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As variáveis sócio-culturais e demográficas na construção narrativa

No documento A organização narrativa em adultos (páginas 47-51)

Parte I. Enquadramento Teórico

2. Desenvolvimento narrativo

2.3 As variáveis sócio-culturais e demográficas na construção narrativa

Os efeitos de variáveis tais como o sexo e a escolaridade têm sido alvos de estudo quanto ao desenvolvimento narrativo em diferentes fases de vida.

Os resultados da investigação com crianças anteriormente citada (Freitas, 2005) revelam não existirem diferenças significativas nas dimensões da matriz narrativa entre os diferentes níveis sócio-culturais (NSC), baixo, médio e elevado, determinados pela escolaridade dos pais das crianças. Quanto aos adolescentes, as diferenças encontradas foram praticamente inexistentes, apenas se verificando uma média significativamente mais elevada ao nível da

Metaforização no NSC alto quando comparado com o NSC médio (Rocha, 2005). Tais resultados são consistentes com a hipótese de que a escolarização desempenha pouca importância no desenvolvimento da construção narrativa. Por outro lado, há autores que se referem às competências narrativas das crianças ao nível do pré-escolar como excelentes preditores do futuro sucesso escolar (Peterson, Josso, e McCabe, cit. in Freitas, 2005).

Spinillo e Martins (cit. in Fabíola Gonçalves & Dias, 2003) num estudo com crianças entre os 6 e os 7 anos de idade, de nível sócio-economico médio mas com distintos níveis de alfabetização (crianças em fase pré-escolar sem alfabetização; crianças em fase de aquisição da leitura e da escrita e crianças alfabetizadas), pretenderam examinar o efeito da escolaridade ao nível da coerência das histórias orais produzidas pelas crianças, através de um sistema de análise elaborado pelos próprios autores. Os resultados revelaram que a maior dificuldade encontrada nas crianças consistiu em relacionar e integrar o desfecho da história com os eventos anteriormente narrados, no entanto, esta dificuldade revelou ser menos evidente nas crianças alfabetizadas. Fabíola Gonçalves e Dias (2003), utilizando o mesmo sistema de análise, estenderam o estudo a uma amostra de jovens e adultos com idades compreendidas entre os 15 e os 45 anos de idade e com dois níveis de alfabetização distintos: um grupo cujos participantes se encontravam a iniciar o processo de alfabetização, com pouco ou nenhum domínio da leitura e da escrita e outro grupo de alunos alfabetizados que já haviam adquirido as habilidades da leitura e da escrita. No geral, os resultados apontam no sentido de que os jovens e adultos em processo de iniciação da alfabetização apresentam mais dificuldades do que o grupo alfabetizado pelo que as autoras colocam a hipótese da escolarização formal e sistemática, especialmente no que diz respeito à aquisição da leitura e da escrita, permitir que o aluno desenvolva a habilidade de produzir oralmente textos mais coerentes. As autoras realçam,

ainda, o facto de a maior dificuldade encontrada por aqueles que apresentavam menor escolarização ter sido, à semelhança das crianças, o relacionamento do desfecho da história com o evento principal e com os episódios narrados ao longo da história. Não obstante estes resultados, as autoras ressaltam o facto das narrativas orais dos jovens e adultos sem escolarização se situarem em níveis mais elaborados de coerência do que as narrativas orais das crianças, mesmo as com níveis de escolaridade superior, o que parece indicar que, para além da escolaridade, possivelmente, outros factores são pertinentes, como sugerem as autoras, o conhecimento do mundo, o conhecimento partilhado, factores pragmáticos, etc., influenciando a produção de histórias mais coerentes.

Num outro estudo realizado com adultos por Kemper e colaboradores (1999), foram igualmente encontradas diferenças nos sujeitos com maior número de anos de educação formal e com mais vocabulário no que respeita à produção de frases maiores e narrativas com um maior número de ideias integradas. Uma outra investigação com adultos entre os 35 e os 65 anos de idade revelou que o nível de educação se encontrava modestamente correlacionado com a coerência da história de vida, embora não se correlacione com o nível de satisfação com a vida (Breager & McAdams, 1999). Neste mesmo estudo, a variável idade não se revelou significativa na observação de diferenças quanto à estrutura.

Quanto ao papel da variável sexo, os estudos com adultos realizados por Kemper e colaboradores (1999) e por Breager & McAdams (1999) não encontraram diferenças significativas entre o sexo feminino e masculino quanto à estrutura das narrativas. Nos dois estudos que analisam as dimensões da matriz narrativa anteriormente citados, com crianças (Freitas, 2005) e adolescentes (Rocha, 2005) apresentam-se valores mais elevados para as raparigas do que para os rapazes, embora essas diferenças apenas se revelem significativas para os adolescentes. Mais especificamente, nos adolescentes, essa diferença é mais evidente

ao nível da Estrutura, uma vez que está presente em todas as Sub-dimensões. No que toca ao

Processo, as diferenças colocam-se apenas ao nível da Objectivação e da Subjectivação Cognitiva, e quanto ao Conteúdo, apenas se verificam diferenças significativas para as Acções. Em todo o caso, alguns autores defendem que estas diferenças encontradas em diversas investigações poderão estar associadas ao facto dos pais tenderem a contar histórias acerca de acontecimentos passados a crianças do sexo feminino e do sexo masculino de formas distintas

raparigas, mais do que aos rapazes, histórias com maior conteúdo emocional (Fivush, 1994; Chance e Fiese, cit. Rocha, 2005;) e com mais informação acerca de significados pessoais (Fivush, 1994).

Em suma, os resultados parecem ser modestos embora apontem para que a escolarização poderá ser um dos factores que contribui para a produção de narrativas mais ricas ou, mais especificamente, mais coerentes. Por outro lado, crianças cujas narrativas são mais ricas parecem ter maior probabilidade de obterem melhores resultados escolares. No que toca ao sexo, os estudos parecem ser indicadores de as diferenças, com vantagem para o sexo feminino, se iniciarem na infância, embora só se acentuem de forma significativa durante a adolescência. Na idade adulta as investigações apontam para que as diferenças por sexo não tenham relevância na produção narrativa.

No próximo capítulo iremos apresentar e discutir a investigação empírica do presente estudo com uma amostra de adultos entre os 20 e os 45 anos de idade, do sexo feminino e masculino e com distintos níveis sócio-culturais. Os resultados serão sujeitos a uma posterior comparação com os dados obtidos pelos já citados estudos que recorreram ao mesmo sistema de codificação na análise de narrativas de crianças e de adolescentes, por um lado, e de sujeitos com diagnóstico psicopatológico, por outro.

No documento A organização narrativa em adultos (páginas 47-51)