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A organização narrativa em adultos

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Instituto de Educação e Psicologia

Laura Bettencourt Tomás Ferreira

A Organização Narrativa em Adultos

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Instituto de Educação e Psicologia

Laura Bettencourt Tomás Ferreira

A Organização Narrativa em Adultos

Tese de Mestrado em

Psicologia / Área de Especialização em

Psicologia Clínica

Trabalho efectuado sob orientação do

Professor Doutor Óscar Gonçalves

e co-orientação da

Professora Doutora Margarida Henriques

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DECLARAÇÃO

Laura Bettencourt Tomás Ferreira laura.bettencourt@gmail.com BI: 10794492

A Organização Narrativa em Adultos

Orientada pelo Professor Doutor Óscar Gonçalves e pela Professora Doutora Margarida Rangel Henriques

Novembro, 2007

Dissertação de candidatura ao grau de Mestre em Psicologia, área de especialização em Psicologia Clínica, do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

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AGRADECIMENTOS

Começo por agradecer a todas as pessoas que, contando as suas histórias, possibilitaram que este projecto passasse do mundo das ideias ao mundo do concreto.

Ao Professor Doutor Óscar Gonçalves, orientador deste trabalho, agradeço toda a colaboração, apoio e dedicação ao projecto e o carácter inspirador do seu humor, sabedoria, profissionalismo e prontidão.

À Professora Doutora Margarida Rangel Henriques, co-orientadora deste estudo, um sincero agradecimento pela forma apaixonada, inteligente, rigorosa e encorajadora como se envolveu no planeamento e concepção deste trabalho.

À Dr.ª Carla Martins agradeço o precioso auxílio no tratamento estatístico dos dados. À Marta Jorge, fiel companheira dos estudos, das viagens, do entusiasmo e dos anseios, agradeço a amizade e a presença ao longo de todo este percurso que percorremos lado a lado. Eis que chegou o momento.

Às colaboradoras de recolha e transcrição dos dados e às colaboradoras que cotaram as narrativas, Marta Jorge, Andreia Couceiro, Fidjy Rodrigues, Catarina Gonçalves, Marta Martins,

Ana Pinto, Cátia Lopes, Sónia Monteiro, Eva Fernandes e Cláudia Santos agradeço toda a

colaboração e o esforço.

À amiga Professora Doutora Fátima Feliciano pelo constante incentivo, exemplo de profissionalismo e de vida.

Ao pai, à mãe, à avó, ao avô e à tia e à irmã obrigada pelo apoio e carinho e por possibilitarem a minha narrativa de vida.

Ao César pela presença constante e pela admiração incondicional que coloca nos meus sonhos.

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A Organização Narrativa em Adultos RESUMO

A linguagem e a narrativa têm sido alvo de um crescente interesse no estudo dos fenómenos psicológicos e no desenvolvimento de práticas terapêuticas. Baseando-nos no pressuposto de que significamos o mundo e a experiência discursivamente, a narrativa funciona como um organizador da dimensão caótica da experiência. Actualmente, conceptualiza-se que a riqueza narrativa está associada a níveis de bem-estar psicológico mais elevados e que, ao disfuncionamento psicológico, correspondem formas mais pobres ou rígidas de produção narrativa. Diversas investigações sobre o desenvolvimento narrativo têm vincado, ainda, a marcada evolução a que se assiste a este nível desde a infância até à idade adulta para formas cada vez mais ricas de organização e significação da experiência. Nesse sentido, acreditamos ser fundamental dar particular atenção à compreensão da organização narrativa, pelo que, com a presente investigação pretendemos contribuir para a compreensão da produção narrativa em adultos, como esta evolui desde a infância até à vida adulta e, ainda, de que forma se distingue das narrativas de sujeitos com perturbação psicológica. Assim, analisámos as narrativas de 126 adultos sem perturbação psicológica, com idades compreendidas entre os 20 e os 45 anos, do sexo feminino e masculino e com níveis sócio-culturais (NSC) distintos, quanto às suas três dimensões centrais, Estrutura, Processo e Conteúdo, através da metodologia desenvolvida por Gonçalves, Henriques e colaboradores. Os objectivos do presente estudo são: a) analisar a organização narrativa de adultos quanto à coerência Estrutural, complexidade de Processo e diversidade de Conteúdo, bem como a influência da idade, NSC e sexo; b) analisar de que forma as narrativas destes adultos diferem das narrativas de adultos com diagnóstico psicopatológico, nomeadamente de agorafobia e de dependência de opiáceos; c) traçar a tendência evolutiva do desenvolvimento narrativo ao nível da Estrutura, Processo e Conteúdo desde a infância até à idade adulta. Observámos que os adultos sem psicopatologia constroem narrativas com uma boa coerência Estrutural e uma boa diversidade de Conteúdo, embora apresentem uma complexidade de Processo mais pobre. Verificou-se, ainda, que o sexo e a idade não determinaram qualquer diferença na produção narrativa, embora o número de anos de estudo revele influenciar positivamente a riqueza narrativa. Quanto à comparação com os sujeitos com diagnóstico clínico, encontrámos, no geral, narrativas mais ricas para os adultos sem perturbação psicológica. Por fim, a observação da produção narrativa ao longo da vida sugere uma tendência evolutiva: da diversidade de Conteúdo sobretudo ao longo da infância, com um ligeiro aumento no final da adolescência; da complexidade de Processo desde a infância até ao final da adolescência e da coerência Estrutural ao longo dos 45 anos estudados, mais denunciada até ao início da idade adulta – 20-25 anos – altura a partir da qual parece haver uma estabilização até aos 45 anos de idade.

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Narrative Organization in Adults ABSTRACT

Language and narrative have been used in the study of psychological phenomena and in the development of therapeutic practice with increasing interest. Bearing in mind the fact that we mean the world and experience discursively, narrative works as an organizer of the chaotic dimension of experience. Currently it is conceptualized that a rich narrative is associated with psychological well-being and that psychological dysfunction corresponds to poor or rigid forms of narrative production. Several researches about narrative development point out the marked evolution since infancy until adulthood into richer forms of experience organization and meaning. Recognising thus the importance of narrative organization, the present study intends to contribute for its understanding in adults, its development since childhood and still the distinction between the narratives of a healthy adult and of a psychological disturbed one. For these purposes, we analyzed the narratives of 126 adults without psychological disturbances, aged between 20 and 45, from both sexes and from distinctive layers of society in its three central dimensions: Structure, Process and Content using the methodology developed by Gonçalves, Henriques and collaborators. Our goals are: a) analyzing adult’s narrative organization as for its structural coherence, complexity of process and diversity of content as well as the influence of age, sex and social-cultural level; b) analyzing in which way the narratives of these adults differ from the ones of adults to whom agoraphobia and opiates dependence has been diagnosed; c) identifying the evolutional tendency of narrative development in terms of Structure, Process and Content since infancy until adulthood. We were able to observe that adults without psychological diagnosis construct narratives with good structural coherence and good diversity of content but weaker complexity of process. Data also shows that sex and age do not determine different narrative production, but the number of study years can positively influence narrative act. Compared to subjects with clinical diagnosis, healthy adults tend to show richer narratives. Finally, the observation of narrative production throughout the life course suggests: a tendency to improve Content diversity mostly during infancy, with a slight increase towards the end of adolescence; to improve Process complexity since infancy until the end of adolescence and to improve Structural coherence all along the 45 studied years, with stronger incidence until the beginning of adulthood – 20-25 years old – when it seems to stabilize until the age of 45.

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ÍNDICE

Introdução 17

Parte I. Enquadramento Teórico 19

1. Narrativa 21

1.1 Narrativa e construção do conhecimento 21

1.2 Narrativa e psicologia 23

1.3 Narrativa, psicoterapia e psicopatologia 26

1.3.1 Estrutura, Processo e Conteúdo como dimensões da matriz narrativa 30

1.3.2 Matriz narrativa em pacientes com diagnóstico de agorafobia e de dependência de opiáceos 38

2. Desenvolvimento narrativo 39

2.1 Desenvolvimento narrativo ao longo da vida: infância, adolescência e vida adulta 39

2.2 Desenvolvimento da Estrutura, Processo e Conteúdo narrativos na infância e na adolescência 43

2.3 As variáveis sócio-culturais e demográficas na construção narrativa 45

Parte II. Análise da Organização Narrativa em Adultos: Comparação com Grupos Clínicos e com Diferentes Etapas do Desenvolvimento 49

1. Introdução 51

2. Método 52

3. Apresentação dos resultados 57

4. Discussão dos resultados 101

Conclusões 113

Referencias Bibliográficas 121

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ÍNDICE DE FIGURAS E TABELAS

Tabela 1.

Distribuição da amostra por idade, sexo e nível sócio-cultural 52

Tabela 2.

Médias, desvios-padrão e teste T das notas globais das narrativas autobiográficas 58

Figura 1.

Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas

autobiográficas 59

Tabela 3.

Médias, desvios-padrão e teste de Friedman das sub-dimensões da estrutura das narrativas

autobiográficas 60

Figura 2.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência

estrutural, comprometimento avaliativo e integração das narrativas autobiográficas 60

Tabela 4.

Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões

do processo das narrativas autobiográficas 61

Figura 3.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação

emocional, subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas autobiográficas 62

Tabela 5.

Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do conteúdo

das narrativas autobiográficas 63

Figura 4.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das narrativas autobiográficas 63

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Figura 5.

Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção 65

Tabela 7.

Médias e desvios-padrão das sub-dimensões da estrutura das narrativas de ficção 66

Figura 6.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência

estrutural, comprometimento avaliativo e integração das narrativas de ficção 66

Tabela 8.

Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do processo das

narrativas de ficção 67

Figura 7.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação

emocional, subjectivação cognitiva e metaforização, das narrativas de ficção 68

Tabela 9.

Médias, desvios-padrão, teste de Friedman e teste de Wilcoxon das sub-dimensões do conteúdo

das narrativas de ficção 69

Figura 8.

Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das narrativas de ficção 69

Figura 9.

Médias das notas globais: estrutura, processo e conteúdo das narrativas autobiográficas e das narrativas

de ficção 70

Tabela 10.

Teste T para as notas globais das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 71

Figura 10.

Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

(14)

Tabela 11.

Teste de Friedman e Teste de Wilcoxon das notas das sub-dimensões da estrutura das

narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 72

Figura 11.

Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação emocional,

subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 73

Tabela 12.

Teste de Friedman e teste de Wilcoxon das notas das sub-dimensões do processo das

narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 74

Figura 12.

Médias das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das

narrativas autobiográficas e das narrativas de ficção 75

Tabela 13.

Teste de Friedman e teste de Wilcoxon das notas das sub-dimensões do conteúdo das narrativas

autobiográficas e das narrativas de ficção 75

Tabela 14.

Médias, desvios-padrão e Analise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 76

Figura 13.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas da amostra normativa e

da amostra clínica 77

Tabela 15.

Médias das sub-dimensões da estrutura da amostra normativa e da amostra clínica 78

Figura 14.

Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 78

Tabela 16.

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Tabela 17.

Médias das sub-dimensões do processo da amostra normativa e da amostra clínica 80

Figura 15.

Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação emocional,

subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 80

Tabela 18.

Ordem Média, teste de Kruskal-Wallis e teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do

processo das narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 80

Tabela 19.

Médias das sub-dimensões do conteúdo da amostra normativa e da amostra clínica 81

Figura 16.

Médias das notas das sub-dimensões do conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das

narrativas da amostra normativa e da amostra clínica 82

Tabela 20.

Ordem Média, teste de Kruskal-Wallis e teste de Mann-Whitney para as notas das sub-dimensões

do conteúdo das narrativas autobiográficas da amostra normativa e da amostra clínica 82

Tabela 21.

Médias e desvios-padrão das notas globais das narrativas da amostra normativa, da amostra de

pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes com dependência de opiáceos 83

Figura 17.

Médias das notas globais da estrutura, do processo e do conteúdo das narrativas das amostras

normativa, de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos 84

Tabela 22.

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das narrativas da amostra normativa, da amostra de

pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes com dependência de opiáceos 84

Tabela 23.

Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões da estrutura das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes

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Figura 18.

Médias das notas das sub-dimensões da estrutura: orientação, sequência estrutural,

comprometimento avaliativo e integração das narrativas da amostra normativa, da amostra de

pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos 86

Tabela 24.

Teste de Mann-Whitney nas notas das sub-dimensões da estrutura das narrativas das amostras

normativa, de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos 86

Tabela 25.

Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões do processo das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes

de opiáceos 87

Figura 19. Médias das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação

emocional, subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos 88

Tabela 26.

Teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do processo nas narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes de opiáceos 88

Tabela 27.

Ordem Média e teste de Kruskal-Wallis das notas das sub-dimensões do conteúdo das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes

de opiáceos 89

Figura 20.

Médias das notas das sub-dimensões da conteúdo: personagens, cenários, acções e temas das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e da amostra de pacientes dependentes

de opiáceos 90

Tabela 28.

Teste de Mann-Whitney das notas das sub-dimensões do processo das narrativas da amostra normativa, da amostra de pacientes com agorafobia e de pacientes dependentes de opiáceos 90

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Figura 21.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por grupo etário 92

Tabela 30.

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas de ficção por sexo 93

Figura 22.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por sexo 93

Tabela 31.

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais das narrativas de ficção por NSC 94

Figura 23.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas de ficção por NSC 95

Tabela 32

Análise da Variância Multivariada (MANOVA) das notas globais por etapa de desenvolvimento 96

Figura 24.

Médias das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das crianças, adolescentes e adultos

das narrativas de ficção 97

Tabela 33.

Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo por grupos etários 98

Figura 25.

Médias das notas globais da estrutura das narrativas de ficção por grupo etário 99

Figura 26.

Médias das notas globais do processo das narrativas de ficção por grupo etário 100

Figura 27.

Médias das notas globais do conteúdo das narrativas de ficção por grupo etário 100

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INTRODUÇÂO

“Estar vivo é criar uma história entre um princípio que não se recorda e um final do qual não se conhece nada”.

Excerto do documentário Génesis

Ricoeur (1985) interessou-se por perceber de que forma a construção de uma narrativa histórica se torna numa representação do funcionamento humano. O autor, contestando uma visão essencialista da organização do conhecimento, realça a narrativa como sendo aquilo que confere significado ao mundo e aos acontecimentos. Na psicologia, a conceptualização de uma abordagem narrativa, teve início com as propostas de Sarbin (1986), Bruner (1986) e Polkinghorne (1988), servindo de base a um conjunto de trabalhos de investigação e de modelos de psicoterapia. A narrativa vai ganhando terreno como fenómeno psicológico central e como organizadora da existência (Gonçalves, 2000) servindo a função humana vital de construção de significado (Bruner, 1990). Como refere Boltman, (cit. in Freitas, 2005) as crianças surgem como contadoras de histórias, na tentativa de explicar e compreender a vida, fazendo-o de forma cada vez mais sofisticada ao longo do tempo. Compreende-se, assim, por que motivo a análise da narrativa passou a ter um lugar de destaque na compreensão da existência humana (Freeman, 1993), tornando-se cada vez mais pertinente o estudo desta forma de (co)construção de conhecimento. Neste contexto, foram surgindo trabalhos que se debruçaram sobre diferentes patamares de análise. Uns procuraram estabelecer de que forma se pode analisar a matriz narrativa e, portanto, que elementos a constituem, outros, debruçando-se sobre o desenvolvimento narrativo, procuraram perceber como este evolui e que funções ocupa na vida da criança em particular e do ser humano em geral. Uma outra área de investigação é aquela que se tem debruçado sobre a relação entre a construção narrativa e o bem-estar ou a perturbação psicológica, apontando para uma diferente conceptualização da psicopatologia e, ainda, para o enriquecimento dos modelos de intervenção psicoterapêutica. Gonçalves (2000) propõe um modelo que distingue três dimensões centrais da organização e desenvolvimento da matriz narrativa, enquadrando diversos trabalhos de investigação que têm emergido neste

domínio. Assim, a Estrutura, o Processo e o Conteúdo surgem como elementos organizadores do

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presente trabalho. Segundo este modelo, o grau de coerência Estrutural, de Complexidade do Processo e de diversidade de conteúdo surgem como equivalentes do funcionamento ou disfuncionamento psicológico. Como refere o autor, a psicopatologia surge como manifestação da dificuldade em construir de forma variada e flexível e, sem prejuízo da coerência, os episódios múltiplos e contraditórios que caracterizam a nossa experiência.

A primeira parte deste trabalho pretende contextualizar a emergência da psicologia narrativa, apresentar os seus principais pressupostos e elementos que a definem. Será ainda explorada a construção narrativa na relação com o bem-estar psicológico e com a psicopatologia, dando um maior enfoque a essa relação ao nível das três dimensões de análise da matriz

narrativa: Estrutura, Processo e Conteúdo. Ainda na primeira parte iremos apresentar algumas

investigações que nos pareceram mais pertinentes no estudo do desenvolvimento narrativo, destacando, mais uma vez, àquelas que se debruçaram sobre o desenvolvimento das referidas dimensões da matriz narrativa, nomeadamente na infância e na adolescência.

A segunda parte do presente estudo será dedicado à investigação empírica, onde iremos analisar 126 narrativas de adultos sem perturbação psicológica. Um dos objectivos será então o

de analisar a organização da matriz narrativa destes adultos ao nível da Coerência Estrutural, da

Complexidade do Processo e da Diversidade de Conteúdo, tendo ainda em consideração a influência das variáveis sexo, idade e nível sócio-cultural. Um segundo objectivo desta investigação prende-se com a natureza normativa da nossa amostra, facto que irá permitir uma análise comparativa com amostras de sujeitos com diagnóstico clínico (nomeadamente de agorafobia e de dependência de opiáceos) que foram alvo de estudo em investigações anteriores. Por fim, com o objectivo de traçar a tendência evolutiva da construção narrativa ao longo da vida, iremos basear-nos tanto nos resultados obtidos pela nossa amostra de adultos, como nos resultados obtidos com crianças e com adolescentes em duas recentes investigações que partilham o mesmo sistema de análise da presente investigação.

Com este estudo pretendemos aumentar o conhecimento sobre a organização e desenvolvimento narrativo e sobre a sua relevância no bem-estar ou no sofrimento psicológico. Desta forma, acreditamos contribuir não só para uma melhor compreensão do funcionamento do ser humano, como para a possibilidade de melhores opções terapêuticas.

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Parte I

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(23)

1. Narrativa

1.1 Narrativa e construção do conhecimento

“Stories are everywhere” (Howard, 1991, p. 188). Desde que nascemos, muito do que

nos é dito, do que vivemos e do que pensamos é-nos apresentado sob a forma de narrativas. Para Howard (1990) a abordagem narrativa é definida como uma posição filosófica que posiciona os seres humanos como contadores de histórias, como agentes activos do conhecimento, como narradores ou autores das suas vidas, onde dar significado à existência emerge como uma questão central. Ricoeur (1985) chama a atenção para a forma como a construção da narrativa se torna numa representação do funcionamento humano, deixando de fazer sentido procurar a história como uma representação do real. Assim, a análise da narrativa e a descoberta do que a constitui posiciona-se como um passo importante na compreensão da existência humana (Freeman, 1993). Se as histórias se relacionam intimamente com a forma como pensamos, nos relacionamos e como construímos conhecimento, parece evidente a importância de se estudar a narrativa como forma de construção de conhecimento e significado. Como reconhece Bruner (1990) a psicologia deve centrar-se não naquilo que as pessoas fazem, mas naquilo que as pessoas dizem, e portanto, na exploração da construção linguística da sua experiência. Encontramo-nos assim, perante uma nova forma de investigação que serviu de base a um conjunto de trabalhos promissores e que, a partir da década de 90 tem marcado o seu cunho nas psicoterapias cognitivas (Gonçalves, 2000). Desde então, a metáfora da narrativa tem tido um reconhecimento crescente como um organizador central do conhecimento e da existência do ser humano, sendo já notável a diversidade de autores que se tem dedicado ao seu estudo no contexto clínico e da investigação (Gonçalves, Neimeyer & Mahoney, Neimeyer, Russel, White & Epston, Mandler, Angus et. al, cit. in Henriques, 2000).

Mas a importância das histórias narradas assim como do acto de narrar nem sempre teve o reconhecimento da psicologia enquanto área de estudo, nem da ciência em geral. A evolução científica de cariz objectivista, positivista e empiricista há muito que liderou a prática e a investigação na psicologia, fazendo do seu objecto de estudo as estruturas e funções da consciência desde finais do século XIX, o comportamento no início do século XX e, mais recentemente, a cognição e o pensamento (Gonçalves, 1996, 2000). Citando Gonçalves (1996) “o mito do indivíduo isolado e culturalmente autonomizado tem sido uma tónica dominante das

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concepções e praticas psicológicas” (p.11). A compreensão da proposta narrativa em psicologia exige, assim, uma revisão das principais questões introduzidas pelo movimento que tem sido designado de pós-modernismo. Se por um lado, o modernismo tem sido descrito como a crença no conhecimento racional, objectivo e científico com vista ao progresso e à aproximação cada vez maior da verdade, por outro, o questionamento desta concepção de conhecimento encontra-se no centro das críticas elaboradas pelos pensadores que têm vindo a encontra-ser posicionados no pós-modernismo. Esta corrente, inicialmente instigada por filósofos franceses como Derrida, Foucault e Lyotard, surge como uma visão do mundo que questiona os valores absolutos do positivismo lógico, da realidade objectiva e das generalizações científicas que vão para além do tempo, do espaço e da cultura, reivindicando, em seu lugar, a temporaneidade do conhecimento e a impossibilidade do conhecimento absoluto e universal (Kwee, 2003). Kvale (cit. in Gonçalves, M., 1994) identifica duas características centrais do pensamento pós-moderno: por um lado, a ideia de que a realidade não é independente do observador, enfatizando-se, assim, a natureza proactiva do conhecimento e, por outro, a ideia de que a linguagem é constitutiva do mundo. De acordo com a abordagem construtivista, a narrativa resulta da necessidade individual de significar a experiência e, portanto, da construção de conhecimento de si próprio e do mundo. De acordo com a abordagem do construcionismo social, a narrativa surge antes como uma forma de construção social da experiência, sendo que o significado corresponde sempre a um significado partilhado, e o discurso sobre o mundo a um artefacto da interacção comum (Gonçalves 2000). Assim, não obstante os desencontros entre as abordagens, construtivistas e construcionistas sociais adoptam a perspectiva de que não existe uma realidade objectiva a encontrar, mas que é na e pela linguagem que essa realidade é construída (Mahoney, 1991; Gergen, 1985). O papel da linguagem manifesta-se, então, como central na construção da ciência e do conhecimento científico, concebidos como um processo de construção individual e/ou social que não podem ser dissociados dos indivíduos e/ou das suas práticas sociais. Porque se partilha uma linguagem comum, existe a possibilidade de expressão de ideias consensuais, dentro de uma mesma comunidade. Estas posições que contrariam a existência de uma realidade objectiva e global que possa ser aplicada à experiência humana introduziram alterações na visão e na prática clínica. Assim, as metáforas tornam-se no artefacto linguístico que procura objectivar o mundo e a experiência, passando a linguagem, a ocupar um lugar de excelência na construção e significado dos diferentes conceitos e conhecimentos. Como defende

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forma de proporcionar múltiplas imagens da realidade” (p.42). Como consequência, compreender o conhecimento passa por compreender os sistemas interpretativos da experiência que a organização simbólica da linguagem nos permite e a narrativa assumem-se como o principal objecto de estudo e de compreensão dos fenómenos psicológicos.

1.2 Narrativa e psicologia

A terapia narrativa manifesta-se como um exponente psicoterapêutico do pós-modernismo. As propostas da abordagem narrativa em psicologia têm início com os trabalhos de Sarbin

(1986), Gergen e Gergen (1986),Polkinghore (1988) e Bruner (1990). Sarbin(1986), propondo

a metáfora narrativa, define-a como “um relato simbólico das acções dos seres humanos que

possui uma dimensão temporal. A história tem um princípio, um meio e o fim” (p. 3). Para o autor, a dimensão temporal é o aspecto central da narrativa, pelo que a construção de significados implica conceptualizar narrativamente as experiências passadas, presentes e

futuras. Polkinghorne (1988) não só sublinha a dimensão de temporalidade, como acentua a

noção da narrativa como um organizador central da cognição através da qual os indivíduos ligam num todo os elementos dispersos da experiência, conferindo-lhe significado. De acordo com a proposta do autor, a narrativa consiste numa “estrutura de significado que organiza os acontecimentos e a acção humana numa totalidade, deste modo atribuindo significado às acções e acontecimentos individuais de acordo com o seu efeito na totalidade” (p. 18). Gergen e Gergen (1986) enfatizam dois aspectos centrais referidos pelos autores anteriormente citados, a totalidade e a temporalidade, realçando as noções de direcção e de movimento, definindo a narrativa como a “capacidade para estruturar acontecimentos de modo a demonstrar, primeiro,

a sua conexão ou coerência e, em segundo, o sentido de movimento e direcção no tempo”(p.

25).Estes autores consideraram como elementos essenciais da construção de uma narrativa a

existência de um objectivo ou finalidade e os acontecimentos que concretizem esse mesmo

objectivo. Assim, distinguem as narrativas progressivas (que se orientam no sentido do objectivo)

das narrativas regressivas (que se distanciam do objectivo) e das narrativas estáveis (quando

parece não haver alterações em relação ao objectivo, embora a história contenha diversos episódios e incidentes). Bruner (1990), que introduziu a noção de pensamento narrativo como

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narrativa e a sua função na interacção social, caracterizando quatro elementos centrais: a

sequencialidade, a comunicação da subjectividade, a originalidade e a ambiguidade. De acordo com estas características, podemos dizer que a narrativa permite a partilha da experiência subjectiva organizada numa sequência temporal, bem como a justificação dos estados de originalidade e de ambiguidade em relação ao culturalmente previsto.

Progressivamente, foram surgindo novas propostas de autores que partilhavam já as ideias do construtivismo e/ou do construcionismo social. Harré e Gillet (1994) contribuíram,

igualmente, para a definição da formulação narrativa em psicologia, com o termo psicologia

discursiva, considerando o discurso e a sua análise comoum aspecto central de construção do

conhecimento e não como forma de expressão e de acesso à realidade. Esta influêncialevou os

autores a falar de uma “segunda revolução cognitiva”, perante a qual, como defende Gonçalves

(1994, 2000) a linguagem constitui um elemento fundamental da experiência, devendo ser considerada um fenómeno psicológico de primeira ordem e não uma mera representação do mundo real. Desta nova forma de pensar, surgiram igualmente novas formulações e práticas clínicas de que são exemplo os trabalhos de Withe e Epston (1990), Hermans e Hermans-Jansen (1995), Gonçalves (1995, 2000) e Neimeyer (2000).

Gonçalves (2000) inspirando-se nas principais contribuições de Sarbin (1986), Gergen e

Gergen (1986),Polkinghore (1988) e Bruner (1990), bem como de outros modelos no domínio

das narrativas, delineou sete aspectos fundacionais e definidores daquilo que designa de matriz

narrativa, graças à qualorganizamos o conhecimento da nossa experiência. Como a experiência tem uma natureza caótica, o indivíduo, na busca da coerência, necessita de organizar o conhecimento narrativamente (Gonçalves, Korman & Angus, 2000). Na sua definição de

narrativa, o autor distingue, assim, a natureza analógica, temporal, contextual, gestáltica,

significadora, criativa e cultural da narrativa. Tendo em conta que a presente investigação se enquadra na abordagem teórica deste autor, a apresentação destes elementos será aqui mais detalhada:

- a natureza analógica da narrativa que se define pela organização analógica da experiência,

remete-nos para a distinção de Bruner (1986) entre o modo paradigmático e o modo narrativo

de conhecimento. Se o primeiro pressupõe o domínio lógico-proposicional e matemático do conhecimento, estabelecendo relações causais e lei gerais, o segundo procura compreender os casos particulares. Sendo a experiência organizada analogicamente passa a ser construída com

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infindáveis experiências (Gonçalves, 2000). Assim, para o autor, o ser humano é dotado de “múltiplas racionalidades que co-existem como organizadores paralelos do seu funcionamento” (p.47);

- a natureza temporal da narrativa pressupõe que esta se constitui como elemento

organizador do conhecimento e da experiência conferindo-lhe uma estrutura temporal. Narrativamente, os diferentes momentos da vida e a dimensão caótica da experiência poderão ser sequenciados e organizados de forma a conferir à existência uma dimensão temporal e rítmica.

- a natureza contextual da narrativa pressupõe que todo o conhecimento é localizado histórica e culturalmente. Falamos não de uma verdade universal, mas de uma verdade contextual, pois a narrativa só pode ser compreendida apenas no seu contexto, situado historicamente.

- a natureza gestáltica da narrativa diz-nos que a organização da diversidade e multiplicidade da experiência, impõe um processo de coerência numa totalidade significadora. Assim, através da conexão dos diferentes fenómenos da experiência (da natureza caótica e dispersa dos espaços, dos tempos, dos estímulos sensoriais externos e internos), emerge uma matriz narrativa passível de ser compartilhada numa linguagem comum. Neste sentido, Gonçalves (ibidem) acrescenta que a narrativa cumpre a dupla função de organizar simultaneamente a experiência individual e a experiência social.

- a natureza significadora da narrativa permite a organização da diversidade da experiência, atribuindo-lhe um sentido. A atribuição de um sentido para a experiência, como enfatiza Frankl, (cit. in Gonçalves, ibidem) constitui-se como uma forma básica de sobrevivência humana. Dada a natureza múltipla da experiência cruzamo-nos com a possibilidade de múltiplas significações. Gonçalves aponta, ainda, a dupla função social do processo de significação: se por um lado, recorre a uma linguagem convencionada socialmente, por outro, constitui-se como um modo de dar existência social à experiência.

- A natureza cultural da narrativa foca a narrativa como uma produção discursiva de natureza interpessoal e localizada culturalmente retirando-lhe, assim a possibilidade dum estatuto essencialista e rejeitando-a como esquema mental ou como acto individual. A narrativa surge assim, como uma conversação co-construida por múltiplas realidades discursivas, possibilitando, desta forma, a diferenciação individual numa narrativa múltipla, flexível, adaptada e inserida culturalmente.

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- Por ultimo, a natureza criativa da narrativa no sentido em que “cria simultaneamente o individuo e a sua rede social” (Gonçalves, 2000, p. 59). Assim, o narrador surge como construtor da experiência, na medida em que a sua narrativa não surge como reflexo de uma realidade pré-existente mas como a criação da própria existência. A existência ganha lugar no encontro com a narrativa e liberta-se na multiplicidade que a narrativa lhe possibilita.

1.3 Narrativa, psicoterapia e psicopatologia

Os sistemas dominantes da psiquiatria e da psicologia, na pretensão de compreenderem os comportamentos humanos e os desvios à norma (ou ao socialmente aceite), têm vindo a definir um conjunto de conceitos e explicações essencialistas, ora de ordem biológica ora de ordem mentalista (Gonçalves, 2000). O questionamento da realidade dos conceitos essencialistas, do seu uso pelos especialistas, bem como do estatuto de poder que dai advém, seja ao nível da sociedade em geral, seja ao nível da relação terapeuta/cliente, (onde o primeiro impõe a sua visão sobre o que está a acontecer com o segundo), constituiu-se como um contraponto à visão reificada da psicopatologia. Estas questões encontraram-se na base do movimento anti-psiquiatria impulsionado por Thomaz Szasz (1988) e por Ronald Laing (1991) e no centro das críticas elaboradas por alguns autores da psicologia que podemos enquadrar no movimento pós-moderno (Gergen, 1990; Mahoney, 1991). Tais ideias que, como já referimos, contrariam a existência de uma realidade objectiva e global que possa ser aplicada à experiência humana, vieram introduzir alterações profundas na visão sobre a psicologia em geral, e sobre a intervenção clínica e os diagnósticos psicopatológicos em particular.

Já na tradição fenomenológica da psiquiatria, as classificações nosológicas em psicopatologia são enquadradas como metáforas e como organizadoras de significado (Gonçalves, 2000), passando o discurso de um mero instrumento de acesso às essências psicopatológicas, ao próprio fenómeno psicológico (Harré & Gillet, 1994) e ao processo central na construção do conhecimento (Bruner, 1990). Nesta perspectiva, a psicopatologia será apresentada como um sistema de significação que se organiza numa matriz narrativa (Gonçalves, 2000) e diagnosticar impõe-se como um olhar para e não através da narrativa (Capps & Ochs, 1995). Guidano (cit. in Gonçalves, 2000) faz notar que, ao referenciarmos

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organização de significados. Nesta mesma linha de pensamento, Neimeyer (2000) incentiva a investigação da narrativa ao nível da psicopatologia e Russel e Wandrei (cit. in Henriques, 2000) sublinham a possibilidade de diferenciar clientes com base na linguagem narrativa, o que poderá

contribuir para novas compreensões sobre a psicopatologia e sobre as práticas clínicas. Não

obstante o relevo que a metáfora narrativa foi ganhando, Neimeyer e Raskin (cit. in Henriques, 2000) alertam para o facto de que explorar a psicopatologia no âmbito da narrativa sugere um certo paradoxo: as teorias narrativas tendem a evitar as implicações da estigmatização do diagnóstico psicológico, no entanto, as psicoterapias que delas derivam regulam-se através de alguma conceptualização, mais ou menos explicita, do sofrimento psicológico. Como forma de ultrapassar este conflito, Gonçalves (2000) adverte que se trata, antes de mais, de conceber a psicopatologia como uma produção social e não como correspondendo a essências indicadoras de perturbação mental. Com efeito, para o autor diagnosticar implica construir formas específicas de significação da psicopatologia e, portanto, implica a análise da própria matriz narrativa.

Diferentes autores têm-se já debruçado sobre o estudo do processo de construção da trama narrativa, construindo propostas de avaliação da mesma. Faremos uma breve revisão de alguns sistemas de análise de narrativas e respectivos resultados. Posteriormente, e uma vez que serão as dimensões e os instrumentos a utilizar na parte empírica da presente investigação, daremos maior enfoque às três dimensões da narrativa propostas por Gonçalves (2000) -

Estrutura, Processo e Conteúdo -, bem como aos manuais elaborados no sentido de as avaliar. A Estrutura e coerência das histórias tem sido a dimensão mais estudada e caracterizada por diferentes autores que optaram por distintos sistemas de avaliação, de que são exemplo o pioneiro sistema de análise de Labov e Waletzky (1967) e o sistema de análise episódica de Stein e Glenn, (cit. in Baerger e McAdams, 1999). Lavob e Waletzky (1967), ao aplicarem os métodos de análise linguística a narrativas elicitadas, reportaram-se às unidades da história e às conexões entre as mais pequenas unidades de expressão linguística, através de uma relação de ordem temporal, que evidencia proposições sequenciais que correspondem à ordem dos factos adoptados. Desde então, um crescente corpo de investigadores tem convencionado os indivíduos como seres narrativos, relacionando a saúde mental com narrativas adaptadas, integradas ou

coerentes (Anderson & Goolishian, Flax, Hoffman, Schafer, cit. in Baerger e McAdams, ibidem).

Por exemplo, há estudos que indicam que indivíduos mais satisfeitos com a vida, tendem a organizar as suas histórias autobiográficas de uma forma significativamente diferente dos menos

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satisfeitos, demonstrando os primeiros, uma maior habilidade na recordação de eventos de vida

mais variados e mais complexos (McAdams, Lensky, Daple & Allen,cit. in Baerger e McAdams,

1999). Parece, assim, que uma narrativa bem integrada providencia o indivíduo de uma identidade, onde a informação é integrada num todo comunicando o significado daquela experiência, dentro do contexto alargado da história de vida (McAdams, cit. in Baerger e McAdams, ibidem). Baerger e McAdams (ibidem) com o objectivo de estudar a possibilidade de conceptualizar um sistema de codificação da coerência das narrativas de vida e examinar a relação entre esta e a saúde psicológica, propuseram a caracterização da coerência através de

quatro segmentos interrelacionados: orientação, estrutura, afecto e integração. De acordo com

os autores, uma narrativa autobiográfica é coerente, na medida em que, “(1) situa a narrativa num contexto temporal, social e pessoal específico, descrevendo as circunstâncias habituais que servem de parâmetros para a acção da história; (2) apresenta os elementos estruturais de um episódio (i.é., um acontecimento inicial, uma resposta interna, um objectivo e uma consequência); (3) fornece referências avaliativas acerca do narrador, de modo a atribuir significado emocional à história; (4) comunica a informação de um modo integrado”. O mesmo estudo visou, ainda, avaliar a existência de uma associação significativa entre o grau de coerência das histórias autobiográficas de uma população não clínica e várias medidas de bem-estar psicológico, confirmando a hipótese de diferentes terapeutas narrativos, de que a saúde mental está intimamente relacionada com a capacidade individual para construir e manter uma história autobiográfica integrada e coesa. Mais especificamente, os dados do estudo sugerem que a coerência autobiográfica está associada ao bem-estar psicológico: as histórias do participantes com níveis mais elevados de depressão revelaram-se menos integradas e menos coerentes no contexto de vida, enquanto que, os episódios relatados por aqueles cujos níveis de depressão eram menores, coincidiam com os que revelaram maior coerência e eram os que transmitiam os eventos como tendo um maior significado no especifico momento em que aconteceram e no contexto alargado das suas experiências de vida, permitindo um sentido de pertença e de continuidade na vida. Embora com níveis mais modestos de correlação, neste mesmo estudo encontraram-se relações entre a coerência da história de vida e as medidas felicidade e satisfação de vida. Russel e Wandrei (cit. in Henriques, 2000) referem, igualmente, estudos junto de populações clínicas cujos resultados revelam a relação entre a estruturação narrativa e o grau de gravidade psicopatológica, sendo que às situações severas correspondiam

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resultados mais consistentes do seu programa de investigação, refere haver relação entre a evolução dos sujeitos em psicoterapia e as narrativas que evoluíram no sentido de uma maior coerência estrutural.

Como referem Mancuso e Sarbin (cit. in Pennebaker e Seagal, 1999), as pessoas aprendem e organizam histórias desde cedo na infância, sendo esta uma tarefa crítica que ajuda ao desenvolvimento de uma vida emocional coerente. Se esta capacidade se revelar deficiente poderão coexistir consequências ao nível da saúde. Em estudos que pretenderam investigar de que forma as pessoas lidam com os efeitos negativos da dor, da doença e dos acontecimentos traumáticos que ameaçam a vida do individuo pelo seu carácter de incoerência, descontinuidade e dissociação, Crossley (2000) reflecte sobre a importância da narrativa no que respeita à sucessiva necessidade do ser humano de repor a ordem e o significado e de retomar o sentido de continuidade e de identidade, através de processos de conexão e coerência. De acordo com o autor, face a experiências altamente dissociadas, este sentido de coerência pode ser posto em causa. Em todo o caso, mesmo perante a incoerência de experiências altamente adversas, a narrativa assume um papel preponderante de reconstrução (Crossley, 2000) e, embora esta tarefa possa revelar-se mais difícil para algumas pessoas, os estudos indicam que temos uma tendência para atribuir um significado ao meio e aos acontecimentos (Pennebaker e Seagal, ibidem). Pennebaker e Seagal (ibidem) em estudos cujo foco foram os processos subjacentes às alterações positivas favorecidas pelo acto de escrever ou falar sobre experiências emocionais verificaram que a expressividade emocional, quando completada com a sua tradução escrita para a linguagem, resulta em benefícios a longo prazo. Os autores propõem que, ao integrarmos emoções e pensamentos, construímos mais facilmente uma narrativa coerente da experiência e que, uma vez formado, o evento pode ser sumariado, arquivado ou esquecido de forma mais eficiente. Por outro lado, postulam que eventos dolorosos que não estão estruturados num formato narrativo podem contribuir para a continuidade de pensamentos e sentimentos negativos. Por outras palavras, temos necessidade de construir um significado para os acontecimentos de vida, tentando encontrar causas e consequências. Narrativamente, podemos integrar um conjunto de alterações e acontecimentos nas nossas vidas organizadas lógica e hierarquicamente num todo coerente e compreensível. A coerência linguística, segundo os autores, implica diversas características, desde a estrutura ao uso de explicações causais, repetição de temas, bem como uma apreciação da perspectiva do ouvinte. Em conclusão, os autores consideram que, elaborar uma história sobre as experiências de vida (de forma escrita

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ou oral) parecer estar associado a benefícios na saúde física e mental em diferentes amostras e pontuam o valor de uma narrativa coerente e organizada como forma de atribuir significado a um evento e lidar com as emoções a ele associado. Assim, usar a narrativa assemelhar-se-ia ao acto de “fechar tarefa”, permitindo “esquecê-la”. Estes resultados são consistentes com a visão actual da narrativa e da psicoterapia que sustentam a importância do cliente construir uma história que explique e dê uma compreensão aos eventos de vida passados e actuais, seja uma narrativa auto ou hetero-biográfica que deverá envolver a integração dos acontecimentos de vida significativos numa história que os irá explicar e organizar num todo. Assim sendo, os autores consideram que a psicoterapia poderá ser vista como um meio formal de integrar uma história.

1.3.1 Estrutura, Processo e Conteúdo como dimensões da matriz narrativa

Como acabámos de verificar, maior parte dos autores têm centrado as suas investigações em torno da Estrutura e coerência narrativa. A proposta de Gonçalves, por sua vez, apresenta-se, a nosso ver, mais completa e complexa com a configuração de três organizadores centrais do

processo de significação: Estrutura, Processo e Conteúdo (Gonçalves, 1998; Gonçalves, Korman

& Angus, 2000; Gonçalves, 2000), dando conta, respectivamente, da coerência, complexidade e diversidade narrativas. Segundo Gonçalves (2000) a análise destas dimensões irá permitir entender os processos de construção de significado do indivíduo e articula-se com a existência ou não de bem-estar psicológico.

A Estrutura refere-se ao processo pelo qual os diferentes aspectos da narrativa se interligam de forma a proporcionar um sentido coerente e de articulação dentro de cada narração e entre as diferentes narrativas de vida, conferindo-lhe, assim um fio condutor. Desta forma, integrando num todo coerente as tão diversas experiências, o indivíduo ganha um sentido de autoria da sua própria vida. Por seu turno, na ausência de uma coerência narrativa, isto é, de uma organização sequencial e integrada da experiência, o indivíduo perderá o sentido de autoria e a possibilidade dum sentido compartilhado da experiência.

De forma a avaliar a coerência narrativa, Gonçalves e Henriques (2000a) desenvolveram um manual que foi sofrendo revisões (Gonçalves, Henriques e Cardoso, 2001, 2006), a partir de

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sistema de Braeger e McAdams (1999) e inspirado no modelo sugerido por Lavob e Waletsky (1967) já referidos anteriormente.

No referido manual (Gonçalves e Henriques, 2000a; Gonçalves, Henriques e Cardoso, 2001, 2006), os autores consideram quatro sub-dimensões ou parâmetros na avaliação da

Estrutura e Coerência narrativa: a Orientação, a Sequência Estrutural, o Comprometimento Avaliativo e a Integração cujos graus de presença e diversidade são codificadas através de uma escala de Likert de cinco pontos.

A Orientação informa sobre as personagens, o contexto social, espacio-temporal e pessoal onde decorrem os seus comportamentos, sendo descritas as circunstâncias que rodeiam o episódio. Podem ser incluídos elementos passados relevantes que conduziram ao momento em

causa ou acontecimentos posteriores a este. Uma boa Orientação torna compreensível a

narrativa e, em contraste, uma Orientação fraca isola a narrativa dos parâmetros temporais e

sociais que a enquadram e a influenciam. Uma narrativa com alto nível de índice de orientação permite responder às questões "Quem?" "Quando?", "Onde?", “Em que circunstâncias pessoais?” e “Para que é que o episódio está a ser contado?”. Pelo contrário, uma narrativa com

baixo índice de Orientação é uma narrativa em que a ausência de um ou vários destes

elementos, transmite ao interlocutor a sensação de não haver um enquadramento narrativo. O acontecimento surge como que isolado, solto e desenraizado, dificultando a sua inteira compreensão.

A Sequência Estrutural é composta por uma série de acontecimentos que definem a sequência temporal de uma experiência tal como ela foi percebida, permitindo ao interlocutor

responder à questão "então o que aconteceu?" É constituída por uma série de subcomponentes

que se sequencializam numa estrutura temporal, independentemente da ordem em que surgem: (1) um acontecimento inicial; (2) uma resposta interna a este acontecimento (i.e., objectivos, planos, pensamentos ou sentimentos); (3) uma acção; e, finalmente, (4) as respectivas consequências. No caso da narrativa incluir múltiplos episódios, eles também devem ser apresentados de modo ordenado e organizados de forma temporal ou sequencial. Se

a narrativa apresenta um elevado índice de Sequência Estrutural todos os elementos estão

presentes e se organizam numa sequência temporal e causal do ponto de vista explicativo.

O Comprometimento Avaliativo refere-se aos aspectos emocionais do narrador,

remetendo para o envolvimento dramático com a narrativa, para os seus estados de ânimo, a tonalidade emocional do seu relato e o seu comprometimento volitivo durante a própria

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produção narrativa, permitindo valorizar “até que ponto é que o narrador se envolve na história que está a contar?” e “como é que o narrador avalia o significado da história que nos relata”? Sem tonalidade afectiva consistente para organizar e atribuir sentido emocional aos acontecimentos relatados uma narrativa não se revela coerente. Uma narrativa com alto nível de

Comprometimento Avaliativo permite revelar algo acerca do narrador ou do significado que o episódio descrito tem no contexto da sua vida, isto é, à forma como utiliza explicitamente a emoção, os adjectivos e advérbios, os risos, as lágrimas, os apartes, as hesitações, a pontuação, como recorre à tensão, ao drama e ao humor para comunicar e dar vida à sua

narração. Uma narrativa com um baixo Comprometimento Avaliativo revela um fraco

envolvimento afectivo com o acontecimento narrado e não transmite o significado emocional dos acontecimentos descritos, revelando, antes, distanciamento, frieza e vazio de expressão.

A Integração permite avaliar em que medida os vários elementos da história que, embora

apresentados de um modo disperso, acabam por se integrar num sentido comum, num gestalt

final. Mesmo quando surgem narrativas dentro de narrativas, o narrador poderá estar capaz de lhes dar um sentido integrado, através de um regressar à trama central da narrativa conferindo-lhe um fio condutor. Assim, a questão de base que se coloca é “o fio condutor do discurso é claro?”, constituindo-se este, como uma noção central do próprio conceito de coerência

narrativa e como antípoda da dissociação. Uma narrativa com elevado índice de Integração é

uma narrativa em que os diversos elementos de complexidade, ambiguidade e diferenciação usados, se conciliam uns com os outros numa história una. Para além da narrativa sintetizar os vários elementos narrativos numa mesma história, é igualmente capaz de relacionar os detalhes de um relato autobiográfico individual com temas de vida mais vastos. Por outro lado, baixos

índices de Integração são correlativos de inúmeros descarrilamentos e saltos de assunto na

produção narrativa sem que o próprio, ou o interlocutor, encontre entre eles um fio condutor narrativo, com pobre resolução das contradições ou ambiguidades inerentes ou o enquadramento da experiência no contexto de vida.

Gonçalves (2000) defende que, em termos da Estrutura, a perturbação emocional se

associa:

à dificuldade de estabelecer uma conexão coerente, fazendo emergir sentimentos de estranheza e desfazamento em relação ao próprio e aos outros. Esta dificuldade face a experiências passadas ou presentes conduz o sujeito a evitar novos

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coerência já estabelecida. Em consequência, gera-se um processo cíclico de rigidificação dessa coerência predefinida que estará na base da sua impossibilidade de expansão. A análise estrutural da matriz narrativa dum paciente poderá, assim, permitir o diagnóstico de disfunções de autoria, constituindo indicadores discursivos de incoerência, tais como o discurso superficial ou tangencial, a sobreinclusividade ou excessiva abstracção, circunstancialismo ou desconexão; apresentação

desorganizada; ausências ou amnésias electivas(pp.76-77).

O Processo narrativo é caracterizado como constituindo-se pelos mecanismos estilísticos através dos quais o indivíduo confere complexidade e profundidade à narrativa, diferenciando-a. É ao nível desta Dimensão que se reflecte a abertura à pluralidade da experiência pela capacidade de construção de uma narrativa complexa e diversa. A qualidade narrativa, do ponto de vista processual, estará associada à diferenciação da experiência sensorial, emocional, cognitiva e de significações.

Angus e colaboradores desenvolveram um Sistema de Codificação do Processo Narrativo (Angus, Hardtke & Levitt, 1996; Angus, Levitt & Hardtke, 1999) que dá conta do nível de

complexidade da produção narrativa, através de três modos narrativos: externo (que consiste na

descrição de um assunto em termos dos detalhes contextuais físicos ou sociais, temporais ou

espaciais (sejam reais ou imaginados, passados, presentes ou futuros), interno (que diz respeito

à descrição de toda a experiência subjectiva em termos emocionais do próprio ou das

personagens da narrativa) e reflexivo (incluindo a análise interpretativa dos acontecimentos

externos e da experiência subjectiva, dirigidos para a significação da experiência). Os resultados com base neste sistema de avaliação (Angus, Levitt e Hardtke, 1999) são consistentes com os de Pennebaker (cit. in Henriques, 2000), onde a evolução dos pacientes em psicoterapia se associou a uma diferenciação do processo narrativo, deslocando-se de modo narrativo externo, para uma maior complexidade ao nível do modo interno e do modo reflexivo.

Gonçalves e Henriques (2000b) inspirados neste modelo, desenvolveram um Manual de

Avaliação do Processo e Complexidade Narrativa que pretende aumentar o grau de

discriminação da complexidade e riqueza dentro de cada um dos modos narrativos. Sugerem,

assim, quatro sub-dimensões de adjectivação da experiência que consistem na Objectivação,

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acordo com o grau de presença (diversidade e/ou elaboração), através de uma escala de Likert de cinco pontos.

A Objectivação consiste na descrição de aspectos externos da experiência e exploração da multiplicidade do mundo sensorial. Refere-se à descrição detalhada do episódio, e do cenário sensorial, fornecendo elementos ao nível da visão, da audição, do olfacto, do paladar e das sensações físicas que caracterizaram a sua experiência. Uma narrativa com alto nível de

Objectivação permite enquadrar sensorialmente o acontecimento, através de uma descrição detalhada e diversificada de várias dimensões sensoriais da experiência. Pelo contrário, uma

narrativa com baixo índice de Objectivação dificulta a captação do acontecimento, das suas

particularidades e do respectivo cenário.

A Subjectivação Emocional consiste na exploração da multiplicidade da experiência interna ao nível de emoções e de sentimentos, através da descrição de estados emocionais

associados ao acontecimento. Uma narrativa com elevado índice de Subjectivação Emocional

contempla tanto uma grande quantidade como diversidade de discurso sobre os estados

afectivos associados à experiência. Um baixo índice de Subjectivação Emocional revela parca

referência a estados emocionais ou mera repetição de uma ou outra emoção, não aprofundando a diversidade e clara diferenciação da experiência a este nível.

A Subjectivação Cognitiva corresponde aos pensamentos do sujeito vivenciados no decurso da experiência e que explicita o discurso interno do narrador, como as cognições, ideias, pensamentos ou planos experienciados pelo sujeito. Uma narrativa com um índice

elevado de Subjectivação Cognitiva supõe uma apresentação detalhada e diversificada dos

pensamentos do narrador, enquanto que uma narrativa com um índice baixo nesta Sub-dimensão é reveladora de uma pobreza de detalhes, de variedade e de especificidade a este nível.

A Metaforização define-se pela construção de significados a partir da experiência, expressa, frequentemente, através de metáforas que condensam os significados. O sujeito distancia-se da experiência, partilhando as suas reflexões e significados. Nem sempre esta Sub-dimensão surge como um momento de grande conclusão a evidenciar-se no discurso, mas antes como momentos dispersos ao longo da narrativa que nos conduzem a uma ideia do(s) significado(s) que a situação descrita teve para o sujeito. Uma narrativa com elevado índice de

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narrativa com baixo índice em que não fica claro para o leitor o significado pessoal do episódio que viveu.

Ao nível do Processo, a pobreza de discurso evidenciar-se-á, assim, numa pobre

diferenciação dos significados da experiência, na escassez de abertura à exploração da vivência em termos sensoriais, emocionais, cognitivos e de significados. Nesse caso, encontra-se uma focalização quase exclusiva num dos domínios da sensorialidade ou uma exploração superficial de qualquer um destes domínios ou, ainda, a ausência de referências a este nível com o evitamento da experiência emocional e cognitiva através de um discurso evasivo, deslocado,

excessivamente abstracto ou circunstancial. No fundo, a pluralidade da experiência fica assim

reduzida à singularidade limitada do conhecimento, situação que se relaciona mais frequentemente com a psicopatologia. Consoante o tipo de perturbações ou problemáticas apresentadas, a indiferenciação da experiência ou o foco numa das diferentes vertentes

sensoriais, emocionais, cognitivas ou de significados pode diferir. A título de exemplo, sujeitos

com Perturbação de Pânico tendem a limitar a diversidade da experiência sensorial a uma sobrevalorização das impressões cenestésicas, em detrimento da multiplicidade visual, auditiva, olfactiva ou gustativa da experiência. Nos indivíduos com fobia, por sua vez, a inibição da complexidade da experiência revela-se pelo foco excessivo em torno das emoções, pensamentos e significados relacionados com o perigo (Henriques, 2000).

O Conteúdo narrativo assume-se pela temática do discurso que se pode encontrar mais ou menos diversificada, mais ou menos monótona, quanto aos seus temas, sequência de acontecimentos, número de personagens e diversidade de contextos.

A fim de codificar o Conteúdo, Gonçalves e Henriques (2000c) desenvolveram o Manual

de Avaliação do Conteúdo e Diversidade Narrativa, posteriormenterevisto(Gonçalves, Henriques, Soares & Monteiro, 20001, 2006) que dá conta do grau de presença (através de uma escala de

Likert de cinco pontos) das quatro Sub.dimensões, Temas, Acções, Personagens e Cenários.

Uma narrativa apresenta geralmente um ou mais personagens que se posicionam em diversos contextos ou cenários, numa sequência de acontecimentos e temas. Uma existência mais

funcional e criativa correlacionar-se-á com uma narrativa com multiplicidade de Conteúdo, onde

surgem diversas temáticas, interagem várias personagens, numa variedade de contextos e

diversidade de acções. Por outro lado, a redundância dos elementos do Conteúdo apontará para

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experiência, configurando a possibilidade de um discurso limitado, passível de ser enquadrada em tipologias ou protótipos patológicos. Como refere Gonçalves (2000) “o protótipo é sinónimo de uma autoria narrativa inflexível, uma identidade fechada que dissocia ou restringe todas as experiências que não se enquadram no molde prototípico” (p.92). Nesta dimensão, a psicopatologia caracteriza-se, assim, como uma dificuldade em desenvolver uma perspectiva multifacetada da experiência, caracterizando-se pela utilização de protótipos narrativos que emergem da redundância temática, configurando-se como guiões de significação das

experiências passadas, presentes e futuras (Gonçalves, 1998, 2000). O sentimento de

previsibilidade do discurso criado por esta redundância apela para a classificação das narrativas em tipologias discursivas, considerando-se a possibilidade de que a psicopatologias distintas

correspondam narrativas protótipo específicas.Com o objectivo de permitir a elaboração de uma

narrativa prototípica a partir das convergências das temáticas de um conjunto de narrativas

significativas de diversos sujeitos, foi ainda elaborado um Método de Construção de Protótipos

Narrativos (Gonçalves, Alves, Soares, Duarte Henriques & Maia, 1996) na sequência do qual, algumas investigações procuraram analisar em que medida diferentes tipos de psicopatologia podem tipificar formas prototípicas de significação narrativa: dependência de opiáceos, alcoolismo e anorexia (Gonçalves, Alves, Soares & Duarte, 1996) e agorafobia (Henriques, 2000). O conjunto destes resultados evidenciou que, pelo menos no que diz respeito ao

Conteúdo narrativo, a organização discursiva de diferentes tipos de psicopatologia corresponde a diferentes organizações prototípicas (Gonçalves, Maia, Alves, Duarte & Henriques cit. in Gonçalves, 2000).

Resumindo, Gonçalves (2000) defende que a construção de uma narrativa estruturada e coerente para o próprio e no contexto da sua comunidade discursiva, reforça o sentido de autoria e permite enfrentar a diversidade experiêncial; que a complexificação do conhecimento que envolve a variedade das experiências sensoriais, emocionais, cognitivas e de significado, produz uma narrativa rica, proporcionadora de uma existência proactiva e flexível e, finalmente, que a multiplicidade e diversidade de conteúdo, imprevisível, idiossincrática, multifacetada e flexível é inibidora da prototipia típica da psicopatologia. Da incapacidade do sujeito em construir a sua experiência de forma múltipla e criativa, emerge a perturbação psicológica, que impede o sujeito de partilhar construções discursivas suficientemente flexíveis e adaptadas. Como refere o autor, as dificuldades de um sujeito com determinada perturbação emocional podem situar-se mais

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numa ou noutra das Dimensões da matriz narrativa ou abranger todas com graus distintos, sem que se defina um perfil regular de configuração da psicopatologia.

O propósito da análise de narrativas passa, seguramente, por consolidar ou construir novos caminhos na intervenção clínica e, independentemente do modo como cada autor explicita o seu modelo, podemos dizer que o objectivo central de qualquer psicoterapia narrativa se refere à expansão do significado da experiência. Por esse motivo, consideramos que não poderíamos deixar de fazer referência, ainda que muito sumariamente, ao modelo que decorre das concepções de narrativa e de psicopatologia delimitadas por Gonçalves que acabámos de descrever, até porque, com o presente estudo, esperamos contribuir para a amplificação da sua aplicação.

A Psicoterapia Cognitiva Narrativa (Gonçalves, 1998, 2000) procura a desconstrução do discurso sintomático do paciente, criando condições para o aumento da coerência, complexidade e multiplicidade da construção discursiva do paciente, processo esse que se

desenvolve ao longo de três fases: a recordação, a adjectivação e a projecção das narrativas. A

recordação inicia-se com o acto de narrar episódios significativos do trajecto de vida, com a posterior identificação de uma narrativa protótipo que servirá de ferramenta de trabalho no decurso da terapia e visa, precisamente, promover no individuo uma maior diferenciação e

flexibilização da Estrutura e coerência narrativa e da organização da experiência. Posteriormente,

através da adjectivação das sensações, das emoções, dos pensamentos e das significações,

procura-se aumentar a diversidade sensorial da narrativa escolhida, a sua multiplicidade emocional e cognitiva, bem como a metaforização da experiência como forma de alcançar uma nova metáfora e significado para a narrativa protótipo, potenciando, assim, a diversidade do

Processo. Por fim, a projecção de narrativas, surge como a fase que mais intencionalmente lida

com os aspectos do Conteúdo da narrativa. Esta fase perspectiva-se como potenciadora da

exploração de novos conteúdos narrativos, através da organização da experiência “numa grande variedade de temáticas de vida, rica de acontecimentos em múltiplos contextos e com uma grande variedade de personagens” (Gonçalves, 2000, p.156).

Cada fase implica, ainda, dois tipos de tarefas: uma ao nível sincrónico que se foca nas experiências correntes do cliente ou nas micronarrativas de vida e outra ao nível diacrónico que consiste em tarefas direccionadas para as experiências e temas centrais ao longo da vida, para

Imagem

Tabela 1. Distribuição da amostra por idade, sexo e nível sócio-cultural.
Tabela 2. Médias, desvios-padrão e teste T das notas globais das narrativas autobiográficas
Figura 1. Médias e desvios-padrão das notas globais da estrutura, processo e conteúdo das narrativas  autobiográficas
Figura 3. Médias e desvios-padrão das notas das sub-dimensões do processo: objectivação, subjectivação  emocional, subjectivação cognitiva e metaforização das narrativas autobiográficas
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