• Nenhum resultado encontrado

O coordenador na terra da garoa: o funcionamento do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs em São Paulo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O coordenador na terra da garoa: o funcionamento do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs em São Paulo"

Copied!
158
0
0

Texto

(1)

O COORDENADOR NA TERRA DA GAROA:

O FUNCIONAMENTO DO OFFICE OF THE COORDINATOR OF INTER-AMERICAN AFFAIRS EM SÃO PAULO

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Históriada Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em História

Orientador: Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte

(2)

Florianópolis 2018

(3)
(4)
(5)

TÍTULO: SUBTÍTULO (SE HOUVER)

Esta Dissertação/Tese foi julgada adequada para obtenção do Título de “....” e aprovada em sua forma final pelo Programa ...

Local, x de xxxxx de xxxx. ________________________ Prof. xxx, Dr. Coordenador do Curso Banca Examinadora: ________________________ Prof.ª xxxx, Dr.ª Orientadora Universidade xxxx ________________________ Prof.ª xxxx, Dr.ª Corientadora Universidade xxxx ________________________ Prof. xxxx, Dr. Universidade xxxxxx

(6)
(7)
(8)
(9)

A realização desta dissertação de mestrado foi possibilitada graças ao apoio de algumas pessoas que participaram da minha trajetória acadêmica e que, portanto, merecem serem lembradas.

Agradeço aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, especialmente aos professores da linha de pesquisa Sociedade, Política e Cultura no Mundo Contemporâneo, pelas aulas ministradas, pelos debates em sala, pelas indicações bibliográficas e por todo apoio acadêmico e institucional que foram fundamentais no processo de formação acadêmica, de pesquisa e de escrita deste trabalho.

Também agradeço à professora Dra. Clarissa Dri do Programa de Pós-Graduação de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina por ter feito parte da banca examinadora e pela leitura atenta e cuidadosa do trabalho. Sua arguição durante a defesa foi muito importante e contribuiu para o aprimoramento da pesquisa. Da mesma forma agradeço enormemente aos professores Dr. Alexandre Busko Valim e Dr. Márcio Roberto Voigt do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC não apenas pelas suas participações na banca examinadora e na banca de qualificação, mas também por fazerem parte da minha formação acadêmica desde a graduação e por terem acompanhado todo o processo de desenvolvimento desta pesquisa. A contribuição dos professores nestes anos foi fundamental na realização deste trabalho.

Gostaria de agradecer em especial ao professor Dr. Adriano Luiz Duarte pela orientação da dissertação. O professor esteve sempre presente em todos os momentos em que precisei e suas leituras, correções, sugestões e apontamentos foram essenciais para o andamento da pesquisa. O professor Adriano Luiz Duarte também foi o responsável por fotografar no acervo do National Archives and Records Administration em Washington D.C., Estados Unidos, toda a documentação utilizada como fonte nesta pesquisa, o que, portanto, tornou-a possível e por isto sou profundamente grato.

Durante estes anos também pude contar com o apoio dos colegas do curso e da linha de pesquisa que também auxiliaram o desenvolvimento desta pesquisa com sugestões bibliográficas, leitura do meu trabalho e debates acadêmicos. Agradeço aos colegas por caminharem junto comigo durante esta trajetória, em especial ao colega e amigo Rodrigo Cândido.

(10)

O processo de escrita é árduo e cansativo, por isto também agradeço aos meus amigos Gustavo Quintella, Musa Santos, Kathlen Schneider, Rafael Benassi, Tales Kamigouchi e Isaac Facchinni pelo apoio emocional e pelos momentos de descontração que ajudaram a tornar este período mais aprazível.

Por fim, agradeço imensamente a minha família, em especial minha mãe Rosana, meu pai Orlando e minha irmã Stela por todo amor, carinho e apoio incondicional que sempre tiveram por mim em todos os momentos da minha vida. Sem eles nada disso seria possível.

(11)
(12)
(13)

Esta dissertação objetivou investigar o funcionamento do comitê regional de São Paulo do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs durante os anos de 1943 e 1944. A cidade de São Paulo era o principal polo industrial brasileiro, o que tornou as atividades do Office na região muito importantes. Através da análise de documentos administrativos deste comitê, este estudo apontou que a escolha de pessoas extremamente influentes para o seu staff juntamente com as relações de cooperação com o setor público e privado paulista possibilitaram o sucesso deste escritório em seus objetivos: divulgar os Estados Unidos em São Paulo, combater a presença ideológica do Eixo na região, e garantir o mercado consumidor paulista no pós-guerra. A forte influência tanto do governo estadunidense como de suas instituições comerciais e privadas fez com que política e negócios fossem a base da metodologia utilizada pelo comitê, que também é alvo deste estudo.

Palavras-chave: Relações entre Brasil e Estados Unidos. Office of the Coordinator of Inter-American Affairs. Estado Novo.

(14)
(15)

This dissertation aimed to investigate the operation of the São Paulo regional committee of the Office of the Coordinator of Inter-American Affairs over the years of 1943 and 1944. The São Paulo state was the main Brazilian industrial pole, which made the Office‟s activities in the region very important. Through the analysis of this committee‟s administrative documents, this study pointed out that the choice of extremely influent people for its staff along with its cooperative relations with paulista‟s private and public sectors made possible the success of this office in accomplishing its objectives: propagate the Unites States in São Paulo, fight the Axis‟ ideological presence at the region, and guarantee the paulista consumer market at the post-war period. The strong influence of both American government and American commercial and private institutions made politics and business the basis of the methodology used by the committee, that is also a target of this study.

Keywords: Relations between Brazil and the United States. Office of the Coordinator of Inter-American Affairs. Brazilian Estado Novo.

(16)
(17)

1 O OFFICE OF THE COORDINATOR OF

INTER-AMERICAN AFFAIRS ... 39

1.1 Os Estados Unidos nos anos 1930: Roosevelt, o New Deal e a Política de Boa Vizinhança ... 40

1.2 O Grande Irmão: Pan-americanismo e hegemonia estadunidense na América Latina ... 52

1.3 O Escritório do Coordenador: A aliança com o setor privado e a criação do OCIAA ... 61

2 O COORDENADOR VAI A SÃO PAULO ... 75

2.1 A criação do comitê de São Paulo ... 78

2.2 Mãos à obra: as atividades gerais do Office em São Paulo ... 96

3 ESTREITANDO OS LAÇOS COM O COORDENADOR ... 111

3.1 Projetos distintos, afinidades eletivas: as relações entre o comitê regional de São Paulo e o setor público ... 113

3.2 – Propaganda é a alma do negócio: Office, imprensa e cinema 128 3.3 – O comitê regional e o setor privado paulista: uma aliança de negócios 147 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 161 ANEXO I – Foto do prédio onde funcionou o comitê regional de São Paulo 165

ANEXO II – Planta baixa do escritório do comitê regional de São Paulo 166

(18)
(19)

INTRODUÇÃO

As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas por grandes turbulências que trouxeram consequências a várias nações ao redor do mundo. A Grande Crise de 1929 evidenciou uma crise no sistema liberal que colocava não apenas a economia em xeque, mas todos os valores políticos e sociais defendidos desde a Revolução Francesa, ocasionando um grande colapso da sociedade ocidental. Diversas alternativas ganharam força enquanto respostas à crise, tendo triunfado durante os anos 1930 regimes de bases totalitárias na Europa, e autoritárias na América Latina, enquanto nos Estados Unidos um novo tipo de capitalismo, que admitia maior presença do Estado na economia e buscava o bem-estar social, surgiu como tentativa de garantir a manutenção do sistema liberal. A II Guerra Mundial (1939-1945) resultou na derrota do nazi-fascismo e na insustentabilidade – mesmo que por um breve período – dos regimes autoritários na América Latina, consolidando a hegemonia estadunidense1 no cenário internacional. Ao contrário de seus aliados, os Estados Unidos não tiveram o seu território nacional devastado pelo conflito, e puderam assim sair do conflito com muito mais força do que entraram.

Entretanto não foram apenas os campos de batalha da Europa, África e Ásia que propulsionaram os Estados Unidos como a grande potência, pois na América Latina uma outra batalha contra o Eixo foi travada, da qual os estadunidenses também saíram vitoriosos. Este conflito não teve confronto bélico, mas envolveu uma grande disputa econômica e psicológica pelos corações e mentes dos povos americanos, com vistas de mantê-los alinhavados e conseguir o domínio deste mercado consumidor, que despontava como um dos mais importantes da época. A arma do Tio Sam nesta batalha foi o Office of the Coordinator

1

Em todo meu trabalho optei por utilizar o termo “estadunidense” ao invés de “americano”, embasado nos argumentos do historiador Reinhart Koselleck de que há uma batalha semântica que deve ser considerada pela História dos Conceitos bem como pela História Social uma vez que os conceitos têm implicações sociais e políticas latentes. A palavra nunca é neutra, e ao se referir sobre aqueles e/ou aquilo que é dos Estados Unidos como “americano” é reforçada a ideia dominadora deste país sobre os demais, da mesma maneira de que se referir à raça humana pelo termo “homem” reforçamos a ideia de uma sociedade patriarcal e machista. Acredito que América é um continente, e não um país, logo todos os países e povos da América são americanos. KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado Contribuição à semântica dos tempos

(20)

o Inter-American Affairs2, uma agência complexa com objetivo de combater a influência do Eixo e coordenar todos os aspectos das relações entre os Estados Unidos e os seus vizinhos ao sul do Rio Grande, tendo como norte os valores pan-americanos e a política de Boa Vizinhança. Embora fosse uma agência governamental, o OCIAA foi coordenado pelo então jovem milionário Nelson A. Rockefeller, e teve grande influência do setor privado no planejamento e execução de suas atividades, evidenciando a convergência de interesses entre o empresariado e o governo neste contexto.

Apesar deste grande objetivo que perpassava não só a agência como também toda a agenda externa dos Estados Unidos voltada para a América Latina, as relações entre a potência do Norte e cada uma das repúblicas americanas também eram dotadas de particularidades, dependendo dos fatores internos de cada país. Graças aos maciços investimentos financeiros e políticos recebidos, o Office conseguiu obter sucesso em seus objetivos ao espalhar comitês regionais por todas as repúblicas da América Latina, pois além de representarem o Coordenador nestes países, os comitês puderam desenvolver atividades mais eficientes de acordo com a realidade local de cada região. Isto não significa que todos estes comitês possuíssem objetivos diferentes em cada país, mas que conseguiam ser mais precisos dentro do projeto que o OCIAA tinha para a América Latina ao conseguirem identificar os meios que seriam mais apropriados de acordo com as condições políticas, sociais e culturais de cada nação. Assim, a compreensão do Office passa obrigatoriamente pela compreensão da atuação destes comitês. O Brasil – que juntamente de Argentina e México eram considerados os países mais importantes da região neste contexto geopolítico - foi o segundo país que mais recebeu escritórios de representantes do Coordenador, ficando atrás apenas do México.

O objetivo central desta pesquisa é entender o funcionamento do comitê regional de São Paulo, analisando as negociações que envolveram sua criação em 1942 e os projetos desenvolvidos entre 1943 e 1944, com enfoque em seus métodos administrativos e executivos. O estado de São Paulo era um dos estados de mais força econômica e política do país, além de ter sido o berço industrial do Brasil, portanto o comitê instalado na capital paulista refletiu esta importância. Não apenas este comitê interagiu com os mais altos escalões dos setores empresariais e governamentais do Brasil, como também chegou a dividir junto com o comitê do Rio de Janeiro a coordenação e

2

(21)

fiscalização das atividades dos subcomitês e escritórios espalhados pelo país. O homem escolhido para dirigir as atividades do Coordenador dos Assuntos Inter-Americanos em São Paulo foi o estadunidense Arnold Tschudy, ex-presidente da Câmara Americana de Comércio de São Paulo, com uma longa e bem sucedida carreira empresarial internacional, que se transformou em um dos funcionários mais bem pagos do OCIAA3, o que revela a importância creditada ao seu trabalho. Deste modo acredito que o estudo do funcionamento do comitê de São Paulo é relevante não apenas para os estudos acerca do Office como também para se entender melhor a relação entre Brasil e Estados Unidos, uma vez que ajuda a compreender a agência de forma orgânica, atuando em conjunto com diversas outras agências e empresas na consolidação da hegemonia estadunidense.

O OCIAA, embora fosse um órgão governamental, possuía forte influência e presença do setor privado estadunidense fazendo com que seu modo de atuação se assemelhasse ao de uma grande empresa. Seus funcionários espalhados pela América Latina buscavam parcerias com governos e indústrias que pudessem facilitar e impulsionar as atividades da agência em todo continente e em São Paulo não foi diferente. Desta forma este trabalho busca entender o funcionamento do comitê regional levando em consideração a sua relação e as parcerias políticas e comerciais firmadas com o governo local e as industrias, representadas em sua maioria pela FIESP.

As fontes utilizadas neste trabalho são documentos da administração interna do escritório, contendo correspondências, inventários, memorandos, telegramas, transcrições de conversas telefônicas, relatórios de visita, de viagem e de exibições cinematográficas. Alguns destes documentos contêm anexos como recortes de jornais, listas de contatos, listas de correio, cópias de outras correspondências e fotografias. Entretanto, uma das características do Office foi que seu desenvolvimento se deu de forma paralela ao seu funcionamento devido à urgência imposta pela guerra, o que gerou certos problemas organizacionais que afetaram a sua documentação. Assim, alguns assuntos mais urgentes acabaram sendo tratados por telefone, e nem todas estas conversas foram transcritas, fazendo com

3

Tschudy ganhava um salário anual de US$8.000,00 mais um auxílio moradia de US$2.190,00 anuais, totalizando US$10.190,00. Cordell Hull, Secretary of State, Washington D.C., to Robert Friele, Coordinator for Brazil, Dec. 28, 1942. Oct. 1942 – Oct. 1943. Coordinator of Inter-American Affairs – São Paulo – n.1. Record Group 229, Box 1388, NARA, Washington D.C.

(22)

que haja algumas lacunas de informação. Além disso, hás documentos cujos anexos não constam neste acervo, o que também dificultou o processo de análise de certos projetos e atividades.

Este conjunto de documentos faz parte de um amplo acervo acerca do OCIAA que está arquivado no National Archives and Records Administration (NARA) em Washington D.C., EUA. Estes documentos foram disponibilizados para pesquisa durante os anos 1970, portanto a maioria dos trabalhos acerca do Office foram desenvolvidos a partir deste período. Entretanto ainda em 1947 – um ano após a agência ter encerrado suas atividades – o governo dos Estados Unidos, através do historiador Donald W. Rowland, organizou um livro intitulado History of the Office of the Coordinator of Inter-American Affairs, que na verdade é um grande relatóriode como e por que a agência foi criada, como funcionou, quais foram suas atividades, e quando fechou as portas.

No Brasil, o historiador Gerson Moura foi o pioneiro no trabalho com estas fontes, e apesar de seu falecimento precoce, seus estudos – tais como Tio Sam Chega ao Brasil e Autonomia na Dependência – continuam sendo referência para todos aqueles que voltam seus interesses para este tema. Outro historiador que tem produções relevantes sobre o assunto é Antônio Pedro Tota, autor de O Imperialismo Sedutor – que trata das políticas do OCIAA voltadas para o Brasil - e também O Amigo Americano – que estuda a figura de Nelson Rockefeller e sua atuação no Brasil. A historiadora Érica G. Daniel Monteiro lançou em 2014 o livro Quando a Guerra é um Negócio, onde desenvolveu uma excelente pesquisa acerca do envolvimento empresarial e dos meios de comunicação em massa na veiculação da Política de Boa Vizinhança através do Office. Mais recentemente em 2017 o professor e historiador Alexandre Busko Valim lançou, pela editora Alameda, o livro O Triunfo da Persuasão, que trata da atuação do Office no Brasil com enfoque nas atividades cinematográficas da Motion Pictures em seu esforço de vender o American Way of Life para os brasileiros.

Apesar da inquestionável qualidade destes e muitos outros estudos, os pesquisadores apontam Americans All, livro da historiadora Darlene J. Sadlier publicado em dezembro de 2012, como o trabalho mais atualizado e completo acerca do Office. Darlene é diretora do programa de português da Universidade de Indiana, além de professora adjunta do departamento de comunicação e cultura da mesma instituição, e suas principais pesquisas envolvem cultura e literatura portuguesa e brasileira, cinema latino americano, e estudos de gênero.

(23)

Em Americans All, a autora explora como o Office se utilizou das mais diversas ferramentas para, através da Diplomacia Cultural4 e do chamado Soft Power, convencer estadunidenses e latino americanos da necessidade de uma união pan-americana e da política de boa vizinhança. Ainda nos Estados Unidos, podemos dar destaque aos trabalhos das historiadoras Ursula Prutsch e Gisela Cramer que realizaram um minucioso mapeamento dos arquivos do NARA.

A maioria dos trabalhos citados abordam os aspectos mais gerais do OCIAA, entretanto estudos específicos sobre os comitês regionais do Brasil ainda são escassos. Por este motivo, acredito que a minha pesquisa possa fazer uma contribuição para os estudos deste aspecto da política de Boa Vizinhança. Meu interesse pelo tema teve início na graduação, quando tive a oportunidade de trabalhar com as fontes do NARA referentes ao subcomitê do Office que funcionou em Florianópolis, que me serviram para realização do Trabalho de Conclusão de Curso. Assim como as fontes sobre o subcomitê de Florianópolis, os documentos sobre o comitê de São Paulo chegaram a mim por intermédio do professor Dr. Adriano Luiz Duarte, que durante os dois períodos que esteve nos Estados Unidos em pós-doutorado fotografou o acervo do NARA e de forma muito gentil me cedeu a documentação para que eu pudesse desenvolver minhas pesquisas.

Por se de um grande acervo de fontes, decidi classificar esta documentação em alguns eixos de análise para facilitar o processo de

4

Darlene Sadlier traça em seu livro uma breve história do conceito de Cultura através dos séculos, desde quando este conceito era aplicado tanto para adorações religiosas como também para o cultivo de alimentos e animais em fazendas, passando pela definição do século XIX de cultura enquanto civilização, até chegar em interpretações da metade do século XX quando este conceito passou a ser aplicado para modos de vida particulares incluindo todas as suas práticas sociais. Deste modo, quando se fala em Diplomacia Cultural na relação entre nações, palavras como crença, propaganda e ideologia tendem a se entrelaçar, o que, segundo a autora, era mal visto durante a década de 1940 – e o é ainda hoje – em alguns setores dos Estados Unidos, devido ao fato de „propaganda‟ remeter às práticas políticas dos regimes totalitários da Europa. Por este motivo o OCIAA tentou classificar a Diplomacia Cultural como tentativa de aproximação através de laços criados pelos modos de vida particulares de cada nação, tentando conquistar os corações e mentes dos latino americanos através da propagação do seu próprio estilo de vida, o american way

of life, em uma roupagem diplomática, e não propagandística. SADLIER,

Darlene J. Americans All Good Neighbor Cultural Diplomacy in World War II. Austin: University of Texas Press, 2012.

(24)

pesquisa e de escrita do trabalho. Dos documentos que chegaram até mim, há três grandes eixos de classificação previamente estabelecidos pelo NARA: 1) Atividades Gerais, que consiste em documentos de natureza mais burocrática, envolvendo desde discussões administrativas até projetos, requerimentos de materiais, relatórios, orçamentos e prestação de contas. Estes documentos representam a maior parte deste conjunto de fontes. 2) Imprensa, que são documentos mais específicos sobre as relações do comitê regional com os jornais e as emissoras de rádio de São Paulo, bem como informações sobre os diretores e o histórico destas empresas. 3) Motion Pictures, que reúne um conjunto de relatórios das exibições cinematográficas que foram feitas no Estado de São Paulo, bem como os relatórios que documentaram as negociações do comitê com diversas instituições na busca por parcerias para realizar sessões dos filmes do Office na região.

Entretanto, estas categorias se misturam e se confundem na documentação, já que todas estas atividades faziam parte de um mesmo processo, portanto criei mais três categorias de análise que se encontram diluídas dentro destas outras temáticas: 4) Relações com Órgãos Governamentais, visto que era uma característica de operação dos comitês agirem em conjunto com órgãos governamentais estadunidenses (Embaixadas, consulados, agências de inteligência, etc.) e brasileiros (DIP, prefeituras, institutos culturais, etc.). Neste conjunto estão correspondências, relatórios de visita e de atividades em conjunto com estas instituições. 5) Relações com o Setor Privado, já que o comitê desenvolveu parcerias com empresas para viabilizar seus projetos. Inseri nesta categoria os memorandos, projetos, correspondências e negociações financeiras com os setores privados do Brasil e dos Estados Unidos. 6) Combate ao Eixo e às Tradições Culturais Estrangeiras, já que São Paulo abrigava números consideráveis de imigrantes e descendentes de alemães, italianos e japoneses, fazendo com que o comitê regional auxiliasse o DEIP de São Paulo na fiscalização destas comunidades que poderiam representar uma ameaça tanto ao projeto de união nacional do Estado Novo, como aos objetivos do OCIAA na região. O combate à manutenção de tradições estrangeiras realizadas por estas comunidades se confundia com o combate à propaganda do Eixo, portanto acabaram sendo indissociáveis dentro das atividades do comitê regional. Nesta categoria encontram-se relatórios de informantes, correspondências com outras agências governamentais do Brasil e dos Estados Unidos para troca de informações e projetos de campanhas propagandísticas.

(25)

Apesar de ser um órgão governamental o Office tinha como uma de suas como uma de suas principais características a forte presença do setor privado que influenciava diretamente a sua forma de atuação, bem como norteava muitos de seus objetivos e a sua própria constituição. No comitê regional de São Paulo toda a sua diretoria foi composta por membros da Câmara Americana de Comércio de São Paulo, e seus funcionários brasileiros também tinham fortes vínculos com os setores privados nacionais, além de apresentarem um histórico político profissional de apoio aos Estados Unidos. Obviamente havia grande confluência de interesses entre a agenda do governo estadunidense para América Latina e os objetivos de expansão de mercado das grandes empresas deste país em meio ao processo de superação da crise, entretanto a agência de Rockefeller se assemelhava muito mais a estas empresas em sua organização e funcionamento do que com uma agência governamental. Portanto uma das grandes preocupações deste trabalho foi evidenciar esta constante presença do setor privado. Especificamente sobre o comitê regional de São Paulo, procurei compreender como ele se estruturou dentro das particularidades da Brazilian Division - já que apesar de estar hierarquicamente abaixo do comitê do Rio de Janeiro, suas atividades e suas relações com os vários segmentos da sociedade paulista refletiam um grau de importância no mínimo equivalente – e quais as suas estratégias de aproximação com as instituições dentro de São Paulo, uma vez que a grande vantagem dos comitês regionais era a potencializar as chances de sucesso do Office ao identificar métodos mais eficientes de aproximação e divulgação por estarem fisicamente presentes nas principais cidades da América Latina. Por fim, procurei identificar se os objetivos do comitê foram bem sucedidos neste interim.

Com este pano de fundo e com base na bibliografia sobre o tema, busquei mostrar que a instalação de um comitê regional em São Paulo foi fundamental para os objetivos do OCIAA no Brasil, pois se por um lado o comitê do Rio de Janeiro estava próximo do alto escalão do governo brasileiro, por outro o comitê de São Paulo estava no coração industrial do país, o que era fundamental para as motivações econômicas do escritório. Por fim, através da análise das fontes ficou claro que não apenas o comitê de São Paulo, mas o OCIAA como um todo obteve muito sucesso em suas atividades, pois consolidou a hegemonia durante e, mais importante, depois da guerra, tornando o padrão cultural dos Estados Unidos o paradigma da América Latina. Assim, concordo com

(26)

Gerson Moura quando este afirma que a chegada visível da presença dos Estados Unidos no Brasil se deu em 19405.

Entretanto, é preciso ressaltar o poder de agência do governo brasileiro perante esta ofensiva econômica e cultural dos EUA. Mesmo sendo um país dependente, o Brasil tinha um projeto nacional, e a relação com os estadunidenses, bem como a instalação de comitês por todo país só foram possíveis porque convergiam com os interesses nacionais brasileiros. Logo, é preciso entender que

a política externa de um país dependente está condicionada simultaneamente ao sistema de poder em que se situa, bem como às conjunturas políticas, interna e externa (a saber, o processo imediato de decisões no centro hegemônico, bem como nos países dependentes). Essa hipótese, por um lado, acentua a necessidade de conjugar as determinações estruturais, que delimitam o campo de ação dos atores agentes decisores (...); por outro lado, repele a noção de que a política externa de um país dependente é um simples reflexo das decisões do centro hegemônico e nega também que se possa entende-la mediante o exame exclusivo das decisões no país subordinado6.

Deste modo a aliança entre Brasil e Estados Unidos não se deu por laços naturais compartilhados entre estas duas nações, nem simplesmente por uma imposição da grande potência. Ela foi fruto “de um processo de negociações árduas e contínuas entre os dois países”7

. A busca pela hegemonia encontrou resistências e demandou barganhas. O OCIAA, atuando em nome da política de Boa Vizinhança, buscava em suas atuações na América Latina um alinhamento que deveria perdurar no pós-guerra, e não apenas para garantir o suprimento de matérias primas e um sólido mercado consumidor, mas também para firmar os Estados Unidos como um padrão de civilidade a ser seguido; portanto quando afirmo que a agência tinha como uma de suas funções

5

MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil A penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 8.

6

Idem. Autonomia na dependência A Política Externa Brasileira de 1935 a

1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p. 42-43.

7

Idem. Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil durante e após a

(27)

consolidar a hegemonia estadunidense na região, não me refiro apenas à hegemonia política e econômica, mas também cultural, por considerar que estes aspectos são indissociáveis uns dos outros.A Nova História Política trouxe uma grande contribuição teórica ao colocar o político como uma instância específica que não é um mero reflexo do econômico, refutando assim um materialismo ortodoxo teleológico. “A política não segue um desenvolvimento linear; é feita de rupturas que parecem acidentes para a inteligência organizadora do real”8

. Logo, é preciso considerar também fatores “subjetivos, não racionais e suas implicações com o poder”9

. Desta forma, a cultura também é fundamental para se discutir e compreender o poder político. Entretanto é preciso evitar uma concepção de cultura enquanto um consenso, algo homogêneo que se configura dentro de um determinado sistema. Pelo contrário, acredito que o conceito de cultura remete a um campo de constante disputa entre interesses conflitantes. Assim,

Definir o controle em termos de hegemonia cultural não é desistir das tentativas de análise, mas se preparar para a análise nos pontos em que deveria ser feita: nas imagens de poder e autoridade, nas mentalidades populares da subordinação. (...) Uma hegemonia cultural (...) induz exatamente àquele estado de espírito em que as estruturas estabelecidas da autoridade e os modos de exploração parecem fazer parte do próprio curso da natureza. 10

Justamente esta „naturalização‟ do poder estadunidense na América é que era disputada dentro do campo político e cultural. E por mais que os Estados Unidos tenham atingido o seu grande objetivo,

8

REMOND, René.Por uma história política: Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Ed.

FGV, 1996. p. 449. 9

PEREIRA, L. M. Gramsci e Thompson: notas para uma história social da política. In: Simpósio Nacional de História – ANPUH, 26., 2011, São Paulo.

Anais... São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011. p. 3. É preciso ressaltar

que, embora a Nova História Política considere importante estes fatores subjetivos, não se deve fazer uma inversão de conceitos, levando em consideração ainda que a política se faz também a partir de interesses sociais. 10

THOMPSON, Edward P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 46.

(28)

deve-se sempre ressaltar que nenhuma hegemonia, mesmo quando bem sucedida, consegue ser total, e por mais que ela consiga estabelecer alguns limites ao surgimento de algumas alternativas, “não há nada determinado ou automático neste processo. Essa hegemonia só pode ser sustentada pelos governantes pelo exercício constante da habilidade, do teatro e da concessão”11

. Se na prática a aliança com o Brasil e o restante da América Latina veio através barganhas e concessões, o discurso do Office e da Boa Vizinhança pregava uma aproximação tranquila e natural, dado os laços culturais compartilhados entre os EUA e as repúblicas americanas, tais como o passado colonial, a constituição da nação pelos imigrantes, e a oposição ao mundo antigo representado pela Europa. Assim sendo, o OCIAA foi fundamental neste teatro de poder estadunidense, configurando como um importante ator internacional deste período. Neste sentido o estudo do Office nos permite admitir a participação de outros atores na política internacional, refletindo assim sobre as mais diversas formas de legitimação do poder dentro das sociedades capitalistas12.

Com base nestas considerações, o presente trabalho foi estruturado da seguinte forma: o primeiro capítulo, O Office of The Coordinator of Inter-American Affairs, faz uma análise do contexto dos Estados Unidos durante os anos 1930 e 1940 para compreender elementos chave na construção do OCIAA. Assim, são alvos dos estudos deste capítulo o governo Roosevelt e suas questões internas – como o New Deal – que levaram ao desenvolvimento da política de Boa Vizinhança, por sua vez representante de uma importante mudança no modo como os Estados Unidos passaram a conduzir sua política externa. Também é discutido o conceito de pan-americanismo, cujos valores nortearam as ações da Boa Vizinhança e da agência de Rockefeller. Por fim, é abordada a aliança do governo estadunidense com o setor privado na criação do OCIAA, fruto da convergência de interesses destes dois setores na busca pela consolidação da hegemonia dos Estados Unidos.

O segundo capítulo, O Coordenador vai a São Paulo, volta suas atenções para todo o processo que envolveu a criação do comitê regional de São Paulo e a contratação de Arnold Tschudy como seu presidente. Informações como o endereço do comitê, o seu espaço físico, os valores orçamentais, o seu quadro de diretores e de funcionários são levantadas a fim de enriquecer a compreensão de seu funcionamento e de suas

11

THOMPSON, Edward P. Op. cit. p. 79. 12

NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações

(29)

possibilidades de ação. Este capítulo também analisa o modo operante do comitê através da análise das fontes e seus grandes projetos e ações que possibilitaram o aumento e o enraizamento da presença dos Estados Unidos em São Paulo e região.

Finalmente o terceiro e último capítulo, Estreitando os laços com o Coordenador, é o momento da pesquisa em que a aproximação do comitê regional de São Paulo com segmentos mais específicos da sociedade são analisados. O eixo principal de análise está baseado na ideia de que estas aproximações ocorreram com base na troca de favores e no jogo de influências dos altos círculos sociais e políticos paulistanos. O primeiro foco de discussão era a relação do comitê com os representantes do governo federal em São Paulo, buscando entender que apesar de o Estado Novo e o Office terem seus próprios objetivos, a união entre ambos naquele momento se mostrava mutuamente vantajosa devido à confluência de interesses em determinados aspectos, tais como o combate à presença ideológica do Eixo e às tradições culturais estrangeiras. Em seguida, a proximidade do comitê com a imprensa bem como as atividades da Motion Pictures são discutidas como essenciais nos esforços de propagação dos ideais do Office na região. Por fim, as relações entre o escritório e o setor privado paulista, representado principalmente pela FIESP, fecha a discussão do trabalho ao discutir esta aproximação considerando a forte presença dos interesses privados estadunidenses na constituição do Office.

(30)
(31)

1 O OFFICE OF THE COORDINATOR OF INTER-AMERICAN AFFAIRS

Nós o consideramos (o Office) um programa de informação (com o objetivo de preservar) a liberdade e o modo de vida que nós temos acreditado enquanto nação desde o início. Nós tentamos trazer a eles (América Latina) a compreensão deste país, retratando honestamente a vida nos Estados Unidos. Nós tentamos demonstrar a eles nossa apreciação por valores culturais e espirituais, para que assim eles possam nos entender melhor e reconhecer que – assim como eles – nós temos aspirações similares, compartilhamos o mesmo senso de decência e o mesmo desejo de criar oportunidades para todos em proveito deles mesmos e através de seus próprios esforços. Nós acreditamos que apenas os povos que conhecem, confiam, e entendem uns aos outros podem trabalhar em conjunto de maneira efetiva para alcançar os seus melhores interesses futuros. Esta tem sido a base das nossas atividades de informação e continuará sendo a base enquanto nós continuarmos.13

O Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations Between the Americas foi criado em 16 de agosto de 1940 pelo governo dos Estados Unidos com o objetivo de fortalecer a influência deste país nas repúblicas da América Latina, ao mesmo tempo em que combatia quaisquer tipos de presença dos países do Eixo neste território. Atuando principalmente nas esferas comercial e cultural, a agência – que passou a se chamar Office of the Coordinator of Inter-American Affairs em 30 de julho de 1941 – atendeu às necessidades da política de Boa Vizinhança ao centralizar as atividades voltadas para América Latina, e chegou a contar com um total de 1.100 funcionários dentro dos Estados Unidos,

13

Fala de Nelson A. Rockefeller à uma comissão do senado dos Estados Unidos em 1945. Vide: ROWLAND, Donald, W. (dir.). History of the Office of the

Coordinator of Inter-American Affairs. Washington: United States Government

Printing Office, 1947. p. 42 n.7. Grande parte das fontes citadas aqui, bem como algumas referências bibliográficas, estão escritas em inglês, portanto as citações diretas a estes textos foram todas traduzidas pelo autor.

(32)

além de quase 300 outros técnicos em terras estrangeiras.14 A criação e manutenção de uma agência de tamanho porte em meio a um conflito mundial, sugere a relevância da América Latina dentro da agenda externa dos Estados Unidos neste período, e compreender esta importância é um passo fundamental para entender o Office. Entretanto este interesse pelos países ao sul do Rio Grande não veio à tona somente a partir da criação do Escritório do Coordenador, e foi peça chave na formulação da política de Boa Vizinhança e no projeto hegemônico dos Estados Unidos no continente americano.

Assim, o objetivo deste capítulo é analisar o contexto de ascensão do governo Roosevelt ao poder e sua política para a América Latina, que tiveram influência direta não só na criação do OCIAA, mas também no seu modo de atuação – que são os pontos de maior interesse aqui. 1.1 Os Estados Unidos nos anos 1930: Roosevelt, o New Deal e a Política de Boa Vizinhança

Quando assumiu o governo em 4 de março de 1933, Franklin D. Roosevelt encontrou um cenário ainda devastado pela crise de 1929 que demandava soluções urgentes. Apoiado desde sua campanha eleitoral por importantes blocos dentro dos setores industrial e financeiro, Roosevelt foi eleito com a missão de implantar uma série de medidas que marcariam mudanças significativas na política interna e externa dos Estados Unidos. Esta necessidade por mudanças era decorrente do fato de que a crise ocasionada pelo crash da bolsa de Nova York não se limitou apenas à esfera econômica, causando também sérios danos às esferas política e social, já que além das altas taxas de desemprego e quedas drásticas na produção e nas transações comerciais, a crise colocou em xeque os valores e as instituições liberais, uma vez que as velhas ferramentas do liberalismo econômico não eram capazes de apresentar uma saída viável para superação da crise. Segundo o historiador Eric Hobsbawm “o velho liberalismo estava morto, ou parecia condenado”15

, e esta crise sistêmica deu lugar a respostas das mais variadas possíveis, tendo como expoentes três grandes modelos: O primeiro era o comunismo marxista, já que suas previsões pareciam se confirmar e a União Soviética, que havia adotado este modelo desde a revolução de 1917, parecia não sentir os efeitos da crise – o que realçou

14

Ibidem. p. 8. 15

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos O breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 111.

(33)

o trauma da Grande Depressão; o segundo modelo era o nazi-fascismo que oferecera respostas rápidas à crise e teve grande apelo dentro de uma Europa arrasada. Por fim, a terceira via era através de um capitalismo associado à “social-democracia de movimentos trabalhistas não comunistas”16

, modelo que prevaleceu nos Estados Unidos.

É importante destacar que estes grandes modelos não serviram exatamente para quaisquer países em todos os quatro cantos do globo, tendo existido ainda outras respostas à crise, como por exemplo, na América Latina onde os impactos da crise foram absorvidos de maneira muito específica. “No caso brasileiro a resposta mais efetiva à crise geral do liberalismo apareceu em 1937, com o Estado Novo. Ainda assim, sua gestação começa com a Revolução de 1930, que por sua vez, teve relação, ainda que não fundamental, com a crise de 1929”17

. Voltarei meus esforços para o caso brasileiro mais adiante, pois neste momento irei me ater ao caso dos Estados Unidos, cuja resposta interna para a Grande Depressão foi o New Deal, enquanto para a política externa foi a política de boa vizinhança voltada para a América Latina.

Com a descrença provocada pela crise ficou cada vez mais claro para os governos liberais que suas novas políticas tinham que dar mais ênfase à esfera social do que à econômica. “Os perigos implícitos em não fazer isso – radicalização da esquerda e, como a Alemanha e outros países agora o provavam, da direita – eram demasiado ameaçadores”18. Foi então que ideias de um capitalismo alternativo à economia de livre mercado passaram a ganhar cada vez mais força, tendo como um dos grandes nomes o então jovem economista John Maynard Keynes. Ainda durante a década de 1920, Keynes já vinha chamando atenção por suas críticas ao sistema econômico hegemônico no mundo ocidental, e fez duras acusações ao capitalismo revanchista adotado pela França e demais países da Europa ao manter a Alemanha enfraquecida como forma de proteção, pois segundo ele seria impossível restaurar as economias liberais no velho continente de maneira estável sem restaurar a economia alemã. Durante a Grande Depressão, Keynes acreditava que os governos deveriam intervir na economia priorizando os gastos sociais e garantindo o pleno emprego, pois a crise seria contida se os

16

HOBSBAWM, Eric. Op. cit. p. 111. 17

MINELLA, Jorge Lucas Simões. Pan-Americanismo no Brasil: uma

abordagem conceitual a partir do Estado Novo. Dissertação de Mestrado.

Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. p.111.

18

(34)

investimentos não fossem mais aplicados na ampliação da capacidade produtiva, mas sim na capacidade de consumo. Logo, o Estado precisava investir em obras de infraestrutura, que não só eram importantes para se manter um Estado de bem-estar social, como também garantiriam empregos e, consequentemente, o aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores.

Roosevelt e seu grupo estavam convencidos de que as ideias de Keynes poderiam servir de base para um novo projeto capaz de realizar as alterações políticas e econômicas de que os Estados Unidos necessitavam, e este projeto foi o New Deal19. É importante destacar que mesmo entre os seus criadores, os New Dealers, não havia um consenso quanto a quais políticas econômicas seriam mais eficientes para combater a Grande Depressão, porém, havia um eixo central que era comum a todos eles: “a convicção de que o Estado teria um papel central em todo o processo de recuperação econômica, dada a incapacidade do mercado em se autorregular em níveis adequados de emprego, produção e consumo”20

. É possível afirmar que o New Deal “alterou a relação anteriormente existente entre Estado e economia, além de estabelecer um „pacto socialdemocrata‟ baseado na articulação tripartite entre poder sindical (devidamente disciplinado), governo federal e empresariado”21

.

Partindo da conclusão de que a crise era resultado de um desequilíbrio entre capacidade de consumo e capacidade de produção, o New Deal tinha como objetivo elevar o poder de compra dos trabalhadores para conseguir sustentar a demanda. Diversos programas governamentais foram criados com este intuito, dos quais dois nos servem como exemplos: o AAA (Agricultural Adjustment Act) referente à produção agrícola, e o NIRA (National Industrial Recovery Act) referente à produção industrial. O AAA propunha subsidiar os agricultores para que estes produzissem menos e assim os preços dos produtos fossem elevados. Este projeto sofreu grande resistência da

19

Interessante notar que o livro Keynes – The General Theory of Employment,

Interest and Money (Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda) – foi

publicado apenas em 1936, quando o New Deal já era aplicado enquanto política do governo Roosevelt.

20

LIMONCIC, Flávio. Os Inventores do New Deal Estado e sindicatos no

combate à Grande Depressão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.

21. 21

MONTEIRO, Érica G. Daniel. Quando a Guerra é um Negócio: F. D.

Roosevelt, Iniciativa Privada e relações interamericanas durante a II Guerra Mundial. Curitiba: Editora Prismas, 2014. p. 38

(35)

oposição até que foi declarado inconstitucional em 1936, fazendo com que o governo aprovasse uma segunda lei, a SCDA (Soil Conservation and Domestic Allotment Act), que pagava os agricultores para que estes conservassem a qualidade do solo, ou seja, também limitava a produção ao retirar parte do solo para o plantio, o que acarretava no aumento dos preços. Já o NIRA estabelecia códigos de competição entre empresas de um mesmo setor com o objetivo de que estas não pudessem mais utilizar o arrocho salarial como forma de competividade, melhorando assim o poder de compra dos trabalhadores22. Estas medidas evidenciaram a quebra na ideia de livre mercado ao buscar a mediação de classes através do Estado.

Visando solucionar, ou pelo menos amenizar os problemas causados pelo alto número de desempregados, também foram desenvolvidas redes de assistência social para o auxílio imediato da população através da criação de renda e ofertas de emprego. Neste sentido foram criados seguro desemprego, programa de incentivo aos agricultores, cursos profissionalizantes, programa de alfabetização, além de obras faraônicas bancadas pelo Estado que empregaram milhões de cidadãos estadunidenses. Estas políticas sociais angariaram popularidade ao governo e aos Democratas, principalmente dentre as camadas mais pobres e as minorias, o que foi essencial para que este partido obtivesse grande número de vitórias nas eleições para o poder legislativo em 193423.

Deste modo é possível afirmar que o New Deal foi uma das principais respostas à Grande Depressão, representando um marco na história estadunidense, entretanto é preciso relativizá-lo. A historiografia de tradição liberal dos Estados Unidos por muito tempo o caracterizou como uma solução definitiva para crise, que surgiu de um consenso interno e da excepcionalidade estadunidense, o que consequentemente não dava espaço para a possibilidade da existência de outros projetos políticos que faziam oposição ao projeto do governo Roosevelt e disputavam o cenário político. No final dos anos 1960, uma nova geração de estudiosos, influenciados pela New Left britânica, passou a questionar esta visão tradicional ao apontar que o New Deal, embora tenha promovido mudanças importantes, teve caráter conservador na medida em que foi criado para manter e restabelecer o sistema liberal estadunidense, não conseguindo solucionar vários problemas sociais que estavam postos naquele contexto, tais como redistribuição de renda ou

22

LIMONCIC, Flávio. Op. cit. p. 22-23. 23

(36)

extensão da igualdade social. Um grande exemplo disso é que o New Deal não enfrentou as leis segregacionistas que assolavam o país, assim como também excluiu as mulheres de importantes legislações, não promovendo igualdade de oportunidades entre os gêneros24. Os impactos do New Deal continuam sendo temas das discussões dentro das ciências humanas, e após a crise de 2008 esta discussão ganhou ainda mais fôlego. Os cientistas políticos Jefferson Cowie e Nick Salvatore consideram o New Deal uma grande exceção - ou em suas palavras uma “aberração histórica” - na história estadunidense, sendo muito mais um subproduto da Grande Depressão do que um triunfo do Estado de bem-estar social25.

É preciso considerar, ainda, que havia projetos antagônicos e resistências ao New Deal no momento em que este era hegemônico, sendo ele “resultado de projetos sociais e políticos conflitantes.”26

Se por um lado as suas medidas angariaram popularidade e apoio de alguns setores da sociedade, por outro causou grande estranhamento e resistência dos setores mais conservadores – tanto de Republicanos quanto de Democratas – fazendo com que muitas novas políticas fossem barradas no congresso e o New Deal não alcançasse todos os objetivos que prometera. Devido a estes atritos internos somados ao delicado contexto político, social e econômico mundial, é possível afirmar que ele nunca foi “um projeto acabado e definido, tendo assumido tendências variadas nos anos que se seguiram”27

.

O grupo que fazia oposição ao New Deal era composto em sua maioria pelo capital industrial voltado para o mercado interno, que por sua vez se organizou com conservadores dos dois partidos para fundar, ainda em 1934, o aparelho privado chamado American Liberty League, que tinha como objetivo fazer oposição às reformas sociais e à legislação trabalhista proposta pelo governo Roosevelt. Do outro lado, os apoiadores do New Deal, conhecidos como bloco multinacional, eram ligados aos setores industriais, comercias e financeiros com interesses

24

O Social Security Act de 1935, por exemplo, “que previa pensões para idosos e seguro-desemprego, deixou mulheres e negros fora de sua cobertura, pois não englobou, por força do veto democrata sulista, trabalhadores agrícolas nem domésticos, nem temporários”. LIMONCIC, Flávio. Op. cit. p. 26.

25

COWIE, Jefferson; SALVATORE, Nick. The Long Exception: Rethinking the

Place of the New Deal in American History. International Labor and

Working-Class History, Cambridge University Press, n.74, p. 3-32, 2008. 26

MONTEIRO, Érica G. Daniel. Op. cit. p.31-35. 27

(37)

voltados para o mercado internacional, tais como a Standard Oil Company, a Coca-Cola, e o Bank of America. Este bloco financiou a campanha de Roosevelt, e desde este período exigia em troca de seu governo políticas de abatimento das tarifas alfandegárias,

pois pertenciam a setores que estavam interessados na ampliação do mercado internacional e na constituição de um mercado de massas, a fim de que pudessem expandir as vendas de seus produtos e consolidar suas marcas. Afinal, eram líderes no mercado doméstico e mundial em seus segmentos e, ao se aliarem a financistas internacionais, almejavam conquistar o livre comércio global.28

Desta forma o bloco multinacional via vantagens em aceitar ou favorecer as políticas Keynesianas de intervenção governamental ativa na economia, pois desenvolveria os mercados externos e subsidiaria as indústrias de alta tecnologia. A questão era: para onde este mercado poderia se expandir? Neste período quase todo o continente Africano e grande parte da Ásia eram colônias europeias, portanto inviáveis. Logo, a América Latina despontava como “uma das poucas partes do mundo em que os mercados poderiam ser acessados por novos atores através da diplomacia”29

. Entretanto, apesar dos Estados Unidos terem suplantado a hegemonia inglesa na América Latina no início do século XX30 e com isso terem se consolidado como a potência hegemônica no continente, a crise de 1929 colocou esta hegemonia sob risco afetando não apenas os interesses comerciais como também governamentais, que acabaram convergindo na formulação de uma nova política externa capaz de resgatar a preeminência estadunidense. Pode-se dizer assim que a Política de Boa Vizinhança emergiu das novas demandas comerciais e das recentes correlações de força que se estruturaram internamente nos EUA.

Embora o termo „bons vizinhos‟ tenha sido registrado pela primeira vez em um discurso de seu predecessor - Herbert Hoover – em

28

MONTEIRO, Érica G. Daniel. Op. cit. p. 47. 29

MINELLA, Jorge Lucas Simões. Op. cit. p. 129. 30

Ao fim da I Guerra Mundial (1914-1918) os Estados Unidos eram a maior economia, o maior credor, o maior exportador, e, depois da Inglaterra, o maior importador do mundo. HOBSBAWM, Eric. Op. cit. p. 104.

(38)

Honduras no ano de 192831, a política de Boa Vizinhança foi obra do governo Roosevelt32, traduzindo-se em ações que representaram um turning point das relações dos Estados Unidos com a América Latina. Porém é preciso ressaltar que esta política não se desenvolveu a partir de um discurso linear que teve início com Hoover até se consolidar no início dos anos 1940 sob o governo Roosevelt, muito pelo contrário, ela foi arduamente discutida e (re)pensada por diferentes atores políticos, e, portanto, é preciso entende-la levando em consideração estas diferenças - o que a torna indissociável da política interna do país33 -, além, é claro, de também compreendê-la em meio a disputa que Estados Unidos e Alemanha travavam pelo mercado latino-americano.

Quando a influência estadunidense enfraqueceu, a América Latina passou a ser palco de uma disputa política, econômica e ideológica entre dois sistemas de poder34: de um lado os Estados Unidos, que após a crise econômica adotou um novo formato de capitalismo, com maior presença do Estado no plano econômico e realizando investimentos massivos, onde neste contexto a América Latina se configurou como principal fonte de matérias primas e mercado para a economia estadunidense em expansão. Do outro a Alemanha, que com a ascensão do partido nazista ao poder em 1933, além do

31

Hoover assumiu a presidência dos Estados Unidos em março de 1929. No período do discurso em Honduras ele ainda ocupava o cargo de Secretário do Comércio do governo de Calvin Coolidge (1923-1929). Durante os sete anos em que ocupou este cargo, Hoover trabalhou para delinear políticas que viriam a ser algumas das bases da política de Boa Vizinhança, tentando redirecionar os massivos gastos dos Estados Unidos em ocupação militar para a ampliação do alcance do setor comercial, e para isso foi preciso combater a forte influência da política isolacionista tanto no congresso quando na opinião pública. VALDEZ, Virgínia Mara Hinojosa. Além da Crise Hemisférica: Diplomacia, propaganda

e política nas relações entre Brasil e Estados Unidos (1937-1946). Dissertação

de Mestrado. Programa de Pós-graduação em História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012. p. 29.

32

TOTA, Antônio Pedro. O Imperialismo Sedutor A americanização do Brasil

na época da Segunda Guerra. Companhia das Letras: São Paulo, 2000. p. 177.

33

MONTEIRO, Érica G. Daniel. Op. cit. p. 25. 34

“Entendo por sistema de poder a constelação de Estados, composta de um centro hegemônico (grande potência) e sua respectiva área de influência (Estados aliados subordinados). A direção geral do sistema é dada naturalmente pelo centro hegemônico, mas as relações que este mantém com os aliados subordinados são muito diferentes”. MOURA, Gerson. Autonomia na... Op. cit. 1980. p. 41.

(39)

sentimento revanchista oriundo das humilhações sofridas na I Guerra, passou a buscar o seu desenvolvimento e se elevar à categoria de potência mundial. Desta forma, sua necessidade de conquistar novos mercados associada à política expansionista levaram a Alemanha a voltar-se também para América Latina.35

O grande trunfo da Alemanha nesta disputa era o comércio de compensação. Criado em 1934 pelo governo nazista, este tipo de transação comercial foi feito com a intensão de economizar as tão escassas divisas de aceitação internacional - algo que atingia não apenas a América Latina como também a Alemanha – utilizando em seu lugar o sistema de marco aski36, ou marcos de compensação. Os comerciantes da América Latina conseguiam negociar com os alemães abrindo contas especiais em seus bancos nacionais que faziam as transações com os bancos alemães convertendo as moedas locais em marcos aski. Tomemos o comércio entre Brasil e Alemanha como exemplo para compreender o comércio de compensação:

Bancos brasileiros abririam contas especiais em bancos alemães e os importadores alemães, depois de obterem as necessárias permissões de um escritório de controle de importações, depositariam seus pagamentos em marcos alemães nestas contas, a crédito do vendedor brasileiro. As contas ou marcos aski (como eram normalmente chamadas) somente poderiam ser utilizadas pelos brasileiros para comprar produtos alemães de exportação. Feito o depósito, o exportador brasileiro conseguiria através do Banco do Brasil vender seus marcos aski mediante instruções do banco brasileiro que quisesse comprar produtos alemães. O exportador alemão seria pago pelo banco alemão que mantinha a conta aski mediante instruções do banco brasileiro. O sistema tendia a aumentar o comércio entre Brasil e Alemanha porque, como as exportações brasileiras para a Alemanha se multiplicavam, o Banco do Brasil se

35

MOURA, Gerson. Autonomia na... Op. cit. p. 54-55. 36

Aski era a sigla para Aüslander-Sonderkoten für Inlandzahlungen (Contas Especiais de Estrangeiros para Pagamentos Internos). Tradução de MCCANN Jr., Frank D. Aliança Brasil Estados Unidos 1937/1945. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército: Editora, 1995. p. 127.

(40)

viu com grandes quantidades de marcos aski, que poderia descarregar, bastando reduzir o nível da venda. Isso tendia a reduzir os preços dos produtos alemães para os importadores brasileiros, o que levava a um aumento das exportações alemãs para o Brasil.37

Para que esta nova moeda tivesse sucesso era preciso que houvesse a aceitação legal por parte das demais nações, e para a sorte dos alemães eles não eram os únicos a sofrerem com embargos econômicos e limitações comerciais. A maioria dos países latino americanos não conseguia crédito por permanecer inadimplente com suas dívidas externas38, e assim ficava em grande parte impossibilitada de importar os bens de que necessitava, já que as divisas internacionais eram escassas e muitas potências haviam fechado seus mercados para as matérias primas da América Latina em decorrência da crise e das práticas coloniais. Desta forma, o comércio de compensação se tornava muito atrativo para as nações latino americanas, uma vez que possibilitava uma alternativa ao mercado liberal39.

Por outro lado, o comércio de compensação não conseguia resolver por completo os problemas comerciais da América Latina. Ao vender seus produtos para a Alemanha, o pagamento recebido em marco aski só poderia ser utilizado para comprar produtos alemães, ou seja, não era possível utilizar esta moeda – já que ela não era reconhecida internacionalmente - para comprar bens de outros países ou muito menos quitar parte de suas dívidas para obter crédito no exterior, o que não gerava, portanto, saldo real de divisas internacionais. Mesmo assim o comércio de compensação era vantajoso para os exportadores da

37

MCCANN Jr., Frank D. Op. cit. 38

A forte presença conservadora no congresso estadunidense foi um grande entrave para a política de Boa Vizinhança que de certa forma acabou por favorecer o avanço da influência alemã na América Latina. O deputado Hiriam Johnson, por exemplo, conseguiu fazer aprovar uma lei que impediu os Estados Unidos – até 1938 - de conceder empréstimos para nações inadimplentes, fazendo com que consequentemente os Estados Unidos não pudessem prestar ajudas econômicas ao Brasil e outros países da América Latina para combater a influência do Eixo, principalmente alemã, nestes países. HAZA, Jonathan C. Ruano de la. The Good Neighbor Policy in a geopolitical context: 1934—1941. Tese de Doutorado. Departamento de História. Universidade de Ottawa. Canada, 2007. p. 11.

39

(41)

América Latina, que apesar da constante desvalorização do marco aski, não encontravam dificuldades em vender seus produtos à preços atrativos uma vez que a demanda dos alemães era enorme. Desta forma, o comércio de compensação era um verdadeiro empecilho para o grande vizinho do norte já que esta prática quebrava com a lógica do sistema liberal de livre comércio, o que era condenado como prática ilegal e injusta pelos Estados Unidos, que na posição país hegemônico e líder de um sistema de poder tinha que defender as regras liberais para se sustentar enquanto potência. À medida que a Alemanha ganhava espaço, os estadunidenses precisavam fortalecer a sua influência de alguma forma, e a saída foi a política de Boa Vizinhança.

Segundo a historiadora Darlene Sadlier, os anos da Boa Vizinhança foram um período singular nas relações dos Estados Unidos com a América Latina, e talvez o único momento na história em que os termos „América‟ e „americanos‟ tenham sido empregados para designar o conjunto das 21 repúblicas do continente40, como se todas fizessem parte de uma única e grande família. Palavras como „vizinho‟, „amigo‟, „irmão‟, além de expressões como „esforços continentais‟ ou „interamericanos‟, ganharam força no vocabulário político deste período41, expressando a necessidade de união e cooperação entre as Américas sob um ideal pan-americano42. Através da Boa Vizinhança os Estados Unidos, além de combaterem a influência Alemã pautada principalmente pelos acordos do comércio de compensação, buscaram se tornar o paradigma de civilização a ser seguido por seus vizinhos do sul, difundindo seus valores, seu estilo de vida – o american way que também foi uma construção deste período – e seus hábitos de consumo, intensificando suas ações na medida em que a eclosão de um conflito mundial tornava-se iminente.

Ainda que se deva ter cuidado para não analisá-la como oportunista e monolítica, a Política de Boa Vizinhança teve seu ápice no período da II Guerra Mundial. (...) aos poucos ocorreu uma paulatina

40

SADLIER, Darlene J. Op. cit. p. 2. 41

GATTI, Maria A. Giradello. Nas entrelinhas da Boa Vizinhança: literatura e

política na trajetória de Érico Veríssimo entre Brasil e Estados Unidos (1941-1945). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História,

Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. p. 29.

42

(42)

valorização do padrão cultural norte-americano, em detrimento do europeu. Essa transformação não se deu de forma espontânea, foi fruto da formação de uma sociedade urbano-industrial na América Latina e de um investimento político-ideológico do governo norte-americano.43

Ao entender a política de Boa Vizinhança como um dos pilares do sistema de poder estadunidense, é preciso ressaltar que ela foi aplicada de maneira heterogênea e gradual de acordo com as especificidades internas de cada país. Mesmo assim, o objetivo principal era consolidar o total alinhamento da América Latina aos EUA, firmando esta potência como centro hegemônico do continente.

Para que este objetivo fosse atingido, no entanto, o governo Roosevelt teve que lidar com algumas resistências internas, das quais duas merecem destaque: a postura conservadora e isolacionista do congresso e de parte da opinião pública, e a imagem extremamente negativa acerca da América Latina que foi construída e alimentada dentro dos Estados Unidos.

Por muitos anos ganhou força a ideia de autossuficiência estadunidense devido a sua grande capacidade de produção enquanto nação, entretanto, como já pontuado aqui, a crise de 1929 evidenciou que esta autossuficiência era uma falácia, e para que os Estados Unidos pudessem manter sua posição no mundo era preciso realizar políticas que fossem mais adequadas ao seu escopo. Desta maneira Roosevelt angariou apoio de setores governamentais e privados que estavam alinhavados com o seu posicionamento em relação à agenda exterior, tendo não apenas contado com o apoio de empresários na formulação e aplicação de preceitos da Boa Vizinhança – o que, como veremos posteriormente, foi fundamental para a criação do Office – como também indicado para diversos cargos de seu governo políticos que claramente adotariam medidas agressivas em relação ao Eixo e de reciprocidade com a América Latina44, como foi o caso de Summer Welles. Nomeado como Subsecretário de Estado em 1933, Welles fora chefe da Divisão de Assuntos Latino-Americanos do Departamento de Estado durante o governo de Calvin Coolidge, além de ter participado da campanha eleitoral de Roosevelt e ter sido um dos elaboradores. Em vista disso a indicação de um especialista em América Latina para o

43

MONTEIRO, Érica G. Daniel. Op. cit. p. 70. 44

Referências

Documentos relacionados

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

pelo capricho", e "com os tres poderes bem divididos." Para redigir o projecto da magna carta, ele-- geu-se uma comissão composta de sete membros: Antonio Carlos Ribeiro

Estes resultados demonstram que o processo de oxidação ocorreu em diferentes graus em cada síntese, formou óxidos com baixo espaçamento interplanar e a morfologia de folhas

Nas últimas décadas, os estudos sobre a fortificação alimentar com ferro no país têm sido conduzidos na tentativa de encontrar uma maneira viável para controle da anemia

Por fim, integrando todos os tópicos dessa investigação, espero que a compreensão da experiência estética e do engajamento estético tecidos pelo canto desenvolvidos nesse trabalho,

Como para a Psicologia Social o comportamento humano não é determinado nem só pelo mundo interno do indivíduo e nem só pelo seu mundo externo, mas pela interação de ambos, isto

c) CERTIFICADO DE CONCLUSÃO VIA ENCCEJA, ACOMPA- NHADOS DE HISTÓRICO ESCOLAR (com notas de 60 a 180): Serão consideradas as notas nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática

Reduzir desmatamento, implementar o novo Código Florestal, criar uma economia da restauração, dar escala às práticas de baixo carbono na agricultura, fomentar energias renováveis