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Reprodução humana assistida e seus reflexos no instituto da filiação

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RAIRA GUARNIERI PINTO

REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SEUS REFLEXOS NO INSTITUTO DA FILIAÇÃO

Ijuí (RS) 2012

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RAIRA GUARNIERI PINTO

REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SEUS REFLEXOS NO INSTITUTO DA FILIAÇÃO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Me. Sérgio Luis Leal Rodrigues

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Dedico esta monografia a Deus, por me proporcionar força e coragem durante esta longa jornada; aos meus pais e meu irmão que me deram apoio nos momentos difíceis da vida; ao meu noivo que esteve ao meu lado, apoiando e nunca medindo esforços para ajudar; a todos os meus professores do curso de direito, em especial ao professor orientador Sérgio Luis Leal Rodrigues, pela paciência na orientação e incentivo, que tornaram possível a conclusão desta monografia. Enfim, a todos que de uma forma ou outra me auxiliaram e ampararam durante minha caminhada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem para superar os obstáculos. A toda a minha família, em especial aos meus pais, meu irmão e meu noivo, que sempre estiveram ao meu lado, dando o máximo de si, incentivando e apoiando em todas as horas. Ao meu orientador, Sérgio Luis Leal Rodrigues, pela dedicação, atenção e disponibilidade. A todas as pessoas que de uma forma ou outra contribuíram para a realização deste trabalho.

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“No esforço para compreender a realidade, somos como um homem tentando entender o mecanismo de um relógio fechado. Ele vê o mostrador e os ponteiros, ouve o seu tique-taque mas não tem meios para abrir a caixa. Se esse homem for habilidoso, poderá imaginar um mecanismo responsável pelos fatos que observa, mas nunca poderá ficar completamente seguro de que sua hipótese seja a única possível”.

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RESUMO

A reprodução humana medicamente assistida ainda é um assunto que não encontra o devido embasamento jurídico no ordenamento brasileiro. À luz das interpretações da Resolução nº 1.957 de 2010, do Conselho Federal de Medicina; da Lei Federal nº 11.105 de 2005 e de tímidos avanços referentes ao Código Civil de 2002, este trabalho compreende conceitos acerca da reprodução humana assistida, compondo características acerca dos tipos de técnicas utilizadas, bem como as incertezas geradas pelas mesmas no campo jurídico, através de pesquisa qualitativa. Aborda-se a questão afetiva, registral e temporal, buscando evidenciar aspectos sobre a utilização de material genético post mortem, bem como utilização de material genético de uma terceira pessoa, o que gera dúvidas quanto à legitimidade da paternidade e/ou maternidade. Ainda, busca-se realizar uma análise acerca da jurisprudência brasileira acerca deste tema, cujas produções ainda são tímidas, se comparadas à complexidade e à atenção que o assunto requer.

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ABSTRACT

The medically assisted human reproduction is still an issue that has no proper legal basis in Brazil. In light of the interpretations of Resolution nº 1.957 of 2010, the Federal Council of Medicine, Federal Law nº 11.105 of 2005 and timid advances concerning the Civil Code of 2002, this work includes concepts about assisted human reproduction, writing features about the types techniques used and the uncertainties generated by those in the legal field, through qualitative research. It addresses the question affective, registral and temporal aspects seeking evidence on the use of genetic material post mortem and use of genetic material from a third person, which raises doubts about the legitimacy of paternity and/or maternity. Still, it try to perform an analysis on the Brazilian case law on the subject, whose productions are still timid when compared to the complexity and attention that it requires.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09

1 A REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE ASSISTIDA (RHMA)...........11

1.1 Conceito e importância...11

1.2 O instituto da filiação e sua regulamentação contemporânea...13

1.2.1 Critérios determinantes dos modos de filiação...........14

1.2.1.1 Presunção legal...........16

1.2.1.2 Critério biológico.............18

1.2.1.3 Critério socioafetivo...21

1.3 Técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida.......23

1.3.1 Inseminação artificial............24

1.3.2 Fertilização in vitro...25

1.3.3 Doação do óvulo................25

1.3.4 Empréstimo do útero...................26

2 ASPECTOS PROBLEMÁTICOS A SEREM CONSIDERADOS...28

2.1 A questão afetiva...29

2.2 A questão temporal...30

2.3 A questão registral.......32

3 LEGISLAÇÃO E VISÃO JURISPRUDENCIAL...34

3.1 Resolução nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina e Lei Federal nº 11.105/2005...34

3.2 Visão jurisprudencial dos tribunais brasileiros...36

CONCLUSÃO.......43

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INTRODUÇÃO

Questões como esterilidade e infertilidade sempre fizeram parte da história da humanidade, sendo vivenciadas com os mais diversos significados. Não raro mulheres que não podiam ter filhos eram chamadas de “secas”, enquanto os homens sentiam-se abalados em sua masculinidade por não poderem ser pais.

Com o advento de tecnologias cada vez mais avançadas, a ciência passou a proporcionar técnicas de reprodução assistida, onde homens e mulheres têm assegurado o seu direito de terem filhos, mesmo sem possuírem características biológicas saudáveis para garantir a fecundação e o desenvolvimento do feto.

Entretanto, a partir do instante em que a reprodução humana não se encontra mais vinculada exclusivamente às relações sexuais e/ou interpessoais, os princípios da filiação no campo do direito civil restaram abalados, com alterações significativas nos laços que devem ser analisados para a concepção da relação pais e filhos.

Este trabalho tem por tema principal, portanto, a abordagem da reprodução humana medicamente assistida e os seus efeitos no instituto da filiação, buscando evidenciar a complexidade do assunto que gera interpretações das mais subjetivas, haja vista a falta de legislação específica.

Assim, o estudo se divide em três partes principais. A primeira parte busca abordar a questão da reprodução humana medicamente assistida, desenvolvendo aspectos conceituais e relevantes acerca desta evolução e revolução na reprodução humana. Ainda, evidencia-se o instituto da filiação contemporânea, haja vista a mudança de paradigmas quanto ao próprio

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direito de família em face às transformações sociais. Dentro deste contexto, contemplam-se os critérios determinantes da filiação, a saber: presunção legal, critério biológico e critério socioafetivo. Por fim, ainda na primeira parte, referenciam-se algumas técnicas de reprodução humana assistida: inseminação artificial, fertilização in vitro, doação de óvulo e empréstimo do útero.

A segunda parte pretende evidenciar a complexidade da reprodução humana medicamente assistida em face ao instituto da filiação e da fragilidade do campo jurídico neste contexto. Três aspectos principais são abordados: a questão afetiva, a questão temporal e a questão registral. A primeira busca evidenciar a criação de vínculos afetivos, independentemente do vínculo biológico; a segunda refere-se à complexidade da utilização de material genético através do tempo, inclusive post mortem; a última evoca aspectos jurídicos acerca da legitimidade de filiação: quem é o pai, quem é a mãe?

Por fim, a terceira parte do estudo realiza uma busca jurisprudencial, visando encontrar o embasamento jurídico adequado para as questões surgidas a partir da reprodução humana assistida. Esta busca é realizada junto aos mais diversos tribunais brasileiros.

Para a realização plena deste estudo, optou-se pela utilização de metodologia qualitativa, uma vez que se buscaram fontes das mais diversas para a elucidação acerca do assunto. Na atualidade, com o advento de tecnologias e do imenso campo virtual que se encontra disponível para consulta, são utilizadas obras de juristas consagrados, bem como artigos, periódicos e demais fontes encontradas na internet.

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1 A REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE ASSISTIDA (RHMA)

Na história da humanidade, a questão da reprodução humana assume inúmeros significados ao longo do tempo. Questões como filhos varões para prosseguir com os negócios da família; filhas mulheres que, durante determinada época, eram consideradas impuras; a perpetuação do nome da família, entre outros aspectos, sempre fizeram parte do cotidiano das sociedades.

Entretanto, a esterilidade e a infertilidade também fazem parte desta mesma história, possibilitando amplas discussões acerca das possibilidades de driblar os problemas genéticos e/ou de saúde para garantir a reprodução humana. Atualmente, muitas são as técnicas de reprodução humana medicamente assistida que são utilizadas para possibilitar que casais possam ter filhos, mesmo sem todas as condições necessárias.

O primeiro capítulo deste estudo aborda conceitos como infertilidade e esterilidade, contemplando suas consequências no psíquico do indivíduo e do casal; aborda, também, a regulamentação contemporânea do instituto da filiação, buscando colocar questões atuais acerca da filiação em face das novas formas de família existentes.

Outro aspecto colocado diz respeito aos critérios da filiação na atualidade, que se subdividem em três partes: presunção legal, critério biológico e critério socioafetivo. Por fim, adentra-se no campo da reprodução humana medicamente assistida, evidenciando algumas técnicas utilizadas na atualidade.

1.1 Conceito e importância

A partir do instante em que se decide pela reprodução assistida, o casal ou a mulher (quando sozinha) passa a dividir suas expectativas com profissionais da área médica. Trata-se de um sonho compartilhado, de angústias divididas, que inserem o indivíduo em um campo de possibilidades e de incertezas, principalmente no contexto jurídico, conforme abordado neste estudo.

Para que se possa compreender a dimensão e a importância da reprodução humana medicamente assistida, é importante conceber a diferença entre esterilidade e infertilidade, embora ambos os conceitos sejam utilizados indiscriminadamente:

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A esterilidade se caracteriza pela impossibilidade de ocorrer a fecundação numa situação irreversível. É a incapacidade definitiva para conceber. [...] A infertilidade é a incapacidade de ter filhos vivos, sendo possível a fecundação e o desenvolvimento do embrião ou feto [...]. (MACHADO, 2011, p. 20-1)

Percebe-se, portanto, que a maior diferença consiste na fecundação. O indivíduo estéril não possui as condições necessárias para garantir o êxito de uma fecundação, tanto homens quanto mulheres. Já o indivíduo infértil possui condições de garantir a fecundação; porém, a vida pós-nascimento torna-se inviável, em virtude de uma série de fatores.

A relevância da reprodução humana assistida está justamente na reversão deste quadro, na oferta de possibilidades de procriação para indivíduos que sofram, de uma forma ou de outra, com a inexistência de filhos.

A infertilidade tende a ser um sofrimento silencioso: os casais que passam por essa situação podem experienciá-la como algo que os inferioriza diante dos outros. [...] Geralmente, encontramos no discurso do casal infértil uma busca por algo que justifique a infertilidade como um castigo divino. (RIBEIRO, 2004, p. 35-6).

Este sentimento de culpa, como se a pré-disposição genética ou biológica a não ter filhos fosse uma providência divina, constitui-se numa das formas mais complexas de enfrentamento à questão. A busca por auxílio médico muitas vezes não é realizada ou é feita tardiamente, comprometendo o sucesso da intervenção médica.

Em estudo realizado com mulheres que não tiveram filhos devido a causas orgânicas, funcionais ou cirúrgicas, alguns fatores devem ser considerados, conforme Yin apud Ribeiro (2004): a esterilidade gera sentimentos de culpa, insegurança e fracasso; a identidade feminina fica abalada; a esterilidade afeta diretamente a sexualidade e as relações interpessoais com pessoas do outro sexo.

Mesmo na atualidade, a questão da esterilidade e infertilidade assola o pensamento humano das mais diversas maneiras. Conforme Machado (2011), esta situação provoca angústias e sentimento de impotência para ambos os sexos. Para a mulher, surge o sentimento de impossibilidade de ser mãe, cuja concretização é, em muitos casos, seu maior sonho; para o homem, ataca-lhe o que o mesmo tem de mais profundo: a virilidade, a masculinidade.

A mistura de sentimentos aliados às condições físicas reverencia situações de desespero, produzindo efeitos diretos nas relações interpessoais vividas por estes indivíduos. Assim, a reprodução assistida surge como uma forma de driblar os entraves em saúde, possibilitando a concretização do sonho de ser pai ou mãe.

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1.2 O instituto da filiação e sua regulação contemporânea

A conceituação da filiação e sua definição no mundo jurídico evoluíram, ultrapassando o contexto da filiação biológica e chegando até o amplo universo de uma nova modalidade de filiação, denominada filiação socioafetiva. Esta nova configuração passou a predominar, ocupando um extenso espaço no ordenamento jurídico brasileiro.

Tal aspecto tem evidenciado a necessidade primária do legislador em estabelecer as condicionantes que irão nortear toda esta evolução em face ao ordenamento jurídico. O instituto da filiação se concretiza não mais apenas em face do vínculo biológico, mas principalmente em face do vínculo socioafetivo, o qual apresenta a paternidade socioafetiva com uma das mais novas manifestações familiares desencadeadas e instituídas através do afeto, ao longo da história.

A manifestação deste sentimento humano contempla, a maior, o interesse da criança, a dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável. Estes fatores devem ser interpretados para a satisfação plena das partes envolvidas (pais e filhos) e a despatrimonialização do conteúdo desta relação jurídica, em especial no veto de qualquer forma de discriminação.

Desta forma o vínculo da filiação, uma vez construído com base nestes dois critérios, é inegavelmente reconhecido tão sólido e absoluto a ponto de não mais poder ser, do ponto de vista jurídico, objeto de contestação ou de impugnação. Sendo assim, tal condição imporá aos que externarem este interesse, manifestado de forma livre e esclarecida, todos os direitos e também as obrigações relativas à filiação.

Considerando apenas o aspecto relacional, completa-se o conceito da filiação, concebendo apenas a ótica da relação do parentesco puro e simples, estabelecido entre dois entes, sendo um deles nascido do outro: de forma legal, adotado ou mesmo vinculado, mediante estado de direito de posse da filiação; ou por concepção, tendo como resultado a reprodução humana assistida, através de um método científico com o uso de técnicas diversas. Assim sendo, de forma absolutamente clara, sob o ponto de vista do direito brasileiro a filiação só pode ser interpretada de duas formas; biológica ou não biológica. A exclusividade era detida, durante muito tempo na história, apenas pela filiação puramente biológica, sendo esta originária a partir do resultado natural da condição da convivência familiar, fato este construído na base cultural e fundamentado no conceito conservador de família.

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Conforme Ribeiro (2004), a composição familiar vem se transformando ao longo da história. Atualmente, é possível encontrar famílias cuja dependência financeira seja da mulher, outras que são constituídas apenas por mães e filhos ou pais e filhos (famílias monoparentais).

1.2.1 Critérios determinantes dos modos de filiação

Num passado recente o direito de família no Brasil vivenciava uma fase onde o aspecto matrimonialista e patriarcal predominavam. Na atualidade, acolhe-se a pluralidade filiatória, desprovida de atos discriminatórios. Afirmado isto, a leitura do termo filiação é interpretada levando-se em consideração um sentido plural, com interpretações que vão desde a origem genética até a convivência cotidiana, construída com bases sólidas, estabelecendo de forma visível uma relação concreta ao ponto de ser considerada como indestrutível.

Neste sentido, o doutrinador Lôbo (2011, p. 216) profere:

Sob o ponto de vista do direito brasileiro, a filiação é biológica e não biológica. Por ser uma construção cultural, resultante da convivência familiar e da afetividade, o direito a considera como um fenômeno socioafetivo, incluindo a de origem biológica, que antes detinha a exclusividade.

Antes de ser abordados cada um dos critérios de filiação, se faz necessário trazer à luz da discussão uma realidade, existente no cunho familiar do brasileiro, a qual é fator determinante de uma situação que não pode ser desconsiderada, sendo uma condicionante presente em todos os modos de filiação: o planejamento familiar.

No Brasil o planejamento familiar é determinado pelo caráter livre e, neste aspecto, os membros componentes da sociedade no ímpeto da perpetuação da espécie não sofrem qualquer regramento por parte do Estado que limite ou condicione à pretensão familiar, ou seja, do número de filhos que desejam ter, sejam eles biológicos ou não biológicos; originados pela condição genética ou pela condição da afetividade.

Tal verdade cria um amplo universo não só na interpretação pura e simples do direito de filiação, mas também na inclusão de um vasto contingente de formas ou origens das famílias terem os seus filhos.

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No Brasil, os pais são livres para planejar sua filiação, quando, como e na quantidade que desejarem não podendo o Estado ou a sociedade estabelecer limites ou condições. Os filhos podem provir de origem genética conhecida ou desconhecida (doadores anônimos de gametas masculinos ou femininos – art. 1597 do Código Civil), de escolha afetiva, do casamento, de união estável, de entidade monoparental ou de outra entidade familiar implicitamente constitucionalizada. (LÔBO, 2011, p. 218)

Esta inexistência legislativa acerca da filiação abre precedentes para novas situações, conforme vivenciado na atualidade, com a questão da reprodução assistida. Não há limites de filhos, não há condicionantes relacionadas a quem pode – ou deve – assumir a paternidade da criança, entre outros fatores.

Da mesma forma, Dias (2010, p. 351) posiciona-se:

Falando em filiação, cabe lembrar que o planejamento familiar é livre [...] não podendo nem o Estado e nem a sociedade estabelecer limites ou condições. O acesso aos modernos métodos de concepção assistida é igualmente garantido em sede constitucional, pois planejamento familiar também significa buscar a realização do projeto de parentalidade. O tema da inseminação artificial e da engenharia genética encontra embasamento nesse preceito.

Portanto, pode-se classificar em três os diferentes critérios ou modos de filiação, usando para isto as suas origens e características. O primeiro denomina-se legal ou jurídico e está fundamentado na presunção relativa determinada pelo legislador que se utiliza para tal de condições retiradas do texto legal. O segundo critério ou modo de filiação denomina-se biológico. Este critério é exclusivamente norteado pelo vínculo genético e para tal fundamenta-se totalmente na certeza científica usufruindo da biotecnologia evidenciada no exame de DNA. Já o último critério tem suas bases no sentimento humano do afeto. É denominado, portanto, como socioafetivo, sendo construído a partir de sentimentos puramente humanos, como o amor e a solidariedade.

Comprovando o exposto acima, Farias e Rosenvald apud Ferraz (2009, p. 99), afirmam existir três critérios para a determinação da filiação:

[...] I – o critério legal ou jurídico, fundado em uma presunção relativa imposta pelo legislador em circunstâncias previamente indicadas no texto legal;

II – o critério biológico centrado na determinação do vínculo genético, contando, contemporaneamente, com a colaboração e certeza científica do exame de DNA; III – o critério sócio-afetivo, estabelecido pelo laço de amor e solidariedade que se forma entre determinadas pessoas.

Hierarquicamente, nenhum destes tem prevalência sobre os demais, mesmo levando em consideração as origens dos mesmos; contudo poderá um deles prevalecer sobre o outro,

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quando forem analisados de forma prática como paradigmas de jurisprudência já existente. Tal condição tem sido acolhida pelos tribunais.

Entretanto, a verdade descrita com a existência da pluralidade dos critérios ou modos de filiação abre um universo de possibilidades que impedem o surgimento ou a formação do que se pode classificar como certeza única, fato este que leva a uma situação de indefinição na determinação da condição de pai, porque há de se considerar que, apesar de tudo, inexiste uma norma legal.

Verdade esta evidenciada na citação do doutrinador Lôbo (2011, p. 220):

A presunção pater is est não resolve o problema mais comum, que é o da atribuição de paternidade, quando não houve e nem há coabitação. Por outro lado, e por sua própria natureza, a presunção parte da exigência da fidelidade da mulher, pois a do marido não é necessária para que ela ocorra, circunstância que, para muitos, a incompatibiliza com o § 5.º do art. 226 da Constituição, para o qual “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Desta forma, o Direito, para determinar a concepção dos filhos, sempre se valeu de presunções legais para determinar a paternidade ou maternidade, uma vez que somente reconhecia a família obtida através do matrimônio, por este considerada como família legitima. Da mesma forma somente os filhos oriundos desta condição legal detinham a condição de serem protegidos pela lei vigente.

1.2.1.1 Presunção legal

Embora exista uma vasta gama de presunções, cada uma com uma interpretação individualizada, cabe trazer à luz do estudo aquelas previstas no art. 1.597 do Código Civil, as quais são consideradas, até os dias de hoje, como as mais tradicionais. A primeira é a presunção de paternidade do marido, baseada no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após o início a convivência conjugal, considerando para isto o efetivo início da convivência entre o esposo e a esposa. Já a segunda é a presunção da paternidade para os filhos concebidos até 300 (trezentos) dias após a separação conjugal.

Ambas as presunções tem sido objeto de desafio para os avanços da biotecnologia e também pela existência do exame da carga genética (exame de DNA). Tal exame só tem

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importância quando a filiação for exclusivamente biológica, não valendo para tal a filiação construída em caráter afetivo.

O doutrinador Lôbo (2011, p. 221) assim complementa:

Os limites de cento e oitenta dias (mínimo) e trezentos dias (máximo) não correspondem às médias fixadas pela ciência e pela experiência de gestação humana. Todavia, têm por fito afastar qualquer dúvida quanto ao vínculo da paternidade. Por se tratar de dias, a contagem se faz dia a dia, de meia noite a meia noite, não se considerando o dia do começo. A presunção de paternidade do nascido até trezentos dias é elidida quando ficar provado que os cônjuges estavam separados de fato no período correspondente ao da concepção.

Este é o primeiro critério determinante da filiação e o Código Civil de 2002 manteve a mesma redação do Código Civil de 1916, fazendo recair a presunção de que a mãe é a indicada pelo parto e que o pai é o marido dela. “Independentemente da verdade biológica, a lei presume que a maternidade é sempre certa, e o marido da mãe é o pai de seus filhos” (DIAS, 2010, p. 352).

É bem verdade que há muito tempo a ciência jurídica vem admitindo a presunção de paternidade dos filhos nascidos de uma relação casamentária; tal presunção é datada desde o Código Hamurabi. Essa verdade pode ser evidenciada na citação dos autores Farias e Rosenvald (2010, p. 565): “É o verdadeiro exercício da lógica aplicada: considerando que as pessoas casadas mantêm relações sexuais entre si, bem como admitindo a exclusividade dessas conjunções carnais.”

Portanto, o conteúdo da afirmação presente nesta presunção de estado de filiação de forma inquestionável tem a intenção de preservar a estrutura do matrimônio, se revestindo de caráter pacificador. O Código Civil de 2002 sutilmente desconsiderou os avanços da biotecnologia e dos métodos tecnológicos de reprodução humana assistida. Com isto ele praticamente reproduziu a redação do Código Civil de 1916 e, de certa forma, assumiu uma postura defensiva da instituição do casamento ao manter as presunções desprovidas do caráter absoluto, mas revestidas de caráter relativo, admitindo a contraprova e com isto podendo ser afastadas as hipóteses especialmente contempladas em lei.

A falta de justificação outrora existente nas presunções tornou-as relativamente frágeis quanto ao aspecto da sustentação jurídica, bastando uma simples troca de crianças numa maternidade ou mesmo uma gestação em útero alheio para desmoronar a presunção de maternidade. Já a presunção da paternidade se desfez na presença da condição de infidelidade ou mesmo da fertilização assistida.

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O critério da presunção legal, introduzido pelo Código Civil de 1916, se manteve no Código Civil de 2002, com algumas ampliações. Com a codificação vigente, o critério da presunção legal que antes somente incidia nas filiações decorrentes de fecundação biológica ou sexual (incisos I e II do art. 1.597), passou a incidir também nas filiações resultantes de fecundação artificial homóloga e heteróloga ou tecnicamente assistida (incisos III, IV e V do art. 1.597).

O texto do art. 226 da Constituição Federal refere-se à família e à proteção especial que esta tem do Estado, porém refere que esta é resultado somente de uma união estável. Desta forma os filhos nascidos de mulheres nesta condição não concorrem para a presunção de paternidade.

Neste sentido, é importante salientar o seguinte ensinamento:

De forma absolutamente injustificada a lei não estende a presunção de paternidade à união estável. [...] boa parte da doutrina afirma que a presunção pater is est só existe no casamento. Talvez por isso não seja imposto o dever de fidelidade aos conviventes, somente o dever de lealdade (CC 1.724). A diferenciação é de todo desarrazoada. Se a presunção é de relacionamento sexual durante o casamento, esta mesma presunção existe na união estável. Cabe um exemplo. Falecido o genitor durante a gravidez, ou antes de ter registrado o filho, este terá de intentar ação declaratória de paternidade. (DIAS, 2010, p. 353).

Assim, ao aplicar o critério da presunção de paternidade só ao casamento o Código Civil de 2002 estaria criando duas classificações de filhos: os oriundos de mulheres em união estável e os oriundos de mulheres não casadas. Neste contexto os primeiros, sob o julgo do critério da presunção de paternidade iriam gozar dos privilégios da lei, contemplados pelo elo do parentesco paterno existente. Já os segundos, desprovidos do critério da presunção de paternidade, precisariam do reconhecimento espontâneo dos pais e caso tal fato não acontecesse, necessitariam da uma ação investigatória para o reconhecimento ocorrer a partir de uma decisão judicial para então concorrerem na condição de filhos judicialmente reconhecidos.

1.2.1.2 Critério biológico

O vínculo biológico consiste na identidade genética que une dois indivíduos pelos laços do parentesco; neste prisma, ao que diz respeito à filiação, trata-se de uma relação genética ou consanguínea entre pais e filhos. Assim, “até bem pouco tempo, reconhecia-se no

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Direito Brasileiro apenas a família oriunda do casamento, a chamada família legítima, e apenas os filhos nascidos de relação matrimonial eram protegidos”. (FERRAZ, 2009, p. 94). Contudo, diferenciavam-se em legítima, legitimada e ilegítima.

Consideravam-se os filhos legítimos quando procriados na vigência do casamento dos seus pais. É aquele que adquire a posição de legítimo pelo imediato matrimônio dos pais, por ter sido concebido ou nascido na constância do casamento. Legitimados, os gerados antes desse casamento, que os legitimava.

Ilegítimos, por sua vez, eram os nascidos fora do casamento de seus pais, ou seja, decorrente de relações extramatrimoniais. Estes se classificam em naturais (aqueles que descenderam de pais entre os quais não eram impedidos de se casar) ou espúrios (os provenientes da união de homem e mulher que encontravam impedimentos de se casarem, em virtude de ambos já serem casados com outra pessoa, ou porque eram parentes em linha reta ou em grau proibido).

Neste contexto histórico, Ferraz (2009, p. 95) manifesta-se:

O casamento acarretava para a filiação uma paternidade jurídica, na medida em que se estabelecia a presunção de que os filhos havidos na constância do casamento eram do casal, desprezando-se a verdade real. O pai, portanto, era o marido da mãe. Tal presunção ocorria por apenas se admitir a procriação no seio do casamento, tanto que aqueles que nascessem de relação extramatrimonial não eram merecedores de proteção e denominados ilegítimos.

O principio constitucional da plena igualdade entre os filhos vem explicito no art. 227 § 6º da Constituição Federal de 1988, o qual enuncia que os filhos, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer indicações discriminatórias relativas à filiação. Repercute também no Código Civil de 2002, nos artigos 1.596 a 1.629, e, ainda, no princípio da dignidade da pessoa humana, frisando a impossibilidade de qualquer distinção entre filhos.

No que se refere à temática é importante frisar que:

O enunciado do art. 1.596 do Código Civil de que os filhos de origem biológica e não biológica têm os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer discriminações, que reproduz norma equivalente da Constituição Federal, é, ao lado da igualdade de direitos e obrigações dos cônjuges, e da liberdade de constituição de entidade familiar, uma das mais importantes e radicais modificações havidas no direito de família brasileiro, após 1988. É o ponto culminante da longa e penosa evolução por que passou a filiação, ao longo do século XX, na progressiva redução de odiosas desigualdades e discriminações, ou do quantum despótico na família, para utilizarmos uma categoria expressiva de Pontes de Miranda. É o fim do vergonhoso apartheid legal. (LÔBO, 2011, p. 217)

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Trata-se, portanto, de uma inovação civil que garante a igualdade entre os filhos, igualdade esta que produz efeitos em todos os campos do Direito. Durante toda a história da humanidade a discriminação esteve presente e, na atualidade, busca-se reprimir atitudes discriminatórias através da observância de princípios constitucionais e demais dispositivos legais, em todo o mundo.

“A filiação biológica sempre teve muita importância, pois era ela que provava quem eram os pais” (FERNANDES, 2005, p. 67). Ocorre que, com o passar do tempo, a sociedade e a ciência avançaram de tal maneira que o vínculo consanguíneo tornou-se uma realidade submetida a critérios probatórios cientificamente garantidos onde, por meio do exame de DNA, atesta-se a inequívoca existência de tal laço biológico, conseguindo provar quando um filho carrega a herança genética dos seus pais. Se o critério jurídico de presunção era considerado falho, a utilização deste meio de determinação genética tornou possível uma certeza científica. Ou seja, se estabeleceu uma verdade biológica por meio do teste de DNA, garantindo 99,99% de probabilidade de certeza.

É de tal importância esse critério que a jurisprudência manifesta-se no sentido de que se houver a recusa injustificada da parte em submeter-se ao exame de DNA leva-se a induzir a presunção juris tantum de paternidade, conforme extraído da Súmula 301 do STJ (Superior Tribunal de Justiça):

STJ Súmula nº 301 - 18/10/2004 - DJ 22.11.2004 Ação Investigatória – Recusa do Suposto Pai - Exame de DNA - Presunção juris tantum de paternidade. Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

É através desse critério científico que se determina a filiação com base na carga genética, ou seja, com o vínculo biológico existente é definido a paternidade/maternidade. Contudo, “cuida-se de forma fria, puramente técnica e, por tal razão, vigora a impossibilidade de seu acolhimento de forma absoluta” (FARIAS E ROSENVALD, 2010, p. 587).

Mesmo assim, considerando o exposto acima, não se pode dizer que tal método inutiliza por completo o mérito na determinação da paternidade ou da maternidade, uma vez que o mesmo pode ser mais bem acolhido quando estiver acompanhado de investigação de outros fatores que possivelmente possam complementar o caráter da relevância, tendo como exemplo primeiro a própria condição dos laços da socioafetividade.

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A filiação, seja ela biológica ou não biológica, apresenta natureza cultural, mas não exatamente natural, embora eventualmente possa haver coincidência. Há, portanto, distinção entre ser pai e ser o ascendente biológico. A busca do procriador pode não coincidir com a busca de um pai. Direito ao reconhecimento da paternidade nem de longe é o mesmo que direito à ascendência genética ou biológica. Tem direito ao reconhecimento da paternidade todo aquele, e somente aquele, a quem falte o pai juridicamente estabelecido, não sendo correto e adequado autorizar-se a desconstituição de um vínculo de paternidade assentada nos valores sócio-afetivos, para privilegiar o caráter biológico ou consanguíneo da origem genética.

Percebe-se, portanto, a sobressalência do caráter socioafetivo sobre o genético. Não se pode descaracterizar uma relação de pai e filho, pautada no mútuo carinho e afetividade, em função da verdade biológica. É acerca do critério socioafetivo e sua relevância que este trabalho dispõe, a seguir.

1.2.1.3 Critério socioafetivo

Nunca na história da humanidade ocorreram avanços tecnológicos tão importantes como os dos últimos tempos, fato este também evidenciado excepcionalmente na área da reprodução humana assistida, que vem se utilizando de técnicas no intuito da continuidade da espécie humana. Importante afirmar que esta condição fez surgir uma nova modalidade particular de vínculo, visto que a maternidade e a paternidade advêm não só da conjunção carnal, mas de um conjunto de sentimentos humanos expressados e destinados a este fim, tendo como exemplo mais importante a vontade de ser pai ou de ser mãe.

Uma prova de tal condição encontra-se incrustada em estudos feitos na área da psicanálise que apontam a figura paterna decorrente de uma construção cotidiana do papel de pai que funcionalmente está além da simples e pura transmissão de carga genética. Desta forma, o papel de pai também é encontrado fora do genitor onde se expressa uma nova e diferente relação, que deve ser descrita e denominada como filiação socioafetiva.

Diante do exposto acima, nas palavras de Dias (2010, p. 365):

A filiação socioafetiva corresponde à verdade parente e decorre do direito à filiação. A necessidade de manter a estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva.

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Para efeitos de interpretação, a doutrina acata que a figura do pai ou mãe, são efetivamente aqueles que de fato chamam para si a função e todas as responsabilidades paternas ou maternas, dentro do espaço de convívio familiar ora definido como lar. Indo além se pode complementar colocando que a figura reconhecida como pai/mãe afetivo, ainda que vivendo a certeza do conhecimento de não ser ele o pai/mãe biológico da criança que está no seu convívio, desobriga em favor desse atitudes demonstrando uma condição de real afeto, de forma reconhecidamente duradoura.

Sendo assim, conforme Veloso apud Fernandes (2005, p. 71):

Quem acolhe, protege, educa, orienta, repreende, veste, alimenta, quem ama e cria uma criança, é pai. Pai de fato, mas, sem dúvida, pai. O pai de criação tem posse de estado com relação a seu filho de criação. Há nesta relação uma realidade sociológica e afetiva que o direito tem de enxergar e socorrer. O que cria, o que fica no lugar do pai, tem direitos e deveres para com a criança, observando o que for melhor para os interesses desta.

O texto do art. 1.593 do Código Civil dispõe: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.” Tal dispositivo legal ao consentir “outra origem” é, de fato, contemplador da possibilidade do reconhecimento pela doutrina da paternidade socioafetiva, ou seja, aquele que conduzido pelo carinho, amor e afeição, mesmo que a relação existente entre seus sujeitos não provenha do parentesco biológico o qual em tempos anteriores fora considerado absoluto, agora legalmente está apto para gerar efeitos jurídicos e sociais.

Esta mudança de pensamento de paradigma social significa novos olhares sobre o instituto da filiação. Para Dias (2010, p. 364):

Certamente há um viés ético na consagração da paternidade socioafetiva. Constituído o vinculo da parentalidade, mesmo quando desligada a verdade biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade. Não é outro o fundamento que veda a desconstituição do registro de nascimento feito de forma espontânea por aquele que, mesmo sabendo não ser pai consanguíneo, tem o filho como seu.

As relações socioafetivas são construídas livremente, conforme a vontade dos indivíduos envolvidos. Assim, a família construída a partir de laços afetivos possui total legitimidade, uma vez que não foi forçada ao acontecimento por força biológica ou legal. Ainda em Dias (2010, p. 365), tem-se que:

O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. O vínculo de filiação

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socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil. Se menor, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente; se maior, por força do princípio da dignidade da pessoa humana, que não admite um parentesco restrito ou de “segunda classe”. O princípio da solidariedade se aplica a ambos os casos.

Assim, conclui-se que não há diferenças entre filho biológico e afetivo, pois apesar das diferenciações referentes a denominações e características, ambos são reconhecidos como filhos, conforme pode ser observado através de dispositivos constitucionais (como o art. 227 §6º) e civis (art. 1.596 do Código Civil), além do entendimento jurisprudencial atual a cerca do tema. Para evidenciar tal questão, a seguir trata-se do tema da reprodução assistida propriamente dita, por meio da qual se originam filhos tão legítimos quanto os concebidos por meios naturais.

1.3 Técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida

Muitas são as técnicas utilizadas para a reprodução humana assistida. Cabe salientar que

O encadeamento inexorável das técnicas de reprodução criadas unicamente para a realização da procriação, quando impedida por uma anomalia anatômica ou funcional do homem ou da mulher, possibilitam com seu desvirtuamento, o engendramento de tantas outras, estúpidas e repugnantes, as quais vem atingir o que se julgaria imutável na espécie humana. (MACHADO, 2011, p. 65).

Isto posto, deve-se considerar questões éticas e de biossegurança quando da utilização de tais técnicas, sob pena de incorrer em ilícito penal. A possibilidade de manipulação de material genético para a geração de uma nova vida, quando da manifesta vontade dos envolvidos não pressupõe direito a manipulação genética, com fins a mudanças de características, tampouco a experimentação de técnicas cujos resultados prováveis não sejam amplamente aceitos pela sociedade.

Aqui, serão abordadas as seguintes técnicas de reprodução: inseminação artificial, fertilização in vitro, doação do óvulo e empréstimo do útero.

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1.3.1 Inseminação artificial

A inseminação artificial é a forma mais antiga de reprodução humana assistida. Pode ser realizada de duas formas distintas. A primeira forma diz respeito à inseminação artificial intraconjugal, a qual conforme entendimento de Machado (2011) consiste no depósito de esperma do cônjuge na vagina, colo do útero ou no próprio útero. Desta maneira, o óvulo pertence à própria mulher e será fecundado pelo esperma de seu companheiro. Trata-se de uma técnica utilizada em casos de vasectomias, por exemplo.

Para Lôbo (2011), este tipo de inseminação, também denominada homóloga, manipula os gametas da mulher e do homem, permitindo a fecundação em substituição à concepção natural, originada a partir da cópula. Tal artifício é utilizado quando existe a impossibilidade ou deficiência para gerar de um ou de ambos os cônjuges.

Trata-se, portanto, de

Introduzir espermatozoides previamente preparados em laboratório dentro da cavidade uterina após uma indução de ovulação da paciente com o intuito de aumentar o número de óvulos e também determinar o momento da ovulação através de medicamento. (OLMOS apud RIBEIRO, 2004, p. 27).

Com esta técnica, o material genético utilizado pertence, de fato, ao homem e à mulher interessados na fecundação como forma de constituírem uma família com filhos seus. Trata-se apenas de um auxílio médico para a realização de um sonho que, por meios naturais, acaba por se tornar inviável.

Outra forma de inseminação artificial é denominada extraconjugal ou heteróloga. Atualmente, com a existência de bancos de esperma, a mulher ou o casal que deseja ter filhos pode se valer de esperma de outro homem para a fecundação. Para Machado (2011), a utilização desta técnica se dá a partir da esterilidade masculina, onde seus espermatozoides não são suficientemente saudáveis para realizarem a fecundação.

Para a realização da inseminação artificial heteróloga, conforme Lôbo (2011, p. 224), "a lei não exige que o marido seja estéril ou, por qualquer razão física ou psíquica, não possa procriar". O que se faz necessário, no entanto, é apenas a presunção de concordância por parte do mesmo quanto à realização da inseminação, não havendo a necessidade de documento escrito, haja vista que a comprovação em juízo é suficiente.

Percebe-se que não há um consenso entre os doutrinadores acerca da necessidade ou não de averiguação de esterilidade masculina. Entretanto, o que se pode auferir é que este tipo

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de inseminação só será reconhecida de direito, pelo cônjuge, quando este estiver ciente de seu acontecimento, ou seja, sabendo que o filho não será gerado a partir de seu material genético.

1.3.2 Fertilização in vitro

Conforme Fernandes (2005, p. 32), "essa técnica reproduz artificialmente, num tubo de ensaio, o ambiente das trompas de Falópio, local propício para a fertilização natural". Do mesmo modo se coloca Machado (2011, p. 33): "o encontro do espermatozoide com o óvulo não ocorrerá na trompa, mas no laboratório, através de um tubo ou em cultura laboratorial".

Para a fertilização in vitro, o cônjuge ou companheiro que não produzir espermatozoides ou óvulos saudáveis pode se valer da utilização de gametas de doadores, geralmente anônimos (Machado, 2011). Existe, ainda, a possibilidade de utilização de embriões fecundados, denominados "excedentes", não utilizados por outros casais inférteis.

Para que se possa garantir o êxito de uma gravidez, costumam-se extrair da mulher vários óvulos, conseguidos por meio de estimulação artificial ou superovulação, os quais fecundados [...] darão origem a vários embriões, que deverão ser transferidos ao útero da mulher. Se por um lado, dessa forma a mulher tem mais chances de engravidar, por outro, pode ocorrer gravidez múltipla [...] além da produção de embriões excedentes sem destino. (FERNANDES, 2005, p. 32).

A questão dos embriões excedentes transforma-se em um complexo problema jurídico, onde não há respaldo legal para a utilização ou descarte dos mesmos. Trata-se, portanto, de uma solução a um problema humano (a impossibilidade de ter filhos) e criação de um impasse jurídico ainda mais severo, cujas interpretações subjetivas sugerem os mais diversos tipos de condutas.

1.3.3 Doação do óvulo

Caso a mulher seja estéril, a mesma poderá se valer do óvulo de uma doadora para que, depois de fecundado (com o esperma de seu companheiro, por exemplo) possa ser implantado em seu útero, gerando, conforme Machado (2011), com a gestação e o parto, a filiação materna.

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A questão da doação de óvulos "visa ajudar as mulheres que não podem por si próprias produzir óvulos ou aquelas que, possuindo óvulos, perderam a possibilidade de transmitir seu capital genético" (FERNANDES, 2005, p. 45).

Neste sentido, a doutrina entende que

No caso da doação de óvulos, a questão do anonimato da doadora é considerada de maior importância, ao mesmo tempo em que é muito difícil mantê-lo. O casal, ao procurar solucionar o problema de infertilidade através da doação de óvulo, deseja também, "ter o seu filho", sem a participação de outra "mãe". (MACHADO, 2011, p. 51).

Sobre a complexa questão jurídica envolvendo este tipo de reprodução humana, Machado (2011, p. 51-2) assevera:

O mundo jurídico, perplexo diante das novas questões, encontra-se totalmente desarmado para responder as muitas perguntas como: qual delas deve ser considerada a mãe (a gestora, a doadora ou a mãe social?); a determinação ou não do anonimato da doadora; o direito do nascido de ser informado da doação das circunstâncias de seu nascimento; a possibilidade de o casal conhecer a origem e o perfil da doadora.

Assim, surge no campo jurídico outra problemática concernente à reprodução humana: a doação de óvulos pressupõe a existência de uma nova relação familiar, uma vez que a mãe que gera não é a mãe genética. Trata-se, portanto, de uma relação afetiva, onde o amor pelo filho e a vontade de ser pai/mãe supera os critérios biológicos.

1.3.4 Empréstimo do útero

De acordo com Machado (2011), o empréstimo do útero ocorre quando a futura mãe não possui útero, quando este possui má formação ou, ainda, quando a gravidez oferecer risco de morte para esta mulher. Este método é vulgarmente conhecido como "barriga de aluguel", implicando na intervenção de uma terceira pessoa, alheia ao casal, que possua condições de saúde capazes de garantir o pleno desenvolvimento da criança.

A questão da "barriga de aluguel" gera muitas desavenças no campo jurídico. No entendimento de Dias (2010), existe a proibição do empréstimo do útero mediante pagamento. Tal prática, ainda que gratuita, seria um negócio jurídico, que geraria obrigações de ambos os

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envolvidos; entretanto, uma criança não pode ser objeto de contrato, assim o negócio seria nulo.

Acerca da aceitação ou proibição desta prática, Machado (2011, p. 55) coloca:

No Brasil não existe até o momento qualquer direito, inclusive constitucional, proibindo ou regulando esse tipo de recurso utilizado para a reprodução. O critério para estabelecer a maternidade nas gestações por meio de terceira pessoa continua sendo o parto, conforme previsto na legislação civil.

Entretanto, conforme Lôbo (2011), em se tratando de utilização do útero alheio, o ordenamento jurídico brasileiro apenas permite em casos em que a cedente seja parente colateral até segundo grau da mãe genética, conforme o Conselho Federal de Medicina. Do contrário, vigora o princípio pater is est, ou seja, a presunção da maternidade da mulher parturiente.

Nas hipóteses de gravidez por substituição, ainda que seja a mãe gestacional quem recebe a declaração de nascido vivo, imperioso é assegurar àquela que também desejou o filho - e que não necessariamente é a mãe genética - o direito de figurar no seu registro. Tal possibilidade cabe ser buscada em juízo, mesmo antes do nascimento para que, ao nascer, seja-lhe assegurado o direito à identidade. (DIAS, 2010, p. 362).

Há que se, portanto, assegurar à mãe afetiva, ou seja, aquela que desejou o filho apesar das circunstâncias que lhe impedem de ser a parturiente, o direito a registrá-lo e amá-lo como se o mesmo fosse fruto de seu próprio material genético, utilizando-se do princípio da afetividade para assegurar-lhe tal condição.

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2 ASPECTOS PROBLEMÁTICOS A SEREM CONSIDERADOS

As questões como paternidade e maternidade, com o advento das tecnologias de reprodução humana assistida, passaram a se tornar complexas, principalmente no campo do Direito. Identificar quem é, de fato, a mãe ou o pai biológicos, a mãe ou o pai afetivos, a que família este bebê fecundado de maneira assistida irá pertencer, invoca as mais diversas interpretações por parte do Direito e da própria sociedade.

Isto se deve ao fato de que

A reprodução humana, sempre considerada como o elo mais íntimo do casal, com a procriação artificial, foi trazida para um ambiente de ampla participação, uma vez que tanto os óvulos quanto os espermatozoides passaram a ser tratados fora do corpo humano. (MACHADO, 2011, p. 33)

Da mesma forma, o pluralismo das relações familiares ocasionou mudanças na estrutura da sociedade. Conforme o entendimento de Dias (2010), não existe mais moldes familiares restritos, provocando mudanças conceituais no entendimento do que é família e das formas que ela pode se apresentar. Questões como igualdade entre filhos “legítimos e ilegítimos”, bem como a utilização de técnicas de reprodução assistida, operaram transformações que não podem ser ignoradas pela sociedade e pelo mundo jurídico.

Porém, em se tratando reprodução assistida, existe uma significativa vacatio legis no ordenamento jurídico brasileiro. A única normatização existente na atualidade é a Resolução nº 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina, a qual adota normas éticas para a utilização de técnicas de reprodução assistida. Existe, ainda, a Lei nº 11.105/2005, denominada Lei de Biossegurança, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados.

Nesta parte do estudo, serão abordadas questões relevantes ao Direito de Família em função da nova realidade imposta pela possibilidade de utilização de técnicas de reprodução humana assistida. Aborda-se, portanto, as questões afetiva, temporal e registral, buscando realizar uma análise à luz do direito atual, correlacionando as transformações sociais com o ordenamento jurídico vigente, apesar das lacunas existentes.

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2.1 A questão afetiva

No Brasil, com a promulgação da Constituição de 1988, a legislação passou a considerar o caráter afetivo da filiação. Desta forma, de maneira inquestionável, o direito de família passa a considerá-la como um fenômeno socioafetivo.

Atualmente, a família

Reinventando-se socialmente, reencontrou sua unidade na affectio, antiga função desvirtuada [...]. A afetividade, assim, desponta como elemento nuclear e definidor da união familiar, aproximando a instituição jurídica da instituição social. A afetividade é o triunfo da intimidade como valor, inclusive jurídico, da modernidade. (LÔBO, 2011, p. 20).

Portanto, magnificamente após a Constituição de 1988 a filiação adota um conceito único, não mais admitindo discriminações; filiações legítimas ou ilegítimas; natural, adotiva ou adulterina. A partir de então, no campo do direito de filiação, surge um tema muito importante: a identidade parental biológica, já que até então existiam dúvidas sobre quem era, de fato os pais, e com quem as crianças deveriam viver.

Essas são questões de relevância tanto para a criança como para os adultos. Tal fato, quando não resolvido de forma rápida, pode trazer graves consequências à estabilidade psicológica, com interferências no caráter e na personalidade especialmente das crianças envolvidas nos processos de família.

O pai não é mais reconhecido somente considerando o critério de ser ele o progenitor, mas também pela função social de pai; desta forma, no direito de filiação, a paternidade jurídica não é predominantemente determinada pela condição biológica do parentesco.

O tratamento legal dado à filiação atualmente não faz distinção alguma entre filhos legítimos ou ilegítimos, tampouco aos havidos ou não do casamento. Pelo contrário, no texto do art. 1.596 do Código Civil de 2002 o legislador assim se expressou: “havidos ou não da relação do casamento”. Tal citação traduz de forma muito cristalina que aí residem as garantias para que não ocorra no direito de filiação quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Desta maneira se posiciona Lôbo (2011, p. 27):

As relações de consanguinidade, na prática social, são menos importantes que as oriundas de laços de afetividade e da convivência familiar, constituintes do estado de filiação, que deve prevalecer quando houver conflito com o dado biológico, salvo se

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o princípio do melhor interesse da criança ou o princípio da dignidade da pessoa humana indicarem outra orientação, não devendo ser confundido o direito àquele estado com o direito à origem genética [...].

Há que se ressaltar, entretanto, uma nova inserção no campo jurídico, a qual ainda se encontra desassistida pelo ordenamento jurídico brasileiro: a questão da reprodução assistida. Com os avanços tecnológicos no campo da medicina, casais que estariam impossibilitados de terem filhos por meios naturais podem se valer deste tipo de técnica, garantindo assim a constituição de uma família.

Porém, a biotecnologia, representada pelas inovações técnicas no tocante à reprodução humana, se usada de forma abusiva representa um quadro indesejável tal qual ao falho e precário critério de presunção nupcial. Portanto, procurando a valoração das relações paterno filiais, se faz necessário que urgentemente se ache uma nova condição para prestigiar o afeto e a função social do pai, uma vez que tais relações devam ir além da simplicidade ora representadas no campo das relações jurídicas ou biológicas.

2.2 A questão temporal

A utilização do sêmen do cônjuge falecido gera muita polêmica no campo social e jurídico. Conforme Machado (2011), este tipo de fertilização é conhecida como intermediária, pois não pode ser considerada nem homóloga e nem heteróloga.

Conforme Enéias e Pereita (2011), muitos países posicionam-se contra a reprodução assistida post mortem. A França, além de proibir, possui um dispositivo legal que considera sem efeito o consentimento manifestado ainda em vida para que tal situação ocorra. Na Suécia e na Alemanha, considera-se a inseminação post mortem uma prática que desrespeita os bons costumes. Além deste pensamento, a legislação prevê que o direito sobre os gametas humanos se extingue com a morte do indivíduo.

Há países, entretanto, que se posicionam a favor, admitindo algumas ressalvas. Na Inglaterra, a criança nascida de fecundação post mortem só terá direito sucessório garantido se houver documento expresso, neste sentido. Já na Europa, nos países a favor desta conduta, o direito sucessório não está garantido ao nascituro cuja gestação se iniciou após a morte paterna.

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Conforme Lôbo (2011), a presunção tradicional atribui a paternidade ao filho nascido no decorrer de trezentos dias após a morte do pai. Entretanto, existe a possibilidade de fecundação homóloga realizada após a morte do companheiro, persistindo a presunção da paternidade desde que comprovada a utilização de seu material genético.

Um dos maiores entraves a serem solucionados no campo do direito civil refere-se à questão da sucessão legítima dos filhos nascidos post mortem.

Toda a estrutura da sucessão está arquitetada tendo em vista um desenlace da situação em curto prazo. Se se admitisse a relevância sucessória dessas situações, nunca seria praticamente possível a fixação dos herdeiros e o esclarecimento das situações sucessórias. E a partilha que porventura se fizesse estaria indefinitivamente sujeita a ser alterada. (ASCENSÃO apud MACHADO, 2011, p. 107).

No entendimento de Enéias e Pereita (2011, p. 46), “ao se tratar da possibilidade de reprodução assistida post mortem, a lei referiu-se apenas à presunção de paternidade dos filhos advindos pela utilização de tal meio e nada disse a respeito do procedimento a ser seguido no campo do direito sucessório”.

Neste sentido, alguns doutrinadores defendem que

Filho póstumo não possui legitimação para suceder, visto que foi concebido após o óbito de seu pai genético e por isso é afastado da sucessão legítima ou ab intestato. Poderia ser herdeiro por via testamentária, se inequívoca for a vontade do doador de sêmen de transmitir herança ao filho ainda não concebido, manifestada em testamento. Abrir-se-ia a sucessão à prole eventual do próprio testador, advinda de inseminação artificial homóloga post mortem. (DINIZ apud ENÉIAS E PEREITA, 2011, p. 47).

Há que se colocar, entretanto, que a Constituição Federal proíbe qualquer tipo de tratamento discriminatório relacionado aos filhos, conforme art. 227 § 6º. Assim, sobre o direito sucessório, Dias (2010) afirma que o filho concebido através da reprodução assistida possui os mesmos direitos daquele concebido de maneira natural, não cabendo qualquer tipo de diferença entre eles. É importante ressaltar a complexidade do tratamento do assunto quando da fecundação post mortem do marido. O filho nascido nestas condições torna-se herdeiro quando houver a expressa manifestação do pai, em vida, a respeito.

Desta maneira, “a possibilidade de não se reconhecerem direitos à criança concebida mediante fecundação artificial post mortem pune, em última análise, a intenção de ter um filho com a pessoa amada, embora eventualmente afastada do convívio terreno” (DIAS, 2010, p. 360).

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2.3 A questão registral

Conforme o Código Civil, art. 1.603, a filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.

A certidão do registro público não pode ser substituída por qualquer outro documento. As declarações do médico assistente, da clínica ou do hospital acerca do nascimento da criança fundamentam o registro e servem como meio de prova, mas não produzem os efeitos do registro, inclusive o da filiação. Se não há registro e se imputa a paternidade a alguém, ter-se-á de postular decisão judicial (investigação de paternidade). (LÔBO, 2011, p. 233).

Porém, a questão registral esbarra nas dúvidas oriundas do campo social e do campo jurídico, concernente à vacatio legis da reprodução humana assistida no ordenamento jurídico brasileiro. No entendimento de Fernandes (2005, p. 63):

Os tratamentos de infertilidade provocaram uma verdadeira revolução na presunção juris tantum de paternidade (“pater is est quem justae nuptiae demonstrant”), onde, se presume pai aquele que o casamento demonstra, ou seja, pai é o marido, até prova em contrário, porque se presume que o filho de mulher casada foi gerado por seu marido; e no conceito de maternidade (“mater semper certa est”), onde a mãe é sempre certa.

Para Lôbo (2011), as questões relacionadas com a doação de material genético masculino ou feminino ainda não geraram nenhuma conclusão, no campo da bioética, para que a paternidade ou maternidade seja, de fato, atribuída ao doador do material genético. "É princípio reconhecido universalmente que o mero doador de gametas não é juridicamente pai ou mãe, porque falta qualquer projeto de parentalidade" (LÔBO, 2011, p. 30). Assim, toda e qualquer relação se esgota no ato da doação do material genético.

Neste sentido, se posiciona Dias (2010, p. 321):

A identificação dos vínculos de parentalidade não pode mais se buscar exclusivamente no campo genético, pois situações fáticas idênticas ensejam soluções substancialmente diferentes. As facilidades que os métodos de reprodução assistida trouxeram permitem a qualquer um realizar o sonho de ter um filho. Para isso não precisa ser casado, ter um par ou mesmo manter uma relação sexual. Assim, não há como identificar o pai com o cedente do espermatozoide. Também não dá para dizer se a mãe é a que doa o óvulo, a que cede o útero ou aquela que faz uso do óvulo de uma mulher e do útero de outra para gestar um filho, sem fazer parte do processo procriativo. Submetendo-se a mulher a qualquer desses procedimentos torna-se mãe, o que acaba com a presunção de que a maternidade é sempre certa.

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Na hipótese de um casal, na intenção de terem filhos, fazer uso de técnicas artificiais de reprodução humana, após externar seus consentimentos para o procedimento de inseminação (independente de esta ser homóloga ou heteróloga), a filiação resultante dessas técnicas pertencerá a esse casal, não podendo ser este alvo de qualquer contestação futura, porque há de se considerar a condição do consentimento e do princípio da presunção legítima.

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3 LEGISLAÇÃO E VISÃO JURISPRUDENCIAL

Haja vista a complexidade do assunto, há que se salientar a necessidade urgente de regulamentação acerca deste tipo de situação. O ordenamento jurídico brasileiro, bem como de outros países onde também inexistem leis específicas, não pode permanecer à mercê das interpretações, que em seu caráter subjetivo podem ocasionar os mais diversos tipos de pensamento.

É necessária uma padronização acerca dos conceitos, uma definição legal sobre quem é, de fato, pai e mãe e, ainda, as definições jurídicas sobre os direitos adquiridos pelos casais que optarem pela reprodução assistida, bem como dos indivíduos que forem doadores de esperam ou óvulos.

Desta forma, nesta parte deste estudo são abordadas duas legislações que servem como embasamento ao campo jurídico brasileiro, ainda que de maneira bastante escassa, haja vista as lacunas existentes no ordenamento jurídico e que são passíveis das mais diversas interpretações subjetivas: a Resolução nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina e a Lei Federal nº 11.105/2005.

Por conseguinte, adentra-se no campo jurisprudencial, buscando evidenciar o entendimento dos tribunais brasileiros acerca do tema da reprodução assistida e suas consequências no campo jurídico, haja vista, conforme já colocado, a vacatio legis que permeia este assunto, tão em voga na atualidade.

3.1 Resolução nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina e Lei Federal nº 11.105/2005

A Resolução nº 1.957/10 veio a substituir a Resolução nº 1.358/92, quanto às diretrizes a serem observadas no tocante à reprodução assistida. Por se tratar de uma Resolução do Conselho Federal de Medicina, busca evidenciar normas éticas e técnicas para o tratamento deste tema no âmbito da atividade profissional médica.

Entretanto, é relevante ressaltar que tais normas e diretrizes podem - e devem - ultrapassar o campo médico e adentrar no campo jurídico, servindo de embasamento para a

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tomada de decisões acerca do tema que, apesar de atual, torna-se polêmico sob todos os seus aspectos.

A referida Resolução tem por principal embasamento a importância do avanço científico para a resolução de problemas relacionados à infertilidade humana, haja vista os aspectos sociais e psicológicos da mesma. Compreende-se, contudo, que apenas a vontade de ter um filho não pressupõe o total direito de tê-lo, quando condições adversas das naturais estão envolvidas.

Neste sentido, Diniz apud Enéias e Pereita (2011, p. 26) assevera:

A bioética deve ser um estudo deontológico, que proporcione diretrizes para o agir humano diante dos dilemas levantados pela biomedicina, que giram em torno dos direitos entre a vida e a morte, da liberdade da mãe, do futuro ser gerado artificialmente [...], da necessidade de preservação de direitos das pessoas envolvidas e das gerações futuras.

O Conselho Federal de Medicina procurou, através desta resolução, solucionar alguns dos inúmeros impasses que permeiam a questão da reprodução humana. Entretanto, novas possibilidades surgem a todo instante, gerando problemas ainda mais complexos, os quais necessitam de embasamentos jurídicos sólidos, pautados em aspectos éticos, bem como considerando o avanço ocorrido no campo do direito civil, através do reconhecimento jurídico da afetividade como um direito adquirido por aqueles que formam uma família, mesmo sem laços consanguíneos.

A Lei Federal nº 11.105 de 2005, por sua vez, visa legislar acerca das normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados. O principal objetivo desta lei é criar possibilidades e ressalvas acerca da manipulação genética em laboratório, de todo tipo de organismo.

No campo da reprodução humana, é importante atentar para o art. 5º da referida lei:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo [...].

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