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(1)

C E N T R O D E H U M A N I D A D E S

P R O G R A M A D E PÓS-GRADUAÇÃO E M CIÊNCIAS S O C I A I S

D I A N T E D O " B A G A Ç O " D O H O M E M , O N D E E S T A O " G U A R D I Ã O " D O I N T E R E S S E P Ú B L I C O ? O M I N I S T É R I O P Ú B L I C O E A D E F E S A D O S D I R E I T O S T R A B A L H I S T A S N O A G R O N E G Ó C I O C A N A V I E I R O Marcos A n t ô n i o Ferreira A l m e i d a

,Orientadora: Doutora Marilda Aparecida de Menezes

C A M P I N A G R A N D E - P A R A Í B A

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M A R C O S A N T O N I O F E R R E I R A A L M E I D A

D I A N T E DO " B A G A Ç O " DO H O M E M , O N D E ESTÁ O "GUARDIÃO" DO I N T E R E S S E P Ú B L I C O ? O M I N I S T É R I O P Ú B L I C O E A D E F E S A D O S D I R E I T O S

T R A B A L H I S T A S N O A G R O N E G Ó C I O C A N A V I E I R O

-D i s s e r t a ç ã o de Mestrado submetida ao Programa de P ó s - G r a d u a ç ã o em C i ê n c i a s Sociais (PPGCS), como requisito n e c e s s á r i o à o b t e n ç ã o do título de Mestre em C i ê n c i a s Sociais, sob a o r i e n t a ç ã o da Professora Doutora M a r i l d a Aparecida de Menezes.

C A M P I N A G R A N D E - P A R A Í B A

(3)

A447d Almeida, Marcos Antonio Ferreira.

Diante do "bagaço" do homem onde está o "'guardião"' do interesse público? O ministério público e a defesa dos direitos trabalhistas no agronegócio canavieira / Marcos Antonio Ferreira Almeida. - Campina Grande, 2013.

211 f. : i l .

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Humanidades.

"Orientação: Prof. Df. Marilda Aparecida de Menezes ". Referências.

1. Ministério Público. 2. Direitos Metaindividuais Trabalhistas. 3. Agronegócio Canavieira. I . Menezes, Marilda Aparecida de. I I . Título.

CDU 34:331(043)

DIGITALIZAÇÃO:

SISTEMOTECA - UFCG

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M A R C O S A N T O N I O F E R R E I R A A L M E I D A

D I A N T E D O " B A G A Ç O " DO H O M E M , O N D E E S T A O " G U A R D I Ã O " D O I N T E R E S S E P Ú B L I C O ? O MINISTÉRIO PÚBLICO E A D E F E S A DOS D I R E I T O S

T R A B A L H I S T A S NO AGRONEGÓCIO C A N A V I E I R O

D i s s e r t a ç ã o apresentada em / /

B A N C A E X A M I N A D O R A

Professora Dra. M a r i l d a Aparecida Menezes ( P P G C S / U F C G - Orientadora)

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. " I . A. y>„, / ' '.'•>',- . ; . \ - ; . ,.t.

Professor Dr. J o s é Gabriel Silveira C o r r ê a ( P P G C S / U F C G - Examinador Interno)

th " l; :

i-Professora D r . Ronaldo Laurentino de Sales J ú n i o r ( P P G C S / U F C G * Examinador Interno)

Professora Dra. Isabela Fadul O l i v e i r a ( U F B A - Examinador Externo)

CAMPINA G R A N D E - PARAÍBA

(5)

A G R A D E C I M E N T O S

A professora Mari Ida Menezes, que orientou essa pesquisa, sempre com muita atenção, dedicação, competência, compreensão. Meus sinceros agradecimentos.

Aos professores do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande, pela maestria que conduziram suas aulas, proporcionando aprendizados.

Aos colegas do grupo de pesquisa Campesinato, Migrações e Políticas Públicas da UFCG, pelo aprendizado coletivo dos debates e visitas a campo.

A minha família: meu pai Antônio Marcos; minha mãe Fleunilda; minha irmã Mariana; meu irmão Márcio; pelo apoio e compreensão.

Aos Procuradores do Trabalho, atuantes na Procuradoria Regional do Trabalho da 15a Região,

pela receptividade e paciência em conceder as entrevistas.

A Ana Rita, Marina e Beatriz, verdadeiras fontes de inspiração diária, por todo carinho e momentos de alegria que me proporcionaram durante essa caminhada.

(6)

"Há cargos que representam, por si sós, um prêmio e que não pedem dos que ganham mais que o cuidado fácil de guardá-los. O Ministério Público, entretanto, se afasta inteiramente destes casos. Qualquer dos seus lugares é um posto de sacrifícios, de conquistas diárias à opinião, de disputa sem trégua contra a malícia da advocacia, contra as reservas dos juízes, contra a ambição naturalíssima de seus próprios colegas. Nenhuma das funções judiciais é tão sujeita a críticas da imprensa, tão exposta ao embate dos interessados, tão acessível às explosões legítimas das partes ou de seus procuradores. Se o ocupante é digno do cargo, se está à altura de exercê-lo, moral e intelectualmente, não sabemos de ensancha mais propícia aos surtos rápidos no foro. Se não o é. porém, suncumbe, arreia, cai por força - e cai do pior modo, aos poucos, dia a dia".

(7)

R E S U M O

O agronegócio canavieiro experimenta um crescimento vertiginoso nos últimos anos, mas acompanhado por um contexto de exploração de trabalhadores rurais, o que faz emergir a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), instituição que, sobretudo após o processo de redemocratização no Brasil, vem sendo percebida como essencial ao exercício pleno da cidadania, defensora da ordem jurídica trabalhista e promotora da Justiça Social. Problematizando a noção de "judicialização da política" e abordando questões como a evolução institucional do MPT e a emergência de uma nova categoria de direitos (chamados "metaindividuais"), a proposta desta dissertação é estudar o posicionamento do Ministério Público do Trabalho no contexto de lutas desse setor econômico, enfatizando a atuação da instituição no interior do setor do agronegócio canavieiro do estado de São Paulo. Verificando se a agenda de atuação do Ministério Público do Trabalho conforma uma dinâmica sintonizada com os interesses e expectativas presentes no ambiente social mais amplo, o trabalho busca compreender como os demais atores sociais têm entendido tal instituição, se como mero substituto dos sindicatos nos conflitos de interesses ou nova arena pública de busca de direitos trabalhistas. Além disso, analisa-se as concepções dos integrantes da instituição acerca das relações de trabalho no agronegócio canavieiro, identificando de que forma tais concepções estão presentes em suas práticas. Por fim, analisa-se o fluxo de medidas institucionais, desde a instauração dos procedimentos investigativos até seu arquivamento, para entender de que modo a atuação do Ministério Público pode contribuir para a defesa dos direitos assegurados aos trabalhadores do agronegócio canavieiro. Trata-se de uma pesquisa que busca combinar as técnicas qualitativas e quantitativas, a abranger desde a análise de diversos processos e documentos internos à instituição até a realização de entrevistas com os diversos atores sociais envolvidos nesse contexto.

Palavras-Chave: Ministério Público, direitos metaindividuais trabalhistas, agronegócio canavieiro.

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A B S T R A C T

The sugarcane agribusiness experienced rapid growth in recent years, but accompanied by a context o f exploitation o f rural workers, which brings out the acting o f the "Ministério Público do Trabalho*' (MPT), an institution that, especially after the return o f democracy in Brazil, has being perceived as essential to the full exercise o f citizenship, legal advocate for labor and promoter of social justice. Questioning the notion of "judicialization o f politics" and addressing issues such as institutional evolution of MPT and the emergence o f a new category of rights (called "metaindividual"), the purpose of this dissertation is to study the position o f the "'Ministério Público do Trabalho" in the context o f struggles this economic sector, emphasizing the role o f the institution within the sugarcane agribusiness sector o f the state o f São Paulo. Checking the schedule o f activities of the "Ministério Público do Trabalho" forms a dynamic tune with the interests and expectations present in the wider social environment, the work seeks to understand how the other social actors have understood such an institution, as a mere substitute for unions in conflict interests or public search new arena o f labor rights. Furthermore, we analyze the views o f members o f the institution about labor relations in sugarcane agribusiness, identifying how such conceptions are present in their practices. Finally, we analyze the flow of institutional measures, since the initiation o f investigative procedures to its filing, to understand how the actions o f the prosecutor may contribute to the protection o f the rights guaranteed to workers in the sugarcane agribusiness. This is a research that seeks to combine qualitative and quantitative techniques, the range from the analysis o f various processes and internal documents to the institution by conducting interviews with various social actors involved in this context.

(9)

L I S T A D E A B R E V I A T U R A S E S I G L A S A C T - Acordo coletivo de trabalho

A N P T - Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho C C T - Convenção coletiva de trabalho

C E R E S T - Centro de Referência em Saúde do Trabalhador C F - Constituição Federal

C L T - Consolidação das Leis do Trabalho

C N A - Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil CNPq - Conselho Nacional de Pesquisa

C N T - Conselho Nacional do Trabalho

C O N T A G - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura C P N R - Comissão Permanente Nacional Rural

C P T - Comissão Pastoral da Terra

C T P S - Carteira de Trabalho e Previdência Social DNT - Departamento Nacional do Trabalho D R T - Delegacia Regional do Trabalho E P I - Equipamentos de Proteção Individual

E S A L Q - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" E T R - Estatuto do Trabalhador Rural

F G T S - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço F M I - Fundo Monetário Internacional

G T T R - Grupo de Trabalho Tripartite I A A - Instituto do Açúcar e Álcool

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I B G E - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

I E A - Instituto de Economia Agrícola

M A P A - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

M P F - Ministério Público Federal

M P T - Ministério Público do Trabalho

M T E - Ministério do Trabalho e Emprego

NR-31 - Norma Regulamentadora n° 31 O I T - Organização Internacional do Trabalho

PPGCS - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

P T M - Procuradoria do Trabalho no Município

SIT - Secretaria de Inspeção do Trabalho

STF - Supremo Tribunal Federal

SRTE - Superintendência Regional do Trabalho e Emprego

T A C - Termo de ajustamento de conduta

TST - Tribunal Superior do Trabalho

U F C G - Universidade Federal de Campina Grande

UnB - Universidade de Brasília

Ú N I C A - União da Indústria de Cana-de-açúcar

(11)

SUMÁRIO

I N T R O D U Ç Ã O 013 C A P Í T U L O 1: S O B R E O Q U E L E V A A O "BAGAÇO" D O H O M E M : A S R E L A Ç Õ E S

D E T R A B A L H O NO A G R O N E G Ó C I O C A N A V I E I R O

1.1. O agronegócio canavieiro: uma breve descrição 020 1.2. Pela lógica do capital: a relação paradoxal entre a modernização das usinas

e a precarização das relações de trabalho no agronegócio canavieiro 030 1.3. Mapeando os problemas trabalhistas: os principais objetos de demanda,

disputa ou reivindicação de direitos trabalhistas no agronegócio canavieiro 038 C A P Í T U L O 2: "GUARDIÃO" DO I N T E R E S S E PÚBLICO? O MINISTÉRIO P Ú B L I C O E A S N O V A S F O R M A S D E A T U A Ç Ã O E M D E F E S A DOS I N T E R E S S E S C O L E T I V O S

2.1. As transformações no campo do direito e a evolução institucional do

Ministério Público 056 2.1.1. Os novos direitos de dimensão coletiva 056

2.1.2. Uma nova instituição: o Ministério Público 059 2.1.3. O "novo do novo": Ministério Público do Trabalho 074

2.1.4. Entendendo a reconstrução institucional do Ministério Público do Trabalho 082 2.2. Um novo ator político: O Ministério Público e a judicialização da política 085

2.3. O Ministério Público enquanto aparato burocrático 086 C A P Í T U L O 3: E N T E N D E N D O O MINISTÉRIO P Ú B L I C O D O T R A B A L H O

3.1. O Ministério Público do Trabalho "na prática": o que fazem os

Procuradores do Trabalho? 092 3.1.1. Ensaio etnográfico de uma audiência administrativa com representantes do

agronegócio canavieiro 101 3.1.2. As formas de atuar: "procuradores de fatos" e "procuradores de gabinete" 120

3.2. O Ministério Público do Trabalho "de carne e osso": quem são os

(12)

3.3. Padre Cícero", "Dom Quixote" ou "algodão entre os cristais"? A experiência

de "ser" procurador na área trabalhista 133 C A P Í T U L O 4: O MINISTÉRIO P U B L I C O DO T R A B A L H O E O A G R O N E G O C I O

C A N A V I E I R O

4.1. As relações de trabalho no agronegócio canavieiro sob a ótica dos

Procuradores do Trabalho 145 4.2. A atuação do Ministério Público do Trabalho e os direitos dos trabalhadores

do agronegócio canavieiro 147 4.2.1. O tratamento interno das demandas 152

4.2.2 Estudos de alguns casos de destaque 181

C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S 198

(13)

I N T R O D U Ç Ã O

No Brasil, a produção de cana-de-açúcar vem sendo impulsionada por sua

crescente valorização no mercado internacional, de tal sorte que o setor sucroalcooleiro

representa, atualmente, parte considerável da economia do país. O crescente volume de

recursos aportados no setor sucroalcooleiro não tem se refletido, todavia, na melhoria da

qualidade das práticas trabalhistas vigorantes nesse segmento econômico. Pelo contrário, tal

setor vem experimentando um contexto de reiterada violação de direitos trabalhistas.

Diante deste contexto, o setor sucroalcooleiro tem merecido, no decorrer dos

últimos anos, especial atenção por parte do Ministério Público do Trabalho que, no atual

perfil constitucional, posta-se como promotor dos direitos fundamentais dos trabalhadores e

da defesa da ordem jurídico-democrática, no âmbito das relações laborais, assumindo, nessa

perspectiva, a condição de intérprete e postulador do interesse público e social configurado

nas demandas surgidas nesta área (MEDEIROS NETO. 2009). A atuação do Ministério

Público nos conflitos trabalhistas do agronegócio canavieiro foi bem percebida por S I L V A

(2008a, p. 34), para quem a universalização da produção capitalista e dos métodos de

exploração e exclusão vem sendo acompanhada, paradoxalmente, pela emergência da

"participação de outros sujeitos sociais em lutas que, até então, era circunscritas a

determinadas particularidades históricas". Para a autora, as ações do Ministério Público do

Trabalho nas lutas envolvendo a exploração de trabalhadores rurais constituem "um fato novo

deste processo, pondo em relevo não somente o descumprimento da legislação trabalhista

como também a negação dos direitos humanos universais".

Com efeito, sobretudo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o

Ministério Público foi alçado à condição de instituição autônoma e independente, integrante

da estrutura do Estado Democrático de Direito, sem subordinação a qualquer dos Poderes

instituídos (Executivo, Legislativo ou Judiciário), que tem como escopo maior a defesa dos

interesses da sociedade. No amplo universo das relações de trabalho, a defesa e promoção dos

direitos fundamentais dos trabalhadores foram conferidas a um ramo específico da instituição:

o Ministério Público do Trabalho (MPT). Diante dessa moldura e contexto legal e

(14)

Trabalho é atribuído o papel essencial de guardião dos interesses da sociedade, no campo da

defesa e promoção dos direitos fundamentais no amplo universo das relações de trabalho

(MEDEIROS NETO. 2009).

Embora o debate acerca dos direitos metaindividuais tenha começado desde a

década de 1980, o fato é que a sedimentação da possibilidade de discussão, no âmbito das

relações de trabalho, constitui conquista relativamente recente, capitaneada, sobretudo, pelo

novo perfil institucional dado ao Ministério Público do Trabalho pela Constituição Federal de

1988. Em contexto histórico não muito distante, a atuação do Ministério Público do Trabalho

limitava-se, por força do ordenamento jurídico então em vigor, à emissão de pareceres e

participação nas sessões de julgamento junto aos Tribunais Regionais do Trabalho. No

entanto, as transformações vivenciadas pela sociedade brasileira, sobretudo após o processo

de democratização coroado pelo advento da CF/88, possibilitaram a consolidação e o

reconhecimento pela sociedade - sobretudo pela comunidade jurídica - dos direitos

fundamentais dos trabalhadores, coletivamente considerados. A inovação da disciplina

constitucional pátria, além de consolidar a proteção dos direitos fundamentais dos

trabalhadores, conferiu ao Ministério Público do Trabalho a tarefa de defender a ordem

jurídica trabalhista e os direitos metaindividuais no âmbito das relações de trabalho.

Dentre todos os ramos do Ministério Público brasileiro, o que teve a atuação mais

modificada pelo legislador constituinte foi justamente o Ministério Público do Trabalho, que

passou de uma atividade eminentemente interveniente, por meio de pareceres em segunda

instância, para uma atividade proativa, preponderantemente agente e investigativa, visando

efetivar os direitos humanos decorrentes das relações laborais (SIMON. 2006).

Para o exercício de sua missão institucional, o Ministério Público do Trabalho

pode propor diversas medidas judiciais, cabendo destacar o manejo da ação civil pública. A

utilização desse instrumento, todavia, exige a obtenção de elementos de prova que

demonstrem a ocorrência da situação lesiva ao interesse público, bem como a identificação

dos respectivos responsáveis, tornando viável o exercício final da tutela jurisdicional. Por

isso, os Procuradores do Trabalho detém a prerrogativa de instaurar o inquérito civil, que

consiste em procedimento administrativo investigatório, instaurado e presidido pelo membro

do Ministério Público, para apurar irregularidades trabalhistas e demais fatos lesivos aos

(15)

Assim, quando noticiada uma lesão coletiva ao ordenamento jurídico-laboral ou

aos direitos e interesses de uma coletividade de trabalhadores, caberá ao MPT instaurar

procedimento investigatório com o objetivo de colher provas necessárias ao esclarecimento

dos fatos. Comprovada a ilicitude da conduta do investigado, o MPT buscará sua adequação

ao que prevê a lei, através de diversas medidas jurídicas, como a propositura de ação judicial

ou da assinatura de termo de ajuste de conduta. A par dessa atuação de natureza fiscalizatória

e repressiva, o novo perfil constitucional do Ministério Público do Trabalho lhe confere a

função institucional de promover a articulação social necessária à defesa dos direitos

fundamentais no âmbito das relações de trabalho.

Esta dissertação pretende trazer reflexões sobre a atuação do Ministério Público

do Trabalho nas relações de trabalho do agronegócio canavieiro. especialmente no tocante ao

mister de zelar pelo cumprimento da legislação trabalhista e concretização dos direitos

fundamentais dos trabalhadores do agronegócio canavieiro. Para tanto, intenta-se analisar o

posicionamento do Ministério Público do Trabalho em relação aos demais atores sociais

-trabalhadores, sindicatos, Justiça e patronato, observando como se configura a dinâmica de

cooperação e/ou conflito com esses agentes. Analisando documentos internos à instituição,

busca-se efetuar um levantamento dos objetos de demanda, disputa ou reivindicação de

direitos trabalhistas, e como o Ministério Público intervém nessas questões. A análise

documental permitiu, ainda, a identificação dos instrumentos de atuação do Ministério

Público do Trabalho no encaminhamento dos conflitos trabalhistas do agronegócio canavieiro.

sobretudo em relação à estrita observância dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Através de entrevistas com Procuradores do Trabalho, a proposta é identificar as concepções

dos membros do Ministério Público do Trabalho em relação aos conflitos trabalhistas e de que

forma elas estão presentes em suas práticas.

Será analisada, em especial, a atuação no Ministério Público do Trabalho nos

conflitos trabalhistas do agronegócio canavieiro do interior do Estado de São Paulo, através

do exame de documentos presentes na Procuradoria Regional do Trabalho da 15a Região, com

sede em Campinas/SP. Tal recorte na análise mostra-se importante para a melhor

compreensão do fenômeno em estudo. Em análise crítica acerca dos estudos até então

realizados sobre o tema, DA ROS (2009. p. 47) ressalta, com propriedade, a necessidade de

(16)

Ministério Público, sobretudo a partir da década de 1980. Para o autor, o Ministério Público

apresenta-se como uma "uma instituição muito grande, complexa e diversificada e que atua

em diferentes regiões do país, defrontando-se com os mais variados tipos de sociedade civil e

respondendo pelos mais diferentes temas que cada contexto propicia"*. De fato, a

complexidade e a especificidade inerentes aos conflitos que envolvem essa área ressaltam a

necessidade de específico tratamento da matéria. Dentro desta perspectiva, busca-se

compreender especificamente a atuação do Ministério Público no âmbito dos conflitos

trabalhistas do agronegócio canavieiro.

Atualmente, o Ministério Público do Trabalho é composto por uma

Procuradoria-Geral, com sede em Brasília/DF, e por diversas Procuradorias Regionais e Procuradorias do

Trabalho, instaladas nas capitais dos Estados e em cidades do interior. Assim, no intuito de

delimitar precisamente o objeto desta dissertação, foram utilizados dados relativos ao trabalho

desenvolvido no âmbito da Procuradoria Regional do Trabalho da 15a Região, com sede em

Campinas/SP e atuação em todo o interior do Estado de São Paulo, no período compreendido

entre os anos de 1988 e 2011 (corte temporal). A escolha do ano de 1988, como marco

temporal inicial da análise, justifica-se pelo fato de que. conforme j á assinalado

anteriormente, a atuação do Ministério Público do Trabalho, como promotor dos direitos

fundamentais dos trabalhadores, somente teve início após a promulgação da Constituição

Federal de 1988.

A presente pesquisa teve. como primeira etapa, a revisão bibliográfica e a análise

documental acerca das relações de trabalho do agronegócio canavieiro brasileiro, a partir do

resgate de autores clássicos e contemporâneos que trabalham com a temática. A referida

pesquisa bibliográfica privilegiou o exame interdisciplinar da temática, estabelecendo, para

tanto, diálogo entre as análises de diferentes campos das ciências humanas e sociais,

mormente entre as áreas de Ciência Política, Direito e Sociologia. Tudo isso serviu de base

para o primeiro capítulo deste trabalho, consubstanciado na descrição do processo de

exploração dos trabalhadores do agronegócio canavieiro, como elemento importante para a

compreensão da intervenção do Ministério Público do Trabalho nesse contexto. Este trabalho

busca analisar a flexibilização e a precarização do trabalho, no contexto da reestruturação

produtiva e da era da "acumulação flexível", marcadas pelo acirramento e mundialização da

(17)

organização industrial e das relações de trabalho, da vida social, política, econômica e

cultural. Verificando como as noções de flexibilização e de precarização são tratadas nos

diversos estudos sobre o tema, intenta-se perceber em que medida tais categorias são úteis

para compreender a recente conjuntura brasileira, especialmente nas últimas duas décadas,

caracterizadas pelo advento de novas dinâmicas e processos de acumulação e de trabalho,

muitas vezes distante de direitos e proteção social.

Desse modo, para o desenvolvimento do presente trabalho, buscou-se analisar as

relações de trabalho no contexto de "modernização" da agricultura canavieira, que, muitas

vezes, vem sendo acompanhado de um processo de exploração de trabalhadores. Mais que

isso: buscou-se analisar tal processo conjuntamente com a dinâmica de atuação do Estado

nesse campo, notadamente dos aparelhos do sistema de justiça, a incluir, em especial, a

atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT). Por isso, a análise do processo de

exploração dos trabalhadores do agronegócio canavieiro constitui elemento importante para a

compreensão da atuação do Ministério Público do Trabalho. Nesse contexto, a abordagem das

principais irregularidades trabalhistas encontradas nesse setor, com levantamento dos objetos

de demanda, disputa ou reivindicação de direitos trabalhistas no agronegócio canavieiro.

exige a análise do posicionamento dos sujeitos ou atores sociais envolvidos nesse processo, a

permitir, inclusive, maiores reflexões sobre como o Ministério Público intervém nessas

questões.

Da mesma forma, a pesquisa bibliográfica serviu para subsidiar o segundo capítulo

deste trabalho, que consiste em traçar um breve panorama histórico e descritivo acerca da

evolução institucional do Ministério Público, além de apontar as principais inovações

jurídicas que, de alguma forma, repercutiram nesse percurso institucional. A mesma pesquisa

permitiu o posterior desenvolvimento do terceiro capítulo, contendo explicações acerca do

processo social no qual a instituição surgiu ou se modificou, a partir da identificação dos

elementos fundamentais nesse processo.

O trabalho baseia-se em vasta pesquisa documental, mediante análise de

procedimentos administrativos, inquéritos civis públicos, ações civis públicas e outros

expedientes referentes a conflitos trabalhistas do agronegócio canavieiro. que tramitam ou

tramitaram na Procuradoria Regional do Trabalho da 15a Região. Os dados obtidos

(18)

Trabalho, a identificação dos demandados, as matérias envolvidas nas investigações, a

distribuição espacial da atuação do Ministério Público do Trabalho e o tempo médio de

duração da fase de investigação. Tal pesquisa documental, aliada a entrevistas a serem

brevemente realizadas, serviram de base para a construção do último capítulo deste trabalho.

Neste último capítulo, buscou-se relacionar o objeto da tutela das ações civis públicas à

origem da atuação do Parquet, ou seja, em que campos vem se dando prioritariamente a

atuação do Ministério Público de acordo com a origem das representações. Para tanto,

buscou-se levantar, entre os temas mais comuns da atividade de órgão agente do Ministério

Público do Trabalho, quem mais comumente provoca a sua atuação nas matérias de sua

competência, para, dessa forma, entender a atuação da instituição perante o agronegócio

(19)

CAPÍTULO 1

S O B R E O Q U E L E V A A O "BAGAÇO" DO H O M E M : A S R E L A Ç Õ E S D E T R A B A L H O NO A G R O N E G Ó C I O C A N A V I E I R O

"O canavial é a boca com que primeiro vão devorando matas e capoeiras, pastos e cercados; com que devoram a terra onde um homem plantou seu roçado; depois os poucos metros onde ele plantou sua casa; depois o pouco espaço de que precisa um homem sentado; depois os sete palmos onde ele vai ser enterrado. (...) V i homens de bagaço enquanto por ali discorria; v i homens de b a g a ç o que a morte úmida embebia" (João Cabral de Melo Neto).

Neste primeiro capítulo, procura-se trazer uma breve descrição acerca da atual

configuração do agronegócio canavieiro, especialmente no Estado de São Paulo, sobretudo a

partir do contexto da reestruturação produtiva e da era da "acumulação flexível"', marcada

pelo acirramento e mundialização da competição intercapitalista, que resultaram em novas

configurações e dinâmicas da organização industrial e das relações de trabalho, da vida

social, política, econômica e cultural. Essa nova dinâmica de acumulação de capital traz

consigo novas configurações nas relações de trabalho, muitas vezes distantes de direitos e

proteção social, a ressaltar uma das contradições sistêmicas desse processo: a relação

(20)

esteira, evidenciam-se os fatores que caracterizam o processo de exploração dos

trabalhadores e materializam o embate entre capital e trabalho no agronegócio canavieira,

mediante a identificação dos principais objetos de demanda, disputa ou reivindicação de

direitos trabalhistas nesse campo.

1.1. O agronegócio canavieiro: uma breve descrição

O processo de desenvolvimento do setor agrícola, ocorrido nas últimas décadas,

resultou no advento de diversos enfoques acadêmicos sobre o assunto, de modo que

expressões como "agricultura moderna", "complexos agroindustriais" e "agronegócio" vem

sendo utilizadas para explicar o atual contexto rural brasileiro e seu modelo específico de

organização da produção e comercialização de produtos agrícolas.. Assim, para possibilitar o

estudo acerca do agronegócio canavieiro, objeto da presente análise, faz-se necessário, antes

de tudo. explicitar a concepção de "agronegócio" aqui utilizada.

De acordo com SILVA (2009), o conceito de agronegócio foi desenvolvido,

inicialmente, por John Davis e Ray Goldberg, pesquisadores norte-americanos da

Universidade de Harvard, em 1957. que caracterizaram a expressão "agribusiness" como

sendo "a soma total das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento,

processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles". Tal

concepção do agronegócio baseia-se em uma perspectiva sistêmica, capaz de visualizar a

cadeia produtiva sob um enfoque mais amplo, a incluir os elos dinâmicos que integram o

processo agrícola ao industrial. O agronegócio consiste, portanto, em uma estrutura de difícil

visualização, complexa e segmentada, que envolve vários tipos de agentes e atividades

distintas, porém interdependentes, a contemplar desde as grandes agroindústrias até as

pequenas unidades produtivas familiares.

Diante da nova configuração do setor agroindustrial brasileiro, caracterizada por

altos investimentos de capital e tecnologia, o agronegócio canavieiro também deve ser

percebido a partir dessa abordagem sistêmica, a contemplar tanto os setores responsáveis pela

produção da cana de açúcar, quanto as complexas estruturas de armazenamento, transporte,

(21)

Todavia, a análise do agronegócio canavieiro deve ultrapassar a simples

percepção da integração da unidade agrícola à planta industrial. É preciso perceber que se

trata de um vasto sistema, a contemplar processos e atores sociais atores que constantemente

interagem entre si, em um processo repleto de contradições e tensões. Por isso, seguindo a

orientação de HEREDIA, PALMEIRA & LEITE (2009), é preciso identificar e estudar o

conjunto de posições e de oposições sociais que permitem ao chamado agronegócio existir

como tal. Para os referidos autores,

(...) ao tratarmos dos processos relacionados ao " a g r o n e g ó c i o " . é preciso compreendê-los como algo que extrapola o crescimento agrícola e o aumento da produtividade, alusões mais comuns nos debates sobre o setor. Seja para refletirmos sobre as circunstâncias que informam o movimento de expansão das atividades aí inscritas, seja, igualmente, para pensarmos a validade do seu contraponto, isto é, o conjunto de situações sociais que não estariam aí compreendidas. Em boa medida a permanência destas últimas tem sido apontada como "obstáculo", "atraso" ou. ainda, como experiências "obsoletas" num meio rural cada vez mais industrializado. Isso implica, entre outras coisas, em questionar a capacidade da " n o ç ã o " de agronegócio em tornar-se a chave explicativa das mudanças agrárias em curso ( H E R E D I A , P A L M E I R A & L E I T E , 2009, p. 5).

A análise do agronegócio canavieiro deve ser efetuada, portanto, mediante o

mapeamento detalhado da teia de relações sociais subjacentes a esse universo, sobretudo

aquelas estabelecidas entre os que administram a produção agrícola e industrial e seus

subordinados. Ademais, é igualmente importante analisar como essas posições sociais se

consolidaram - ou se opuseram - em relação a um conjunto de ações relativas à intervenção

estatal nessa área. Assim, não pode se esquecer do ainda importante "papel do Estado", que,

embora minimizado por alguns "intérpretes" da dinâmica do agronegócio, permanece atuante,

seja por intermédio de políticas setoriais ou globais relativas ao meio rural ou agroindustrial,

seja mediante tentativas de estabelecer um marco regulatório no campo das relações de

trabalho e do meio ambiente (HEREDIA. PALMEIRA & LEITE, 2009).

Por outro lado, é preciso reconhecer que, para compreender a configuração atual

das relações de trabalho do agronegócio canavieiro, faz-se necessário considerar alguns

elementos históricos das relações de trabalho na agricultura brasileira. O sentido histórico das

relações de trabalho no canavial contempla desde a herança escravista até a inserção de

trabalhadores migrantes. De fato, não se pode esquecer que economia brasileira teve como

característica fundamental a utilização de força de trabalho escrava durante três séculos. Após

(22)

colonato foi o regime predominante nas fazendas agrícolas de São Paulo. No sistema do

colonato, a exemplo do que ocorria com o "sistema de morada" no Nordeste, a organização da

propriedade da terra era baseada no latifúndio, que explora a força de trabalho camponesa.

Assim, os camponeses organizam seu tempo de trabalho entre a fazenda do latifundiário e o

cultivo de alimentos nas glebas, que eram cedidas pelo grande proprietário de terras, em troca

do trabalho. Esta modalidade de relação de trabalho, pouco comum na atualidade, foi quase

totalmente substituída por relações capitalistas de produção (COVER, 2011).

A partir de 1930, instaura-se um período marcado pela forte presença do Estado

na regulamentação e no financiamento da produção de cana de açúcar. Nessa época, o etanol

tornou-se uma alternativa de combustível motivada pela preocupação do governo com os

excedentes da cana-de-açúcar não industrializados e do próprio açúcar industrializado e não

exportado devido à crise mundial. Ao se criar alternativa à crise do setor, formaram-se as

condições para o estabelecimento de um mercado institucional para a produção do etanol.

Nesse contexto, apoiado em um parque industrial de suporte na produção de equipamentos, o

Estado de São Paulo passou a concentrar a maior parte da produção da cana-de-açúcar,

situação que permanece até hoje ( S I L V A . 2011).

Outra transformação ocorrida no plano jurídico-institucional trouxe reflexos

importantes nas relações de trabalho nas áreas rurais de São Paulo, sobretudo a partir da

década de 1960. Conforme assevera SILVA (1999), Estatuto do Trabalhador Rural (ETR),

legislação promulgada em 1963, acrescentou alguns elementos importantes nas relações de

trabalho do setor canavieiro, ao exigir, por exemplo, que o proprietário fosse obrigado a arcar

com 27% de encargos trabalhistas relativos à força de trabalho permanente. O aumento de

despesas fez com que os trabalhadores permanentes fossem despedidos, para serem em

seguida, admitidos como "volantes", ou seja, uma força de trabalho mais barata, sem o

cômputo dos gastos sociais decorrentes da nova legislação. Dessa forma, o Estatuto do

Trabalhador Rural, ao passo que garantia direitos trabalhistas ao morador da fazenda, permitiu

que o latifundiário promovesse a saída de seus inquilinos, uma vez que, após a referida

mudança legislativa, a manutenção dessa força de trabalho seria financeiramente onerosa.

Nesse contexto,

o ETR desempenhou um papel fundamental na expulsão destes trabalhadores das fazendas. Este estatuto não deve ser considerado como um meio de melhorar as condições de vida dos trabalhadores; ele representou justamente o contrário, pois

(23)

regulamentou a intensificação da exploração da força de trabalho ( S I L V A , 1999, p.64).

Assim, houve um considerável aumento no deslocamento destes camponeses para

os centros urbanos. Os trabalhadores das grandes fazendas se transformam em assalariados

"volantes", que passam a morar em bairros das cidades circunvizinhas aos latifúndios,

deslocando-se através de transporte posto pela fazenda ou por terceiros, geralmente em

caminhões, que passava no bairro recolhendo os trabalhadores diaristas. Evidencia-se,

portanto, uma das facetas dos períodos de acumulação primitiva do capital, caracterizados

pela expropriação de um conjunto de pequenos proprietários para que formem uma classe

livre que venha a vender a mercadoria irredutível da força do trabalho Essa força de trabalho

passa a ser livre, podendo ser mobilizada pela dinâmica espacial e temporal do mercado de

trabalho capitalista (COVER, 2011).

Sob a lógica capitalista de produção, o processo de trabalho agrícola passa a ser

determinado pelas necessidades de produção da indústria que, por sua vez, organiza sua

produção a partir do mercado consumidor. A crise mundial do petróleo, durante a década de

1970, abriu a possibilidade de consumo de novas fontes energéticas, a exemplo do etanol.

Nessa conjuntura, o Governo Brasileiro passa a canalizar recursos para investimentos em um

Programa de Incentivo a Produção de Álcool (denominado PROÁLCOOL). O processo de

desindustrialização, ocasionado pelos anos de neoliberalismo, fez com que a agricultura de

exportação, denominado "agronegócio das commodities", apresentasse papel decisivo na

balança comercial brasileira. Os tratados assinados com o FMI na década de 1980 exigiam

exportações agropecuárias, fazendo com que o agronegócio passasse a ter mais investimentos

e, por consequência, assumisse uma posição importante na economia nacional (COVER,

2011).

A partir desse período, o processo de exploração de trabalhadores no agronegócio

canavieira passa a conviver, paralelamente, outro fenômeno importante: a migração de

trabalhadores rurais. De acordo com S I L V A (1999), no setor do agronegócio canavieira em

São Paulo, os migrantes de outras regiões do país passaram a constituir o principal quadro da

força de trabalho das usinas, sendo primeiramente trabalhadores provenientes do Vale do

Jequitinhonha, em Minas Gerais, e, posteriormente, dos estados da Região Nordeste. O

(24)

com Srs. Neymar e Robinho . agenciadores de mão-de-obra de uma usina localizada na região

de Cerquilho, interior de São Paulo, entrevistados quando selecionavam trabalhadores

paraibanos no Município de São José de Piranhas/PB. Confira-se:

Eu vou contar pra vocês. Quando meu pai começou. Isso é coisa que faz tempo já. O pessoal lidava com mineiro lá. Na época. Era tudo largado mesmo, não existia registro e nada. N ã o tinha pessoal melhor pra trabalhar do que mineiro. Só que o pessoal no norte não tava migrando pra lá, certo. O pessoal não ia. E ninguém também imaginava que o pessoal aqui iria cortar cana lá. A i as Usinas, na época, tinha varias usinas independentes né, hoje é tudo grupo Cosan, é forte. E trabalhavam com 500 mineiros, outras 400.Só que quando os mineiros iam pra lá, eles queriam fazer o que eles queriam. Tipo, eles achavam que a Usina não funcionavam sem eles. E não conseguia trabalhar sem eles. pois na época não tinha maquina. Então eles chegavam na usina e faziam o que queriam, "oh, eu quero fazer isso, fazer isso, fazer isso". A i começou imigrar nordestinos daqui pra lá. Indo por conta acho que ia. Aqui do Ceara, da Paraíba. Iam pra chegar lá, iam sem destino. Chegavam lá, começaram a trabalhar e o pessoal começou a gostar. A i foi pegando esse conhecimento. Isso foi a 20 anos atrás né, 25 anos. A i foi pego conhecimento, conhecimento, conhecimento. Agora duns 15 anos pra cá que começou o pessoal vindo contratar e da uma opção de vida melhor pra pessoa né. Agora sem discriminar ninguém. Lá em São Paulo, paraibano e cearense mata a pau. N ã o desmerecendo os baianos e os mineiros, de maneira nenhuma. Só que eles no c o m e ç o . Eles aproveitaram, eles acharam que a Usina nunca ia, a Usina precisa deles, eles não precisavam da Usina, entendeu? E tem Usina que trabalha com mineiro ainda, mas é, pouco. Só que eles mudaram t a m b é m , eles viram que eles perderam o campo deles, então mudaram, eles dependem de ir pra lá. (Neymar e Robinho, agenciadores, 10.04.2010).

Embora não constitua objeto principal dessa pesquisa analisar o processo social de

migração sazonal de trabalhadores rurais, parece oportuno apontar, ainda que brevemente,

alguns elementos explicativos desse processo. Nesse contexto, os estudos de GARCIA JR

(1989) e MENEZES (1985) destacam, por exemplo, duas importantes características da

migração de áreas rurais do Estado da Paraíba. A primeira dessas características relaciona-se à

concentração da estrutura fundiária, fazendo com que as famílias não atendam a suas

demandas de reprodução em virtude da deficiência de acesso a terra. Nesse caso, a migração

revela uma estratégia de reprodução da família camponesa: um dos integrantes da família se

deslocava para o sudeste, trabalhava durante determinado tempo, até acumular um montante

de recursos suficiente para retornar à cidade de origem e adquirir um lote de terra. A segunda

característica da migração evidencia um mecanismo para os camponeses romperem com a

(25)

dominação tradicional, exercida pelos grandes proprietários de terras, através do "sistema de

morada". Conforme j á mencionado, a morada consistia num sistema de organização da vida

social em que o camponês, desprovido de terra, solicitava ao grande proprietário (senhor de

engenho, produtor de algodão ou gado) um espaço para ficar com a família e produzir

alimentos para a subsistência; em troca, o camponês era sujeitado a servir o patrão a qualquer

momento. Assim, a migração operava também como uma forma para fugir dessa sujeição, vez

existia - e ainda existe-, no imaginário social, a ideia de que a migração pode ser uma saída

para resolver problemas relacionados à insuficiência de renda das famílias no meio rural.

Ainda em relação à migração de trabalhadores rurais, outro elemento que deve ser

considerado é que a maioria dos migrantes são homens entre 20 e 30 anos. WOORTMANN

(2009), ao analisar os processos migratórios de comunidades camponesas em Sergipe durante

a década de 1990. desenvolveu o conceito de "migração pré-matrimonial", realizada por

jovens que pretendem casar-se e formar uma nova família. Nessa perspectiva, como a renda

oriunda da terra da família do pai não é suficiente para manutenção de uma nova família, o

filho acaba buscando, na migração, um meio para adquirir recursos e comprar seu lote de

terra, constituindo, portanto, o novo núcleo familiar. Assim, a migração constitui-se como um

rito de passagem para a idade adulta, isto é, "a migração marca, sobretudo, a superioridade

dos que agora são homens com relação aos que inda são rapazes" (WOORTMANN, 2009. p.

219). A relevância da migração dos jovens também foi percebida por SILVA (2006), ao

analisar o processo de migração de trabalhadores do Município de Tavares/PB para a região

canavieira em São Paulo, a revelar um desejo de autonomia em relação aos pais em termos de

renda e relação hierárquica. Nesse contexto.

"os jovens migram, sobretudo, motivados por projetos de autonomia, pela afirmação de suas identidades de jovens e de gênero que passa hoje pelo acesso a certos serviços e bens de consumo: a participação em práticas culturais como as festas locais; a compra de motos e acessórios próprios para este grupo etário: roupa, som, etc." ( S I L V A , 2006, p. 31).

O processo social de migração faz com que esses jovens trabalhadores sejam

submetidos às condições impostas pelo capital, atendendo a exigências de produtividade das

usinas, através de um ritmo de trabalho cada vez mais intenso, o que se evidenciou

principalmente durante os anos de 1990, com a livre concorrência interna no agronegócio

(26)

Com efeito, aproximadamente a partir da década de 1990, houve redução da

participação do Estado na regulamentação, controle e financiamento do setor canavieiro. O

processo de desregulamentação teve início a partir de 1988, com o fim do monopólio das

exportações de açúcar e das cotas internas de comercialização. No caso do etanol, o governo

liberou, em 1998, a comercialização do álcool combustível e, em 1999, foram liberados os

preços de todos os produtos da agroindústria canavieira: da cana, do etanol anidro, do açúcar

cristal standard e do etanol hidratado (SILVA, 2011). Assim, se até o final da década 1990

quem determinava o preço do açúcar e o álcool era o Estado, através do Instituto do Açúcar e

Álcool - I A A , a partir desse período instaura-se a livre concorrência interna entre as usinas

brasileiras. Para ALVES (2007, p. 27), a instauração da concorrência no interior do

agronegócio canavieiro, apesar de parecer trivial em qualquer setor de inversão capitalista,

"foi quase uma revolução". E que, no período de regulamentação estatal, a rentabilidade do

investimento dependia, em grande medida, dos níveis de preços fixados pelo Estado. Estando

os preços controlados e em patamar superior aos custos médios de produção, a manutenção ou

sobrevivência das usinas não dependia de uma concorrência entre elas. Nesse período,

as usinas competiam para se apoderarem de um sobrelucro, isto é, um lucro superior ao lucro médio auferido pelas unidades menos eficientes. Será a capacidade de apropriação de sobrelucro, durante a fase regulamentada pelo Estado, que permitirá a algumas unidades se diferenciarem, por meio de novos investimentos. ( A L V E S , 2007, p. 27)

A partir da desregulamentação do setor, quando os preços do açúcar e do álcool

passaram a oscilar livremente no mercado, a possibilidade de obtenção de lucro passou a

depender da capacidade de cada usina produzir a custos mais baixos, de modo que a

lucratividade passou, a partir daí, a depender da capacidade interna da gestão dos negócios. A

redução de custos apresentou-se como o elemento-chave de toda a cadeia produtiva da

cana-de-açúcar, inserindo-se no novo paradigma de produção enxuta (ALVES, 2007). A

organização empresarial passou a se pautar, portanto, pelos princípios da racionalização das

técnicas de produção e dos processos de trabalho, justamente sob a influência dos padrões

toyotistas de produção. Nessa perspectiva, o processo de subcontratação de mão-de-obra

passou a ser freqüente (POCHMANN, 2009), ganhou espaço a terceirização de atividades, e a

(27)

Posteriormente, o agronegócio canavieiro ganhou novo impulso a partir dos nos

anos 2000. A produção de cana impulsionou-se por sua crescente valorização no mercado

internacional, conferindo uma nova dinâmica para o setor. Nessa perceptiva, o açúcar

brasileiro conseguiu penetrar no mercado europeu com um preço bastante competitivo. Além

disso, o etanol despontou como uma das principais matrizes energéticas do século X X I .

atraindo o interesse dos mercados consumidores internacionais para a sua produção no Brasil,

sobretudo diante do aumento gradativo do preço do barril de petróleo, associado a uma

agenda ambiental mundial que exige a utilização de fontes renováveis de energia2. Em 2003,

foram lançados no país os modelos de carros bicombustíveis (flex-fuel), o que fez crescer a

produção de cana no Brasil. O agronegócio canavieiro passou, portanto, a constituir um dos

principais setores que geram postos de trabalho no país. De acordo com COSTA (2004), a

atividade canavieira do Brasil responde por cerca de um milhão de empregos diretos,

reunindo cerca de 6% dos empregos agroindustriais do país. A produção de cana. por sua vez,

aumentou consideravelmente.

Como bem lembrado por SILVA (2011). a produção de cana de açúcar, em 2006,

por exemplo, alcançou aproximadamente 428 milhões de toneladas, das quais 60% foram

destinadas à produção de etanol (anidro, hidratado e industrial). Enquanto a produtividade, no

inicio do PROÁLCOOL (1975). era de 47 toneladas por hectare, no ano de 2006 a média foi

de 74 toneladas por hectare. Essa expansão do agronegócio canavieiro pode ser sintetizada

nas precisas palavras de C A R V A L H O (2008, apuei SILVA, 2011, p. 100):

A produção brasileira de automóveis a álcool diminuiu fortemente, quase desaparecendo na década de 1990. A retomada do álcool hidratado, com a subida do preço do petróleo e o encarecimento da gasolina a partir de 2002 coincidem com a entrada no mercado dos carros flex, em 2003, que dá um novo sentido ao álcool carburante. No ano seguinte, o álcool, que j á vinha com suas exportações crescentes, passa a ter status de commodity, cotado na Bolsa de Valores de Nova York. Essas três novidades - subida do petróleo, carro flex e álcool commodity - impactaram sobre o setor e alteraram a situação anterior da produção do álcool carburante em todo o país.

Apenas para se ter uma ideia da franca e significativa expansão da atividade

canavieira do Brasil, vale destacar que a produção de cana de açúcar duplicou, no período

2 De acordo com P O C H M A N N (2009, p. 94), "o desenvolvimento do setor sucroalcooleiro no Brasil ganha

maior ênfase no limiar do século X X I , com os crescentes indícios de limitação no uso das tradicionais fontes energéticas não renováveis, bem como com o avanço do debate mundial sobre o agravamento da temática ambiental".

(28)

compreendido entre as safras de 2001/2002 e 2008/2009 (gráfico 1). Na safra 2008, por

exemplo, a produção brasileira de cana cresceu 13,9%, de 501,5 milhões para 571,3 milhões

de toneladas, sendo que a estimativa de crescimento futuro é de mais de 100% até 2015.

Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (ÚNICA), os investimentos em novas

plantas e ampliação de usinas de álcool nos próximos cinco anos somarão mais de R$ 17

bilhões, com a instalação de 180 novas unidades3.

P r o d u ç ã o d e c a n a n o B r a s i l 6 0 0 . 0 0 0 . 0 0 0 5 0 0 . 0 0 0 . 0 0 0 4 0 0 . 0 0 0 . 0 0 0 t/t "I 3 0 0 . 0 0 0 . 0 0 0 I 2 0 0 . 0 0 0 . 0 0 0 1 0 0 . 0 0 0 . 0 0 0 o 0 1 / 0 2 0 2 / 0 3 0 3 / 0 4 0 4 / 0 5 0 5 / 0 6 0 6 / 0 7 0 7 / 0 8 0 8 / 0 9 Safra

Gráfico 1: Evolução da produção de cana no Brasil (2001-2009). Fonte: Ú N I C A

Embora a produção de cana de açúcar tenha raízes históricas na região nordeste,

sobretudo durante o período da colonização portuguesa, o fato é que, atualmente, a maioria

das empresas do setor sucroalcooleiro está localizada na região sudeste do país, que

contempla cerca de 58% das usinas brasileiras. Somente no Estado de São Paulo, estão

situadas, aproximadamente, 45% das usinas de açúcar e álcool do país (gráfico 2). A

proeminência da região sudeste, notadamente do Estado de São Paulo, também de revela no

quantitativo de produção. De acordo com SILVA (2011), na safra de 2006, por exemplo, as

regiões Norte e Nordeste contribuíram com 13% da produção total; j á o restante (87%) teve

origem na região centro-sul do Brasil, sendo 62% dessa produção oriunda do Estado de São

Paulo. A dimensão assumida pelo setor na região sudeste, especialmente no Estado de São

Paulo, foi um dos motivos determinantes para a escolha do local onde fora realizada a

pesquisa que ensejou o presente trabalho.

3 In: M I N I S T É R I O P Ú B L I C O DO T R A B A L H O . Programa de Combate às Irregularidades Trabalhistas no Setor Sucroalcooleiro. 2009.

(29)

Q u a n t i d a d e d e u s i n a s p o r R e g i ã o

SUL NORTE

SUDESTE 58%

Gráfico 2: Quantidades de produtores de cana no Brasil (por região). Fonte:

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - M A P A

Diante da expansão do agronegócio canavieiro, o Brasil passou a ser foco de

interesses de grandes investidores mundiais. Para compreensão de toda a conjuntura que

envolve o agronegócio canavieiro em São Paulo, não se pode esquecer, portanto, das recentes

mudanças ocorridas no interior do próprio empresariado, com fusões entre empresas e

introdução de capital estrangeiro. É bem verdade que esse processo não pode ser

compreendido como uma peculiaridade do agronegócio canavieiro, devendo ser entendido, de

fato, a partir de um contexto mais amplo pelo qual passou - e vem passando - a economia

brasileira. De acordo com SIQUEIRA (et al, 2010), as fusões e aquisições no Brasil tiveram

um grande salto na década de 90 e o setor produtivo da agroindústria da cana-de-açúcar foi

um dos destaques. Esse processo, caracterizado pelo aumento da presença de grandes grupos

locais, iniciou-se quando o governo brasileiro proporcionou uma maior abertura econômica,

com a competição ampliada pelo acesso das empresas estrangeiras ao mercado nacional. No

ano de 2011, cerca de 20% das agroindústrias se concentravam nas mãos de 12 grupos

empresariais e suas territorializações passam a se conformar como ramificações do circuito

espacial de produção canavieiro (IEA, 2012). Tais mudanças no lado patronal também

trouxeram consequências para as relações de assalariamento no agronegócio canavieiro,

retratando o atual contexto de mundialização e financeirização dos capitais, em que a

(30)

significativas mutações nas esferas do mundo do trabalho e da produção dos países

capitalistas.

Nessa esteira, ganha ainda mais centralidade o debate acerca da flexibilização,

consubstanciada no processo de adaptação dos processos produtivos, das estruturas

institucionais e da vida social às novas diretrizes econômicas e políticas do capitalismo em

escala global. Da mesma forma, evidencia-se a análise da precarização do trabalho, que

passou a ocupar lugar central e estratégico nas políticas de gestão das empresas e nas políticas

de (des)regulação do mercado de trabalho pelo Estado. Com efeito, a flexibilização e a

precarização do trabalho surgem como processos que se tornaram hegemônicos no atual

momento do capitalismo mundializado. cuja fase evidencia, como nunca, o caráter

internacional de formas de organização do trabalho e de produção de maisvalia ( T H E B A U D

-M O N Y e DRUCK, 2007).

Portanto, é dentro desse processo de reestruturação produtiva do capital em escala

global, e suas repercussões no mundo do trabalho, sobretudo no Brasil, que se insere,

atualmente, o agronegócio canavieiro no interior do Estado de São Paulo.

1.2. Pela lógica do capital: a relação paradoxal entre a modernização das usinas e a precariedade das relações de trabalho no agronegócio canavieiro

O modo de produção capitalista apresenta antagonismos e contradições inerentes

ao próprio sistema. Produção e destruição, emprego e desemprego, desenvolvimento

científico-tecnológico e intensificação da exploração da força de trabalho, são algumas dessas

contradições sistêmicas do capital. Para MÉSZÁROS (2003), a raiz dessas contradições reside

no conflito entre capital e trabalho, manifestando-se na subordinação estrutural e hierárquica

do trabalho ao capital.

No agronegócio canavieiro. que atualmente se baseia em relações capitalistas de

produção, tais contradições também são visíveis. Segundo SILVA (2008a), os avanços

produtivos atualmente vivenciados no agronegócio canavieiro não são acompanhados por

melhorias das condições dos trabalhadores. Pelo contrário, pode-se estabelecer uma relação

entre, de um lado, o avanço científico, tecnológico, lucros exponenciais e, de outro, o

(31)

trabalho e de moradia, dos níveis de intensificação da exploração e do aviltamento dos

direitos trabalhistas e humanos.

Nesse contexto, as agroindústrias da cana vêm se apresentando como empresas

recalcitrantes ao cumprimento da legislação trabalhista vigente, havendo, inclusive, alguns

casos de submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo, a transformar os

canaviais brasileiros em palco de violações dos direitos humanos. De acordo com dados da

Comissão Pastoral da Terra (CPT), obtidos de acordo com as estatísticas de trabalhadores

libertados pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o

agronegócio canavieiro apresentou, nos anos de 2007 e 2008, a maior quantidade de

trabalhadores em regime de escravidão contemporânea, com cerca de 50% da totalidade de

trabalhadores escravizados encontrados pela fiscalização estatal (GOMES et al, 2009).

Entre outros fatores determinantes, a exploração de trabalhadores rurais vem

sendo favorecida, ao menos em parte, pela abundância de mão-de-obra proveniente,

sobretudo, dos estados nordestinos, inseridos em uma conjuntura de acentuada

vulnerabilidade social. Nesse contexto, inúmeros trabalhadores rurais vendem sua força de

trabalho por preços irrisórios e em condições onde não lhes são garantidos os mais básicos

direitos trabalhistas. Ademais, observa-se um posicionamento patronal no sentido de que a

atividade de corte manual de cana não estaria contemplada diretamente pela estrutura

produtiva principal (fabricação de álcool e açúcar), não merecendo a devida atenção em

aspectos como transporte, saúde e segurança, salários e outros atributos trabalhistas. Assim,

há um nítido compromisso com a ampliação das áreas cultivadas, a modernização dos

métodos de produção e o incremento do volume de exportações, constatando-se, de outro

lado, que as condições de saúde e segurança do trabalho são tratadas de forma negligente e

secundária, como se fosse natural que os trabalhadores, por exemplo, façam suas refeições e

descansem entre as plantações de cana-de-açúcar, não recebam água potável e alimentação

adequada, e fiquem alojados em condições subumanas4.

Não bastasse, verifica-se a adoção de sistemática aplicada pela classe patronal,

acolhida e até defendida por alguns segmentos de trabalhadores, de que a melhor forma de

remuneração é aquela baseada na produção individual. Na verdade, as altas taxas de

(32)

produtividade de muitas usinas brasileiras são garantidas pela exploração dos trabalhadores,

em contexto de perversidade que começa pela própria natureza do trabalho. O corte da cana

constitui serviço extenuante, que submete os trabalhadores a jornadas exaustivas, em altas

temperaturas, havendo casos documentados de cortadores de cana que morreram de exaustão,

por excesso de trabalho (SILVA, 2006). A penosidade da atividade de corte manual de cana

acaba comprometendo a saúde do trabalhador ao longo de poucas safras5 e, ao mesmo tempo,

faz com que os empregadores priorizem a contratação de jovens do sexo masculino.

Todos esses fatores evidenciam que o agronegócio canavieiro vem

vivenciando um contexto de precarização das relações de trabalho, como corolário da própria

reestruturação produtiva do capital. Segundo TAVARES e L I M A (2009, p. 171-172),

A reestruturação produtiva do capital fomentou o desenvolvimento das forças produtivas; fragmentou o processo produtivo e a gestão da produção; promoveu o desmonte de direitos trabalhistas e intensificou a exploração, mediante novas formas de organização do trabalho, que precarizam e tendem a ampliar cada vez mais o trabalho informal. Sob tais condições, os trabalhadores empregados t ê m sua responsabilidade aumentada, pela exigência da polivalência e pelo medo do desemprego, enquanto os desempregados sofrem pela inexistência de postos de trabalho que permitam o seu reingresso no mercado.

A crise estrutural do capitalismo, iniciada na década de 1970, provocou um

amplo e profundo processo de transformações sociais, políticas, econômicas e culturais,

ensejando uma nova conjuntura mundial, em conformidade com a vigente reestruturação

produtiva do capital. Os postulados basilares do Estado de BemEstar Social (Welfare State)

-que até então colocavam o Estado como agente da promoção social e organizador da

economia - cedem lugar ao neoliberalismo, resultando em um processo de rompimento dos

padrões e práticas capitalistas assentadas no modelo produtivo fordista.

De acordo com H A R V E Y (2008), a crise estrutural do fordismo ocorreu,

principalmente, em função de sua incapacidade em absorver as demandas geradas pelo

sistema capitalista, sobretudo em virtude da rigidez dos investimentos de capital fixo de larga

escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa, que impediam a flexibilidade do

planejamento, bem como rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho.

Nesse contexto, o mesmo autor destaca ainda alguns fatores que contribuíram para a crise do

fordismo: (a) impactos dos choques do petróleo na economia ocorrido em 1973; (b) ascensão

5 De acordo com S I L V A (2008b) a vida útil de um cortador de cana varia de 10 a 15 anos, semelhante à dos

(33)

da concorrência japonesa, lastreada em sua nova concepção de gestão e produção

automobilística; (c) mudanças no aparato tecnológico; (d) processos de fusão e incorporação

de empresas; (e) desigualdades entre os setores de trabalho no interior do sistema fordista; e

(f) surgimento de novas necessidades relativas ao consumo.

Sob os influxos do neoliberalismo e do modelo de acumulação flexível, a

reestruturação produtiva do capital ensejou um redimensionamento dos investimentos

empresariais, a resultar em significativas alterações no processo produtivo, através de

estratégias de barateamento dos custos de produção. Com efeito, a emergência da era da

acumulação flexível - associada à intensa utilização de máquinas e novas tecnologias - resulta

em práticas empresariais que buscam constantemente o aumento de produtividade a baixo

custo. De acordo com ANTUNES (2007, p. 15),

"a necessidade de elevação da produtividade dos capitais em nosso país vem ocorrendo, então, fundamentalmente através de reorganização sociotécnica da produção, da redução no número de trabalhadores, da intensificação da jornada de trabalho dos empregados, do surgimento de CCQ's (Círculos de Controle de Qualidade) e dos sistemas de produção just-in-time e kanban, dentre outros elementos".

Em virtude da utilização de novas tecnologias de automação, houve uma

descentralização da produção, com dispersão espacial das plantas industriais por todo o

mundo. Tal fragmentação e pulverização não se limitam, entretanto, ao processo de produção,

abarcando ainda grande parte da rede de distribuição e comercialização capaz de garantir a

realização do capital investido (BORGES, 2000).

O novo contexto do modo de produção capitalista caracteriza-se, ainda, por

um processo significativo de financeirização. onde o capital financeiro se lança em busca de

novas transações comerciais, de modo a exigir, gradativamente, espaços globalizados,

interligados e colocados sob seu comando (MENDONÇA, 2004). Por outro lado, desvela-se

uma metamorfose em outras dimensões da vida social, sobretudo no mundo do trabalho6, que

se apresenta marcado pelo desemprego crescente, dificuldade de efetiva inserção no mercado

6 Todas essas mudanças provocadas no mundo do trabalho deram origem, no âmbito acadêmico, a um vasto debate

acerca do "fim da sociedade do trabalho" ou do " f i m da centralidade do trabalho"'. Particularmente, entende-se que a reestruturação produtiva do sistema capitalista não tem o condão de afastar a centralidade do trabalho. Com efeito, mais do que uma simples atividade capaz de satisfazer necessidades materiais, o trabalho continua sendo um mecanismo genuíno de construção da identidade social do indivíduo e de sua inserção na estrutura social. Além disso, a força de trabalho continua sendo uma mercadoria fundamental para o processo de geração de valor (acumulação de capital), de tal sorte que as novas dinâmicas e configurações do trabalho e do processo de acumulação, diferentes dos padrões tradicionais, não têm o condão de afastar - por si só - a centralidade do trabalho.

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de trabalho formal, bem como ascensão de novas formas de organização do trabalho,

caracterizadas por uma nítida fragilidade (ou instabilidade) nos contratos de trabalho.

Intensificam-se, assim, as formas de extração de trabalho e a noção de tempo e de espaço

também são metamorfoseadas, resultando em uma mudança do modo capitalista de produzir

as mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais, corpóreas ou simbólicas (ANTUNES,

2007).

No âmbito da própria relação de assalariamento, os trabalhadores empregados

mostram-se receosos em relação ao desemprego, e encontram-se premidos pela exigência de

polivalência, qualificação e produtividade, baseadas nas novas formas de gestão e organização

dos processos de produção, distribuição e consumo. A outrora dominante e estável relação de

emprego assalariado, cristalizadora de direitos sociais historicamente conquistados, acaba,

portanto, perdendo espaço para outras formas de atividade laboral, baseadas, sobretudo, no

processo de flexibilização da legislação trabalhista, disruptivo em relação à classe

trabalhadora. Sobre o tema. vale conferir a lição de ANTUNES (2007. p. 16):

Dentro desta contextualidade. pode-se constatar uma nítida ampliação de modalidades de trabalho mais desregulamentadas. distantes da legislação trabalhista. (...) Ou seja. em plena era da informatização do trabalho, do mundo maquinal e

digital, estamos conhecendo a época da informalização do trabalho, dos

terceirizados, precarizados, subcontratados, flexibilizados, trabalhadores em tempo parcial, do cyberproletarizado.

Como consequência desse processo de transformação incidente sobre as mais

variadas dimensões da sociedade, evidencia-se um enxugamento da força de trabalho formal,

a criação novos arranjos produtivos, associados à intensa flexibilização e desregulamentação

dos direitos sociais. De acordo com MESZAROS (2006, p. 37):

o trabalho sem garantias e mal pago está se alastrando como uma mancha de óleo, ao passo que mesmo o trabalho mais estável está sofrendo uma pressão em direção à intensificação sem precedentes à plena disponibilidade para uma submissão aos mais diversificados horários de trabalho

Sobre o tema, é possível identificar diversos estudos que analisam os

fenômenos da flexibilização e da flexibilidade, com diversas abordagens no plano

teórico-metodológico. Contudo, inexiste uma definição nítida e objetiva acerca dessas categorias e,

não raro, essas expressões são utilizadas como sinônimas.

Por exemplo, LUQUE (2006) conceitua flexibilização como a capacidade das

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