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INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

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Academic year: 2021

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Interações Medicamentosas

Resumo

Muitos pacientes requerem uma terapia com várias drogas, freqüentemente sob a supervisão de vários médicos, isto aumenta o risco de interações medicamentosas adversas importantes. A maioria das

interações sérias entre drogas envolve um dos quatro processos farmacocinéticos: absorção, distribuição, biotransformação e depuração renal. As conseqüências clínicas das interações medicamentosas

farmacocinéticas são resultantes do aumento ou da diminuição dos efeitos terapêuticos ou tóxicos da droga envolvida. Para avaliar a importância das interações medicamentosas que afetam a absorção gastrintestinal, é necessário distinguir as interações que alteram a velocidade de absorção de uma outra droga daquelas que alteram a quantidade de droga absorvida. O deslocamento de uma droga de seu sítio de ligação protéica por outra pode resultar em alterações dos seus efeitos. Embora ocorram essas

interações de deslocamento da ligação, elas raramente apresentam importância clínica, a menos que um outro mecanismo esteja presente ou em determinadas situações específicas. As interações que envolvem a biotransformação de drogas podem aumentar ou diminuir a quantidade de droga disponível para a ação pela inibição ou pela indução respectivamente das enzimas biotransformadoras, principalmente das isoenzimas do citocromo P450. O conhecimento das vias específicas da biotransformação de uma droga, e dos mecanismos moleculares da indução ou da inibição enzimática, pode auxiliar no planejamento de estudos de possíveis interações de uma droga. As drogas são eliminadas pela excreção urinária através de três mecanismos: filtração glomerular, reabsorção tubular, e secreção tubular ativa. As interações mais importantes parecem ser aquelas que envolvem a competição pela secreção tubular. A compreensão dos mecanismos fundamentais das interações medicamentosas não é útil somente para prevenir a toxicidade ou efeitos adversos das drogas, mas também para o planejamento de regimes terapêuticos seguros.

Introdução.

A saúde, que é definida, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), como sendo “um estado de completo bem-estar físico, mental e social” e não apenas a ausência de desconforto ou de enfermidade, é uma das necessidades básicas do homem e tem sido sua constante preocupação. Para conservá-la ou restaurá-la vem o homem, desde as primeiras eras, lançando mão dos mais variados recursos, mormente aqueles destinados a evitar e combater as doenças, sobretudo por meio de drogas e medicamentos.

O restabelecimento da saúde de um paciente está baseado tanto no diagnóstico correto como numa terapêutica adequada. O conhecimento das propriedades básicas das substâncias utilizadas para este fim, bem como de sua ação farmacológica, é fundamental para a prática da medicina. Porém isto não é

suficiente, pois é preciso pensar que o corpo humano é um sistema complexo formado por uma infinidade de substâncias que fatalmente entrarão em reação com os fármacos administrados. Também é natural de se pensar que no caso da administração com fins terapêuticos, ou não, de mais de uma substância, estas possam se interagir entre si no organismo. Os efeitos de um medicamento, quando administrado

concomitantemente com outros, podem ser diferentes dos efeitos esperados se este medicamento fosse empregado isoladamente.(FONSECA AL,1991)

A prescrição de vários medicamentos para o tratamento de uma patologia é uma prática muito comum. Nos hospitais, a maioria dos pacientes pode receber várias drogas simultaneamente. Nos serviços clínicos, o número médio de drogas administradas a pacientes durante uma hospitalização pode variar de 10 a 13, sendo que muitos podem receber até muito mais. No caso dos pacientes ambulatoriais, além dos medicamentos prescritos, muitos costumam consumir analgésicos, medicamentos para resfriados,

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50.000 especialidades farmacêuticas registradas na Divisão de Medicamentos, da Secretaria da Saúde, é constituída de medicamentos com vários princípios ativos, a probabilidade de interação entre os vários fármacos e modificação dos efeitos terapêuticos é muito alta.

Na prática clínica, muitas das interações medicamentosas têm importância relativa, com pequeno potencial lesivo para os pacientes, porém há interações com efeitos colaterais graves, podendo inclusive levar o paciente a óbito, o que ressalta a importância do conhecimento das interações e da identificação precoce dos pacientes em risco (OGA & BASILE, 1994).

Foi relatado em um estudo de STEEL et al (1981), que 36% de 815 pacientes admitidos em um hospital universitário apresentaram algum tipo de doença iatrogênica. Em 9% deles, o incidente foi considerado grave e em 2 % a doença iatrogênica provavelmente tenha contribuído para a morte do paciente. A exposição a medicamentos foi um fator particularmente importante em determinar complicações nos pacientes em estudo. Ainda de acordo com estes autores as estimativas sobre a incidência de interações droga-droga oscilaram de 3 a 5 %, para pacientes que recebiam poucos medicamentos; naqueles que recebiam entre 10 a 20 drogas, a incidência alcançada foi de até 20%.

O conhecimento dos mecanismos prováveis das interações medicamentosas é a única maneira do profissional de saúde estar bem preparado para analisar novos achados de modo sistemático. Para planejar um regime terapêutico adequado ao paciente, é necessário estar familiarizado com os princípios básicos das interações entre as drogas

Classificação das interações.

As interações medicamentosas podem ser classificadas por seu mecanismo de instalação. Embora, sob o ponto de vista pragmático, interessa ao clínico simplesmente saber se a interação ocorre ou não e qual a sua magnitude; o conhecimento dos mecanismos no processo interativo é de suma importância. Estes mecanismos nem sempre são totalmente conhecidos e geralmente são complexos, o que torna difícil classificá-los com precisão. Além disso, a interação muitas vezes é resultante de mais de um mecanismo, porém, conforme o mecanismo predominante, as interações podem ser classificadas em físico-químicas, farmacodinâmicas e farmacocinéticas.

Interações Físico-Químicas.

Pode haver interações entre duas ou mais substâncias por mecanismos puramente físico-químicos. Estas interações podem ser chamadas de farmacêuticas, porque se referem àquelas interações antes das drogas serem administradas, fora ainda do organismo, especialmente com misturas destinadas a uso intravenoso.

Estas reações físico-químicas podem resultar na inativação dos efeitos biológicos de uma ou ambas as drogas ou na formação de novo composto, cuja atividade difere da esperada. Tais reações podem exteriorizar-se por precipitação, turvação, floculação e alterações na cor da mistura, contudo, a ausência dessas alterações não garante a inexistência de interação; neste caso somente o conhecimento dessa possibilidade impede o uso indevido.

Os mecanismos físico-químicos freqüentemente observados nas interações medicamentosas compreendem as reações de óxido-redução, inativação de um medicamento pela incidência de luz, fenômenos de adsorção, como por exemplo o caso do carvão ativo que adsorve os alcalóides na sua superfície porosa, reações de precipitação e formação de complexos, neutralização ácido-básica. Abaixo estão demonstrados alguns exemplos de interações físico-químicas que podem ocorrer.

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 Os beta-lactâmicos podem ser inativados pelo pH ácido de soros glicosados.

 Alguns antineoplásicos, como a doxorrubicina devem ser protegidos da luz por serem fotossensíveis e devem ser administrados em equipos escuros.

 Um agente conservador pode inativar outro medicamento. Ex. bissulfito para as penicilinas.

 O gluconato de cálcio e fosfato de potássio se forem misturados em nutrição parenteral podem precipitar.

 As penicilinas e as cefalosporinas reagem com o grupo amino dos aminoglicosídeos e os inativam, portanto não devem ser misturados em soluções intravenosas.

 As tetraciclinas são agentes quelantes eficientes contra vários cátions com os quais formam complexos pouco solúveis.

 Inativação do nitroprussiato pela luz.

 Adsorção da insulina pelo frasco e equipos.

Interações Farmacodinâmicas.

São as interações em que os efeitos finais são resultantes das ações farmacodinâmicas próprias de cada agente terapêutico administrado e podem ocorrer em nível de receptores e estruturas intimamente associadas a eles, ou ainda quando os fármacos agem em sistemas diferentes, mas o efeito de um deles é alterado pelo efeito do outro. As interações farmacodinâmicas são quase sempre previsíveis se tivermos um profundo conhecimento da farmacologia das drogas envolvidas.

A farmacodinâmica está relacionada com os efeitos bioquímicos e fisiológicos das drogas e o seu mecanismo de ação. As interações medicamentosas classificadas como farmacodinâmicas se referem quando duas ou mais drogas produzem efeitos que se interagem ou quando a interação ocorre em nível de receptores farmacológicos.

Um receptor farmacológico é qualquer componente biológico que interage com uma molécula da droga, produzindo um efeito sobre o organismo.

Quando a ligação da droga ao componente não levam a efeito algum, como no caso da ligação dos medicamentos às albuminas, o componente não é denominado receptor.

Local de ação dos fármacos:

Água:

Os diuréticos osmóticos, como o manitol, não são reabsorvidos pelo rim e, portanto retém água na luz do túbulo renal, que de outra forma seria reabsorvida. Portanto, eles atuam sobre a água corporal ao produzirem diurese. Alguns laxantes, como o ágar ou a metilcelulose, tem moléculas grandes demais para serem absorvidas pelo intestino. Quando administrado por via oral, elas incham por absorverem água, retendo assim uma quantidade maior de água na luz intestinal. A massa resultante promove a motilidade intestinal e alivia a constipação. Os dextrans de alto peso molecular, quando injetados por via

endovenosa, fazem com que a água dos tecidos entre para a circulação expandindo a volemia.

Íons H+ ou OH-:

Drogas como o cloreto de amônio e bicarbonato de sódio usados para acidificar e alcalinizar a urina atuam sobre os íons H+ ou OH-.

Íons metálicos:

Podem ser considerados como receptores dos agentes quelantes. Dimercaprol-Hg, Penicilamina-Cu (na doença de Wilson) e o EDTA-Pb.

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Receptores específicos:

Enzimas: Várias classes de medicamentos atuam sobre enzimas como Antibacterianos,

Antineoplásicos, Cianeto, Digitálicos, Antidepressivos, Anti-hipertensivos, etc.

Ácidos Nucléicos: DNA e actinomicina D, RNA e estreptomicina.

Esteróis da membrana: Os antibióticos poliênicos (nistatina, anfotericina B) ligam-se

especificamente ao ergosterol e causam um vazamento ou lise da membrana da célula fúngica.

Proteínas Receptores: A grande maioria das drogas atuam sobre receptores específicos, com

exceção de: Anestésicos, a maioria dos hipnóticos e sedativos; álcoois, drogas osmoticamente ativas, drogas acidificantes e alcalinizantes e anti-sépticos. Os receptores desencadeiam muitos tipos diferentes de efeitos celulares, alguns dos quais podem ser muito rápidos, como aqueles envolvidos na transmissão sináptica, que geralmente ocorrem na ordem de milissegundos. Outros efeitos mediados por receptores, por exemplo, os produzidos pelo hormônio tireóideo ou por vários hormônios esteróides, são muito lentos e levam várias horas ou dias. Em termos de estrutura molecula e da natureza da transmissão, podemos distinguir quatro tipos de receptores protéicos: Receptores ligados a canais ou ionotrópicos (exemplos, receptor nicotínico de acetilcolina, receptor GABA e receptor de Glutamato); Receptores acoplados à

Proteína G (exemplos, receptores para muitos hormônios, receptor muscarínico, receptor adrenérgico); Receptores ligados à quinase incluem os receptores da insulina e de várias citocinas e fatores de

crescimento; Receptores que regulam a transcrição de genes ou Receptores Nucleares (exemplos, receptores para hormônios esteróides e para hormônio da tireóide e outros agentes como o ácido retinóico e a VitaminaD).

FIGURA 29 - Local de ação dos fármacos.

As interações farmacodinâmicas podem ser sinérgicas ou antagônicas dos efeitos tóxicos ou benéficos e são divididas em: interações sobre receptores, quando duas ou mais drogas atuam sobre o mesmo sistema de receptores. Por exemplo, as interações entre agonista e antagonista adrenérgico ou interações sobre o sistema de controle fisiológico, quando duas mais substâncias, mesmo agindo em receptores distintos, produzem seu efeito em um mesmo sistema fisiológico, como por exemplo os vasodilatadores e os diuréticos que atuando por mecanismos diferentes vão diminuir a pressão arterial. Os efeitos secundários de várias drogas podem ser a causa de interações farmacodinâmicas. Uma droga pode

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alterar o meio interno normal, desse modo aumentando ou diminuindo o efeito de outro fármaco. Um exemplo bem conhecido deste tipo de interação é a intensificação dos efeitos tóxicos da digoxina como resultado de uma hipocalemia induzida por diuréticos. Essas interações são altamente previsíveis, uma vez que estão intimamente relacionadas com a ação e o efeito das drogas no organismo. Praticamente as associações medicamentosas são realizadas baseadas em interações farmacodinâmicas que propiciam a terapêutica.

Interações envolvendo a junção neuromuscular:

FIGURA 30 - Exemplos de interações na junção neuromuscular: 1 – Aminoglicosídios; 2 - Bloqueadores Neuromusculares; 3 - Anestésicos, Depletores de K+; 4 - Bloqueadores de canais de Ca++.

Interações nos receptores colinérgicos:

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Hexemetônio bloqueia competitivamente a ação despolarizante de carbacol nas sinapses nicotínicas dos gânglios.

Alguns antibióticos (por exemplo, canamicina, gentamicina) potencializam o bloqueio despolarizante produzido pela succinilcolina na junção neuromuscular.

A atropina bloqueia competitivamente a pilocarpina nos receptores muscarínicos.

Os inseticidas organofosforados atuam inibindo a acetilcolinesterase, aumentando portanto os níveis de acetilcolina, principalmente nos terminais parassimpáticos, estes efeitos são antagonizados pela atropina (antagonista colinérgico) e pela pralidoxima (ativador da acetilcolinesterase) que são usados como antídotos destes inseticidas.

A atropina é utilizada para diminuir a salivação e secreções excessivas do trato respiratório, em anestesia para cirurgias. Depois da cirurgia se utiliza um inibidor da acetilcolinesterase (neostigmina) para reverter os efeitos da atropina.

Interações nos Receptores adrenérgicos:

FIGURA 32 - Interações em receptores adrenérgicos.

A fentolamina, as fenotiazinas e fenoxibenzamidas bloqueiam a ação da noradrenalina sobre os receptores alfa-adrenérgicos nos vasos sangüíneos.

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Metoprolol bloqueia os agonistas beta 1 adrenérgicos (cardíacos) como, por exemplo, o isoproterenol.

Os Antidepressivos Tricíclicos bloqueiam a captação de noradrenalina, aumentando portanto a concentração pós-sinápticas de neurotransmissores ativos.

A guanetidina diminui a liberação de noradrenalina, e quando se efetua um pré-tratamento crônico com guanetidina, pode-se esperar que os receptores de noradrenalina pós-sinápticos estejam “

hipersensíveis” para compensar os níveis cronicamente baixos de noradrenalina. Assim, quando os baixos níveis sinápticos de noradrenalina são levemente aumentados pela desipramina, verifica-se elevação significativa da pressão arterial.

As interações que envolvem anti-hipertensivos e antidepressivos tricíclicos, L-Dopa, fenotiazinas, simpatomiméticos de ação direta e indireta e congêneres da anfetamina quase sempre possuem uma base semelhante.

Nunca se deve associar os Inibidores da Monoaminooxidase (IMAO) com antidepressivos tricíclicos, com riscos de episódios hiperpiréticos, convulsões graves, crises hipertensivas e até morte. Deve ser observado um intervalo mínimo de 14 dias entre a suspensão dos IMAO e o início do tratamento com tricíclicos e vice-versa.

Os hidrocarbonetos anestésicos gerais, o éter, o clorofôrmio sensibilizam os receptores do coração à ação das catecolaminas.

Interações Farmacocinéticas.

São assim chamadas as interações em que um dos fármacos modifica a cinética de outro administrado concomitantemente. Em 1953, Dost propôs o termo farmacocinética para descrever o movimento da droga através do organismo. A farmacocinética igualmente estuda quantitativamente a cronologia dos processos metabólicos da absorção, distribuição e eliminação das drogas.

As interações farmacocinéticas são as mais freqüentes e promovem, muitas vezes, influência significativa sobre a terapêutica medicamentosa. Ao contrário das interações farmacodinâmicas que são quase sempre previsíveis, as alterações na farmacocinética de uma droga induzida por outra não

costumam ser intuitivamente óbvias. Essas interações recebem muita atenção, e muitos exemplos são encontrados na literatura.

A farmacocinética utiliza metodologia matemática para descrever as variações no tempo dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção. A variável básica desses estudos é a concentração das drogas e dos seus metabólitos nos diferentes tecidos e excreções do organismo. Esta concentração está correlacionada com a via de administração, com a dose empregada, com a eliminação e varia com o tempo da observação.

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Quando uma droga se transfere de uma parte (ou compartimento) do corpo para outra, essa transferência segue certas regras da cinética que dizem respeito, especialmente, à velocidade de

transferência e ao que dela depende, isto é, as modalidades de cinética de primeira ordem, de ordem zero ou do tipo Michaelis-Menten.

A escolha do modelo farmacocinético requer considerações especiais e tem que levar em conta as características físicas e químicas das drogas, assim como o seu compartimento no sistema biológico (SILVA,1998).

A concentração sérica de fármacos está em equilíbrio dinâmico com os receptores desses fármacos. Portanto, o nível sérico de um fármaco é excelente indicador para os efeitos tóxicos e

farmacológicos. Os parâmetros farmacológicos que representam a absorção, distribuição e eliminação são obtidos do perfil de concentração plasmática do fármaco.

Estudos laboratoriais mostram a estreita correlação entre o nível sangüíneo dos fármacos e a intensidade de seus efeitos. O efeito de um fármaco geralmente aparece quando a concentração deste no sangue atinge um certo nível plasmático efetivo, porém a elevação deste nível pode causar sérios

problemas ao aproximar-se do nível plasmático tóxico. A relação entre o nível plasmático efetivo e o nível plasmático tóxico é denominada índice terapêutico de um fármaco (GREENBLATT & KOCH-WESWER,1975).

O perfil farmacocinético de uma droga se estabelece através da análise dos seguintes tópicos:

 modelos farmacocinéticos;

 ordens de cinética; absorção;

 biodisponibilidade;

 meia-vida biológica;

 concentração plasmática;

 distribuição (volumes real e aparente de distribuição);

 biotransformação;

 excreção.

Quando duas ou mais drogas são administradas concomitantemente elas podem ter alterações em seu perfil farmacocinético. A absorção do local de administração, a distribuição, biotransformação e eliminação determinam o tempo em que a droga começa a agir, a intensidade e duração da ação; portanto, qualquer outra substância que interagir nestes processos vai influenciar no tempo ou na intensidade de ação de um medicamento.

O conhecimento destas interações pode levar o clínico a fazer modificações na dosagem e/ou na posologia destas drogas com o intuito de evitar possíveis efeitos indesejados (GIBALDI & LEVY,1976).

A redução no grau de absorção ou a aceleração da biotransformação de um fármaco ocasiona redução do seu nível plasmático e tende a prejudicar a eficácia terapêutica. Inversamente, a inibição da eliminação de um fármaco (por biotransformação e/ou por excreção) resulta quase sempre na exacerbação dos efeitos, inclusive da toxicidade. Essas variações têm grande significado, principalmente para aqueles fármacos de pequena margem de segurança, em que as doses terapêuticas e tóxicas estão bastante

próximas. Têm-se, por exemplo, os antibióticos aminoglicosídeos, quinidina, procainamida, fenitoína, digitálicos, os anticoagulantes orais entre outros.

As interações farmacocinéticas podem ser classificadas baseando-se no seu mecanismo, ou seja, na fase farmacocinética em que ocorre a interação, conforme pode ser visto no quadro 2.

Classificação das interações medicamentosas baseadas nas fases farmacocinéticas suscetíveis à interferência.

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Absorção:

 Interações físico-químicas no trato gastrintestinal

 Motilidade gastrintestinal

 Alteração na função da mucosa

 Flora bacteriana

Distribuição:

 Fluxo sangüíneo

 Ligação tecidual

 Ligação às proteínas plasmáticas

 Transporte ativo para o local de ação

Biotransformação:  Indução Enzimática  Inibição Enzimática Excreção:  Filtração Glomerular  Reabsorção Tubular  Secreção Tubular  Excreção biliar

Absorção.

A menos que uma droga atue topicamente ou seja, no seu próprio local de aplicação, ela deve inicialmente penetrar no sangue para depois ser distribuída para o seu local de ação. A mera presença da droga no sangue, contudo, não provoca uma resposta farmacológica; para que seja eficaz, a droga deve deixar o espaço vascular e penetrar nos espaços intracelulares e/ou extracelulares. A velocidade com a qual uma droga atinge seu local de ação depende de dois processos: sua taxa de absorção e sua taxa de distribuição.

Assim sendo a absorção envolve a passagem da droga de seu local de administração para o sangue e a distribuição envolve o transporte da droga para os tecidos. A compreensão das características

estruturais e funcionais que influenciam a passagem das drogas nas membranas biológicas tem sido alvo de grandes esforços. Apesar de algumas substâncias serem translocadas por mecanismos de transporte especializados e de compostos polares pequenos poderem ser filtrados através dos poros membranosos, a maioria dos compostos exógenos penetra nas células mediante difusão através das membranas lipídicas.

No estudo da absorção das drogas, os seguintes itens devem ser analisados:

 membranas biológicas;

 propriedades físico-químicas das moléculas das drogas;

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 modalidade de absorção das drogas;

 locais de absorção das drogas e vias de administração.

Ingestão Oral.

O grau de absorção dos fármacos é decisivo, para se obter o nível desejado da substância no sangue, particularmente quando a via escolhida é a oral. A absorção pelo trato gastrintestinal (TGI) é regulada por fatores, tais como o estado físico da droga, a área da superfície para a absorção, o fluxo sanguíneo esplâncnico, e a concentração no local da absorção. Uma vez que grande parte da absorção pelo TGI ocorre por processos passivos, o fármaco é mais bem absorvido na forma não-ionizada e mais lipofílica. Assim, poder-se-ia esperar uma absorção ótima de ácidos fracos no meio ácido do estômago, enquanto a absorção de bases poderia ser favorecida no intestino delgado relativamente alcalino, todavia, é uma simplificação excessiva extrapolar o conceito de partição do pH para uma comparação de duas membranas biológicas diferentes, como os epitélios do estômago e do intestino. O estômago é revestido por uma membrana espessa, coberta de muco, com pequena área de superfície e alta resistência elétrica.

A principal função do estômago é digestiva; por outro lado, o epitélio do intestino possui uma área de superfície extremamente grande - ele é fino, tem baixa resistência elétrica e sua principal função é facilitar a absorção de nutrientes. Dessa forma, qualquer fator que acelere o esvaziamento gástrico poderá aumentar a velocidade de absorção de um fármaco, ao passo que qualquer fator que retarde o

esvaziamento do estômago provavelmente terá o efeito oposto, independente das características do fármaco.(BENET et al, 1996)

Estudos experimentais obtidos no trabalho clássico de BRODIE (1964) e de estudos mais recentes são compatíveis com a seguinte conclusão: a forma não-ionizada de uma droga será absorvida mais rapidamente do que a forma ionizada em qualquer lugar do TGI. No entanto, a velocidade de absorção de um fármaco no intestino será maior do que a no estômago mesmo quando o fármaco estiver

predominantemente ionizado no intestino e em grande parte não-ionizado no estômago.

Os fármacos que são destruídos pelo suco gástrico ou que irritam a mucosa gástrica, são

administrados algumas vezes em formas com um revestimento que impede sua dissolução no meio ácido do estômago. Todavia, algumas preparações protegidas também podem resistir à dissolução no intestino, determinando muito pouca absorção do fármaco.

A velocidade de absorção de um fármaco está estreitamente relacionada ao tempo necessário para que o fármaco atinja o seu nível plasmático efetivo e conforme a natureza da substância ingerida por via oral, absorção se dá em diferentes locais do trato digestivo. Assim, substâncias altamente lipossolúveis são absorvidas já pela mucosa bucal. Entre os fármacos mais utilizados por esta via, citam-se os nitratos e os nitritos, em formulações sublinguais para o tratamento de angina do peito. O segmento terminal do intestino grosso, o reto, também pode servir como local útil para administração de drogas, particularmente quando a via oral é inadequada. Esta via protege sensivelmente as drogas não apenas de alterações, mas também das reações de biotransformação que ocorrem no fígado. Entretanto, a absorção por esta via é freqüentemente irregular e incompleta e muitas drogas causam irritação da mucosa retal.

O Estudo da Farmacocinética nas Interações em Nível de Absorção

Em termos de importância clínica, a primeira etapa para classificar as interações que influenciam a absorção das drogas envolve as alterações na concentração máxima atingida no plasma (Cmáx) e no tempo decorrido para atingir esta concentração (tmáx) quando comparadas com condições controle.

Os efeitos das interações envolvendo a absorção no perfil da concentração plasmática da droga são ilustrados na figura 1. As interações clinicamente significantes são avaliadas geralmente levando-se em conta a taxa de absorção, a Cmáx, o tmáx e a área sob a curva concentração-tempo (ASC).

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FIGURA 1 - Os efeitos das interações envolvendo a absorção no perfil da concentração plasmática da droga.

a) Absorção acelerada. b) Absorção retardada. c) Absorção diminuída. d) Absorção aumentada. Em todos os casos, a linha sólida representa o controle e a linha pontilhada representa o efeito da interação. Índice terapêutico é a diferença entre a concentração mínima efetiva e a concentração tóxica. ASC = área sob a curva concentração-tempo. Cmáx. = concentração máxima atingida no plasma; tmáx = tempo para atingir a Cmáx. Notar que quando o índice terapêutico é estreito, variações no grau de absorção da droga pode ser importante clinicamente, uma vez que pode atingir concentrações plasmáticas abaixo da concentração terapêutica assim como atingir concentrações tóxicas. Adaptado de FLEISHER et al, (1999).

Os modelos farmacocinéticos para se estudar os efeitos das interações durante a absorção são definidos com base em 4 possíveis etapas limitantes da absorção, que incluem a permeabilidade das drogas nas membranas biológicas, taxa de desintegração e dissolução da forma farmacêutica,

esvaziamento gástrico e o trânsito do conteúdo no TGI, e efeito de primeira passagem (biotransformação da droga na mucosa intestinal ou no fígado).

Mecanismo de Interações Medicamentosas na Absorção

Os processos de esvaziamento gástrico, trânsito intestinal, desintegração e dissolução da forma farmacêutica, difusão da droga dissolvida pelo lúmen intestinal e o contato com as membranas das células absortivas, assim como todos os processos envolvidos na passagem da droga para a corrente sangüínea podem ser alterados por várias interações e, portanto, podem influenciar a absorção das drogas.

Os processos de absorção que podem ser influenciados por interações estão ilustrados na figura 2. Os mecanismos deste tipo de interação podem ser divididos em duas categorias principais: interações físico-químicas envolvendo mudanças na estabilidade, solubilidade e difusão e interações fisiológicas ou bioquímicas.

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FIGURA 2 - Os processos de absorção que podem ser influenciados por interações de drogas com outras drogas e de drogas com alimentos.

Interações físico-químicas

As interações físicas e químicas podem ocorrer entre drogas, entre componentes específicos da alimentação e entre componentes da formulação farmacêutica. Estes tipos de interações envolvem a desintegração da forma farmacêutica (comprimidos, drágeas e cápsulas), dissolução da droga e a degradação da droga.

Esses mecanismos também são importantes para antagonizar os efeitos exacerbados de fármacos administrados em altas doses, assim como para prevenir efeitos tóxicos de agentes não medicamentosos, e podem ser usados com fins terapêuticos. Uma interação muito utilizada no caso de intoxicações por via oral, é a administração de carvão ativado que absorve outras drogas na sua superfície porosa e assim diminui a absorção do agente tóxico.

Influência na taxa de dissolução

A concentração da droga que está em solução na luz intestinal, e portanto, disponível para a absorção, é determinada pela taxa de dissolução da droga. Esta taxa de dissolução pode ser afetada pelo pH do meio. Bases fracas tem velocidade de dissolução diminuída em pH alto, enquanto que ácidos fracos se dissolvem mais rapidamente nestas condições.

Um estudo realizado por CARVER et al (1999) mostra que pacientes que receberam alimentos concomitantemente com Indinavir (uma base fraca inibidora de protease), comparado com a

administração em jejum, tiveram uma diminuição significativa na absorção do medicamento. Sendo que a área sob a curva concentração-tempo (ASC) de 0 a infinito diminuiu em 68%, 45%, 34% e 30% nos pacientes que receberam alimentos protéicos, carboidratos, gorduras e alimentos de alta viscosidade, respectivamente, comparados ao grupo controle que recebeu o Indinavir em jejum. A Cmáx foi diminuída em 74%, 59%, 46% e 36%, e o tmáx foi prolongado de 1 hora para 3.8, 3.6, 2.1 e 2.0 horas para

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pH gástrico por alimentos pode levar a precipitação de drogas. A redução da concentração plasmática da droga observada com a ingestão de outros alimentos que não causam elevações apreciáveis do pH gástrico indica que outros fatores também podem estar influenciando na absorção do Indinavir.

A dissolução e a absorção de uma droga ácida como o ibuprofeno, um medicamento

antiinflamatório não esteróide (MAINE), poderiam ser aumentadas com a utilização de alimentos e elevação do pH gástrico.

A formação de complexos e quelação entre drogas e íons metálicos presentes em alimentos da dieta e em drogas antiácidas, representa um segundo tipo de interação físico-química que diminui a dissolução da droga e conseqüentemente a sua absorção. Uma interação clinicamente importante é a diminuição da absorção de fluoroquinolonas devido à formação de complexos com íons metálicos

presentes nos alimentos e antiácidos, que resultam na perda da eficácia antibacteriana. Foi constatada uma ocorrência de 22 a 76 % deste tipo de interação em pacientes que são medicados com estes agentes. A administração concomitante de antiácidos a base de alumínio e magnésio e sucralfato tem os maiores impactos na biodisponibilidade de quinolonas, seguidos por ferro, cálcio e zinco. (LOMAESTRO & BAILE, 1995)

A adsorção e ligação de drogas com componentes da alimentação como as pectinas também podem diminuir a taxa de dissolução. Da mesma forma, a colestiramina e o colestipol que são resinas trocadoras de íons (para eliminação de sais biliares e redução de colesterol) formam complexos com uma série de medicamentos (antidepressivos, neurolépticos, digitálicos, anticoagulantes) diminuindo a sua absorção.

O efeito de goma guar (“guar gum”), um medicamento a base de fibra alimentar comercializado no Brasil com o nome de BioFiber, sobre a absorção de digoxina e fenoximetil penicilina (penicilina V, ou Pen V), foi estudado por HUUPPONEN et al (1984), que verificaram que a goma guar reduz a concentração sérica de digoxina durante o período absortivo. No entanto, a mesma quantidade de digoxina foi encontrada na urina de pacientes que receberam a fibra e de pacientes que não receberam. Tal fato, porém não foi verificado com a Pen V, uma vez que a Cmáx e ASC foram reduzidas pela administração de goma guar.

Influência na taxa de degradação

Problemas relacionados à instabilidade em meio ácido de antibacterianos orais (penicilina, eritromicina) estão sendo resolvidos através da elaboração de compostos mais estáveis. Em outros casos, formulações farmacêuticas adequadas são utilizadas para minimizar a degradação ácida da droga em preparações orais. Por exemplo, a didanosina, um inibidor da transcriptase reversa instável em meio pH baixo, é formulado com um antiácido para diminuir a instabilidade da droga no estômago.

A hidrólise enzimática ainda constitui um fator limitante para a administração oral de drogas de natureza protéica como a insulina. Na tentativa de superar esta limitação, um grande número de

formulações, incluindo microsferas e lipossomas, estão sendo investigados.

Interferência na difusão da droga pelo TGI

Barreiras físicas como a viscosidade do conteúdo gastrintestinal (GI) pode diminuir a velocidade de difusão da droga da luz intestinal para as membranas absortivas, principalmente no duodeno , quando uma droga é ingerida concomitantemente com alimentos sólidos ou viscosos. No jejuno, a diluição e a digestão do alimento, diminuirão a viscosidade; assim, os efeitos devido à viscosidade do meio podem resultar em diminuição na absorção de drogas que são absorvidas preferencialmente na porção inicial do intestino delgado.

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Interações que interferem nos mecanismos fisiológicos do trato GI

A interação de drogas com alimentos, outras drogas e mesmo com os excipientes da formulação farmacêuticas podem alterar a função fisiológica GI e influenciar na absorção. A absorção das drogas e as interações estão relacionadas com as diferenças existentes entre as porções do TGI (quadro 3).

QUADRO 3 - Propriedades Fisiológicas do TGI em estado de jejum

Região pH Tempo de permanência

Estômago 1.5-2 0-3 horas

Duodeno 4.9-6.4 3-4 horas

Jejuno 4.4-6.4 3-4 horas

Íleo 6.5-7.4 3-4 horas

Cólon 7.4 mais que 18 horas

A idade e algumas doenças podem alterar a fisiologia GI e intensificarem as conseqüências das interações medicamentosas na absorção. No quadro 4 temos resumidamente algumas alterações na fisiologia do TGI devido a estes fatores.

QUADRO 4 - Alterações na fisiologia GI devido à idade ou a doenças

Situação Mudanças na fisiologia GI

Idade avançada Diminuição da taxa de secreção ácida e aumento do pH gástrico Irritação ou doenças intestinais

inflamatórias Aumento do transporte paracelular e diminuição de transporte mediado por transportadores específicos Remoção cirúrgica do trato GI Diminuição da área de absorção

Fibrose cística Diminuição do pH intestinal

AIDS Diminuição da secreção ácida e aumento no pH gástrico

Fonte: FLEISHER D et al (1999).

Interações envolvendo o trânsito GI

As interações na luz do TGI incluem mudanças no pH e taxa de esvaziamento gástrico, alterações na motilidade intestinal e nas secreções (intestinal, pancreática e biliar).

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A taxa de esvaziamento gástrico afeta a transferência da droga (forma dissolvida ou não) para os sítios de absorção no intestino. Um grande número de fatores influencia a velocidade de esvaziamento gástrico, incluindo o volume e conteúdo estomacal, calorias, osmolaridade, viscosidade, temperatura e capacidade de seqüestro de cálcio, e estes fatores podem ser responsáveis pela variação na absorção de certas drogas. A alteração do pH gástrico provocado pelos alimentos protéicos ou antiácidos pode exercer influência também na velocidade da passagem do conteúdo gástrico para o intestino, além de alterar o grau de ionização de eletrólitos fracos presentes no estômago.

Existam drogas que afetam a motilidade do TGI e, portanto, interferem na velocidade e/ou no grau de absorção de outras drogas administradas concomitantemente. É importante salientar que a absorção pode ter a sua velocidade reduzida, embora seja completa, visto que ela ocorre ao longo de todo o TGI. Agentes GI pró-cinéticos (metoclopramida, domperidona e cisaprida) aumentam a velocidade de esvaziamento gástrico e estes efeitos podem propiciar o aparecimento mais precoce de concentrações máximas de outras drogas administradas por via oral. A metoclopramida aumenta a velocidade de

absorção de várias classes de drogas, acarretando uma diminuição do tmáx e aumento da Cmáx, porém, o efeito desses agentes na ASC de zero a infinito, quando mensuradas, não é consistente. A cisaprida e a domperidona parecem ter efeitos similares, mas há menos estudos sobre estes produtos. Apesar de muitos dos efeitos descritos na literatura serem de pequena importância clínica, eles podem ser bastante

significativos quando se prescreve drogas com baixo índice terapêutico. (GREIFF & ROWBOTHAM, 1994)

Todos os analgésicos opióides (por exemplo, codeína, morfina) e as drogas anticolinérgicas (atropina, loperamida) diminuem a velocidade de esvaziamento gástrico e a motilidade intestinal e esta diminuição encontra-se associada a uma absorção mais lenta, a Cmáx menor da droga e um Tmáx maior. Porém o óleo de rícino e outros catárticos que aumentam a motilidade intestinal também podem diminuir o grau de absorção das drogas.

A interferência também pode ser indireta, por exemplo, substâncias como a levodopa, a metildigoxina ou a penicilina, se encontram metabolizadas ou degradadas no estômago; se o esvaziamento gástrico é reduzido e o tempo de permanência no estômago aumentar, a quantidade disponível para o organismo é diminuída.

Alterações da função da mucosa induzidas por drogas

Vários estudos in vitro ou in vivo têm mostrado que agentes que alteram o muco GI e as

membranas epiteliais podem modificar a absorção de drogas. Algumas drogas podem aumentar a fluidez da membrana da mucosa o que pode levar a um aumento da difusão de substâncias através da membrana, resultando em maior taxa de absorção. As drogas com toxicidade GI específica (por exemplo, a

colchicina) podem lesar a mucosa ou bloquear o transporte ativo. Teoricamente, estas ações podem resultar em interações com outros fármacos.

A competição entre diferentes drogas e/ou nutrientes por transportadores da membrana intestinal responsáveis pela absorção tem sido demonstrada em pesquisas realizadas in vitro e in vivo. Em estudos clínicos, uma diminuição na absorção relacionada com aumento da dose sugere que pode estar

acontecendo uma saturação na absorção mediada por transportadores específicos, porém tem-se

dificuldade em se demonstrar interações medicamentosas devidas a esta competição em ensaios clínicos.

Interações com vias de eliminação intestinal

Dados recentes sugerem que a absorção de drogas pode ser comprometida por mecanismos de eliminação intestinal, incluindo secreção e a biotransformação intestinais. Tem-se levantado a hipótese (CAVET et al, 1996) que uma competição entre digoxina e antagonistas de cálcio (verapamil e

nifedipina), ou entre digoxina e vimblastina, pela eliminação intestinal via P-glicoproteína pode contribuir para o aumento da concentração plasmática de digoxina. A eliminação intestinal de drogas pela

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P-glicoproteína e outros possíveis transportadores na membrana da mucosa intestinal pode limitar a absorção de várias drogas.

A eliminação intestinal pode ser importante quando a droga é utilizada em baixas concentrações, as quais não são capazes de saturar os transportadores presentes nas membranas intestinais. Um estudo conduzido por ZHOU et al (1999), mostrou que uma diminuição significativa na absorção do ácido 5-aminosalicílico (5ASA), uma droga utilizada no tratamento de doença inflamatória intestinal, ocorre quando esta droga se apresenta em baixas concentrações no lúmen intestinal. O transporte e o

metabolismo do 5ASA foram estudados em culturas de células Caco-2 e mostrou que em níveis abaixo de 200 mg/ml no lúmen intestinal (concentrações que são normalmente encontradas em apresentações farmacêuticas de liberação lenta) a eliminação intestinal (metabolismo pela N-acetyltransferase e secreção do 5ASA) é responsável por 50% da sua eliminação toda; porém este processo pode ser saturado em concentrações altas da droga. A eliminação intestinal pode aumentar drasticamente quando a droga é administrada com alimentos, devido a um maior tempo de exposição e baixa concentração da droga favorecendo as vias de eliminação intestinal, o que.pode afetar de maneira significativa os níveis teciduais e portanto, pode ser um importante fator na determinação da resposta terapêutica.

A descoberta de que várias drogas são metabolizadas pelo citocromo P450 (CYP) 3A4 intestinal, determina outra fonte de interação envolvendo a eliminação intestinal. Interações entre suco de “grape-fruit” e drogas metabolizadas pelo CYP3A4 intestinal podem trazer conseqüências clínicas importantes devido a um aumento da biodisponibilidade destas drogas, muito provavelmente pela inibição do metabolismo oxidativo da membrana intestinal. Os componentes dos sucos de frutas cítricas que são responsáveis por esta interação não estão totalmente determinados, porém sabe-se que uma variedade de flavonóides encontrada nestes sucos é capaz de inibir a atividade da CYP3A4 in vitro. (AMEER & WEINTRAUB, 1997)

Modificações no Fluxo Sangüíneo Esplâncnico

Após haver atravessado o epitélio intestinal, o medicamento passa para a circulação geral. Para as substâncias muito lipossolúveis, a penetração é muito rápida e o equilíbrio entre o sangue e o sítio de absorção é rapidamente atingido, nestas condições, o débito sangüíneo é o elemento modulador da absorção. Por exemplo, a administração oral de digoxina e com certos antagonistas de cálcio resulta num aumento da absorção de digoxina, e isto pode ocorrer devido à capacidade destas drogas em alterar o fluxo sangüíneo esplâncnico em humanos. Evidências disto podem ser obtidas em experiências de perfusão em ratos nas quais o antagonista de cálcio aumenta a permeabilidade do jejuno a digoxina.

O aumento do fluxo sangüíneo também pode ser responsável pela diminuição da eliminação da droga na passagem pelo fígado (efeito de primeira passagem hepática) e assim aumentar a sua

biodisponibilidade. A ingestão de alimentos pode aumentar a concentração plasmática do propranolol e da hidralazina, e isto tem sido atribuído a modificações no fluxo sangüíneo esplâncnico, uma vez que, com o aumento deste fluxo aumenta também a velocidade de absorção e as concentrações altas destas drogas no fígado podem levar a saturação das enzimas responsáveis pela eliminação hepática de primeira passagem.

Em contrapartida, a velocidade de absorção de substâncias pouco permeáveis e que são absorvidas lentamente pode ser independente do fluxo sanguíneo esplâncnico. Assim a biodisponibilidade da

fenitoína, uma droga que pode sofrer saturação do seu sistema de biotransformação, não é afetada pela mudança de fluxo induzida pela presença de alimentos. (FLEISHER. et al, 1999).

Alterações na Flora Bacteriana Intestinal

As bactérias intestinais podem desempenhar importante papel na síntese de vitamina K, essencial para a função normal da coagulação, ou podem reativar alguns metabólitos inativos de drogas excretados pela bile, efetuando a sua desconjugação e a sua reabsorção. Assim os antibióticos de amplo espectro

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podem interagir com essas drogas, modificando ou eliminando a flora intestinal, fazendo por exemplo com que o efeito do anticoagulante oral, que compete com a vitamina K, seja intensificado.

Se uma droga é biotransformada pelos microorganismos gastrintestinais, a terapia com antibacterianos, pode provocar aumento de absorção da droga, como foi demonstrado para alguns pacientes que receberam digoxina. (SELLERS, 1991)

Distribuição.

Após ser absorvido ou injetado na corrente sangüínea o fármaco distribui-se para os líquidos extra e intracelular. O volume de distribuição aparente (Vd), é o parâmetro utilizado para descrever essa

distribuição e pode ser definido como o volume de líquido necessário para conter a quantidade total (Q) da droga no corpo na mesma concentração presente no plasma (Cp) e é matematicamente expresso como: Vd=Q/Cp em litros/Kg de peso corporal.

O Vd depende das propriedades físico-químicas da droga, como a sua solubilidade em água e lipídeos e a capacidade de se ligar às proteínas (plasmáticas ou teciduais). O volume de distribuição elevado indica que a droga é distribuída a várias partes do corpo, com a permanência de pequena fração no sangue, e um pequeno volume de distribuição indica que a maior parte da droga permanece no plasma provavelmente como resultado da ligação às proteínas plasmáticas (LPP).

A alteração de fármacos em nível de distribuição entre dois componentes medicamentosos se dá principalmente por mecanismo competitivo frente a sítios comuns de ligação protéica.

Ligação às Proteínas Plasmáticas (LPP)

Um grande número de drogas se apresenta ligadas a proteínas plasmáticas e podem assim estar envolvidas em interações por deslocamento de LPP; muitos destes exemplos têm sido citados na

literatura, porém, não é intenção rever exemplos deste tipo de interação no presente capítulo, o objetivo é abordar os conceitos envolvidos e a discussão da importância clínica das interações que envolvem o deslocamento da LPP.

As drogas são transportadas para os seus sítios de ação, biotransformação e excreção, normalmente, ligadas a proteínas plasmáticas ou a hemácias. A fração do fármaco que fica livre em solução aquosa pode ser de até 1%, estando o restante associado principalmente a proteínas do plasma. Uma vez que somente a droga livre pode exercer sua ação, a resposta terapêutica de uma droga será dependente da porcentagem da droga livre. A mais importante proteína, no que concerne à ligação a fármacos, é a albumina, que liga muitos ácidos e um número menor de fármacos básicos (ver quadro 5).

Outras proteínas plasmáticas, incluindo a ß-globulina e a a1-glicoproteína ácida - uma proteína de fase aguda que aumenta nas doenças - também foram apontadas como responsáveis pela ligação de certos fármacos como clorpromazina e quinina.

As drogas geralmente se ligam a sítios específicos do plasma e dos tecidos e a afinidade de uma droga pelo seu local de ligação é medida pela constante de associação (Ka) entre a droga e a proteína. A reação de ligação pode ser considerada como uma associação simples das moléculas do fármaco a uma população finita de seus locais de ligação: F (fármaco livre) « L (local de ligação) + FL (complexo).

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Fármaco % ligada na concentraçãoterapêutica % dos sítios de ligaçãoocupados Diclofenaco 99,5 < 1 Diazepam 95-99 < 1 Varfarina 95-99 < 1 Amitriptilina 90-95 < 1 Nortriptilina 90-95 < 1 Clorpromazina 90-95 < 1 Imipramina 90-95 < 1 Desmetilimipranina 90-95 < 1 Indometacina 90-95 < 1 Sulfisoxazol 90-95 50-60 Tolbutamida 90-95 50-60 Ácido valpróico 90-95 50-60 Fenitoína 90 3 Hidralazina 85-90 < 1 Quinina 70-90 < 1 Lidocaína 50 < 1 Ácido acetilsalicílico (ASS) 50 50 Fonte: HANG et al (1997).

Geralmente cada molécula de albumina tem, pelo menos, dois sítios de ligação para a maioria dos fármacos e os diferentes sítios de ligação vão apresentar diferentes Ka. A concentração normal de

albumina no plasma é de cerca de 0,6 mmol/L (4g/100ml); com dois sítios por molécula de albumina, a capacidade de ligação de fármacos da albumina plasmática seria, portanto, de aproximadamente 1,2 mmol/L, de modo que os sítios de ligação estão longe de saturação (ou seja, bem abaixo das

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A concentração do fármaco ligado [FL] varia quase que em proporção direta à concentração do fármaco livre [F]. Nessas condições, a fração ligada, mostrada no quadro 5, é independente da

concentração do fármaco; entretanto, alguns fármacos, como, por exemplo, a tolbutamida e algumas sulfonamidas, agem em concentrações plasmáticas em que a ligação às proteínas se aproxima da saturação; isto significa que a adição de uma quantidade do fármaco no plasma vai aumentar de modo desproporcional a concentração da forma livre; portanto se a dose desta droga for dobrada, a concentração de droga livre no plasma pode aumentar em três vezes ou mais. Isto é mostrado na figura 3 para o

fármaco antiinflamatório fenilbutazona.

A existência, na albumina plasmática, de sítios de ligação para os quais muitos fármacos

diferentes têm afinidade significa que pode haver competição entre eles, de modo que a administração de um fármaco B pode reduzir a ligação a proteínas de um fármaco A e aumentar, então sua concentração plasmática na forma livre. Para fazer isto, o fármaco B necessita ocupar uma fração considerável dos sítios de ligação. (HANG et al ,1997)

FIGURA 3 - Ligação da fenilbutazona à albumina plasmática. Adaptado de HANG et al, 1997.

Efeitos da LPP na Farmacocinética

Antes de considerarmos os efeitos do deslocamento da droga de seus locais de LPP, é necessário discutir primeiramente os efeitos desta ligação na farmacocinética de uma droga. A distribuição de uma droga é afetada pela sua LPP, uma vez que a droga ligada não fica disponível para se difundir para os outros tecidos; isto significa que drogas altamente ligadas no plasma, como por exemplo, a varfarina, tem a tendência de apresentar um pequeno volume de distribuição; realmente o Vd da varfarina é baixo e se aproxima do volume plasmático (0,05 l/Kg de peso corporal), significando que a varfarina quase não se difunde para os outros tecidos.

Algumas drogas, porém, podem estar altamente ligadas no plasma e também nos tecidos e então apresentar uma Vd maior, como os medicamentos antidepressivos tricíclicos e fenotiazínicos, nos quais quase toda a droga presente no plasma se encontra ligada a albumina, porém, devido à capacidade dessas

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drogas de se ligarem aos tecidos, a droga circulante representa somente uma pequena fração do total da droga no corpo.(KOCH-WESER e SELLERS, 1976)

A biotransformação de drogas com altas taxas de extração hepática, como o propranolol, envolve a deslocação de seus sítios de ligação e a captação da droga pelas células hepáticas. A ligação das drogas às proteínas plasmáticas pode afetar a biotransformação, que pode estar aumentada se a droga está altamente ligada e é rapidamente eliminada pela biotransformação hepática, pois a LPP age como um sistema de transporte, levando a droga para fígado. Alternativamente, se esta tem uma baixa taxa de extração hepática, a biotransformação pode ser diminuída pela LPP; pois neste último caso, a eliminação metabólica será diretamente proporcional a fração livre de droga encontrada no sangue assumindo uma cinética de primeira ordem (LEVY & YACOBI, 1974).

Em relação à eliminação renal, somente a droga não ligada é filtrada no glomérulo; portanto uma diminuição da LPP irá aumentar a concentração da droga livre disponível para a filtração - isto significa que se uma droga estiver altamente ligada a proteínas e depender de sua filtração glomerular para a sua eliminação (não sujeita ao metabolismo ou secreção tubular renal), geralmente apresentará um tempo de meia-vida longo, como o diazóxido que está 90% ligado e tem uma meia-vida de 30 horas. A secreção tubular renal não é limitada pela ligação protéica, assim drogas que tem uma alta taxa de excreção renal devida à secreção tubular como a penicilina, a LPP irá favorecer a eliminação por transportar a droga para seu local de excreção (D’ARCY & MCELNAY, 1982).

Efeitos de Deslocamento da LPP

Mudanças nas porcentagens de droga ligada e não ligada de uma droga pode ser devido à competição com outras drogas e/ou a competição com substâncias endógenas pelos sítios de ligação.

Os agentes mais importantes no deslocamento da LPP são compostos ácidos; eles freqüentemente têm uma alta afinidade pela albumina. Se duas drogas se ligam a um mesmo local da proteína haverá uma competição entre as drogas por estes sítios, pois compostos com uma alta afinidade deslocam drogas com afinidade menor.

Muitos dos fármacos mostrados no quadro 5 não afetam a ligação de outros fármacos por

ocuparem, em concentrações plasmáticas terapêuticas, apenas uma diminuta fração dos sítios disponíveis, e apenas alguns fármacos causam efeitos inesperados por deslocar outros fármacos, como por exemplo, as sulfonamidas, que ocupam cerca de 50% dos sítios de ligação em concentrações terapêuticas. O fármaco deslocado não precisa ocupar uma fração apreciável destes sítios, de modo que o diazepam por exemplo, é consideravelmente deslocado dos sítios de LPP pela aspirina, mas não vice-versa.

Mesmo que as drogas por si só não acarretam o deslocamento da LPP, os seus metabólitos podem estar envolvidos nesta interação; por exemplo, o ácido tricloroacético - um metabólito do cloral hidratado - desloca a varfarina de seus sítios de ligação na albumina.

Um deslocamento não competitivo pode ocorrer quando uma droga ao se ligar à proteína, faz com que ocorram mudanças físico-químicas desta macromolécula dando origem a alterações na estrutura terciária (conformacional) da proteína, o que pode levar a mudanças de afinidade nos sítios de ligação específicas para um outro grupo de drogas (SELLERS & KOCH-WESER,1970).

O ácido acetilsalicílico (AAS) interfere na ligação de algumas outras drogas por um mecanismo incomum. O AAS é capaz de acetilar resíduos de lisina das moléculas de albumina. A ligação de

albumina com acetrizoato, ácido flufenâmico e fenilbutazona e possivelmente outras drogas aniônicas são modificadas na presença do AAS. (PINCKARD et al, 1973)

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Deslocamento da LPP e o Vd

Uma diminuição na LPP de uma droga, devido a uma interação por deslocamento, aumentará seu Vd, uma vez que a droga deslocada se difundirá para os tecidos e isto levará a uma diminuição na

concentração total da droga no plasma, porém depois de atingindo o equilíbrio a concentração da droga livre plasmática será a mesma que na situação anterior (ver figura 4). Desde que as ações farmacológicas, incluindo os efeitos tóxicos, corresponde a concentração da droga livre no plasma, este tipo de interação geralmente acarreta poucas conseqüências para os pacientes, com exceção dos seguintes casos: injeção rápida de um agente deslocador e durante o monitoramento do nível plasmático de uma droga.

Se uma injeção em “bolus” de um agente deslocador é administrada ao paciente, o deslocamento de uma outra droga dos seus sítios de ligação será quase imediata, enquanto que a distribuição e o

estabelecimento da condição de equilíbrio levará algum tempo. Isto significa que a concentração da droga livre no plasma aumentará e a concentração total da droga permanecerá a mesma alguns instantes depois da injeção. Este aumento da concentração plasmática da droga livre pode permitir uma maior reação com os receptores ou permitir a entrada da droga em compartimentos que normalmente ela não atinge, como por exemplo o sistema nervoso central (SNC). Um exemplo disto é a injeção de sulfonamidas em

neonatos levando ao deslocamento da bilirrubina, a qual pode entrar e se depositar no cérebro levando ao quadro de kernicterus, com sérias conseqüências para a criança (HAMAR & LEVY, 1980)

FIGURA 4 - Seqüência de alterações nas concentrações plasmáticas de drogas durante interações por deslocamento.

1-Situação antes do deslocamento; 2-Imediatamente após o deslocamento; 3-Redistribuição da droga deslocada; 4- Situação de equilíbrio re-estabelecida. Notar que nesta situação, apesar da concentração total no plasma estar diminuída, a concentração da droga livre no plasma é semelhante à situação 1.

A monitoração dos níveis plasmáticos é realizada com a determinação da concentração total da droga - se a LPP é diminuída devido a uma competição entre drogas pelos sítios de ligação da albumina, a concentração da droga total no plasma estará diminuída, porém o nível da droga livre estará normal (assim como os seus efeitos terapêuticos); se a dose do paciente for aumentada, baseada na monitoração plasmática, poderá causar efeitos tóxicos devido a um aumento da concentração plasmática da droga livre. Este tipo de problema pode surgir quando se está monitorando a fenitoína e o paciente recebe, por exemplo ácido valpróico. (KOBER et al, 1981).

Efeitos do Deslocamento das LPP na Eliminação das Drogas

Para drogas com uma alta taxa de extração hepática (biotransformação), que envolve mecanismos de transporte ativo para concentrar a droga nos hepatócitos, a maioria da droga é retirada do sangue quando ele passa pelo fígado; portanto a extração é dependente do fluxo sanguíneo hepático. Uma diminuição da concentração total da droga no plasma, devido ao re-equilíbrio depois do deslocamento da LPP, e conseqüentemente o aumento do seu Vd, levará a uma diminuição da eliminação hepática da

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droga, apesar do “clearance” permanecer o mesmo, uma vez que o fluxo sanguíneo e a taxa de extração não sofrem alterações (clearance=fluxo sangüíneo x taxa de extração) (HUANG & OIE, 1984).

Quando ocorre uma diminuição da eliminação de drogas com alta taxa de extração hepática, depois do deslocamento, a concentração da droga livre pode aumentar, uma vez que a quantidade total da droga no organismo se encontra aumentada; portanto se uma droga é administrada por via parenteral, pode ser necessário reduzir a dosagem para se evitar os efeitos tóxicos provocados pela competição pelas LPP; porém quando a droga é administrada por via oral, o efeito de primeira passagem hepática pode ajudar a diminuir os efeitos adversos conseqüentes desta interação (ROWLAND, 1980)

Para drogas com uma pequena taxa de extração hepática, na qual a biotransformação depende da concentração da droga livre, uma diminuição na concentração total da droga depois do deslocamento terá pouco efeito na eliminação (o “clearance” neste caso estará aumentado devido ao aumento da taxa de extração).

Quanto à excreção renal, se a droga é eliminada, somente por filtração glomerular, uma

diminuição, depois do deslocamento, da concentração total da droga sem mudanças na concentração da droga livre, não levará a mudanças na eliminação absoluta da droga. Esta situação torna-se mais

complexa quando ocorre secreção tubular ativa e reabsorção parcial da droga. Quando ocorre secreção tubular, porém sem reabsorção a situação poderia se assemelhar àquela das drogas envolvidas no processo ativo durante a biotransformação no fígado. Nesta última condição, por exemplo, a taxa de eliminação pode estar diminuída, devido à diminuição da concentração plasmática total da droga, depois do deslocamento, requerendo em casos extremos, uma redução da dose (LEVY, 1980).

Ligação das Drogas aos Tecidos e o seu Deslocamento

Para algumas drogas o Vd é bem maior que o volume sanguíneo, significando que grande parte destas drogas se encontra ligada aos tecidos - o deslocamento da ligação tecidual levará a um aumento da droga livre que favorecerá a difusão da droga para o compartimento plasmático; conseqüentemente a concentração da droga no plasma ficará aumentada depois do re-equilíbrio da droga deslocada, ou seja, um efeito inverso do observado no deslocamento das LPP (ver figura 5).

FIGURA 5 - Curvas de concentração plasmática – tempo para drogas envolvidas em interações por deslocamento de seus sítios de ligação.

a) Deslocamento da droga das LPP e diminuição da contração plasmática devido ao aumento do Vd, a taxa de eliminação pode diminuir ou aumentar, isto vai depender se a eliminação da droga envolve processos ativos de transporte ou não – b) Deslocamento da droga de seus sítios de ligação teciduais e aumento da concentração plasmática da droga (redução do Vd), a taxa de eliminação geralmente vai

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aumentar, pois uma quantidade maior da droga vai estar sendo transportada para os seus sítios de eliminação. Adaptado de D’ARCY & MCELNAY, 1982.

Depois do deslocamento da droga dos seus sítios de ligação nos tecidos, haverá uma redução do Vd associado a uma diminuição do tempo de meia-vida da droga no organismo, pois o transporte da droga para os seus órgãos de eliminação (geralmente os rins ou o fígado) estará aumentado, porém o aumento da droga livre no plasma poderá resultar em aumento dos efeitos terapêuticos e até aparecimento de efeitos tóxicos; isto significa que em interações deste tipo, o regime posológico talvez deva ser

alterado, com menores doses administradas em intervalos mais curtos, para prevenir grandes flutuações nos níveis séricos da droga; mantendo, porém a mesma dosagem total.

Uma interação importante que envolve o deslocamento da ligação tecidual ocorre entre a digoxina e quinidina. Um estudo foi realizado por LEAHEY et al (1978) em pacientes sob terapia com digoxina que receberam também a quinidina e o resultado deste trabalho mostrou que o nível sérico da digoxina aumentou de 1,4 ng/ml para 3,2 ng/ml com a administração da quinidina (o intervalo terapêutico está entre 0,8 e 2,0 ng/ml); 59% dos pacientes apresentaram sintomas como anorexia, náusea e vômito depois de iniciar a terapia com quinidina - estes efeitos desapareceram nos pacientes em que a dose de digoxina foi reduzida, sugerindo que os sintomas referidos eram causados pela digoxina. Alguns pacientes, inclusive apresentaram arritmias cardíacas graves.

Apesar das interações entre digoxina e outras drogas, como a quinidina verapamil e amiodarona, envolverem outros mecanismos como a diminuição da secreção tubular renal da digoxina, o deslocamento tecidual da digoxina pode trazer conseqüências clínicas importantes para o paciente.

Significado Clínico das Interações por Deslocamento

A ligação das drogas às proteínas é um parâmetro farmacocinético importante. Muitos métodos estão disponíveis para o estudo de fenômenos envolvendo a ligação das drogas às proteínas plasmáticas ou teciduais. As interações que envolvem o deslocamento das drogas dos seus sítios de ligação do plasma ou do tecido foram relatadas como sendo os mecanismos causadores em muitas interações

medicamentosas. Entretanto, a importância deste tipo de interação foi superestimada e exagerada, sendo que grande parte dos dados foi obtida de estudos in vitro. (MCELNAY & D'ARCY, 1983)

Uma vez que a droga deslocada pode normalmente se redistribuir fora do compartimento

plasmático, os aumentos de concentrações da droga livre são geralmente transitórios e conseqüentemente não causarão alterações significativas nos efeitos farmacológicos. Geralmente as interações clinicamente importantes envolvendo o deslocamento das drogas de seus sítios de ligação apresentam um outro mecanismo envolvido, como a redução da biotransformação e/ou diminuição da eliminação renal; entretanto em determinadas situações específicas como por exemplo, quando a droga é administrada por via endovenosa ou quando o paciente está sob monitorização terapêutica, o conhecimento das interações por deslocamento das LPP é fundamental.

O deslocamento das drogas das ligações teciduais tem um grande potencial para causar efeitos adversos no paciente, uma vez que neste caso ocorre um aumento da concentração sérica da droga que pode levar a um aumento dos efeitos farmacológicos e possivelmente o aparecimento de efeitos tóxicos. O deslocamento das drogas dos seus sítios de ligação tanto no plasma como nos tecidos poderá aumentar significativamente a concentração da droga livre no plasma, levando a um aumento dos efeitos da droga deslocada.

Metabolismo.

Muitas interações medicamentosas podem ocorrer por alterações nas enzimas biotransformadoras que estão presentes no fígado e em outros tecidos extra-hepáticos. Os mecanismos farmacocinéticos

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envolvidos nestas interações consistem principalmente em mudanças no complexo enzimático citocromo P450 (CYP), que pode ser inibido ou induzido por algumas drogas, afetando assim a biotransformação destas drogas. O entendimento destes mecanismos é extremamente importante para a escolha de um regime terapêutico envolvendo várias drogas.

Biotransformação e o Papel do CYP.

A maioria dos fármacos possui caráter lipofílico e, em pH fisiológico, permanecem não ionizados ou parcialmente ionizados. Devido a estas características, os mesmos tenderiam a permanecer no

organismo, já que seriam reabsorvidos nos rins, após a filtração glomerular. Visando a eliminar estas substâncias exógenas, o organismo pode lançar mão de sistemas enzimáticos utilizados normalmente para a degradação de substâncias endógenas. Desse modo, a biotransformação é a transformação enzimática dos fármacos em metabó1itos com características mais hidrofílicas, tendo como objetivo facilitar a excreção pelo organismo.

A biotransformação de fármacos pode ser dividida em duas fases. A fase I consiste nas reações de oxidação, redução e hidrólise, ocasionando sempre uma modificação estrutural do fármaco, o que na maioria das vezes pode levar a sua inativação. No caso de administração de pró-fármacos, a fase I vai ser fundamental para gerar a substância farmacologicamente ativa. Na fase II, conhecida como fase de conjugação, ocorrem reações de conjugação do fármaco com substâncias endógenas, visando a facilitar sua excreção. Os processos das fases I e II são independentes, ou seja, o fármaco pode sofrer apenas reações de fase I ou de fase II, ou as duas, seqüencialmente. Geralmente as reações da fase I introduzem um grupo relativamente reativo, como o grupo hidroxila, na molécula, e este grupo funcional servirá, então, como ponto de ataque para o sistema conjugador, que fixa a ele um substituto maior, como um grupo glicuronil, sulfato ou acetil.

O órgão onde ocorre a maioria das reações de biotransformação é o fígado, por apresentar várias enzimas ou complexos enzimáticos especializados. Dentre elas, destacam-se as mono-oxigenases do complexo enzimático CYP, as redutases, as esterases e as transferases (COSTA & STRECK, 1999).

O CYP é o principal responsável pela biotransformação de fármacos no organismo humano, estando presente principalmente no retículo plasmático liso (fração microssômica) dos hepatócitos, podendo também ser encontrado em outros órgãos, como pulmões e rins. O CYP é uma proteína com um grupo prostético heme (ou grupo ferro-porfirina, ver figura 6) e pertence ao grupo das mono-oxigenases, que são enzimas que catalisam reações nas quais um átomo de oxigênio da molécula de O2 é incorporado na molécula do substrato orgânico, o outro átomo é reduzido a H2O. As mono-oxigenases requerem dois substratos que funcionam como redutores dos dois átomos de oxigênio do O2. O substrato principal (no caso o fármaco) recebe um dos dois átomos de oxigênio e o co-substrato (no caso do CYP é a

nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato - NADPH) fornece átomos de hidrogênio para reduzir o segundo átomo de oxigênio a água (LEHNINGER, 1986).

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FIGURA 6 - Estrutura do grupamento heme unido covalentemente ao citocromo. O anel porfirínico está indicado em azul. Fonte: ALBERTS et al, 1997.

O sistema transportador de elétrons, envolvido na biotransformação das drogas, se processa da seguinte maneira: O NADPH ao se oxidar reduz uma flavoproteína - a NADPH citocromo P450 redutase. Esta ao oxidar-se reduz uma proteína Fe++ não-heme, que por sua, ao se oxidar, reduz o CYP, que reage com o oxigênio molecular para formar o complexo ativo oxigênio-CYP e o transporta para a molécula da droga, oxidando-a (observar a figura 7) (MELLO, 1998).

FIGURA 7 - Sistema transportador de elétrons envolvido na hidroxilação de drogas via CYP. Adaptado de MELLO, 1998.

Isoformas do CYP

O CYP apresenta várias isoformas, que são formas múltiplas de uma mesma enzima que catalisam o mesmo tipo de reação , neste caso de oxidação , apresentando afinidade por substratos diferentes, biotransformando, portanto, fármacos distintos. Além disso, as isoformas diferem na sua distribuição pelo organismo e na regulação de sua atividade, apresentando diferentes inibidores, indutores e fármacos marcadores. Estes últimos são utilizados para a determinação da atividade de cada isoforma e, por isso, são também substratos das mesmas.

Atualmente mais de 30 isoformas do CYP estão identificadas em humanos, as quais são

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