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Palavras-chave: Tomás de Aquino. Enunciado. Intelecto. Linguagem. Verdade. Verbo.

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A Teoria da Linguagem em Tomás de Aquino

Richard Lazarini

Universidade de São Paulo (USP) Mestrando

Resumo

Tomás de Aquino, em seu Comentário ao De Interpretatione de Aristóteles, ao tratar do desenvolvimento da linguagem no homem, analisa a relação existente entre a realidade material, a alma humana e as palavras (escritas e faladas), estabelecendo, dessa maneira, um percurso que parte da realidade material e desemboca, por intermédio das palavras, na relação com outros homens: o homem por ser naturalmente um animal político e social, tem a necessidade de manifestar suas concepções aos demais; contudo, se fosse um animal solitário, o homem não teria necessidade de se relacionar – de maneira comunicativa – com os demais. Diante disso, nosso objetivo, neste trabalho, é o de analisar o modo pelo qual Tomás estabelece a relação entre a realidade, a alma humana e as palavras. Para isso, será necessário investigar o íntimo dessa relação, que, em última instância, se realiza numa sinergia entre a realidade e a alma humana (a qual possui duas partes: a sensitiva e a intelectiva), ou melhor, numa conjugação entre a realidade, a alma sensitiva – que proporciona a apreensão dos singulares –, a alma intelectiva – que proporciona o conhecimento dos universais – e as orações enunciativas. A cognição humana segue um percurso que é iniciado pelo contato que o homem tem com as coisas sensíveis – que lhes são externas – para, consecutivamente, passar pelo trato da imaginação, abstração, produção de conceitos, raciocínio até culminar na formação de enunciados que podem ser proferidos pelas vozes ou, então, cristalizados, por meio de signos, na escrita. Portanto, cumpre enfatizar que tal relação abre caminho para as paixões da alma. Estas são caracterizadas pela recepção do intelecto daquilo que lhe é próprio, isto é, a ‘espécie inteligível’. É essa recepção que possibilitará tanto a formação intelectiva de concepções (ou conceitos) universais quanto o ato de raciocinar, ocasionando, desse modo, a formação das vozes significativas e das palavras escritas.

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Introdução

Nesta investigação, o triângulo semiótico aristotélico (que se configura pela relação entre as coisas, as afecções ou paixões da alma e as palavras faladas e escritas) será analisado mais detidamente na parte que constitui a sua afecção: é a análise de sua afecção que permitirá o entendimento do processo cognitivo humano o qual é o lastro da linguagem. Contudo, antes de tratarmos mais detalhadamente desse processo, será interessante fazer uma referência à necessidade humana de expressar – por meio das vozes e da escrita – a composição e divisão dos conceitos intelectivos (pois o homem é, naturalmente, um animal social; não um animal solitário), os quais, neste âmbito, assumem o caráter de ‘verbum mentis’: termo intencional expresso pela linguagem falada. Após uma breve referência à necessidade de se expressar (por vozes e pela escrita), trataremos da produção dos conceitos intelectivos e da síntese – entre o particular e o conceito – possibilitada pelo ato reflexivo do intelecto. Tais conceitos não são necessários apenas à realização da síntese concretiva, mas também à segunda operação intelectiva, a qual compõe e divide conceitos: tal operação possui a função de sintetizar ou separar conceitos. A síntese dos conceitos pode ser chamada de predicação. Todavia, antes de entrarmos na análise sobre os tipos de predicações, tornar-se-á necessário tratar das partes constituintes das orações predicativas, quais sejam, os nomes e os verbos. Assim, em seguida, ser-nos-á permitido tratar da diferença entre os nomes e os verbos e da caracterização específica dos verbos. Posto isso, analisaremos, por fim, e de modo geral, os tipos de predicações: 1) a predicação existencial e 2) a predicação atributiva. Pela análise dos tipos de predicações, teremos alguns elementos para compreendermos como as partes da oração predicativa (sujeito, verbo e predicado) articulam-se nas orações predicativas elementares.

• O processo de intelecção e a linguagem

Tomás, no seu Comentário ao De Interpretatione, assume a validade do triângulo semiótico aristotélico: as palavras escritas significam, por convenção, as vozes (ou sons orais) que, por seus turnos, significam, por convenção, as paixões da alma (conceptum, verbum mentis), as quais, por natureza, caracterizam-se como similitudes das coisas. Se um signo é simples e significa, por convenção, atemporalmente, conceitos – os quais são similitudes das coisas –, tal signo poderá ser chamado nome. Contudo, se um signo simples significar, convencionalmente, de modo temporal, ações ou paixões, ele poderá ser denominado verbo. Verbos nada mais são do que signos de coisas

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ditas de alguma outra coisa, por isso, são expressões incompletas, pois exigem o complemento de um nome para formar uma oração predicativa.

Antes de entrarmos, propriamente, na análise dos nomes, verbos e predicados, faz-se importante tratar, em linhas gerais, sobre modo pelo qual procedem às paixões na alma.

Segundo Tomás de Aquino, Aristóteles, em sua obra De Interpretatione, sustenta que as palavras escritas, as vozes e as paixões da alma estão intimamente relacionadas no processo de linguagem. Das paixões da alma inferem-se as coisas existentes na realidade sensível: as paixões da alma procedem de algum agente. Agente é aquilo que age, ou seja, aquilo que é ativo. O que é ativo contrapõe-se ao que é passivo: a relação entre as coisas sensíveis e os sentidos corpóreos humanos é uma relação entre o que é ativo e o que é passivo – os sentidos, as suas maneiras, são passivos em relação às coisas materiais que lhe são externas. Enfatize-se que a alma humana, consoante a Tomás, é entendida como tendo duas partes: a sensitiva e a intelectiva. Diante disso, as paixões da alma podem ser entendidas de dois modos: 1º) de modo em que as coisas – externas e singulares – afetam os sentidos; 2º) de modo em que as concepções intelectivas permitem a formação do conhecimento intelectual humano. As concepções intelectuais decorrem dum processo abstrativo que permite o intelecto possível (ou passivo) receber a impressão – por intermédio duma capacidade chamada ativa chamada ‘intelecto agente’ – da ‘espécie inteligível’ dos fantasmas (phantasmata). No contexto do conhecimento intelectual humano, o termo ‘impressão’ (imprimire: aplicar com pressão) parece revelar um duplo caráter: da parte daquele que imprime, este termo pode ser considerado como ativo; da parte do que recebe a impressão, este termo pode ser considerado como passivo. Quem imprime a ‘espécie inteligível’ no intelecto possível é o intelecto agente, nessa medida, o intelecto agente é aquele que aplica a impressão. Por outro lado, o intelecto possível, na medida em que recebe a impressão da ‘espécie inteligível’, é passivo. Neste caso, a passividade da impressão pode ser entendida como um tipo de ‘paixão’ (patio: sofrer; ser passivo), a qual também pode se caracterizar como ‘afecção’ (afectio: modificação; alteração) do intelecto possível – após ter a ‘espécie inteligível’ impressa pelo intelecto agente.

• As vozes significativas

É pela teoria de conhecimento – a qual é constituída pelas paixões da alma no âmbito intelectivo, onde a abstração, realizada pelo intelecto agente, permite o intelecto possível receber as ‘espécies inteligíveis’ para a formação de conceitos, os quais, após passarem pelo processo de composição e divisão, podem ser expressos – que Tomás de Aquino fundamenta o modo pelo qual a linguagem (as vozes significativas e a escrita) se realiza. Todavia, junto a essa formação do

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conhecimento no espírito humano, há o fato do homem não ser, naturalmente, um animal solitário, pois, caso contrário, as paixões já seriam suficientes a ele: é pelas paixões da alma que o homem passa a ter, a seu modo, conhecimento intelectual referente às coisas sensíveis.

Por ser naturalmente um animal político e social, o homem tem a necessidade de manifestar suas concepções aos demais pela voz. É necessário que as vozes contenham algum significado para que os homens possam conviver bem entre si mesmos. Entretanto, aqueles que falam línguas diferentes não podem conviver bem entre si, a não ser que passem a aprender a língua que lhes é estranha, pois, caso contrário, não haverá entendimento entre eles, já que o idioma de uns não terão significado para outros, dificultando a compreensão e conseqüente convivência de uns para com os outros.

Se o homem utilizasse apenas o conhecimento sensível, que trata do aqui e do agora, a voz seria suficiente para os homens conviverem entre si mesmos – tal como fazem as bestas que, por algumas vozes, conseguem atingir certo nível de convivência e ‘compreensão’ entre si mesmas. Todavia, o homem, ao contrário das bestas, forma vozes significativas: as vozes significativas são formadas a partir do conhecimento intelectual que abstrai as ‘espécies inteligíveis’ e universais do aqui e do agora, ou melhor, das determinações particulares dos fantasmas (imagens das coisas sensíveis). É pelas ‘espécies inteligíveis’ que o homem, num processo de intelecção, produz conceitos, os quais expressam universalmente a quididade da coisa inteligida. Considerada como um universal, tal quididade configura-se como aquilo que pode ser predicado a muitos. Este tipo de predicação envolve uma relação entre o conceito quididativo e o fantasma: é essa relação que possibilita, por exemplo, a afirmação de que ‘Sócrates é homem’.

• O ato reflexivo

Há uma cópula entre o singular e o conceito quididativo universal. Por exemplo, a ligação entre o termo ‘homem’ (conceito universal) e ‘Sócrates’ (imagem de um determinado indivíduo) permite a formação da seguinte frase: ‘Sócrates é homem’. Essa correspondência ocorre na medida em que o intelecto, a sua maneira, atribui um significado àquilo que é singular, realizando, assim, uma conjugação, de uma ordem posterior – e diversa – da ordem puramente abstrativa, entre o sensível e o conceito intelectivo.

Nesse ponto, faz-se importante tentar esclarecer o que seja esse tipo de atribuição (a qual permite a conexão de um universal a um particular). Para isso, será necessário destacar, primeiramente, que no De Potentia (I, q.8, a. 1), Tomás distingue quatro elementos constitutivos no ato de inteligir: [i] a coisa inteligida (ou fantasma), [ii] a ‘espécie inteligível’, [iii] o próprio ato de

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intelecção e [iv] o conceito do intelecto. O conceito distingue-se não apenas da coisa inteligida (ou fantasma) – na medida em que esta pode existir fora dele –, mas também difere da ‘espécie inteligível’ – enquanto esta tem a função de atualizar o intelecto possível. Quer dizer, na medida em que oferece o conteúdo atualizador – isto é, a ‘espécie inteligível’ – do intelecto possível, a coisa inteligida (ou fantasma), a sua maneira, comporta-se como princípio do ato de inteligir; por outro lado, o conceito configura-se como o termo (terminus) do ato de intelecção. Além disso, também cumpre dizer que, segundo Tomás, a operação de inteligir não se identifica com o termo – ou seja, com o conceito (conceptum, verbum mentis) – dessa operação.

O intelecto conhece diretamente o universal e, indiretamente, por certa reflexão, o singular. Para Landim, a conversio ad phantasmata é uma orientação do intelecto ao fantasma para que este possa, a seu modo, ter a sua ‘espécie’ abstraída. A conversio é diversa do conhecimento do singular, o qual envolve uma reflexão sobre os atos sucessivos do intelecto, ou seja, a conversio não é uma ‘reflexão’: a conversio é caracterizada pela capacidade intelectiva de ver a ‘espécie inteligível’ no fantasma, ao passo que a ‘reflexão’ é uma operação intelectiva na qual são remontados, aos seus modos, os processos de considerações referentes aos atos intelectivos, a saber: o conceito quididativo universal, o ato de intelecção que produz esse conceito, a ‘espécie inteligível’ e o fantasma do qual a ‘espécie’ foi extraída. Ou seja, é na remontagem desses atos que o intelecto passa a inteligir o singular, do qual o fantasma é uma similitude. Landim diz que o conhecimento do singular é indireto, pois supõe não só o ato de conhecer o universal, mas também o retorno, por meio de certa reflexão, às diversas considerações intelectivas envolvidas na realização do ato direto – ou abstrativo – referente ao conhecimento dos universais. Em outros termos, poder-se-á dizer que a reflexão possibilita a formação duma cadeia regressiva que, de certa maneira, é iniciada pelo conhecimento do universal e encontra sua realização na síntese com o fantasma, que é uma similitude da coisa concreta.

• Os nomes e os verbos

Os conceitos – enquanto condições de realização da operação de composição e divisão do intelecto – podem ser considerados como ‘verbum mentis’, condição de possibilidade da linguagem expressa seja por voz, seja por escrita. Destaque-se que, neste caso, a composição não é a mera união de conceitos. Quer dizer, composição e divisão não significam nada mais do que sintetizar conceitos por modo de predicação: em toda proposição, o predicado ou se aplica ao sujeito ou, então, dele é removido ou separado. O sujeito duma oração predicativa é expresso como aquilo

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sobre o qual podem “cair” diversas propriedades que lhe sejam comuns. Por meio do predicado são expressas propriedades do sujeito.

As orações predicativas são expressões complexas constituídas, essencialmente, de nomes e verbos. Quando se relaciona um verbo a um nome forma-se uma oração predicativa elementar (pois predicar é atribuir uma propriedade a uma coisa): nomes e verbos exercem funções distintas e complementares numa oração predicativa: os nomes exercem a função prioritária de sujeito e os verbos exercem a função de “predicado”.

Segundo Tomás, o verbo distingue-se do ‘nome’ de três modos: 1) o verbo co-significa o tempo, ao passo que o nome não tem referência ao tempo. 2) O ‘nome’, por um lado, significa algo como existindo por si, isto é, na medida em que é concebido como uma substância, mas o verbo, por outro, significa a ação e a recepção. 3) O verbo pode ser distinguido não somente do ‘nome’, mas também do particípio, pois os ‘nomes’ e os particípios podem estar ao lado do sujeito ou do predicado, mas o verbo encontra-se do lado do predicado. A título de esclarecimento, cumpre enfatizar que, no latim, o particípio pertence à classe dos ‘nomes’, não a classe dos verbos.

Todavia, destaque-se que, de certa maneira, os verbos podem ter valor de ‘nomes’: seja no infinitivo (por exemplo: correr é se mover), seja dum outro modo (por exemplo: corro é um verbo). Tomás diz que, nesse caso, ‘nome’ é tomado no sentido geral para significar alguma coisa. Enfatize-se que agir e receber são também alguma coisa. Portanto, de certo modo, os próprios verbos, na medida em que nomeiam, podem ser considerados, em sentido lato, ‘nomes’. Por outro lado, o ‘nome’, enquanto se distingue do verbo, significa uma coisa sob um determinado modo, a saber, enquanto uma coisa pode ser compreendida como existente por si: donde decorre que os ‘nomes’ podem ser considerados não apenas sujeitos, mas também predicados. Aqui, o ‘nome’ – enquanto distinto do verbo – pode assumir a função de predicado como sendo a expressão da qualidade de um sujeito.

Aquele que pronuncia um nome ou um verbo isoladamente produz alguma compreensão referente à primeira operação, que é a simples concepção de algo; mas, não produz nenhuma compreensão no que se refere à segunda operação, a qual compõe e divide os verbos e os nomes. O verbo não significa, isoladamente, o verdadeiro ou falso na realidade. O verbo isolado não significa se a coisa é ou não é, pois o verbo, nesse caso, é considerado de modo abstrato – separado de tudo aquilo que o possa determinar, ou seja, separado da coisa. Antes de avançarmos na consideração sobre os modos de predicação, faz-se importante esclarecer, de maneira breve, que a função do verbo é a de significar a ação a modo de ação, cuja natureza é inerir num sujeito: cabe ao verbo significar à maneira de ação ou recepção (a recepção, neste caso, nada mais é do que uma ação passiva daquele que recebe algo). O movimento –

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característico da ação e da paixão – é medido pelo tempo. Segundo Nascimento, ao se dizer que o verbo co-significa o tempo, não se deve considerar que haja uma primordial referência, dentre as variações do verbo, entre o passado e o futuro ao lado do presente. Explica-se: se o verbo é “o que significa o agir ou o receber, resulta que o verbo no sentido próprio é o que significa o agir ou o receber em ato”, ou seja, o agir e o receber puro e simples. O agir e o receber puro e simples (ou o agir e o receber em ato) são o agir e o receber presentes. Os verbos no passado e no futuro não são verbos no sentido forte, mas variações do verbo, pois eles são apenas relativamente e sob certo aspecto. O verbo no sentido forte é aquele considerado no presente, o qual significa a ação ou a recepção no seu desenrolar e co-significa o tempo que mede tal ação ou recepção. Este ponto torna-se imprescindível para a compreensão do pretorna-sente co-significado pelo verbo: o pretorna-sente não deve ser considerado um ‘indivisível’, tal como um instante, “pois no instante não há movimento, nem ação, nem recepção; deve-se tomar o tempo presente que mede a ação que começa e não está ainda determinada pelo ato”. ‘Ser’, em primeiro lugar, significa aquilo que “cai” no intelecto à maneira de atualidade, assim o verbo ‘ser’ significado como ‘ser em ato’, pode ser expresso pelo termo ‘é’. Esse tipo de atualidade – por referir-se ao composto (matéria e forma) – deve ser considerada como imperfeita, pois, ao seu modo, significa o movimento em seu desenrolar, o qual é mensurado pelo tempo

5 A função dos nomes e dos verbos

Feita essa breve consideração sobre os tempos verbais, cabe-nos agora dizer que, segundo Landim, a consideração de Tomás sobre os nomes e os verbos flutua entre uma caracterização meramente gramatical dessas expressões (nome seria um signo oral convencional sem partes significativas) e uma caracterização funcional (nomes exerceriam a função de sujeito da oração predicativa; verbos, a função de predicados. Os sujeitos teriam a função de mencionar coisas e os predicados de caracterizá-las). Mesmo que sujeito e predicado exerçam funções logicamente heterogêneas e complementares, nomes, por um lado, podem exercer a função de predicados e verbos, por outro, podem exercer a função de sujeitos.

A relação entre sujeito e predicado deve ser analisada, inicialmente, pelas considerações a respeito do verbo ‘ser’, isto é, o verbo ‘ser’ pode ser interpretado 1) como nome, significando ‘ente’, portanto, significando coisas ou 2) como predicado (significando propriedades de coisas). Como predicado, o ‘ser’ pode ser compreendido (a) como parte de um predicado complexo, exprimindo a inerência de propriedades nas coisas que foram mencionadas pelo sujeito (‘ser’ como cópula), (b) como um predicado simples, significando a existência factual de coisas mencionadas

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pelo sujeito (‘ser’ como existente).

6 Os modos de predicação

Para se compreender melhora relação entre verbo, sujeito e predicado, faz-se necessário dizer que apenas as orações ditas ‘verdadeiras’ ou ‘falsas’ são enunciativas; as outras espécies de orações, não. As orações de outros tipos não significam o ‘verdadeiro’ ou o ‘falso’, pois não fazem perfeito sentido na alma do ouvinte e não exprimem o julgamento da razão. Tomás cita cinco tipos de orações: enunciativas, deprecativas, imperativas, interrogativas e vocativas. Destas cinco, apenas a enunciativa significa o verdadeiro e o falso. As orações vocativas, interrogativas, imperativas e deprecativas não significam o verdadeiro e o falso, elas possuem apenas uma ordem consequente a esses julgamentos; apenas a enunciativa é efeito do julgamento de verdadeiro ou falso.

As orações perfeitas são as orações predicativas, as quais se caracterizam pela aplicação ou separação de uma propriedade à coisa significada pelo sujeito. Assim, determina-se o que está sendo atribuído ao que está sendo mencionado. Desse modo, por exemplo, uma oração interrogativa, se satisfizer as condições da predicação, será uma oração predicativa, mas não será uma oração enunciativa, já que interrogações não são nem verdadeiras e nem falsas. Entretanto, a síntese do predicado com o sujeito, na predicação, se realiza mediante o verbo ‘ser’. Este verbo possui tanto ‘função de síntese’ quanto ‘função existencial’. As orações predicativas podem ser classificadas, segundo Landim, em orações de segundo ou de terceiro adjacentes. Tal distinção mostra a função desempenhada pelo verbo ‘ser’ e, além disso, permite a diferenciação entre a ‘função atributiva’ e a ‘existencial’ dos enunciados.

A oração de segundo adjacente é constituída por dois termos: sujeito e verbo. Se o verbo da segunda oração adjacente for o verbo ‘ser’, então, tal oração será significada pelo sujeito que existe. A oração de terceiro adjacente, por sua vez, é constituída de um sujeito e de um predicado formado por duas palavras: o verbo ‘ser’ e outra expressão (‘nome’ que significa um conceito). Esse enunciado pode ser caracterizado como ‘S é P’, em que ‘é P’ configura-se como uma expressão complexa formada por dois termos, sendo um deles, um ‘nome’. ‘É’ é adjacente ao predicado principal. ‘É’ é o terceiro, não por ser um terceiro predicado, mas é uma terceira expressão colocada no enunciado que, com outro predicado, forma um único predicado, de modo que o enunciado é dividido em duas, não em três partes. “O verbo ser, na medida em que exerce a função de cópula, assume o sentido do verbo ‘inesse’: a forma significada pelo sujeito está (ou não) na coisa significada pelo sujeito”. Quer dizer, tanto a predicação essencial quanto a predicação acidental

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fazem parte da predicação atributiva.

As funções de segundo e terceiro adjacente permitem a diferenciação linguística entre a função existencial e a função atributiva das orações. O enunciado ‘S é’ é um enunciado existencial, ou seja, ele indica que existe o objeto mencionado pelo sujeito (por exemplo: ‘Sócrates é’). Contudo, num enunciado de terceiro adjacente (‘S é P’), não se afirma, diretamente, a existência efetiva do que é expresso pelo sujeito, mas considera-se que a coisa indicada pelo sujeito satisfaz à propriedade significada pelo predicado. Desse modo, a existência da coisa mencionada não é afirmada, embora possa ser suposta. Ressalte-se que supor a existência duma coisa não é o mesmo que afirmar sua existência.

O enunciado ‘S é P’ não significa que ‘S existe enquanto P’, pois, nestes tipos de enunciados, a existência não é posta, mas apenas suposta. Isso quer dizer que a forma predicativa do enunciado não é suficiente para determinar o gênero de suposição de existência que deve ser feito para que o enunciado seja verdadeiro. Assim, por exemplo, enunciados predicativos elementares negativos, ao contrário dos enunciados predicativos afirmativos, podem ser verdadeiros – mesmo que não existam as coisas mencionadas pelo sujeito.

A afirmação nada mais é do que a enunciação de algo sobre algo; a negação é a enunciação de que algo está excluído ou separado de outro algo. Apenas a forma predicativa não é suficiente para determinar a veracidade ou falsidade: tal determinação se dá na medida em que o ato judicativo opera sobre a oração predicativa.

Conclusão

Tomás de Aquino toma como base a teoria do conhecimento para poder abordar o desenvolvimento da linguagem no homem. Por isso foi-nos necessário tratar, de maneira geral, do modo pelo qual o conhecimento se desenvolve no homem, já que é neste desenvolvimento que ocorrem as paixões da alma. Estas, como dissemos acima, podem ser entendidas de duas maneiras: a) no âmbito sensitivo da alma humana, quando as coisas – externas ao homem – atuam sobre seus sentidos, possibilitando a formação dos fantasmas; b) no âmbito intelectivo da alma humana, quando, por um processo abstrativo, a ‘espécie inteligível’ do fantasma é impressa, pelo intelecto agente, no intelecto possível, que, após recebê-la, entra em ato e produz conceitos universais, os quais, na medida em que são especificados, tornam-se termos intencionais – ‘verbum mentis’ – que podem ser expressos pela linguagem. No primeiro caso, a paixão se caracteriza pela ação direta das coisas sensíveis na alma sensível humana; no segundo caso, a paixão ocorre na medida em que o intelecto possível recebe a impressão da ‘espécie inteligível’ advinda dum processo abstrativo dos

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fantasmas. Tomás concentra-se no segundo tipo de paixão – que é aquela em que o intelecto possível é afetado –, porque tal paixão está mais diretamente ligada com o raciocínio e a formação do ‘verbum mentis’, que são essenciais para expressão da linguagem humana.

Para Tomás, as vozes nada mais são do que efeitos desse processo cognitivo, cuja finalidade é possibilitar a comunicação entre os homens – pois o homem é naturalmente um animal social. Conquanto, as vozes significativas, que fazem parte desse processo, possuem alguns elementos básicos, quais sejam: os nomes e os verbos. Tais vozes podem se manifestar de maneira simples, como quando se diz, por exemplo, ‘homem’ ou ‘Sócrates’, ou, então, de maneira um pouco mais complexa, como quando se diz ‘Sócrates é um homem virtuoso’. As vozes significativas nada mais são do que convenções humanas. Contudo, existem também, segundo Tomás, vozes que possuem significações naturais, tais como o choro das crianças, o grito dos enfermos e as vozes das bestas. Todavia, são as vozes que possuem significações convencionadas que interessam ao aquinata, pois elas são nada mais do que efeitos das paixões da alma. As vozes significativamente convencionadas tratam das coisas – externas à alma humana – de modo mediato – não imediato. As palavras escritas, por sua vez, são signos das vozes convencionadas.

As orações enunciativas são fundamentais na medida em que são os únicos tipos de orações que tratam do verdadeiro e do falso. Os outros quatro tipos de orações (vocativa, interrogativa, imperativa e deprecativa) não dizem respeito à verdade ou à falsidade nas orações. Diante disso, Tomás destaca que a oração enunciativa é a que mais lhe interessa, pois as outras convêm mais à retórica e à poética do que à ciência demonstrativa, a qual é o objeto principal do seu Comentário ao De Interpretatione. É a ciência demonstrativa que induz o intelecto a assentir o verdadeiro. As demonstrações das orações enunciativas significam às coisas na medida em que a verdade delas está na alma por conta dum processo de raciocínio que é encerrado pelo julgamento da razão. O retórico e o poeta, em contrapartida, induzem o ouvinte para o consentimento do que pretendem, ou seja, manipulam as intenções dos ouvintes, por isso não possuem necessário compromisso com a verdade. O retórico e o poeta se esforçam para induzir algumas paixões nos ouvintes, ou seja, suas orações visam à ordenação da intenção do interlocutor para aquilo que lhes interessa. Na ciência demonstrativa, em contrapartida, há a pretensão de se construir, por julgamentos de verdade e falsidade, as orações enunciativas, as quais possibilitam a comunicação científica, ou seja, a comunicação que produz conhecimento, stricto sensu, entre os homens.

Posto isso, cumpre dizer que o nosso objetivo foi o de tentar mostrar como as partes, constituintes da oração enunciativa, articulam-se entre si, possibilitando, dessa maneira, as predicações. Para isso, tratamos, primeiramente, do processo reflexivo, no qual se conecta um conceito a uma imagem particular (fantasma), conexão que parece servir como uma espécie de base

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para os tipos de predicações referentes à segunda operação intelectiva que, a seu modo, compõe e divide conceitos.Todavia, numa tentativa de aprofundamento desse ponto, tornou-se importante, em seguida, tratarmos das partes constituintes das orações enunciativas, a saber, os nomes e os verbos, pois compreendendo a função de cada um deles, pudemos ver o modo como se relacionam. Tal relação torna-se fundamental na medida em que, a seu modo, possibilita os tipos predicações, quais sejam: as predicações atributivas e as existenciais – que parecem repousar em uma concepção ontológica referente ao ser e ao seu ato, os quais possuem relação com o tempo e com o movimento.

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