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A tutela do promitente não faltoso em processo de insolvência

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janeiro de 2015

João Filipe Ferreira Ribeiro Monteiro

A tutela do promitente não faltoso em

processo de insolvência

Universidade do Minho

Escola de Direito

João F ilipe F err eir a Ribeir o Mont eir o

A tutela do promitente não faltoso em processo de insol

vência

UMinho|20

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Trabalho realizado sob a orientação do

Professor Doutor Fernando de Gravato Morais

janeiro de 2015

João Filipe Ferreira Ribeiro Monteiro

Universidade do Minho

Escola de Direito

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa

A tutela do promitente não faltoso em

processo de insolvência

(3)
(4)

III

«A TUTELA DO PROMITENTE NÃO FALTOSO EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA»

A presente dissertação aborda as consequências legais do incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda, analisada em particular na óptica do

promitente-comprador. Promove-se, em primeiro lugar, um estudo daquilo que prescreve o CÓDIGO CIVIL

a este respeito – designadamente analisando as consequências legais do inadimplemento. Isto assentando, em especial, numa apreciação dos regimes jurídicos do sinal e o do direito de

retenção.

De seguida, e visto que subsiste maior polémica jurídica quando se enquadra este cenário numa situação de insolvência de uma das partes, procura-se identificar, desde logo, as razões desta desarmonia. Tal desiderato é prosseguido verificando o que prescreve CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS a respeito das sobreditas matérias numa

intercepção entra os regimes civilista e falimentar.

Por fim, conclui-se com uma análise bipartida entre aquilo que o nosso ordenamento jurídico prevê, actualmente, para este tipo de situações e o que, fruto da dissertação elaborada, se crê ser um regime mais adequado à matéria controvertida em análise.

Merece ainda menção o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, publicado na parte final da redacção desta dissertação, o qual se pronuncia sobre algumas das questões aqui afloradas.

(5)

IV

«The promisee’s protection when promisor goes bankrupt in a real property sale and purchase agreement»

This thesis deals with the legal consequences of real property promissory contract breach situation, especially as far as promissory-buyer is concerned. Firstly we will be reviewing Portuguese CÓDIGO CIVIL (Civil Code), looking for earnest payment and direito de

retenção (the right of withholding delivery of the property by the buyer who is allowed to live

in the property in advance, before the deed) legal framework.

Subsequently, as there are divergent views on promissory-buyer’s protection when the other party goes bankrupt, these are going to be checked against Portuguese Civil Code and Bankruptcy Law. Finally, when trying to reach some conclusion, we are examining one of the most important Portuguese Supreme Court decisions related to this subject – Acórdão

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V

«mas eu sei que só se é homem, plenamente, quando se sabe. (…) Se a grandeza que nos coube foi essa ao menos de saber, conquistemo-la até onde, nos limites das evidências primeiras, ela se nos anuncia.»

Vergílio Ferreira, Carta ao Futuro

«Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens»

Colossenses III, 23 in Bíblia Sagrada

Correndo o risco da injustiça do esquecimento de alguns, mas com a certeza de que o mais singelo contributo se perpetuará muito para além destas páginas, agradecemos a colaboração incansável de

Professor Doutor Fernando de Gravato Morais Dr. João Trigo Morais

Dr. Ricardo Moura de Castro Dr. José Manuel Sevilha Gil Dr. José António Silva e Sousa Dra. Ana Rita Ribeiro

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VI

Índice

1 Considerações introdutórias. Razão de ordem. ... 8

2 Do (in)cumprimento do Contrato-Promessa – nótulas ao seu regime ... 10

2.1 Mora, incumprimento definitivo e resolução do contrato. A execução específica ... 10

2.1.1 Mora e incumprimento definitivo ... 11

2.1.2 A execução específica ... 15

2.2 Dos efeitos do incumprimento definitivo – considerações sobre o sinal... 16

3 Dos direitos reais de garantia e sua função instrumental enquanto garantia especial das obrigações. O direito de retenção – enquadramento e âmbito de aplicação. ... 20

3.1 O Direito de Retenção – enquadramento e âmbito de aplicação ... 21

3.1.1 As funções do direito de retenção ... 21

3.1.2 O Direito de Retenção no actual panorama do direito português ... 22

3.1.3 O caso especial do artigo 755.º, n.º 1 al. f) do CC – referências relativas ao seu âmbito de aplicação ... 25

3.1.4 Da (in)constitucionalidade do artigo 759.º, n.º 2 do CC... 30

4 O regime insolvencial do contrato-promessa ... 34

4.1 Considerações gerais ... 34

4.2 O CPEREF ... 34

4.3 O CIRE e os efeitos sobre os negócios em curso ... 36

4.3.1 Os efeitos sobre os negócios em curso – artigos 102.º a 119.º do CIRE ... 37

4.3.2 O direito de retenção e o processo de insolvência ... 47

4.4 Síntese conclusiva. Posição adoptada de jure condito ... 61

5 Análise de iure condendo – indicativos para uma reapreciação da tutela do promitente fiel no direito português. Contributos de direito comparado. ... 66

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VII

Siglas e Abreviaturas

AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa Al. - alínea

Anot. - anotação Art. – artigo

BMJ – Boletim do Ministério da Justiça CC – Código Civil

CCE – Código Civil Espanhol CCI – Código Civil Italiano

CDP – Cadernos de Direito Privado Cf. – confrontar

CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas

CPEREF – Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência Ed. – edição

i.e. – isto é

loc. cit. - loco citato

n.º - número

ob. cit. – obra citada p(p). – página(s)

RDES - Revista de Direito e Estudos Sociais reimp. – reimpressão

ROA – Revista da Ordem dos Advogados ss. – seguintes

STJ – Supremo Tribunal de Justiça TRC – Tribunal da Relação de Coimbra TRE – Tribunal da Relação de Évora TRG – Tribunal da Relação de Guimarães TRL – Tribunal da Relação de Lisboa TRP – Tribunal da Relação do Porto

v.g. – verbi gratia

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8

1 Considerações introdutórias. Razão de ordem.

A abordagem a uma qualquer problemática reveste-se de contornos particularmente aliciantes quando se origina ou se funda em questões pouco exploradas, de grande complexidade ou ainda particularmente controvertidas. A vexata quaestio que subjaz ao presente estudo surge maioritariamente eivada deste último ingrediente. Com efeito, o nosso ordenamento jurídico, assim entendemos, não estabelece actualmente um quadro legal que preveja e regule satisfatoriamente a pluralidade de questões que poderão advir do incumprimento de um contrato-promessa por motivo de insolvência de um dos contraentes. Daí a opção por esta matéria.

O CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE)1 e o CÓDIGO CIVIL regulam, no que ao incumprimento da promessa de contrato de compra e venda de imóveis respeita, uma mesma problemática de formas que, quando confrontadas ou sobrepostas, sugerem soluções potencialmente insatisfatórias – tanto do ponto de vista dogmático, como na perspectiva do tráfego jurídico propriamente dito.

Esta desarmonia regulativa vem dando causa a demorados estudos por parte da doutrina e não menos profundas pronúncias jurisprudenciais. Menos não seria de esperar visto tratar-se de um tema de tamanha relevância quer do prisma jurídico stricto

sensu, quer do ponto de vista da relevância social do mesmo. De todo o modo, e

recordando as palavras de SAVIGNY quando afirma que «mais importante que todas as

leis é o espírito dos juristas», vêm ainda assim sendo alvitradas algumas orientações avisadas, seja em sede de tratados académicos, seja nos veredictos dos tribunais.

Importa por conseguinte, e por razões de orientação dogmática, oferecer um primeiro esboço do que se pretenderá dilucidar com este trabalho. A tutela do

promitente não faltoso em processo de insolvência é o ponto de partida para uma

demanda que chama a si uma pluralidade de conceitos e figuras jurídicas, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais distintos, numa intercepção de concepções que visa o fim último de consubstanciar um contributo assertivo para a abordagem da problemática em apreço. Assim, este estudo assentará em três tónicas fundamentais – o regime geral do contrato-promessa de compra e venda e do respectivo incumprimento, o direito de retenção enquanto direito real de garantia em especial quando associada àquele inadimplemento e o enquadramento destes dois quadrantes em

(10)

9

sede de processo de insolvência, mormente, no âmbito da verificação e graduação de créditos.

Em particular, colocaremos especial enfoque na perspectiva do promitente-comprador beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real sobre imóvel ou fracção autónoma deste, que obteve a tradição da coisa e que viu a promessa incumprida pela contraparte. Após a devida abordagem ao regime civilista, transportaremos a análise para o campo do direito da insolvência, tentando aferir da existência e, em caso afirmativo, perceber de que forma opera a protecção a tal contraente. Optou-se por centrar a dissertação nesta tónica porquanto se trata da hipótese mais problemática de entre as que lhe são, neste contexto, afins, bem como a que assume maior relevância social e jurídica.

Aqui pretendemos que se enquadre o modesto trabalho que ora damos a conhecer, com o intento cimeiro de que o mesmo se paute por imperativos de rigor científico e honestidade intelectual.

(11)

10

2 Do (in)cumprimento do Contrato-Promessa – nótulas ao seu regime

A nossa Lei Civil regula a promessa de contrato2 nos artigos 410.º e ss. do CC. Trata-se de uma figura contratual que consiste, segundo o texto legal, na convenção

pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato3. Os requisitos para a sua celebração estão previstos nos mencionados normativos sendo que o contrato-promessa poderá ainda ter eficácia obrigacional ou eficácia real, assim sejam, quanto a esta última, observados os requisitos do artigo 413.º do CC4.

Não poucas vezes surge também a desconformidade entre a declaração de vontade da parte, se bem que contratualizada, e os actos tendentes a efectivar as obrigações contratualmente assumidas – numa palavra, falamos do incumprimento. Em qualquer negócio jurídico, em especial no espectro contratual, esta é uma realidade sempre presente, ainda que mediatamente. Basta assim que a(s) parte(s) não observe(m) as incumbências que sobre si impende(m) na decorrência do pactuado para que sejamos remetidos aos preceitos atinentes ao inadimplemento.

Verifica-se ademais, e com particular relevância neste contexto, que os contratos são frequentemente enriquecidos com cláusulas acessórias, como é o caso do sinal (artigo 442.º do CC).5 Trataremos infra com maior rigor esta cláusula típica enquanto elemento preponderante no estudo do contrato-promessa, em especial do seu incumprimento, pois terá neste enquadramento dogmático assinalável destaque.

2.1 Mora, incumprimento definitivo e resolução do contrato. A execução

específica

No que respeita ao contrato-promessa, comece-se por referir que valem para o mesmo, por via de regra, as normas gerais do (in)cumprimento das obrigações. Segundo

2 Não cuidaremos aqui da discussão em torno da nomenclatura a adoptar para esta figura jurídica, recorrendo

indiferenciadamente às diversas formulações. Remetemos brevitatis causa para as apreciações elucidativas a este respeito reunidas em M. J. ALMEIDA COSTA, Contrato-Promessa – uma síntese do regime vigente, Almedina, 2007, (9.ª ed.), pp. 11 e 12 (nota 1) e ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral – Vol. I, Coimbra, Almedina, 2004, p. 308 (notas 1 e 2);

3

De igual modo, a definição legal de contrato-promessa motiva uma apreciação cuidada a que não nos entregaremos. Quanto a esta matéria releva-se porém o aprofundado estudo em ANA PRATA, O contrato-promessa e o seu regime civil, Almedina, 1999, p.

252 e ss.; bem como as considerações analisadas presentes em ABEL DELGADO, Do contrato-promessa, Petrony, 1985, p. 13 e ss.; M. J. ALMEIDA COSTA, Contrato-Promessa – uma síntese do regime vigente, Almedina, 2007, (9.ª ed.), p. 1 e ss.; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II/2, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 297 e ss.; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em

Geral – Vol. I, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 351 e ss.; JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações – vol. I, Almedina, 1987, p. 271;

4

Não cuidamos aqui do funcionamento da eficácia real embora seja uma matéria do maior interesse dogmático e inclusivamente adjectivo/processual. Quanto a esta matéria, apontando as diversas posições, vide ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II/2, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 446 e ss.;

5

Cf. entre muitos outros ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I/1, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 735 a

(12)

11

o artigo 410.º, n.º 1 do CC, são-lhe aplicáveis mutatis mutandis as regras relativas ao contrato prometido. No que toca ao incumprimento, e sem prejuízo de também nesta sede a sua disciplina se subsumir em abstracto ao regime geral do não cumprimento das obrigações, há que atentar para as especificidades relativas à execução específica e à

resolução do contrato.

Estreitando o raciocínio exposto em primeira linha ao contrato-promessa de

compra e venda, diremos que perante o incumprimento contratual daquele surgem duas

grandes opções ao lesado. Por um lado, o do recurso à tutela jurisdicional a fim de obter por essa via a declaração negocial do faltoso, promovendo o cumprimento – a execução

específica. Caso não seja esse o caminho escolhido, há que recorrer aos instrumentos

que visam pôr termo ao acordo em crise, acautelando em especial os interesses do promitente não faltoso – a resolução do contrato.

2.1.1 Mora e incumprimento definitivo

O comportamento da parte contratante que demonstra a sua desconsideração pelas obrigações que assumiu pode ser manifesto de diferentes formas.

Diz-nos o CÓDIGO CIVIL que, tendo a obrigação prazo certo, o devedor ficará

constituído em mora independentemente de interpelação (artigo 805.º, n.º 2 al. a) do CC) – estará assim automaticamente constituído em mora quando, v.g. tendo as partes agendado a escritura pública de compra e venda (o contrato prometido) para a data y, este não comparecer na celebração da mesma.

Pode, porém, suceder que nada tenha sido convencionado quanto à data da celebração do contrato definitivo mas apenas que seria a parte faltosa a proceder ao respectivo agendamento – nunca tendo a mesma cumprido essa incumbência. Caso em que será necessária, em princípio, a interpelação da contraparte para que se considere constituído em mora, nos termos gerais (artigo 805.º, n.º 1 do CC).

No decorrer de uma destas duas hipóteses pode o credor lançar mão de outros tantos expedientes legais para por fim à mora debitoris. O artigo 808.º do CC prevê que, em consequência da mora, possa o credor perder o interesse que tinha na prestação ou, por outro lado, possibilita que este lance mão da interpelação admonitória fixando

prazo razoável para que a obrigação seja cumprida pelo devedor, expirado o qual se

(13)

12

No primeiro dos casos, a lei exige que a perda de interesse na prestação seja

apreciada objectivamente (n.º 2), isto é, «a perda de interesse terá de resultar de todo

um circunstancialismo fáctico, muito concreto e bem definido, que revele justificadamente tal perda de interesse segundo um critério de razoabilidade próprio do comum das pessoas»6. Assim sendo, o juízo valorativo enunciado pela parte terá necessariamente de ser acompanhado de prova contundente, por si oferecida, nos termos gerais das regras relativas ao ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1 do CC). Caso logre fazer tal prova ter-se-á por não cumprida a obrigação.

De igual modo, existe como se disse um mecanismo adicional a par da demonstração da perda do interesse na prestação em falta. Considera-se outrossim a obrigação não cumprida quando o devedor faltoso, depois de interpelado, tendo-lhe sido fixado prazo razoável para cumprir, não o fizer7.

Consideramos desde logo, na sequência da análise do artigo 808.º em articulação com os artigos 442.º e 830.º todos do CÓDIGO CIVIL, que a transformação da

mora em incumprimento definitivo e a resolução contratual é essencial para que o

promitente fiel utilize os mecanismos que lhe são disponibilizados pelo artigo 442.º. Acompanhamos aqui de perto o entendimento de JOÃO CALVÃO DA SILVA com o qual

genericamente concordamos8. Orientação essa que, segundo cremos, vem fazendo

escola nos nossos Tribunais, vindo assim doutrina e jurisprudência ao longo dos anos

cortando o nó górdio que o Legislador aparentemente criou com a formulação que

ofereceu ao artigo 442.º do CC. Com clareza diremos que não é admissível o recurso à tutela indemnizatória prevista neste preceito, a qual se trata de uma norma especial relativa ao incumprimento contratual que visa proteger as vítimas de incumprimento, nomeadamente, do contrato-promessa, sem que previamente se opte pela resolução do contrato. Seria um contra-senso jurídico permitir que o contraente fiel se socorresse da indemnização pelo incumprimento do contrato quando, na verdade, este ainda estava em vigor permitindo maxime o seu cumprimento pelo contraente faltoso. Para que melhor

se perceba o entendimento exposto, e dado que encontramos no parecer de CALVÃO DA

SILVA argumento bastante, atentemos no raciocínio inverso respeitante ao recurso à

6

Acórdão do STJ de 28.06.2011, relator: Moreira Alves, processo n.º 208/05.2TCFUN.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; 7

Pronunciando-se pela possibilidade de uma interpelação admonitória ou «intimação para o cumprimento» feita «verbalmente» cf. Acórdão do TRL de 27.03.2012, relator: Rui Vouga, processo n.º 5750/06.5TCLRS.L1-1, disponível em www.dgsi.pt e abordando a dita interpelação mais demoradamente cf. Acórdão do STJ de 15.01.1992, relator: Tato Marinho, processo n.º 079184; 8 JOÃO CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Almedina, 2010, p. 117 e ss.; em sentido diverso, afirmando que «no contrato-promessa, havendo sinal passado, a transformação da mora em não cumprimento definitivo afasta-se do regime-regra do art. 808.º», entendimento do qual respeitosamente discordamos bem como da respectiva fundamentação aduzida, cf. M. J. ALMEIDA COSTA, Contrato-Promessa – uma síntese do regime vigente, Almedina, 2007, (9.ª ed.), p. 80-82;

(14)

13 execução específica – da qual, segundo cremos, pode o contraente não faltoso lançar

mão em alternativa à resolução por incumprimento e respectiva indemnização – encaixando aquele na perfeição a contrario sensu neste arrazoado.

Diremos, com ANA PRATA e a generalidade da doutrina, que o recurso à

execução específica pressupõe «a existência de um contrato-promessa válido e eficaz»9.

Quanto mais não seja pois, na esteira do que preceituam os artigos 432.º e ss. do CC, o incumprimento definitivo do contrato-promessa consubstanciado na sua resolução, eliminará o contrato e a correspectiva relação contratual10. Há assim uma relação de incompatibilidade entre a execução específica e o incumprimento definitivo que tenha ocasionado a resolução do contrato.

Por conseguinte, é nosso entendimento que a dicotomia que permite aferir da susceptibilidade do recurso à execução específica deve ser entre contrato em vigor e

contrato resolvido, e não entre mora e incumprimento definitivo. Esta precisão

dogmática ganha relevo na medida em que evita uma situação que pode ser criticável, nomeadamente um cenário em que o contraente que mantém interesse na prestação em falta, apenas porque a contraparte declara peremptória e categoricamente que não irá cumprir o contrato, não possa recorrer à execução específica porque já se está perante um cenário de incumprimento definitivo. Visto que por mero efeito da terminante declaração de recusa emitida pelo promitente faltoso, a mora se convolou em

9 ANA PRATA, O contrato-promessa e o seu regime civil, Almedina, 1999, p. 897; sobre esta matéria cf. JOÃO CALVÃO DA SILVA, Sinal e

Contrato-Promessa, Almedina, 2010, p. 161 e 162 (enumerando um conjunto vasto e importante de jurisprudência consonante

com a posição defendida – cf. p. 162 nota71), com cuja posição genericamente concordamos, acreditando contudo que ao colocar a tónica da dicotomia mora/incumprimento definitivo exclusivamente na dependência do interesse do credor o autor ignora os casos em que seja o próprio devedor unilateralmente a colocar-se em situação de incumprimento definitivo; LUÍS MENEZES LEITÃO,

Direito das Obrigações, I, Almedina, 2010 (9.ª ed.), p. 233 – numa formulação mais precisa defende um entendimento «em sentido

amplo» da menção legal de «não cumprimento» já que será suficiente a simples mora (depreendemos que admite assim o recurso à execução específica em casos de incumprimento definitivo); M. J. ALMEIDA COSTA, “Anotação do acórdão de 8 de Novembro de 1988”, in: Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 124, p. 95 e 96 – tal como dito acima parece este autor, como CALVÃO DA SILVA, negligenciar os casos em que é o devedor a recusar definitivamente a prestação e ainda FERNANDO DE GRAVATO MORAIS,

Contrato-promessa em geral, contratos-promessa em especial, Almedina, 2009, pp. 109 a 111.

Adoptando uma formulação mais atenta à particular vicissitude supra referida (ainda que por caminhos que discordamos) cf. MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Em tema de contrato-promessa, AAFDL, 1990, p. 17 ou ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral

– Vol. I, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 351 e ss. (p. 357); Na jurisprudência, a posição predominante vai no sentido de exigir uma

situação de mora como pressuposto do recurso à execução específica contudo várias são as decisões que, quanto a nós com propriedade, concebem que o promissário lance mão daquele mecanismo em casos de incumprimento definitivo desde que o contrato não tenha sido resolvido e, mormente, o seu interesse no cumprimento da prestação em falta se mantenha. Veja-se neste último sentido, por todos, o Acórdão do STJ de 03.10.1995 disponível em CJSTJ, ano 1995, III, p. 45 onde, em suma, se decidiu que «o direito à execução específica pode ser exercido logo que há mora e também quando a obrigação se considera

definitivamente não cumprida devido ao contraente faltoso não ter realizado a prestação no prazo para o efeito fixado pelo outro contraente, desde que ela seja física e legalmente possível e este continue a ter nela interesse. Fixado ao contraente faltoso um

prazo suplementar razoável para cumprimento da prestação sob cominação de ser pedida a execução específica, é evidente que o outro contraente não pretende a resolução do contrato» (sublinhados nossos);

10

JOÃO CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Almedina, 2010, p. 119. e ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral – Vol. II, Coimbra, Almedina, 2009, p. 275 (7.ª ed.) [«a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato»];

(15)

14

incumprimento definitivo11, o promitente fiel não pode ver a sua posição duplamente prejudicada – primeiro, pelo incumprimento pontual da promessa (mora) e depois pela recusa unilateral e definitiva de celebração do contrato prometido (incumprimento definitivo) que obstaria ao recurso à execução específica12. Partindo sempre do pressuposto, relembra-se, que o promitente interessado no cumprimento da promessa

não resolveu o contrato-promessa em crise13.

Em suma, ao promissário que mantenha o interesse na realização (e inerentes efeitos) do contrato prometido – obtendo a prestação em mora – é-lhe dado o poder de lançar mão da estatuição do artigo 830.º, n.º 1 do CC para efectivar tal pretensão, desde que não tenha posto previamente fim à relação contratual, comunicando in fine a resolução do contrato à contraparte nos termos gerais do artigo 436.º do CC, todavia ainda que a contraparte já se encontre em incumprimento definitivo. Não nos parece assim que o incumprimento definitivo de per se obste ao recurso à execução específica.

Cumpre recordar ademais que os conceitos de incumprimento definitivo e de

resolução contratual não se confundem. Para isto nos aponta, nomeadamente, o artigo

801.º do CC. Teremos incumprimento definitivo quando a prestação de torna impossível (n.º 1) sendo que isso, por si só, não faz operar ipso facto a resolução contratual. Tal cenário confere sim ao credor o direito a resolver o contrato – tendo este que observar os requisitos do referido artigo 436.º do CC. Apenas após a interpelação do devedor advertindo-o de que se converterá a mora em incumprimento definitivo caso não cumpra a sua obrigação em prazo razoável a fixar (artigo 808.º, n.º 1 do CC) e/ou de que se considerará que o incumprimento definitivo culminará na resolução do contrato em vigor, poderá o credor lançar mão dos efeitos do incumprimento14. Até lá, ainda que, em última instância e por mera hipótese de raciocínio, a obrigação se considere definitivamente incumprida, poderá o contraente adimplente recorrer à execução

específica, assim mantenha interesse no cumprimento da obrigação em mora. MENEZES

LEITÃO, fazendo uma delimitação positiva de quem poderá recorrer àquele mecanismo, exige uma leitura ampla do não cumprimento previsto no artigo 830.º, falando, com

11

Cenário que admitimos, o qual é também apreciado pela jurisprudência – cf. Acórdão do STJ de 26.04.2012, processo n.º 743/2001.E1.S1 ou de 03.03.2005, processo n.º 05B002 disponíveis em www.dgsi.pt;

12 Põe-se assim a salvo a legítima preocupação expressa em MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Em tema de contrato-promessa, AAFDL, 1990, p. 17.

13

Concordamos neste ponto com JANUÁRIO GOMES quando conclui que a admissibilidade do recurso à execução específica em situações de incumprimento definitivo passará por «não se considerar a extinção do contrato como consequência automática do incumprimento ou como sua decorrência lógica» - MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Em tema de contrato-promessa cit., p. 18;

14 Embora reconheçamos aqui com CALVÃO DA SILVA que «o pedido de restituição do sinal em singelo ou em dobro contém em si, implicitamente, o pedido de resolução do contrato» cf. JOÃO CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Almedina, 2010, p. 113 e,

do mesmo autor, “Tradição da coisa e indemnização alternativa por incumprimento de promessa sinalizada”, in: Revista de

(16)

15

propriedade, numa «impossibilidade definitiva de cumprimento» que assume contornos diferentes do incumprimento definitivo.15

Dadas as presentes considerações, o mesmo entendimento servirá de base a

contrario para se aferirem as circunstâncias em que o promitente fiel de um

contrato-promessa pode recorrer à tutela indemnizatória do artigo 442.º do CC. Do mesmo modo que aquele lançará mão da execução específica enquanto mantiver interesse na prestação em falta e não resolver o contrato, a indemnização pelo sinal dobrado ou pelo aumento do valor da coisa só pode ser invocada quando o contrato tiver sido resolvido; sobretudo pois, como se disse, estas são indemnizações devidas pelo incumprimento

contratual que naturalmente culmina na resolução do acordo.

2.1.2 A execução específica

O artigo 830.º do CC apresenta um mecanismo introduzido pelo CÓDIGO CIVIL

de 1966, denominado de execução específica, o qual confere à contraparte do

promitente faltoso a susceptibilidade da obtenção de sentença que produza os efeitos da declaração negocial deste. Trata-se de um preceito que sofreu um conjunto de

alterações, as quais por imperativos expositivos e de manifesto desinteresse para o tema ora em estudo nos absteremos de apreciar, estando já contudo devidamente

estabilizado16 para oferecer uma base sólida à sua análise.

Conforme ressalta da redacção do artigo 442.º, n.º 3, bem como do entendimento que temos oportunidade de expor, a execução específica pode ser requerida pelo contraente fiel em alternativa à resolução do contrato e inerente indemnização nos termos do número anterior do mesmo artigo. Permite-se que o promitente não faltoso que mantenha interesse na prestação em falta e não tenha posto termo ao contrato acautele a sua situação jurídico-contratual com o recurso à intervenção do Tribunal.

15

Cf. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, I, Almedina, 2010 (9.ª ed.), p. 233. Defende este autor que sendo a «simples

mora» suficiente para os «efeitos de execução específica», esta apenas deixará de ser possível quando haja a referida

impossibilidade definitiva. Por exemplo, uma promessa de venda de um imóvel já vendido a um terceiro, caso em que o Tribunal

não poderia proferir sentença com os efeitos de uma «venda de bens alheios nula»; isto estando, em abstracto, perante o confronto entre o direito de crédito sustentado pela execução específica e o direito real adquirido pelo terceiro, caso em que o primeiro cederia face a este último; cf. ainda supra nota 8, quando se exige, no acórdão citado in fine, que a prestação seja física e

legalmente possível;

(17)

16

Além de se exigir que o contrato esteja em vigor, o recurso à execução específica encontra-se ainda condicionado pela existência de convenção em contrário bem como pela natureza da obrigação assumida (cf. n.º 1 in fine). No que a este último requisito concerne, o Tribunal não se pode substituir ao contraente faltoso em situações,

v.g. de infungibilidade da prestação, de contratos reais quoad constitutionem ou em que

seja necessário suprir um acto de terceiro17.

Já quanto à convenção em contrário haverá que recorrer ao enunciado no n.º 2 do mesmo artigo. A lei civil presume a existência de acordo preclusor da execução específica quando haja sinal passado ou tiver havido fixação de uma pena para o caso de incumprimento. Estar-se-á aqui perante uma presunção ilidível estabelecida pelo Legislador a respeito da qual não afloraremos nesta instância estudo de maior rigor18.

2.2 Dos efeitos do incumprimento definitivo – considerações sobre o sinal Cumpre agora restringir a abrangência do raciocínio enunciado, centrando a nossa atenção no sinal propriamente dito, figura cujos contornos serão relevantes mais tardiamente no presente trabalho, nomeadamente aquando da incursão nos trâmites falimentares.

Visto o percurso a observar tendo por fim o cumprimento ou incumprimento definitivo da obrigação de, neste caso, celebrar o contrato prometido, avançaremos para uma série de cominações que o ordenamento civilista prevê, nomeada e mormente no artigo 442.º do CC. Dois pormenores influem decisivamente neste âmbito – a existência ou não de tradição da coisa a que se refere o contrato prometido bem como a

constituição de sinal. Dada a sua preponderância, destas cuidaremos por ora com mais

detalhe. Ainda que não sendo o desígnio de fundo deste estudo, mas em abono da clareza expositiva, cumpre promover uma declaração de interesses no que a algumas divergências doutrinais diz respeito.

A constituição do sinal, a verificar-se «aquando da celebração de um contrato ou, posteriormente mas antes do cumprimento»19, coordenará o regime a observar aquando do incumprimento do contrato-promessa. Diremos por ora incumprimento

17 Cf. quanto a este último JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações – vol. I, Almedina, 1987, p. 271. 18

Sem prejuízo da abordagem à figura do sinal sob o prisma do artigo 442.º; de todo o modo veja-se a este respeito, numa análise plena de acuidade, NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 281;

(18)

17

pressupondo o incumprimento definitivo que resulta na resolução do contrato, por mera facilidade expositiva. Assim, verificando-se a mora do promitente faltoso, o promitente fiel optará por pôr em marcha os mecanismos tendentes a efectivar o cumprimento do contrato, mormente através da execução específica nos termos do artigo 830.º20; ou então, assumindo a sua vontade em pôr termo à situação de inadimplemento, terá, desde logo, de transformar a mora do devedor em incumprimento definitivo, usando os já referenciados expedientes do artigo 808.º do CC. Surgem então aqui as formulações do artigo 442.º, n.º 2 – seja a referência a quem deixar de cumprir ou ao não cumprimento. Ambas estas locuções reportam-se necessariamente a situações de incumprimento

definitivo e nunca à mora, pressupondo sempre a resolução do contrato. Assoma

também a figura do sinal, fundamental para esta análise bem como a eventualidade de se ter verificado a traditio rei.

Concretizando, e tratando em específico da promessa de compra e venda de imóveis – na qual ora nos centraremos, é sabido que, não tendo havido constituição de sinal, são aplicáveis as regras gerais da responsabilidade civil referentes ao incumprimento contratual21. É porém corrente que se constitua aquela a cláusula

acessória típica. Diz-nos o CÓDIGO CIVIL que perde o sinal quem o constitui e

posteriormente dá causa ao incumprimento da obrigação. Se todavia o incumprimento se ficar a dever à contraparte o quadro transforma-se levantando questões distintas. No caso de não ter havido tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o promitente adimplente poderá exigir o dobro do sinal que prestou. No entanto, verificando-se a traditio, este já poderá optar pelo valor da coisa ou pelo direito a

transmitir ou a constituir sobre ela, nos termos do n.º 2 do artigo 442.º in fine.

Visto o regime legal acima descrito há duas conclusões que merecem destaque, enquanto contributos para uma melhor apreciação do tema em estudo. A primeira delas prende-se com o paralelismo possível entre o que prescreve, em especial, o n.º 2 do artigo 442.º, e o artigo 755.º, n.º 1 al. f), ambos do CÓDIGO CIVIL. Recorde-se que a figura do direito de retenção e a da indemnização pelo aumento do valor da coisa foram introduzidos no nosso ordenamento jurídico pelo mesmo diploma – o Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho. Como se verá abaixo, essa motivação legislativa, surgida na

20

Cf. supra ponto 2.1.2. – Execução específica;

(19)

18

esteira de um clima económico particular, tem em vista acautelar a situação contratual e real de um conjunto específico, ainda que de número considerável, de contraentes22.

Em especial no que aqui respeita à consagração do artigo 442.º, n.º 2 in fine, prevê-se que a indemnização pelo aumento do valor da coisa apenas possa ser invocada pelo promitente que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido. Ora, visto que os preceitos supra citados se tratam de normas com um fino recorte feito à medida de um especial e delicado conjunto de casos, as quais devem ser alvo de uma interpretação harmoniosa entre si, concluiremos que o critério para identificar o promitente que obtém a tradição da coisa nos termos e para os efeitos do artigo 442.º, n.º 2 deve ser o mesmo utilizado na traditio nos termos e para os efeitos do artigo 755.º, n.º 1 al. f). Temos assim que estes dois preceitos, porquanto gizados em conjunto, devem ser igualmente aplicados de forma concertada no que aos critérios para aferir o preenchimento da sua estatuição diz respeito.

Ainda assim, sempre se diga, não defendemos com isto que na alçada da

garantia da retenção apenas cabe o crédito pelo aumento do valor da coisa. Isto porque,

desde já se refira, o artigo 755.º, n.º 1 al. f) garante o crédito resultante do não

cumprimento imputável à outra parte (nos termos do artigo 442.º); e o crédito que

resulta desse inadimplemento tanto poderá ser o emergente do sinal dobrado como, assim o promissário reúna nomeadamente os requisitos subjectivos e por ele opte, o do aumento do valor da coisa.

Num segundo momento, reparamos que a constituição de sinal pesou na opção legislativa. Com efeito, e na esteira do entendimento que vimos apresentando, parece-nos claro que o Legislador, ao conceber as anteditas normas legais – em especial o regime do artigo 442.º, n.º 2 do CÓDIGO CIVIL – viu na constituição de sinal, no tipo de

pessoas e nas circunstâncias em que o fazem um critério importante a ter em conta na sua opção legislativa. Da mesma forma, consideramos que – nos nossos dias – uma das profícuas ferramentas que o intérprete-aplicador tem ao seu dispor é ter em conta a forma como o sinal foi constituído e as características de quem o fez. Tratando-se apenas de um indício entre alguns outros, tal contribui essencialmente para perceber melhor se o promitente em causa se enquadra na tutela prevista no artigo 755.º, n.º 1 al.

f) do CÓDIGO CIVIL. Muito embora a passagem de sinal e a tradição sejam conceitos

juridicamente distintos, ambos andam usualmente ligados numa mesma esfera contratual. Ora, se analisada a situação jurídica como um todo, a percepção da forma

22 Cf. Infra 3.1.4;

(20)

19

como o sinal é constituído pode auxiliar na melhor compreensão da posição jurídica do promitente-comprador, da sua motivação e da forma como opera no espectro negocial.

Por fim, e no que concerne à previsão do recurso, em alternativa, à execução específica presente no n.º 3 do mesmo normativo, damos por assente que tal formulação

se reporta à opção entre os efeitos do cumprimento e do não cumprimento do contrato23.

Este n.º 3 do artigo 442.º encerra ainda uma outra vexata quaestio. Sendo-nos dito que à

opção pelo aumento do valor da coisa a contraparte pode opor o cumprimento da promessa, salvo o disposto no artigo 808.º, e sabendo de antemão que o recurso à

indemnização pelo aumento de valor da coisa só se poderá verificar depois de resolvido o contrato, não se compreende de que forma o inadimplente poderá cumprir um

contrato resolvido, isto, lembre-se, depois de a contraparte lhe ter concedido prazo

razoável para cumprir ou de ter demonstrado objectivamente a perda de interesse na prestação em falta24.

23

Tal como já decorria do Decreto-Lei de 1980 quando se referia no então n.º 2 do artigo 442.º in fine que «o outro contraente» poderia «em alternativa [às duas hipóteses então previstas] (…) requerer a execução específica do contrato»; no mesmo sentido JOÃO CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Almedina, 2010, p. 119-120, apontando inclusivamente com propriedade para a

inutilidade desta estatuição. 24

Afastamo-nos aqui do entendimento descrito em M. J. ALMEIDA COSTA, Contrato-Promessa – uma síntese do regime vigente, Almedina, 2007, (9.ª ed.), p. 77 (e nos autores mencionados em rodapé na nota (117)) invocando a «excepção de cumprimento do contrato-promessa».

(21)

20

3 Dos direitos reais de garantia e sua função instrumental enquanto garantia

especial das obrigações25. O direito de retenção – enquadramento e âmbito de aplicação.

Há que ter em linha de conta, no âmbito do (in)cumprimento das obrigações, não só a garantia geral das mesmas como as eventuais garantias especiais – pessoais e

reais26. A garantia, invocada para «designar o património do devedor»27, integra-se na dinâmica da relação jurídica como elemento de tutela do sujeito activo da mesma. Consubstancia-se, desde logo, no artigo 601.º do CC o qual determina que o cumprimento das obrigações está genericamente garantido por todos os bens do devedor susceptíveis de penhora28. Todavia, a lei civil admite que a prestação obrigacional possa estar asseverada por garantias especiais elencando algumas delas no Capítulo VI do Título I do Livro II do CÓDIGO CIVIL, as quais são encabeçadas pelos

direitos reais de garantia.

Detendo-nos nas garantias reais das obrigações, por serem as que mais interessam para este estudo, cumprirá lembrar a sua importância na medida em que atribuem ao credor preferência no pagamento pelo valor de certa coisa29. É sabido que a classificação dos direitos reais de garantia e de aquisição enquanto direitos reais não é doutrinalmente pacífica30. Estamos porém em crer, com LUÍS MENEZES LEITÃO31, que

não choca tal categorização atendendo a que é comum aos direitos reais de gozo,

25

Segundo ALMEIDA COSTA «constituem direitos reais de garantia: direitos reais que, pela sua função, vivem ligados às obrigações e que o legislador regula na órbita destas» - cf. M. J. ALMEIDA COSTA, Noções Fundamentais de Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2001, (4.ª ed.), p. 214. Também PESTANA DE VASCONCELOS ensina que «encontrando-se embora ao serviço de um crédito, algumas garantias são direitos reais» in MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, Almedina, 2011, p. 18; factos a que não é alheio o argumento histórico e sistemático que nos mostra sintomaticamente que os direitos reais de garantia estão inseridos no CÓDIGO CIVIL sob a epígrafe garantias especiais das obrigações, as quais são precisamente a razão fundamental da sua função garantística. Para um confronto entre obrigações e direitos reais sob diversos prismas veja-se inter alias ANTUNES VARELA, Das

Obrigações em Geral – Vol. I, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 164 – 191;

26

Cf. M. J. ALMEIDA COSTA, Noções Fundamentais de Direito Civil cit., p. 213 e ss.; 27

Cf. definição de Garantia em ANA PRATA, Dicionário Jurídico, Almedina, 2005 (4.ª ed.), p. 577, entrada 2.;

28 O que nos remete para as disposições atinentes à realização coactiva da prestação prevista nos artigos 817.º e ss. do mesmo Código.

29

O nosso Código de Processo Civil operacionaliza este princípio consagrando no seu artigo 835.º, n.º 1 que «executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução».

30 Veja-se a este respeito, a título de exemplo, as posições plasmadas em JOSÉ TAVARES, Os princípios fundamentais do Direito Civil, I, Coimbra, Coimbra Editora, 1922, pp. 600 a 602 (manifestando «tão graves dúvidas» e pronunciando-se contrariamente à classificação das garantias reais como direitos reais em sentido próprio, já que seriam «meros acessórios dum direito de crédito»), ou ainda, considerando os direitos reais de aquisição como direitos de crédito oponíveis a terceiros (neste caso no âmbito do direito do beneficiário da promessa com eficácia real) vide M. J. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 2009 (12.ª ed.), pp. 129 (e autores citados na nota 3) e 412 ou ANTUNES VARELA, Sobre o contrato-promessa, Coimbra, Coimbra Editora, 1989 (2.ª ed.), pp.61, 62 e nota (2) da p. 61; por outro lado, consagrando um entendimento com que nos bastamos, cf. J. OLIVEIRA ASCENSÃO, «Insolvência: Efeitos sobre os negócios em curso», in: ROA, 2005, II, ano 65, p. 305, falando, à guisa de comentário ao artigo 106.º do CIRE, da importância, reconhecida e relevada pela lei, do «grau de solidez já adquirido pelas situações» quando se constitui uma «situação de natureza real ou possessória que pesa muito nas opções tomadas por lei». Justifica-se assim a eficácia

real traduzida num «poder imediato» ou «directo sobre a coisa» - o «ius in re» (cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral cit., pp. 182 e 183);

(22)

21

garantia e aquisição a mesma eficácia real, orientação que nos chega para que demos tal querela por assente.

Num cenário de abordagem do contrato-promessa tendo em vista o seu incumprimento, é indispensável conceder uma ligeira apreciação do direito de retenção, enquanto garantia real prevista especificamente para situações de inadimplemento daquele contrato no artigo 755.º, n.º 1 al. f) do CC. Ademais, também merecerá menção o confronto com a hipoteca o qual relevará, mormente em momento posterior, aquando da graduação de créditos em processo de insolvência.

3.1 O Direito de Retenção – enquadramento e âmbito de aplicação32

3.1.1 As funções do direito de retenção

São apontadas ao direito de retenção duas funções primaciais – uma função

coercitiva ou compulsória e uma função de garantia. A doutrina esquematiza-as de

formas distintas, todavia, atendendendo a que se trata de uma questão inócua, sistematicamente descrevê-las-emos de forma fluída para que se tomem apenas os seus aspectos preponderantes.

A primeira abordagem substancial da figura do direito de retenção remonta ao ano de 1957. Num trabalho fundamental para o estudo da sua disciplina, pleno de pertinência e actualidade, VAZ SERRA reúne os contributos mais relevantes na doutrina

de então, compilando um manual de considerações indispensáveis para a compreensão de uma figura que ainda não conhecia, à época, a relevância prática e dogmática de hoje. Todavia, já então se avançava com uma delimitação caracterizadora da mesma.

Falava-se do direito do devedor «diferir a entrega de uma coisa na sua posse» como forma de impelir o credor a «cumprir uma obrigação em que se encontra para com ele»33. É a consagração de uma das perspectivas de que, acreditamos, hoje deve ser encarado o direito de retenção – a da função coercitiva. Assim sendo, o detentor

32

Acerca do direito de retenção atendeu-se em primeira linha aos ensinamentos presentes em A. VAZ SERRA, “Direito de Retenção” in: BMJ, 1957, n.º 65, pp. 103 e ss.; PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1987 (4.ª ed.), pp. 772 e ss.; MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, Almedina, 2011, p. 313 e ss.; LUÍS CARVALHO FERNANDES, Lições de

Direitos Reais, Quid Juris?, 2007 (5.ª ed.), pp. 159 e ss.; M. J. ALMEIDA COSTA, Noções Fundamentais de Direito Civil cit., p. 260 e ss.; LUÍS MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, Almedina, 2009, pp. 497 e ss.; JÚLIO GOMES, “Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz…)” in:

CDP, n.º 11, pp. 3 e ss.; MARIA HELENA GARCIA DA FONSECA, “Existência no direito português do direito de retenção como instituto de carácter geral” in: ROA, 1950, I e II, ano 10, pp. 372 a 397; P. ROMANO MARTINEZ / P. FUZETA DA PONTE, Garantias de Cumprimento, Almedina, 2003 (4.ª ed.), pp. 215 a 218; MARIA DE LURDES PEREIRA / PEDRO MÚRIAS, “ Os direitos de retenção e o sentido da excepção de não cumprimento” in: RDES, n.º 1-4, Ano XLIX, 2008, pp.187 e ss.; M. J. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, Almedina, 2009 (12.ª ed.), pp. 973 e ss.;

(23)

22

(devedor enquanto detentor de coisa alheia a ser restituída), torna-se credor de uma obrigação face ao credor da restituição da coisa34, ora devedor de tal obrigação. Nesta ambivalência bilateral, a recusa lícita de cumprimento da obrigação de entrega da coisa poderá com propriedade ser vista como forma de instigar a contraparte ao cumprimento35.

A par deste carácter compulsório, o direito de retenção mantém a sua função primordial que já vem sendo mencionada – a de garantia36. Com efeito, este tipo de garantias especiais das obrigações vão usufruir, em primeira linha, da eficácia erga

omnes dos direitos reais, reflectindo-a no confronto com os demais créditos.

3.1.2 O Direito de Retenção no actual panorama do direito português 3.1.2.1 Considerações gerais

A sistematização actual do direito de retenção no nosso ordenamento jurídico é uma inovação do actual CÓDIGO CIVIL de 1966, a qual conheceu uma ou outra

reapreciação fruto de outras tantas alterações àquele diploma. As primordiais, diríamos, prendem-se, por um lado, com a introdução promovida pelo Decreto-Lei n.º 236/80 de 18 de Julho do conceito de direito de retenção no artigo 442.º, n.º 3 do CC, bem como com a nova configuração dada ao artigo 755.º pelo Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro, a qual transporta aquela previsão para o elenco deste último preceito, adicionando a alínea f), tutelando subjectivamente o benificiário da promessa de

transmissão ou constituição de direito real sobre determinada coisa. Não obstante o

artigo 442.º, n.º 3 do CC na redacção anterior ao Decreto-Lei de 1986 consagrasse já que no caso de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa, o

promitente-comprador goza, nos termos gerais, do direito de retenção sobre ela, pelo crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor, entendeu por bem o

34

Embora em bom rigor não seja, no nosso direito actual, condição indispensável que a coisa detida, ainda que alheia, tenha por fim último a restituição. No caso do artigo 755.º, n.º 1 al. f) a coisa detida «não estaria sujeita a qualquer obrigação de restituição» - cf. MARIA GUIDA PITTA DA CUNHA, Alguns aspectos do direito de retenção, Dissertação de Mestrado, policopiado, (disponível na Universidade Católica Portuguesa/Lisboa), p. 154, nota 26 apud JÚLIO GOMES, “Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz…)” cit., p. 4, nota 9;

35 Tenha-se porém presente a necessária delimitação entre o direito de retenção e a excepção de não cumprimento do contrato (artigos 428.º a 431.º do CC), figuras dogmática e funcionalmente distintas; veja-se, a este respeito, os ensinamentos para os quais remetemos brevitatis causa, explanados em M. J. ALMEIDA COSTA, Noções Fundamentais de Direito Civil cit., p. 26, M. J. ALMEIDA COSTA Direito das Obrigações cit., pp. 997 e 998, MARIA DE LURDES PEREIRA / PEDRO MÚRIAS, “ Os direitos de retenção e o sentido da excepção de não cumprimento” in: RDES, n.º 1-4, Ano XLIX, 2008, pp.187 e ss e ainda, fazendo o devido confronto não só com a

exceptio mas igualmente com a compensação JÚLIO GOMES, “Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz…)” cit., pp. 7 e ss.; 36

Esta paridade é posta causa por autores como ALMEIDA COSTA o qual conclui, da leitura do artigo 754.º do CC, que num quadro de confronto entre as feições de constrangimento ao cumprimento e a de garantia do direito de retenção «a função de garantia sobrepõe-se à função compulsória» (cf. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações cit., p. 974)

(24)

23

legislador manter esta garantia assertiva em sede de contrato-promessa, fortalecendo-a sistematicamente com a sua inserção no capítulo das garantias especiais das obrigações. Alargou igualmente o seu âmbito de aplicação. Isto porque a partir da alteração de 1980 e até à de 1986, embora o artigo 442.º assumisse contornos que aparentavam abarcar todos os contratos-promessa em que tivesse havido tradição da coisa, na verdade, por força da interpretação de tal preceito, se concluía que a mesma se deveria restringir aos contratos-promessa tipificados no artigo 410.º, n.º 3 do CC37. Sucede porém que com a actual redacção do artigo 755.º, n.º 1 al. f) poderá lançar mão do direito de retenção «o benificiário de qualquer contrato promessa com traditio rei»38 cumpridos os demais requisitos naquele normativo previstos.

A ratio legislativa é evidente – embora se reconheça que (tendo em conta o estatuído no artigo 759.º, n.º 2 do CC) não faltarão situações em que a preferência dos

beneficiários de promessas de venda prejudique o reembolso dos empréstimos bancários, opta-se por atribuir prioridade à tutela dos particulares, tendo por base a defesa do consumidor39. No dizer da melhor doutrina a lei optou pela primeira hipótese no «diferendo» entre «o consumidor final e as instituições de crédito»40.

De há largos anos a esta parte a sistematização legal consolidou-se, apresentando o conjunto de soluções em sede de incumprimento do contrato-promessa já acima descritas em sede própria. No que respeita, em concreto, à figura do direito de retenção, dir-se-á genérica e comummente que aquele se trata de um poder dispositivo, directo e efectivo sobre a coisa retida que garante o contra crédito por despesas feitas

por conta dela ou por danos por ela causados de que o retentor é titular, coisa essa que

terá em princípio de ser entregue ao seu proprietário. Assomam dois traços genéricos essenciais ao qual se associará um outro de extrema relevância – a posse da coisa e a recusa lícita da sua entrega ao proprietário (licitude da retenção) bem como o nexo de causalidade entre a coisa e os encargos que o retentor viu nascer na sua esfera jurídica são duas definições que merecerão um ou outro reparo em abono da sua completude dogmática. Por fim, cumpre apreciar quem é que a lei pretendeu tutelar com esta previsão do artigo 755.º, n.º 1 al. f) – numa palavra, quem é, subjectivamente, o retentor referido na lei.

37

Cf. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1987 (4.ª ed.), p. 420. 38 JOÃO CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, Almedina, 2010, p. 192.

39

Entendimento plasmado no preâmbulo do Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro; 40

JORGE RIBEIRO DE FARIA, “O contrato-promessa. Alguns pontos de seu regime”, in: Estudos de Direito das Obrigações e Discursos

(25)

24

3.1.2.2 O nexo de causalidade coisa – encargos

Recentrando a questão, tenha-se nomeadamente presente que a relação causal

coisa-encargos tem forçosamente de ser lida com relativa abrangência41. Na égide da regra geral do artigo 754.º, cumpre em primeira instância lembrar a exigência legal de uma relação directa e material entre o crédito do detentor/retentor e a coisa (o debitum

cum re junctum42). Já nos mostrava, contudo, o preâmbulo do Decreto-Lei de 1986

supra invocado o entendimento de que, num conjunto de previsões do artigo 755.º, n.º 1

do CC, desaparece ou dilui-se a conexão objectiva que o precedente artigo 754.º

pressupõe, em termos gerais, entre a coisa e o crédito43.

Enquanto na usual hipótese académica do depositário que recolhe um animal (al. e)) e, posteriormente, protela a sua entrega, recusando-a enquanto o proprietário daquele não o reembolsar das despesas que ele fundadamente tenha considerado

indispensáveis para a conservação da coisa (artigo 1199.º, al. b) do CC), se verifica

que a retenção garante o reembolso de um encargo directamente relacionado a coisa – ou uma despesa assumida por conta da coisa depositada – o mesmo pode não suceder em outras previsões normativas do referido preceito.

Assim, visão diferenciada sobressai, por exemplo, da retenção sobre as coisas

transportadas pelo crédito resultante do transporte (al. a)), ou da retenção sobre as coisas que as pessoas albergadas hajam trazido para a pousada pelo crédito da hospedagem (al. b)); casos em que a retenção da coisa tem por objectivo garantir um

crédito emergente de uma actividade, lato sensu uma tarefa assumida pelo ora retentor, e já não de um encargo proveniente da própria coisa, ainda que esta esteja reflexamente relacionada com a dita actividade.

41 Não obstante a apreciação mais pormenorizada que se promoverá, lembramos a este respeito o apreciável enunciado oferecido por LUÍS MENEZES LEITÃO, referindo que será pressuposto do direito de retenção «a conexão causal entre a coisa e o crédito sobre a pessoa que a deva receber, podendo essa conexão resultar de despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados (art. 754.º) ou de uma relação legal ou contratual que tenha implicado a detenção da coisa, a cuja garantia que a lei atribua esse efeito (art. 755.º)» (sublinhados nossos) - cf. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, Almedina, 2009, p. 499;

42

Cf. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1987 (4.ª ed.), p. 773, entendimento com reflexo em jurisprudência vária, nomeadamente e por todos, no Acórdão do STJ de 30 de Setembro de 2010, relator Álvaro Rodrigues, processo n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, disponível em www.dgsi.pt, onde se invoca a exigência de «uma ligação estreita entre a coisa retida e o crédito do devedor contra um seu credor, uma relação de conexão» (sublinhado nosso);

43 Apontando com propriedade LUÍS MENEZES LEITÃO para este aspecto ao referir o facto de nas situações previstas no artigo 755.º a «conexão causal (…) ser estabelecida pelo facto de a detenção da coisa resultar de uma relação legal ou contratual à qual a lei atribua como garantia esse direito» (sublinhado nosso) (cf. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, Almedina, 2009, p. 501); no mesmo sentido cf. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, Almedina, 2011, p. 315 e 316;

(26)

25

3.1.3 O caso especial do artigo 755.º, n.º 1 al. f) do CC – referências relativas ao seu âmbito de aplicação

O ponto de chegada deste estudo é, como se sabe, a cobertura legal que o direito de retenção conhece no âmbito do processo de insolvência. No entanto, como se vem dizendo, para que se promova uma análise coerente e assertiva da aplicação de qualquer instituto jurídico é indispensável oferecer primeiramente uma contextualização cabal. Desta forma, entendemos ser de capital importância registar um conjunto de considerações tecidas a respeito da previsão normativa do artigo vertente, de molde a que se apure a sua estatuição e, assim, se alcancem conclusões mais sustentadas.

Neste espírito, optou-se por dissecar o requisito da traditio com ligeira delonga visto ser este, quanto a nós, a pedra de toque da estruturação da al. f) do artigo 755.º do CC. A incursão no campo jurídico-real é inevitável e, por isso, ainda que não sendo a base de apoio essencial da dissertação, lançaremos mão de alguns recursos da dogmática jurídica mais próximos daquele contexto legal, sempre com a parcimónia a que esta obriga.

3.1.3.1 O requisito da tradição da coisa

O âmago do que muito se vem discutindo na doutrina e jurisprudência a respeito da aplicação do direito de retenção, conforme este surge configurado no nosso ordenamento jurídico, reside no espaço que a sua previsão normativa deixa em aberto. Tendo como ponto de partida a letra do artigo 755.º, n.º 1 al. f) do CC, reparamos que se encontra tutelado pela sua estatuição o «benificiário da promessa (…) que obteve a

tradição da coisa a que se refere o contrato prometido».

A primeira resposta que se poderá oferecer resultará de um rápido e intuitivo apelo aos preceitos relativos aos direitos reais. A tradição da coisa corresponderá à sua

entrega, através da qual se transmite a respectiva posse44, ensinamento primordial da

cadeira de Direito das Coisas, de consagração legal no artigo 1263.º al. b) do CC. Como é sabido, a tradição – forma de aquisição derivada da posse – pode ser

material ou simbólica, sendo que no primeiro caso «há uma entrega e recebimento

físicos da coisa» e no segundo está dispensado o «contacto material do adquirente com

(27)

26

a coisa»45; enquadrando-se neste último caso as hipóteses da tradição simbólica das

chaves ou dos documentos. A aplicação do preceito vertente não se basta contudo com

uma invocação simplista da noção de tradição. Até porque, em sentido estrito e segundo se disse, a traditio se poderá consubstanciar na simples entrega das chaves do imóvel. Para se verificar a tutela do artigo 755.º os contornos negociais devem contudo ser um pouco mais abrangentes.

Voltemos ao exemplo recorrente nesta matéria e frequentemente verificado no tráfego jurídico – o da promessa de transmissão ou constituição de direito real sobre

edifício, ou fracção autónoma dele – dissecando os requisitos apresentados pelo artigo

755.º do CC no que concerne ao requisito da tradição da coisa. Refere o citado normativo que deverá ter havido tradição da coisa a que se refere o contrato prometido. Note-se que não se trata de uma qualquer tradição. A norma encontra-se formulada e inserida num contexto em que é feito necessariamente apelo ao contrato prometido, isto é, a sua aplicação é indissociável dos efeitos deste.

Ora, tratando-se o caso paradigmático em apreço de um contrato de compra e venda, há que recordar o que nos diz o artigo 879.º do CC – os efeitos essenciais deste tipo de contrato são a) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) a obrigação de entregar a coisa e c) a obrigação de pagar o preço. Em grande parte dos casos que ora apreciamos, muito embora o contrato prometido ainda não tenha sido celebrado, este «já se acha antecipadamente consumado nos seus aspectos

práticos»46 – já se verificou um acto que consubstancia a tradição do bem.

Concluiremos que a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido exigida pelo artigo 755.º do CC encerra uma verdadeira antecipação de um dos efeitos essenciais da

compra e venda.

Indagar-se-á contudo em que moldes tal antecipação é feita. Inicialmente, releva-se a necessidade de uma convenção de tradição a qual deverá ser «se não um negócio jurídico a se intrinsecamente ligado ao contrato-promessa, pelo menos uma convenção acessória deste último»47.

45

LUÍS MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, Almedina, 2009, p. 140; ver ainda, por todos, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, A posse:

perspectivas dogmáticas actuais, Almedina, 1997, p. 107;

46 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações, Coimbra Editora, 2010 (7.ª ed. – reimp.) pp. 157 e 158. – o A. refere-se a esta

consumação antecipada nos casos em que «o promitente-vendedor ou o promitente-senhorio entrega desde logo o imóvel à

outra parte, que nele passa (…) a fazer dele (…) uso a que se destine»; 47

Cf. ANA PRATA, O contrato-promessa e o seu regime civil, Almedina, 1999, p. 831 e 832; no mesmo sentido, referindo a sobredita

convenção de tradição e repudiando outrossim «a tomada de posse por vontade exclusiva do promitente-comprador» JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de retenção reconhecido por sentença”, in: ROA,

(28)

27

Esta convenção de entrega antecipada do objecto do contrato prometido, na qual deve forçosamente intervir o promitente alienante, é preponderante pela seguinte ordem de razões. Primeiramente, a possibilidade do tradiciário aceder ao bem tem de ser consentida pela contraparte, caso contrário, o apossamento por vontade exclusiva daquele violaria o disposto no artigo 756.º, al. a) do CC; mais ainda, torna-se essencial o acto voluntário do promitente no exercício de comprovar que a tradição foi feita com vista a antecipar ao promissário os efeitos do contrato prometido.

Questionar-se-á ainda, com pertinência, se nos devemos quedar pela verificação do promitente-comprador que obteve a tradição do imóvel como antecipação dos efeitos do contrato prometido para que, sem mais, se dêem por preenchidos os requisitos da alínea f). O enunciado é, ainda que minimamente satisfatório, insuficiente. Retomemos por instantes os ensinamentos dos Direitos Reais a fim de o completar.

O artigo 755.º apenas nos aponta para o contraente que obteve a tradição da

coisa sendo que, sem mais, seremos levados a concluir, como se disse, que basta v.g. a simples entrega da chave do imóvel para que se dê aquele requisito por preenchido.

Embora tal entendimento decorra de uma leitura estrita dos preceitos legais, a sua concretização e aplicação deve ser promovida em harmonia com as demais exigências que se vêm referenciando (a consumação antecipada). Um importante contributo para a melhor compreensão, interpretação e aplicação do artigo 755.º, n.º 1 al. f) reside, desde logo, no paralelismo possível com a situação jurídico-real do accipiens – melhor será dizer que cumprirá apurar quais os contornos e as características do poder que este deverá exercer sobre a coisa para que se torne retentor.

O promitente-comprador poderá agir do ponto de vista possessório de duas maneiras – as duas implicando que o (ainda) proprietário do bem nisso consinta, mormente concedendo-lhe as chaves do imóvel e aquiescendo no acesso e uso ao/do mesmo.

Atentemos no seguinte conjunto de hipóteses – o promissário deseja promover determinado convívio, sendo que, à míngua de espaço para o realizar, procura resolver tal problema logístico solicitando ao promitente que lhe permita fazê-lo no imóvel objecto do contrato, usando-o deste modo por uma tarde para o efeito; o primeiro dos contraentes deseja exibir aquela que será a sua futura habitação a alguns familiares, solicitando apenas para isso (ainda que por mais do que uma vez) a chave da mesma;

2006, II, ano 66, p. 590; falando numa «convenção complementar, ao abrigo do art. 405 do CC, antecipatória dos efeitos do contrato prometido» destinada a «vigorar até à efectiva, regular, celebração deste último» cf. Acórdão do STJ de 03.03.2005, processo n.º 05B002;

Referências

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