organização, assumir seu caráter, seus princípios, objetivos, cheio de conflitos, de desafios, mas também vitórias, conquistas, alegrias. Isto é uma dimensão fundamental para um a educação comprometida com a transformação social.

Para o MST é importante vincular também o processo de educação com a inserção concreta (real) dos educandos em algum tipo de processo econômico, é necessário vincular organicamente a educação com a economia, isto significa aproximar os estudantes do funcionamento do mercado e dos processos produtivos. Esta aproximação vai desde fazer o levantamento de preços de produtos até conhecer de perto unidades de produção (indústrias ou agroindústrias) adequando os objetivos e atividades as diferentes idades e cursos. Relacionar os educandos com o mercado no sentido de produzirem algum serviço para outras pessoas que não eles próprios, como, por exemplo, montar uma peça de teatro para a comunidade pode alterar o jeito das crianças se interessarem pela leitura. Entender as regras de funcionamento do mercado no que se trata de comercialização de bens e serviços produzidos através do desenvolvimento de

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experiências do trabalho como geração de renda. Esses vínculos são fundamentais não se pode abrir mão deles, principalmente nos processos pedagógicos que visem a capacitação em organização.

Conclusões: O MST inovou na sua visão de educação e de escola, pois partiu do princípio do movimento, que por si só tem um poder de libertação. Sua intencionalidade quanto à escola é lembrá-la de suas funções mais fundamentais que é a formação humana omnilateral. Não se trata de construir uma escola/pedagogia revolucionária, mas de revolucioná-las, colocar as teorias que já existem em pratica, voltando ao compromisso da emancipação humana, processo que não é responsabilidade exclusiva da escola, mas esta constitui-se em um dos espaços que participam desse processo. Um espaço fundamental pela especificidade do trabalho escolar, que é o trabalho com o conhecimento socialmente construído e historicamente acumulado. É a escola o local onde os indivíduos se apoderam desse conhecimento que, se constitui por sua vez numa poderosa arma de libertação da classe trabalhadora.

Para a efetivação da ocupação da escola, é necessário entende-la como local de luta pela hegemonia política (se afastando da concepção de escola enquanto local de reprodução social) já que é possível organizá-la de forma a atender aos interesses da classe trabalhadora e não apenas da classe dominante. Dentro de um movimento social articulado como o MST, essa luta ganha força e conquista espaços nas instituições escolares, potencializando a retomada da construção de uma utopia voltada para emancipação humana, não apenas na escola, mas nesta também, a fim de desempenhar sua função na construção de tal utopia.

Assim, a Pedagogia do Movimento não se constitui numa referência que se limita as escolas localizadas nos assentamentos e acampamentos, mas numa proposta de sistematização que, tendo a democracia e o trabalho como princípios educativos, visa organizar uma escola onde a atividade-fim (formação) está intimamente ligada a

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atividade-meio (ensino-aprendizagem) - se é que em algum momento exista a capacidade de separá-la -, trazendo questionamentos que visam a reconstrução do trabalho escolar, e sua relação com a comunidade enquanto agente educacional desta e vice-versa, percebendo o movimento histórico dialético presente nessas relações e nessa construção, visando sempre a formação de uma nova cultura que supere os valores e costumes capitalistas e de um projeto de sociedade que vise a superação da sociedade de classes. Referências bibliográficas:

Brasil. Referencias para uma política nacional de Educação do Campo: caderno de subsídios. 2004

Brasil. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002.

Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educacional Nacional, Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Expressão Popular, São Paulo, 2004.

MARTINS, Fernando José. Gestão Democrática e Ocupação da Escola; O MST e a Educação. Porto Alegre: EST, 2004.

MORISSAWA, Mitsue. A Historia da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001.

Pistrak, M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2002.

Documentos elaborados pelo MST

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