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The Religious Dynamic of the Faithful: Neopentecostalism and Consumer Relations

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Academic year: 2021

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Tiago Meireles**, Fernando Lobo Lemes

Resumo: o objetivo deste artigo é investigar as transformações no protestantismo

asso-ciadas ao neopentecostalismo, verificando sua correspondência à cultura de consumo. Pretende-se compreender as transformações das crenças protestantes que tornam possível uma teodicéia neopentecostal no cenário religioso, por meio do exame de eventuais correlações entre tais transformações e processos culturais mais amplos vinculados à centralidade do consumo nas sociedades modernas.

Palavras-chave: Sociedade de Consumo. Teologia da Prosperidade. Protestantismo.

Ne-opentecostalismo.

A

s comunidades neopentecostais têm sido objeto de frequentes análises pela so-ciologia da religião brasileira. Ao dispor como elemento fundamental desta ver-tente do protestantismo a Teologia da Prosperidade, tais trabalhos científicos têm apontado, em termos gerais, sua sintonia com a dinâmica das relações eco-nômicas capitalistas nas condições atuais da modernidade (MARIANO, 2005; ORO, 2001). No contexto religioso brasileiro, onde se avolumam os grupos pro-testantes defensores da vida bem sucedida como direito indisponível dos fiéis, a Teologia da Prosperidade se afirma como ponte entre apreensão do mundo e conduta diária de milhões de fiéis.

A DINÂMICA RELIGIOSA

DOS FIÉIS: NEOPENTECOSTALISMO

E RELAÇÕES DE CONSUMO*

–––––––––––––––––

* Recebido em: 14.07.2017. Aprovado em: 23.08.2017.

** Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás. Professor do Centro Univer-sitário de Anápolis e Faculdade de Direito Raízes. E-mail: tiago_meireles@hotmail.com *** Doutor em História pela Universidade Sorbonne Nouvelle (Paris III). Professor no Pro-grama de Pós-Graduação Territórios e Expressões Culturais do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás e na Faculdade de Direito Raízes. E-mail: fernando.lemes@ueg.br

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Sendo compreendida como uma maneira peculiar de interpretar os ensinamentos fun-damentais do cristianismo, este conjunto de ideias religiosas percebe o mundo como local de felicidade, onde seus adeptos apropriam-se das promessas di-vinas com vistas a desfrutar plenamente a vida – afirmada especialmente em termos de saúde física, abundância de bens (que, para além da acumulação, hão de ser desfrutados), recusa do sofrimento e celebração da sensação de satisfação psicológica.

A despeito do diagnóstico da relação entre tal pregação e as promessas do consumis-mo, carecem as ciências sociais no Brasil de uma verificação pormenorizada da aproximação entre o conjunto das ideias neopentecostais e a cultura de consumo. Cabe, portanto, indagar qual a relação entre religião e consumo no cenário do protestantismo brasileiro. Considerando a interpenetração das múl-tiplas esferas da vida social, há alguma relação entre as transformações das ideias religiosas ligadas às igrejas neopentecostais e o desenvolvimento cultu-ral associado à cultura de consumo que justifique a afinidade entre Teologia da Prosperidade e consumismo?

Este artigo tem como objetivo identificar e examinar as transformações no protestan-tismo ligados à doutrina do neopentecostalismo brasileiro, verificando o grau de correspondência de tal doutrina aos desenvolvimentos culturais vinculados à chamada cultura de consumo. O cumprimento de tal objetivo será possibili-tado pela observação concomitante dos seguintes propósitos específicos: em primeiro lugar, explicar as transformações no âmbito das crenças protestantes possibilitadoras do estabelecimento de uma teodiceia neopentecostal no ce-nário religioso, a partir do caso de fiéis e líderes de igrejas neopentecostais; em segundo lugar, investigar eventuais correspondências entre tais transfor-mações e processos culturais mais amplos que se vinculam à centralidade do consumo nas sociedades modernas.

A FÁBRICA DE SIGNIFICADOS

A concepção de Max Weber (1999) acerca da Sociologia como sendo aquela ciência que busca compreender a ação social de forma interpretativa, explicando ca-sualmente sua trajetória e seus efeitos, faz de sua Teoria da Ação um modelo teórico construído sobre o conceito de sentido. É necessário antes compreen-der o sentido visado pelo agente para, então, desenvolver explicações sobre o curso e as consequências da ação investigada.

A partir deste ponto, a construção de tipos ideais, ferramenta destinada “à mediação e à caracterização sistemática das relações individuais [...] a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento” (WEBER, 2001, p. 144) é que torna inte-ligível ao pesquisador, por aproximação, o sentido que indivíduos atribuem às

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suas respectivas ações. Desta forma, aquilo a que chamamos sociedade é com-preendido por Weber como um conjunto de relações sociais no qual devem ser buscadas conexões de sentido entre as práticas dos atores envolvidos. Por relações sociais entende-se o comportamento de uma pluralidade de agentes que se orientam e referem-se de forma recíproca a partir de um determinado conteúdo de sentido. Entidades coletivas como o Estado, uma cooperativa ou uma comunidade religiosa são na verdade, para a sociologia weberiana, nada mais que “desenvolvimentos e concatenações de ações específicas de pessoas ‘individuais’, pois só estas são portadoras compreensíveis para nós de ações orientadas por um sentido” (WEBER, 1999, p. 9, grifo do autor). Falar em formações coletivas dessa natureza, prossegue o autor, é referir-se meramente ao curso da ação de indivíduos. O sociólogo é, então, instado a tomar tais entes como “‘representações’ de algo que em parte existe e em parte pretende vigên-cia, que se encontram na mente de pessoas reais... e pelas quais se ‘orientam’ suas ações” (WEBER, 1999, p. 9, grifos do autor).

Tal abordagem, que toma a vida social como um emaranhado de significados e não como uma realidade objetiva, se preocupa, portanto, com a explicação que os indivídu-os constroem coletivamente para indivídu-os mais variadindivídu-os fenômenindivídu-os ao seu redor, bem como para sua própria existência. Não apenas a religião é tida como mecanismo explicativo da realidade e da finitude humanas, mas a cultura como um todo é percebida como construção que visa intermediar a relação dos indivíduos com a natureza da qual fazem parte e que, ao mesmo tempo, buscam suplantar.

Tudo que o homem faz em seu mundo simbólico é uma tentativa de negar e so-brepujar seu destino grotesco. Ele literalmente se lança em um esquecimento cego por meio de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão afastadas da realidade de sua situação que são formas de loucura: loucura aceita, compartilhada, disfarçada e dignificada, mas mesmo assim loucura (BE-CKER apud BAUMAN, 2008a, p. 8).

É tomando a sociedade como uma fábrica de significados, que Zygmunt Bauman (2008a) propõe uma economia da transcendência a fim de analisar a cultura contempo-rânea. Alinhado à Teoria da Ação de Max Weber, Bauman sublinha seu entendi-mento de que a sociedade é constituída por múltiplos acordos, francos ou tácitos, acerca daquilo que é aceito, compartilhado e dignificado. “Todas as sociedades são fábricas de significados. Até mais do que isso: são as sementeiras da ‘vida com sentido’” (BAUMAN, 2008a, p. 9, grifo do autor), afirma. Desta forma, além de apontar a natureza da vida social enquanto concatenamento dos sentidos das ações individuais, o autor afirma a sociedade como mecanismo ligado ao desejo por transcendência dos indivíduos.

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Tal capacidade da sociedade em construir sentidos é, para Bauman, o motivo da “as-sombrosa inventividade” das culturas. Os indivíduos, cientes de sua mortalida-de, vêem disparado em si mesmos o desejo pela transcendência que assumirá a forma de esforço por uma existência que deixe marcas para a posteridade ou, então, de desejo em se submeter a experiências limítrofes que desafiem e su-plantem em intensidade o pavor da morte. A partir daí, a ação social dos sujei-tos motivados pela busca por transcendência servirá de matéria-prima às cria-ções culturais que visem suprir tal carência. O desejo humano por transcender sua própria condição é, para o autor, a própria força motriz da vida cultural:

Existe nele [o desejo por transcendência] uma energia à espera de ser cana-lizada e dirigida. A sociedade ‘capitaliza’ essa energia, suga seus sucos vitais desse desejo, desde que ele consiga fazer com exatidão o que é preciso: fornecer objetos verossímeis de satisfação, sedutores e dignos de confiança para instigar esforços que ‘façam sentido’ e ‘dêem sentido’ à vida; esforços que consumam suficientemente a energia e o trabalho para assim preencherem a duração da vida; e variados a ponto de serem cobiçados e perseguidos por todas as posições e condições sociais, sem importar quão pródigos ou escassos sejam seus talen-tos e recursos (BAUMAN, 2008a, p. 9, grifos do autor).

Cria-se então, conforme o modelo teórico do autor, um mercado de veículos de trans-cendência. É possível, neste ponto, aproximar a religião de outros fenômenos culturais que oferecem o mesmo tipo de bem simbólico. Na sociedade contem-porânea a religião perde os monopólios de outrora, incluindo aquele de forjar sentidos para a existência. Este agora é culturalmente negociado tendo o indi-víduo como referência e, neste contexto, religião e outras dinâmicas culturais, como as práticas de consumo, podem se contrapor ou mesmo se complementar na condição de veículos coletivos de transcendência.

Outro aspecto trabalhado por Bauman é o diferente grau de eficácia de tais recursos explicativos. Não podendo ser separados entre certos e errados, podem, toda-via, alcançar maior ou menor grau de exatidão na tarefa de satisfazer a busca por sentido dos indivíduos. “Trazem satisfações que diferem em completude, profundidade e duração emocional, mas todos ficam aquém da genuína e ne-cessária satisfação” (BAUMAN, 2008a, p.10). A ordem social é então com-preendida enquanto mecanismo de alocação e redistribuição das diferentes estratégias de transcendência. Não apenas isto, é também percebida como ambiente desse mercado de explicações da realidade, conjunto de relações que gere a energia humana capitalizada de diversas formas e que produz ex-cedentes e acumulação de maneira desigual. “A hierarquia social, com todos os seus privilégios e privações, é construída com as medidas diferenciais de

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valor das fórmulas de vida disponíveis para várias categorias de seres huma-nos” (BAUMAN, 2008a, p.12).

Portanto, para além da questão da maior ou menor validade que os sistemas explicati-vos possam ter para os indivíduos, Bauman indica que os diversos corpos de capital cultural – seja a religião, a esfera do consumo, as artes, etc. – produ-zidos a partir da energia gerada pela ânsia por transcendência dos indivíduos travam uma concorrência acirrada por espaços privilegiados na ordem social, manipulando tal ânsia e, com frequência, tornando-a ferramenta a ser dire-cionada para longe daquilo que almeja. O desejo do indivíduo em escapar de sua condição de mortalidade e efemeridade se torna o tecido da cultura que, no caso das sociedades contemporâneas calcadas no individualismo, oferece mecanismos de explicação da realidade e ao mesmo tempo coloca a culpa pe-las imperfeições e incoerências de tais elaborações sobre os mesmos sujeitos para os quais estas foram construídas (BAUMAN, 2008a). Consequentemente, por mais curioso que possa parecer, criam-se relacionalmente propostas de transcendência que rejeitam o coletivo e dão ao indivíduo a tarefa solitária de encontrar o sentido da vida. No dizer de uma banda de rock estadunidense:

I believe in the sanctity of dreams / No more running from these masqueraders / I believe that society will never dream like me

I dream of loving, of the empty graveyard / I dream of Vegas and the transcen-dental wildcard / A place where no one waits to die before they go into the light / And just the blind have sight

I follow nothing but the compass of my instinct / No matter where it leads, I know it will take me to the brink / And leave me there by myself and all alone with my dreams / Can you hear me scream?1(LIVE, 2003).

A situação de radical individualização que pode ser percebida na composição acima en-volve um contexto de relações sociais onde os indivíduos são levados a aceitar o peso da enorme responsabilidade de construir narrativas sobre as próprias histórias sob a perspectiva de que são integralmente responsáveis pelo curso de suas vidas (BAUMAN, 2008a). Episódios bons ou ruins são transformados em méritos ou deméritos dos indivíduos, sem qualquer articulação com o con-texto da vida social. A sociedade dos indivíduos impede o questionamento das formas e meios pelos quais a sociedade como um todo opera, “relegando-os ao cenário não examinado das buscas individuais e considerando-os como ‘fatos brutos’ que os contadores de histórias não podem desafiar nem negociar, seja de forma solitária, diversa ou coletiva” (BAUMAN, 2008a, p. 17, grifo do au-tor). Agora, fatores supra individuais moldam as histórias longe dos olhos e do pensamento dos personagens de tais narrativas. Na analogia de Bauman,

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jo-gamos o jogo da vida tendo nossas autorreflexões e histórias como parte mais importante e fazendo com que as regras do jogo, o conteúdo do maço de cartas e a forma como estas são embaralhadas e distribuídas sejam muito raramente objetos de reflexão ou discussão. A individualização radical e a vida como perseguição do próprio sonho também aparecem na canção abaixo, cantada na Igreja Fonte da Vida em observação realizada pelo pesquisador:“Pelo poder da Tua Palavra / Tua promessa em mim se cumprirá / Pois Tu Senhor trarás à existência / Aquilo que não existe, Pro meu sonho então realizar”.

Trabalhos consagrados da Sociologia da Religião brasileira dão conta da relação entre neopentecostalismo e individualismo (MARIANO, 2005; FRESTON, 1999). Além disso, produções recentes tomaram como ponto de partida a relação entre fé e individualismo, ocupando-se, especificamente, de uma instituição religiosa de orientação neopentecostal. Passos (2012) apresenta tese de dou-torado cujo título já aponta a referida relação – “Igreja neopentecostal Fonte da Vida: a restauração da individualidade como estratégia de conversão e

empoderamento da classe média brasileira”. No mesmo sentido vai a disser-tação de mestrado de Reis (2011), que relaciona individualismo e pragmatis-mo às experiências religiosas dos fiéis e, consequentemente, às suas práticas cotidianas fora do ambiente religioso. Em culto dominical observado pelo pesquisador, o Apóstolo César Augusto ensina à assembleia a importância para o indivíduo da capacidade de identificar subjetivamente a direção divina para os rumos da vida:

Algumas exceções acontecem: um anjo dos céus aparece, a voz do Senhor se torna audível pra pessoa, mas a regra não é assim! Eu oro e Deus dá impressões no meu espírito e a partir daquelas impressões que eu tenho eu determino a mi-nha vida... você determina a sua vida a partir de hoje através da impressão que o Espírito Santo te dá ou através das sugestões que o Espírito te dá na palavra.

O ritual de “dar testemunhos” é particularmente significativo na compreensão do modelo individualista da fé neopentecostal. O período dos testemunhos, mo-mento em que fiéis são convidados ao altar para relatar experiências, é parte integrante da liturgia de diversas igrejas. Nas ocasiões observadas por nós, os presentes são convidados pelo dirigente do culto a relatarem uma benção es-pecial que tenham recebido recentemente. Espontaneamente, alguns poucos fiéis, quatro ou cinco, se dispõem a enfrentar a falta de familiaridade com a comunicação diante de toda a igreja e compartilham histórias pessoais.

His-tórias vividas tornam-se vidas contadas (BAUMAN, 2008a) sob uma pers-pectiva da trajetória individual e poucas ou nenhuma referência ao elemento sistêmico.

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É o caso de Leandro, que constrói ritualmente a narrativa de sua vida ao dar testemunho perante os presentes em culto realizado no dia 30 de julho de 2013 (LEAN-DRO, 2013). Tendo migrado da Bahia para Goiânia há cerca de quinze anos, o jovem adulto relata de forma tímida e contida o período de sua trajetória que julga “muito difícil”. O envolvimento com drogas lícitas e ilícitas é associado pelo fiel à depressão e ao sentimento de ser um “fracassado”. A busca pela fe-licidade era fonte de mais sofrimento, as idas ao “curandeiro”, ignorante que ali estava o diabo, apenas pioram sua situação. Não suportando tal sentimento, Leandro passa por duas tentativas frustradas de suicídio.

A cadência do relato ritual acompanha a intensidade dos episódios da vida contada do fiel. Paulatinamente a atitude contida dá lugar ao extravasar de emoções num misto de fala e choro. A intensidade emocional do testemunho cresce quando Leandro narra o encontro com a igreja. Impulsionado por uma voz que o ques-tionava sobre o que seria de sua família caso cometesse o suicídio, se dirige à sala de TV de sua casa e encontra, no canal transmitido pela igreja, a prega-dora (bispa) – esposa do apóstolo e fundador da igreja. Providencialmente, a bispa bradava insistentemente em sua pregação: “Não faça isso! Não faça isso! Tem um Deus que pode mudar sua história!” Leandro entende imediatamente que tal recado era pra si. Procura a igreja e se envolve com as atividades ecle-siásticas. O choro despertado pelas memórias dá lugar, então, a um intenso

empoderamento na fala do fiel. Dando seu recado aos fiéis que o ouvem, diz com notável confiança: “Deus tem transformado a minha história aqui nessa igreja... Deus fez algo na minha vida e quero transmitir isso para muitas outras pessoas, em nome de Jesus”. Ao final do testemunho, o apóstolo (pastor e líder do culto) retoma a palavra, mobiliza salvas de palmas e gritos de gratidão entre os presentes e sentencia: “É a hora da igreja! É a hora da Fonte da Vida!” Dentre os inúmeros elementos no rico relato de Leandro, salta aos olhos o peso do

contraste entre duas categorias: fracasso e nova história. Na sociedade do im-perativo do gozo, do prazer, o fracasso é pecado. Ou ainda, o pecado é fracas-sar. Esse conceito é o centro em torno do qual os demais elementos orbitam: Deus é aquele que, por intermédio da igreja, me livra da impotência perante o sentimento de fracasso e me resgata para a alegria da possibilidade de uma nova história. Em todo o processo em que a narrativa é tecida, o indivíduo é o protagonista. Responsável por sua própria trajetória tem em suas mãos o poder absoluto de escolha. Fracasso ou felicidade, suicídio ou um recomeço, morte ou vida.

“Numa época em que o sofrimento é desprovido de todo sentido, em que os grandes referenciais tradicionais e históricos estão esgotados, a questão da felicidade interior ‘volta à tona’” (LIPOVETSKY, 2007, grifos do autor). O que manteria, contudo, os indivíduos dispostos a seguir o jogo sem ao menos perscrutar suas

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regras e questionar a própria distribuição dos recursos simbólicos gerados em sua dinâmica? Por que seguir narrando a própria história de forma a chamar para si mesmo responsabilidades e contradições sistêmicas? Considerando várias al-ternativas, como a da escolha racional, a manipulação pela indústria cultural e o conceito de ideologia, Bauman encontra sua explicação na noção de precarieda-de, fazendo referência a Pierre Bourdieu. “A ‘precariedade’, essa nova garantia de submissão, é maior porque abandonou as pessoas aos seus próprios recursos, lamentavelmente inadequados quando se trata de ‘controlar’ sua condição atual” (BAUMAN, 2008a, p. 20). Entregar o indivíduo à condição ilusória de senhor de seu próprio destino é a melhor forma de fomentar um cenário em que a energia gerada pela ânsia por transcendência dos indivíduos seja investida para proteger as causas de suas insatisfações, ao invés de removê-las, tornando-se um segmen-to comercial, um objesegmen-to de marketing que o hiperconsumidor quer poder ter em mãos, sem esforço, imediatamente e por todos os meios.

RELIGIÃO, SUBLIMAÇÃO E TRANSCENDÊNCIA

Como produção humana que é, a ânsia por transcendência é gerada e manifesta mundana-mente. No caso da ação religiosa, qualquer ação religiosa, Max Weber é categóri-co: está orientada, em sua existência primordial, para este mundo. Citando a Torah, ressalta que “as ações religiosa ou magicamente exigidas devem ser realizadas ‘para que vás muito bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face da Terra’” (WEBER, 1999, p. 279). Vendo já aí alguma racionalidade, mesmo que relativa, posto que se orienta por algum acúmulo de experiência humana, Weber depreende que, na condição de objeto sociológico, a ação religiosa não deve ser apartada do conjunto de ações cotidianas ligadas à finalidade pontuada por quem a pratica. O projeto de “ir muito bem e viver muitos anos sobre a face da Terra” não se limita,

ob-viamente, aos adeptos das religiões ou praticantes de rituais mágicos. Escapar às duras contingências da vida é tarefa humana desenvolvida também fora dos átrios da religião, como é o caso do uso que se faz da arte ou das substâncias inebriantes, como aponta Sigmund Freud (2011), autor que vê na busca da fe-licidade o empreendimento humano por excelência. Freud define a fefe-licidade, positivamente, como a vivência de fortes prazeres e, negativamente, como a fuga à dor e ao desprazer. Assim, a finalidade da vida, objeto da especulação teológica e filosófica das religiões, seria estabelecida pela dinâmica do princí-pio do prazer. De fato, o esforço hercúleo despendido em busca da felicidade é um trabalho, no mínimo, ingrato, posto que

[...] aquilo a que chamamos ‘felicidade’, no sentido mais estrito, vem da sa-tisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é

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possível apenas como fenômeno episódico. Quando uma situação desejada pelo princípio do prazer tem prosseguimento, isto resulta apenas em um morno bem-estar; somos feitos de modo a poder fruir intensamente só o contraste, muito pouco o estado. Logo, nossas possibilidades de felicidade são restrin-gidas por nossa constituição. É bem menos difícil experimentar a infelicidade

(FREUD, 2011, p. 20, grifo do autor).

É por enxergar a religião como uma tentativa pueril de distanciar-se da realidade que Freud chega a expressar certa condolência ao “pensar que a grande maioria dos mortais nunca se porá acima desta concepção de vida” (FREUD, 2011, p.17). Este artigo, contudo, dado seu caráter sócio antropológico, esquiva-se da tentação de se propor a efetuar alguma valoração da experiência religiosa, se apegando, ao contrário, ao rigor weberiano que define não se ocupar da es-sência da religião, mas “das condições e efeitos de determinado tipo de ação comunitária cuja compreensão também aqui só pode ser alcançada a partir das vivências, representações e fins subjetivos dos indivíduos” (WEBER, 1999, p. 279). Desta forma, o que está em jogo é a investigação da complexa rela-ção entre religião e cultura de consumo, observando a maneira pela qual duas esferas distintas da vida social funcionam de modo a oferecer aos indivíduos mecanismos de explicação da realidade. Sua tarefa alinha-se à provocação de Safatle (2008) ao “insistir que nenhuma perspectiva sociológica pode abrir mão de uma análise das disposições subjetivas que implica a compreensão da maneira com que os sujeitos investem libidinalmente os vínculos sociais”. A oferta de felicidade pela promessa aos fiéis de libertação do sofrimento, marca das religiões de salvação para Max Weber, se dá pela proposta aos indi-víduos de uma conduta sistematizada (WEBER, 1999). Tal racionalização se dá à medida em que mandamentos e preceitos religiosos tornam-se balizado-res éticos que orientam o fiel, inclusive, na percepção de si mesmo em rela-ção ao mundo. É a proposta do sistema de crenças em convencer o indivíduo acerca de seu estado de aprovação espiritual que, segundo Weber, indica o caráter racionalizador da religião. Essa condição sistematizadora das religiões foi um dos caminhos, se não o principal, percorrido pelo autor para entender o desenvolvimento do Ocidente moderno e o papel do ethos protestante na formação do capitalismo industrial (WEBER, 2004). Daí o papel fundamental do conceito teodiceia na obra weberiana, uma vez que consiste no modo pela qual as diversas religiões moldam respostas – plenas de sentido – às tensões latentes entre o mundo como este se apresenta e os atributos da figura divina (WEBER, 1999).

Cabe sublinhar que Weber via a teodiceia, tanto em sua proposta de explicar a realidade quanto na possibilidade de convencimento do fiel acerca do estado de graça,

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como algo cuja eficácia haveria de ser medida na proporção da internalização dos mandamentos. Assim, o caráter racionalizador da religião está diretamente associado à proteção ao sofrimento que esta proporciona ao indivíduo. É neste raciocínio que Weber lança mão da noção de sublimação, cara à psicanálise: “isso é ainda mais provável quanto mais sublimada, mais interior e mais base-ada em princípio é a essência do sofrimento, pois então é importante colocar o seguidor num estado permanente que o proteja intimamente contra o sofrimen-to” (WEBER, 1999, p. 376). Por isso mesmo é que este via na fé dos grupos calvinistas um poderoso fenômeno cultural associado à gênese do espírito do capitalismo, dado o alto índice de interiorização dos preceitos religiosos pelo seguidor que, em resposta à tensão com o mundo exterior criada exatamente pela rígida absorção subjetiva daqueles preceitos, agiria com deliberada inten-ção de transformar o mundo no exercício da própria vocainten-ção (WEBER, 2004). A sublimação, esse redirecionamento das disposições instintuais humanas a fim de

que impulsos poderosos sejam satisfeitos pela obtenção de prazer a partir de fontes secundárias, é vista por Freud não como um processo restrito à psiquê, mas que se aplica igualmente a dinâmicas culturais. “A sublimação do instinto é um traço bastante saliente da evolução cultural, ela torna possível que ati-vidades psíquicas mais elevadas, científicas, artísticas, ideológicas, tenham papel tão significativo na vida civilizada” (FREUD, 2011, p. 42), afirma. Encaminha-se aqui, portanto, a discussão sobre a noção weberiana de ascetismo a fim de respon-der questões que surgem sobre como o autor entendia esse processo que parte da interiorização de preceitos religiosos e deságua na rejeição do mundo ex-terior pela ação transformadora desse mundo. De que maneira a percepção de tensões com o mundo exterior e a subsequente busca por transformá-lo foram tomadas por Weber como fundamentais na explicação da relação entre religião e processos culturais mais amplos? No caso dos protestantes calvinistas se deu a evolução dos valores do mundo interior e do mundo exterior no sentido do esforço consciente e da ‘sublimação’ pelo conhecimento” (WEBER, 1999, p. 377, grifo nosso).

Na tipificação das condutas religiosas, Max Weber formula o ascetismo como o polo de um continuum que tem o misticismo como outra extremidade. Ao passo que este último coloca o fiel na condição de recipiente passivo da inundação extática pela divindade, o primeiro visa tornar o indivíduo ativo, instrumento transformador do mundo ao qual rejeita (WEBER, 1999). Enquanto o místico deseja experimentar uma fuga contemplativa que o leve a ser possuído pelo sa-grado, o asceta preocupa-se com as renúncias ao prazer que qualificarão a sua ação no mundo. É pela rejeição sistemática ao desfrute de prazeres inclusive na esfera religiosa que, “para o asceta deste mundo, a conduta do místico é um gozo indolente do eu; [ao passo que] para o místico, a conduta do asceta

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(vol-tado para o mundo) é uma participação nos processos do mundo, combinada com uma hipocrisia complacente” (WEBER, 1999, p. 374).

Weber relaciona diretamente ambos tipos ideais a duas percepções, também típico-ideais, particulares da divindade. A busca ascética da salvação é vinculada, assim, à personalização de um deus supramundano. Tal divindade transcendente, por sua vez, “não teve a mesma importância para a busca contemplativa e mística, que tem afinidade interna com a despersonalização e imanência do poder divino” (WEBER, 1999, p. 373). Assim como misticismo e ascetismo, os atributos de transcendência e imanência da figura divina são tomados como polos opostos que servem como referência teórica a partir do qual as situações concretas hão de ser analisadas pelo pesquisador.

De fato, o modelo de sublimação identificado na tradição calvinista aponta o desloca-mento da realização de impulsos prazerosos para a sensação de dever cum-prido tão cara ao espírito do capitalismo. Weber fala em um determinado tipo de empreendedor que evita “o gozo consciente de seu poder, [posto que nada retira da sua riqueza] a não ser a irracional sensação de ‘cumprimento do de-ver profissional’” (WEBER, 2004, p.63, grifo do autor). É importante, assim, a capacidade adquirida de não se entregar a determinada “pulsão pecuniária” (WEBER, 2004, p. 50), mas domesticá-la. Tal sublimação racionalizadora é o fundamento da importância do agir para esse esquema de pensamento.

GÊNESE SOCIAL DOS PSIQUISMOS INDIVIDUAIS

Há, contudo, uma guinada significativa no modelo de sublimação do ascetismo vincu-lado ao capitalismo industrial rumo a uma nova dinâmica de gerência dos im-pulsos prazerosos no contexto do capitalismo de consumo. Tendo Max Weber (2004) em A Ética Protestante tomado o trabalho como eixo fundamental de socialização e de constituição dos padrões de racionalidade na vida social do capitalismo, estudos contemporâneos (CAMPBELL, 2001; BAUMAN, 2008b; SAFATLE, 2008), indicam o consumo como balizador das interações sociais e dos processos de construção identitária. Desta forma, se por um lado resta demonstrada a associação do espírito do capitalismo em sua gênese à ética protestante calvinista, a cultura de consumo contemporânea, por outro, surge notadamente diferente na maneira pela qual orienta a ação dos indivíduos que a constroem. A substituição de uma vocação para a ascese – exaustivamente analisada por Weber – por uma vocação para o gozo é elemento distintivo do capitalismo centrado no consumo e constitui desafio aos cientistas sociais na medida em que estes se proponham a compreender a dinâmica motivacional que sustenta a ação social em tal contexto. Neste contexto, o sofrimento é es-vaziado de qualquer possibilidade de significado que seja desejável. Doença,

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pobreza, estagnação e todo tipo de privação desagradam a Deus e não fazem parte de suas intenções para os fiéis. Em entrevista ao pesquisador, um jovem pastor da Igreja Fonte da Vida declara:

Aquelas pessoas que foram atingidas, eu acredito que não estavam debaixo da proteção divina. Eu tiro por mim, eu tenho a proteção divina! Graças a Deus nunca fui assaltado, nunca tive uma [pausa], se passo por doenças são momen-tâneas. Eu digo pelo que tenho passado... enquanto a pessoa não se converter, não resolver mudar de rumo, ela não vai ser feliz. É isso o que acredito.

A importância de se compreender o imperativo do gozo no caso do protestantismo neo-pentecostal está associada à Teologia da Prosperidade. “Deus nos fez para ser-mos felizes, é através da felicidade, que só Ele pode fazer com que o homem se realize interiormente” (SOUZA, 2007, p. 11), afirma o pastor de uma igreja neopentecostal. A compreensão da felicidade como propósito da existência, eixo doutrinário do neopentecostalismo brasileiro, aponta a afinidade entre o movimento neopentecostal e a dinâmica da sociedade de consumo que exalta o bem-estar à condição de paixão das massas, “sustentado pela nova religião do melhoramento contínuo das condições de vida” (LIPOVETSKY, 2007, p. 11). Gilda, senhora de meia idade, afirma em entrevista ao pesquisador:

Felicidade pra mim é estar em harmonia com você mesmo, com a sua saúde, os seus familiares também estarem em harmonia com eles mesmos, ter união, ter a provisão necessária, financeira, e essa parte toda a gente só consegue se tiver uma fé, crendo em uma coisa interior... acho que felicidade é você lutar pra conseguir as coisas, conseguir, mas a essência disso tudo é ser preenchido por algo mais e eu creio que esse algo mais é Deus dentro da gente. É essa parte de religiosidade.

Safatle (2008) propõe uma crítica da economia libidinal a fim de compreender os pro-cessos subjetivos envoltos no contexto da cultura de consumo. Bem próximo ao percurso de Bauman (2008a) ao falar sobre a ânsia por transcendência e sua relação com a ordem social, faz dialogar psicanálise e sociologia a fim de elaborar um quadro teórico suficiente para analisar “a secundarização dos processos de socialização do desejo baseados na produção do sentimento de culpa em prol de outro processo no qual socialização e implementação de expectativas de gozo se articulam conjuntamente” (SAFATLE, 2008, p.21). A mudança em questão é percebida pelo autor como uma transformação no próprio psiquismo dos indivíduos. O Super-eu, instância do aparelho psíquico compreendida pela psicanálise como o ponto de convergência entre

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socializa-ção e repressão, deve ser compreendido agora como desempenhando um novo papel a partir do surgimento de uma sociedade não repressiva ligada à univer-salização dos novos modos de consumir. O “investimento libidinal” (SAFA-TLE, 2008, p. 19) ou “as redistribuições socialmente reguladas da ‘energia de transcendência’” (BAUMAN, 2008a, p. 12, aspas do autor) trilham não mais os caminhos da repressão, seja no ambiente familiar ou em outras esferas da vida social, como percebeu Freud a partir do modelo da família burguesa na transição entre os séculos XIX e XX. Fundamentando-se em autores como Jacques Lacan, Herbert Marcuse e Theodor Adorno, Vladimir Safatle indica a emergência de um Super-eu que, por ironia da história, assombra agora os indivíduos com o imperativo do gozo.

Já há muito não vemos mais a hegemonia de discursos sociais que pregam a repressão. Hoje, o verdadeiro discurso que sustenta os vínculos socioculturais da contemporaneidade é, digamos, mais maternal. Trata-se, por exemplo, do: ‘cada um tem direito a sua forma de gozo’ (ou ainda ‘cada um deve encontrar sua forma de gozo’) que podemos encontrar na liberação multicultural da multiplicidade das formas possíveis de sexualidade. Devemos pensar aqui na tese de que a ‘incitação e a administração do gozo’ transformaram-se na ver-dadeira mola propulsora da economia libidinal da sociedade de consumo, isso em vez da repressão própria à sociedade da produção (SAFATLE, 2008, p. 21, grifos nossos).

Há de se ressaltar que não se trata, em absoluto, de uma liberalização inconsequente dos costumes. Tampouco de uma civilização absolutamente repressora que em pouco tempo se torna libertária. Deve ser também evitado o engano de que o consumo tornou-se autônomo em relação à produção. A interdependên-cia produção-consumo continua intacta, mas reconfigurada. “Não são mais os produtores que estão na origem da recente subida dos preços do petróleo, mas o extremo vigor da procura, em particular americana e chinesa”, afirma Lipovetsky (2007, p.12). Com isso, o autor aponta a ascensão do consumo à condição de orientador da dinâmica capitalista ao lado da produção e, por ve-zes, com proeminência sobre este.

É assim que, em uma escala mais ampla, a nova era do capitalismo se constrói estruturalmente em torno de dois atores preponderantes: o acionista de um lado, o consumidor do outro. O rei bolsista e o cliente rei: essa nova configuração de poderes está no princípio da mutação da economia globalizada... Enquanto triunfa o capitalismo globalizado, o assalariado, os sindicatos e o Estado pas-saram para segundo plano, suplantados que são, daí em diante, pelo poder dos

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mercados financeiros e dos mercados de consumo. A nova economia-mundo não se define apenas pela soberania da lógica financeira: é também inseparável da expansão de uma ‘economia do comprador’ (LIPOVETSKY, 2007, p.13, grifos do autor).

Buscando compreender a dinâmica subjetiva deste consumidor rei, Safatle (2008) reto-ma o diálogo com Marcuse e Lacan ao sublinhar que, processualmente, vai-se do afastamento do gozo espontâneo a um modelo de satisfação administrada e, em seguida, a um quadro de insatisfação administrada. O autocontrole que leva à renúncia das paixões cede espaço ao incentivo aos prazeres e, em segui-da, o mero incentivo dá lugar ao imperativo do gozo no qual a insatisfação é elemento-chave tanto no psiquismo individual quanto nos processos culturais. Neste ponto, o autor adota o modelo do Super-eu lacaniano que inverte a perspectiva de Sigmund Freud. Numa sociedade em que indivíduos motivam sua ação pela priorização da satisfação instantânea, a construção social da instância Super-eu forjará não mais um mecanismo repressor, mas um que trabalhe por meio do imperativo do gozo (SAFATLE, 2008). A adoção da perspectiva de Lacan torna o empreendimento de Safatle – qual seja, pensar um modelo de economia libidinal para a sociedade de consumo – ainda mais bem sucedido quando cotejados o novo Super-eu e a dinâmica emocional envolvida no com-portamento do consumidor. O que a princípio parece a superação da culpa pelo descarte dos modelos repressivos de conduta, é de fato a integração da

insatisfação e da própria culpa no modelo cultural adequado à nova dinâmica econômica.

CONCLUSÃO

Assim, pensar o lugar da insatisfação é fundamental na busca por compreender o efeito da Teologia da Prosperidade na dinâmica subjetiva dos fiéis das igrejas ne-opentecostais. Em seus cultos, nota-se a importância da constante busca da bêncão de Deus, entendida como idealização de objetivos reais a serem alcan-çados. Desta forma, há sempre uma nova bênção a pedir, uma nova conquista a alcançar. O fiel se vê sempre impelido a perseguir novas realizações a fim de desfrutar novos estados de gozo. “Pense em todas as suas perspectivas. O que você espera alcançar? Seu empenho, seu esforço, sua dedicação, são compatí-veis com os resultados que você quer alcançar?” (SOUZA, 2009, p.21). Nesse contexto, a ausência de ambições ou projetos pessoais são facilmente conde-nados moralmente e percebidos como acomodação. Em outro trecho elucida-tivo, o líder religioso dirige-se ao seu leitor enfatizando que o bom cristão é aquele que tem propósitos definidos e os transforma em produtividade. O gozo

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imperativo surge também aqui, na forma de contínua busca por realizações pessoais.

Em algumas das reuniões com os líderes da Igreja Apostólica Fonte da Vida, tenho sempre mencionado que a imaginação é o ato de transformar a ideia em um plano. E por falar nisso, você tem um plano em sua vida que já foi realizado ou continua guardado com você?

Esse plano podemos chamar de ‘propósito’. Quando somos pessoas com propó-sito, grande parte de tudo aquilo que pensamos ou sonhamos, é realizado pela força da vontade, da criatividade e potencial que há em cada um de nós (SOU-ZA, 2009, p.16).

O projeto do gozo compulsivo e contínuo mostra-se inviável, seja por motivos psíqui-cos, sociais ou culturais e, desta forma, cabe a incorporação da própria frus-tração à dinâmica do consumo (SAFATLE, 2008). Dado o caráter difuso do imperativo do gozo ditado pelo Super-eu, sem normas definidas ou listas de objetos de prazer prontas, toda e qualquer fonte de satisfação será, em alguma medida, fonte de insatisfação. A fixação em determinado objeto remete à au-sência de outros estímulos, gerando demanda por um fluxo veloz de mercado-rias de toda espécie, todas descartáveis. O mercado encontra correspondência na subjetividade dos consumidores. “Estamos diante de um Super-eu perfeito para uma sociedade marcada exatamente pela obsolescência programada de mercadorias. Sociedade que deve alimentar o fluxo contínuo de equivalências em campos sociais cada vez mais alargados” (SAFATLE, 2008, p. 23). Safatle sublinha, de forma perspicaz, que o vínculo com os objetos é frágil e que a dinâmica social se alimenta dessa própria fragilidade.

É perceptível a obsolescência programada dos bens simbólicos construídos pela di-nâmica religiosa dos fiéis. As bênçãos prometidas e perseguidas no discurso neopentecostal não são, de forma alguma, bens duráveis e que gerem o fim da busca na qual o fiel se envolve. Cíclicas campanhas de oração, a nomeação dos anos do calendário como “o ano da frutificação”, “o ano da virada”, “o ano da colheita” ou “o ano da dupla honra”, bem como a periódica realização de gran-des eventos de “explosão de milagres”, indicam o movimento de renovação das necessidades que impelem o fiel a buscar sua vitória na trajetória de fé pessoal.

THE RELIGIOUS DYNAMIC OF THE FAITHFUL: NEOPENTECOSTALISM AND CONSUMER RELATIONS

Abstract: the object of this article is to investigate the changes in the Protestantism asso-ciated with the New Pentecostalism, checking your correlation with the

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consu-mer culture. The aim is to understand the transformations of Protestants beliefs that make possible a Neopentecostal theodicy in the religious scenario, through exam of the possible correlations between such transformations and broad cul-tural processes linked to centrality of consumption in modern societies.

Keywords: Consumer Society. Prosperity Theology. Protestantism. Neopentecostalism.

Nota

1 Eu acredito na santidade dos sonhos / Chega de fugir dos mascarados / Eu acredito que a sociedade nunca irá sonhar como eu. Eu sonho com o amor, num cemitério vazio / Eu so-nho com Vegas e uma carta-coringa transcendental / Um lugar onde não se espera a morte pra caminhar em direção à luz / E apenas os cegos têm visão. Eu não sigo nada além do compasso do meu instinto / Não me importa pra onde, sei que me levará ao limite / E me deixará sozinho comigo mesmo e meus sonhos / Você pode ouvir o meu grito? [tradução livre].

Referências

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