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Dimensões e tendências da grande crise capitalista contemporânea (2007-2017)

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INSTITUTO DE ECONOMIA

ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO

Dimensões e tendências da grande crise

capitalista contemporânea (2007-2017)

Campinas

2019

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INSTITUTO DE ECONOMIA

ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO

Dimensões e tendências da grande crise

capitalista contemporânea (2007-2017)

Prof. Dr. Denis Maracci Gimenez – orientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico na área de Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO,

ORIENTADO PELO PROF. DR. DENIS

MARACCI GIMENEZ.

Campinas

2019

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INSTITUTO DE ECONOMIA

ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO

Dimensões e tendências da grande crise

capitalista contemporânea (2007-2017)

Prof. Dr. Denis Maracci Gimenez – orientador

Defendida em 14/02/2019

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Denis Maracci Gimenez - Presidente Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. João Carlos Kfouri Quartim de Moraes Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. Antonio Renildo Santana Souza

Universidade Federal da Bahia (UFBA) Prof. Dr. Alessandro Cesar Ortuso Faculdades de Campinas (FACAMP)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Ao Professor Doutor Denis Maracci Gimenez, sem o qual não teria tido o empenho de retomar o trabalho desta pesquisa iniciado há alguns anos. Sua paciência, desprendimento e sugestões foram responsáveis por ter sido finalizado o estudo. Denis deu sequência em orientar à ideia inicial dessa discussão, que teve o Professor Doutor Carlos Alonso B. de Oliveira como primeiro tutor.

Essa tese, no seu esboço, sofreu leitura e observações de José Carlos S. Braga, de Luiz G. Belluzzo e de João Quartim de Moraes, mestres da mais alta relevância no estímulo e formação de gerações de pesquisadores das Ciências Humanas no Brasil. A eles, o meu sincero agradecimento.

Igualmente, sem o apoio de meus companheiros da direção nacional do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), especialmente de Adalberto Monteiro, Luciana Santos, Walter Sorrentino e Renato Rabelo, liberando-me, na medida do possível, de tarefas, dificilmente haveria de concluir esse trabalho.

Os amigos (as) incentivadores e funcionários (as) que estiveram envolvidos com as minhas atribuições acadêmicas, do mesmo modo contribuíram para que levasse adiante a conclusão do doutorado.

Muito obrigado a todos (as)

PS: Conclusivamente, foram críticos generosos da defesa desta Tese, os professores doutores Alessandro Ortuso (FACAMP), Antonio Renildo Souza (UFBA), Denis Maracci Gimenez (UNICAMP), João Quartim de Moraes (UNICAMP) e Luiz Gonzaga Belluzzo (UNICAMP/FACAMP). Também Alonso Barbosa de Oliveira, Anselmo Luís dos Santos e Denis M. Gimenez muito contribuíram quando da qualificação da pesquisa para a discussão na banca examinadora. Reitero a todos meu enorme apreço.

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Epígrafes

À minha querida mãe Maria José Rocha Barroso

A meus irmãos, Carlos Maurício e Marcos Antônio e a nossa

amizade - feito vinho

Em memória de Aloisio Barroso (1926-2008) o responsável

primeiro por nossa educação.

À Paula Vilhena, minha companheira, a quem não tenho

palavras para agradecer o tamanho de seu apoio

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Resumo

Esta Tese discute as dimensões e as tendências atuais da crise capitalista global detonada em 2007-8, em seu longo processo (2007-2017). Trabalha especialmente com categorias nucleadas pelo marxismo, mas não só. Teoricamente, se insere nas variantes da economia política de diversas escolas críticas da apologia do neoliberalismo. Assim, debate as origens da grande crise deste início do século XXI, a partir da nova roupagem do regime de acumulação financeirizado e substitutivo do acordado em Bretton-Woods. Sublinha o colapso dos fundamentos teóricos do capitalismo neoliberal, a partir de uma visão crítica da economia política neoclássica e suas explicações inverossímeis, fantasiosas; assim como de saídas para a crise por caminhos que renegam suas próprias bases epistemológicas - flagrante aporias. Ao apontar e caracterizar as fases dessa crise – persistente, sistêmica e socialmente regressiva e reacionária - assinala tendências contemporâneas deste capitalismo, ao tempo em que critica a ideia de “estagnação como modo de ser” do capitalismo da época dos monopólios subsumido à grande finança. Sugere transformações operadas na base técnica deste capitalismo (em crise), que reconfiguram a fase desta etapa do imperialismo, e seus grandes impasses.

PALAVRAS-CHAVE – Crise sistêmica global – depressão – financeirização – revolução industrial - estagnação/crescimento - desenvolvimento

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This thesis discusses the current dimensions and trends the global capitalist crisis detonated in 2007-8, in his long process (2007-2017). It works especially with Marxism nucleate categories, but not only. Theoretically, it is inserted in the variants of the political economy of several openly critical of the apology of neoliberalism schools. Thus, this thesis debates the great crisis of the earlier XXI Century origins, from its new outward appearance of the financialized accumulation and substitutive of Bretton-Woods Agreement regime. It stresses the collapse of neoliberal capitalism theoretical foundations based on a critical view of neoclassical political economy and on its implausible, fanciful explanations; as well as the crisis way outs that deny their own epistemological bases — clear aporias. By indicating and characterizing the phases of this — persistent, systemic, socially regressive and reactionary — crisis, it points to the contemporary tendencies of capitalism, while criticizis the idea of "stagnation as mode of being" of monopoly age subsumed to great finance capitalism. It suggests transformations operated on technical basis of this capitalism (in crisis), which reconfigure the phase of this stage of imperialism and its great impasses.

KEYWORDS - Global systemic crisis - depression - financialization - industrial revolution - stagnation / growth – development

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APRESENTAÇÃO 11-16

INTRODUÇÃO 17-21

CAPÍTULO 1. Espectros da grande crise global 22-43

1.1 - Outro “crepúsculo de ilusões” 22-24

1.2 - O “modelo” da depressão 25-26 1.3- O sistema bancário sombra (na depressão) 26-28

1.4 - Os gráficos “depressivos” de Eichengreen & O’Rourke 28-30 1.5 - Anwar Shaik e a primeira grande depressão do século XXI 30-31

1.6 - Michael Roberts e a “Longa depressão” 31-32 1.7 - Historicidade das categorias e dialética 32-37

CONSIDERAÇÕES FINAIS 37-43 CAPÍTULO 2 - Evolução e dinâmica à grande crise. Relato estilizado da construção da

crise global 44-56 2.1 - Emergência de um novo padrão de acumulação 44-45 2.2 - Liberalização financeira, instabilidade e crises 46-47

2.3 - O novo regime de “mercados autorregulados” (1980-90) 47-48

2.4 - Financeirização e crises 48-51 2.5 -A crise em sua tipificação exteriorizada 52-56

CAPÍTULO 3 - A grande crise e tendências do capitalismo contemporâneo 57-99 3.1 - Neoliberalismo, conceito e crise: reconfigurando o debate 57-60

3.2 - Globalização neoliberal e a nova divisão internacional do trabalho: no rastro da

crise 60-66 3.4 - Neoliberalismo e fases da crise iniciada em 2007-8: uma periodização 66-69

3.5 - A crise em sua definição plena 69-70

3.6 - Superacumulação e crises financeiras - um olhar a partir de Marx 70-72 3.7 - O histórico e o lógico. Desconhecimento e negação da teoria de Marx 72-74

3.8 – Abstração real, capital fictício e crises 74-76 3.9 - Superacumulação e a polêmica Lei da Tendência de Queda da Taxa de Lucro76-80

3.10 - Sistema de crédito, especulação e crises 80-82 3.11 - Um debate sobre tendências atuais do capitalismo 82-89

3.12 - Crises e revoluções industriais 88-94 3.13 - Desemprego estrutural e crescente 94-96 3.14 - Limites históricos ou nova fase do capitalismo? 96-98

CONSIDERAÇÕES FINAIS 98-99

CAPÍTULO 4 - Crise, estagnação, e crescimento no capitalismo dos monopólios: a

crítica marxista de Lênin 100-126

4.1 - Marxismo e escatologia 101-102

4.2 - Refúgios do marxismo vulgar 102-104

4.3 - Lênin desenvolve o marxismo 105-107 4.4 - Lênin e as controvérsias sobre a “teoria do colapso” 107-109

4.5 - Lênin, dialética e economia política 109-111

3.5 - “Subconsumismo” e “estagnacionismo”: deformações siamesas 112-115 3.6 - Crescimento-crise. Mutações do capital monopolista financeiro 115-120

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CONCLUSÕES 127-133

BIBLIOGRAFIA 134-162 APÊNDICE 162-200

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Apresentação

Esta investigação, em seu conjunto, possui uma orientação epistemológica nucleada na economia política marxista - mas não só. Considera que os desenvolvimentos teóricos em J. HOBSON, V. LÊNIN, J. SCHUMPETER, M. KALECKI, J.M. KEYNES, mais recentemente J.P.H. MINSK, e vários de seus seguidores contemporâneos confluem como construtores de um poderoso edifício da economia política crítica e progressista, suficientemente consistente para explicar e perspectivar a natureza da dinâmica ciclo-crise do capitalismo atual.

Focada na natureza e nas implicações gerais da tempestade financeira e econômica que desabou desde 2007-8, argumenta que a teoria que sustenta a postulação neoliberal – que a interpreta e projeta saídas dessa grande crise -, involuiu de tal maneira a alcançar uma degeneração caricatural da economia política neoclássica. Não se trata de retórica.

A Economia Política Neoclássica foi configurada numa escola do pensamento econômico que passa a ser hegemônica (entre 1870 e 1930, aproximadamente), onde suas bases teóricas tem como vértice a ideia de que o Estado não deve se intervir nos assuntos do mercado; o mercado assim poderia funcionar livremente.1

Essa teoria não aceita o caráter endógeno das crises no regime econômico-social do capital: elas são episódios eventuais em geral causados por “desequilíbrios dos mercados” ou mesmo pela intervenção dele.2 Ora, ainda que não sejam idênticas as

1 Variante do liberalismo econômico, surgiu em fins do século XIX, com o austríaco Carl Menger (1840-1921), o inglês William Stanley Jevons (1835-1882) e o suíço Léon Walras (1834-1910). Num outro estágio, o inglês Alfred Marshall (1842-1924), o sueco Knut Wicksell (1851-1926), o italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) e o estadunidense Irving Fisher (1867-1947). Autores dividem-na em Escola Walrasiana, Escola de Chicago e Escola Austríaca (CARNEIRO, 2002; SANDRONI, 2005). Nesta última pontificou F. V. Hayek (1899-1992), também um líder teórico do individualismo e do subjetivismo metodológico (ANDRADE, 2003).

2 Vale notar que, N. GIALL (2009) sublinha que a própria Anna J. SCHWARTZ, com Milton

FRIEDMAN co-autora de “História Monetária dos Estados Unidos” (1963), explicou o seguinte: “A crise do crédito foi propagada pela securitização e, especialmente, pela adoção do modelo “originar para distribuir” de concessão de crédito bancário, em substituição ao modelo tradicional “originar para guardar”. Essas inovações bancárias, e, especialmente, as práticas da indústria de derivativos, agravaram os problemas. (...) Os principais culpados pela crise atual são os engenheiros financeiros que inventaram a securitização dos empréstimos hipotecários e também o empréstimo hipotecário de alto risco. A securitização passou do setor de empréstimos hipotecários para a emissão de papéis comerciais, para o de contas de cartão de crédito a receber e outras categorias de empréstimos”. (Ver: “Dinheiro, ganância,

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teorias econômicas neoclássicas e a doutrina do neoliberalismo – trata-se de uma espécie de remake -, o incontornável é que a crise que atormenta grandes massas trabalhadoras e alastrou as desigualdades é uma incontestável débâcle multilateral da sustentação ideológica do capitalismo contemporâneo, ainda que não haja ocorrido seu funeral.

Em seu estudo clássico, e conforme criticou também H.P.MINSKY,3 eis a síntese neoclássica: na ausência de choques externos, um sistema de livre mercado sempre surgirá – sempre – “um equilíbrio autossustentado de pleno emprego e preços estáveis”.

Essa teoria foi paulatinamente “sequestrada” pela financerização das diversas formas de riqueza do capitalismo. Sequestro este que, a) tornou-a refém permanente do oligopólio financeiro mundial, até liquidar-se o conjunto da legislação protetiva da “repressão financeira” construída após a Grande Depressão dos anos 1930; b) o que culmina no mergulho depressivo iniciado em 2007-8, fenômeno global que desde então arrasta penosamente a economia mundial a violentos retrocessos.

Teoria neoclássica, aliás, deformada a tal ponto que chegou a ser defendida por Douglass NORTH (Nobel em Economia) como geradora de extensão da teoria política contemporânea. Mascarada de “institucionalista”, as postulações neoclássicas de North vão desde: a) a ideia de que não temos nenhuma teoria convincente – “permanece sem explicação” - da sociologia do conhecimento que dê conta da eficácia (ou ineficácia) de ideologias; b) de que o modo “pelo qual a mente processa informações” embasa a existência de instituições, sendo essencial no conjunto de escolhas na evolução das sociedades, “tanto no curto quanto no longo prazo”; c) onde, ainda que não tenhamos uma boa explicação “para as normas sociais”, podemos modelar essa normas com “propriedade de maximização da riqueza” a partir da teoria do jogos, o que amplia nossa compreensão de formas de troca “mais complexas, a exemplo da evolução inicial dos mercados financeiros”; d) ou ainda que, é simplesmente “impossível” interpretar a história ou as economias contemporâneas “sem reconhecer o papel central das

3 Ver: “Estabilizando uma economia instável. A inclinação natural das economias de mercado,

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preferências subjetivas”, embora estejamos longe de “deter quaisquer modelos límpidos de evolução cultural”.4

Enfim - e espantosamente -, North assim sintetiza o essencial de sua ambiciosa teoria da religiosa “auto -regulação dos mercados”, agora criadora da teoria do equilíbrio político!

“Os desdobramentos da teoria política dos últimos 25 anos foram paralelos a desdobramentos na teoria econômica. Começavam em um cenário institucional, em que o modelo se equiparava ao modelo a-institucional da teoria econômica. Só que os resultados, em termos da teoria formal, era que não se sucedia nenhum equilíbrio estável e que o processo cíclico seria um padrão contínuo dos sistemas políticos (pelo menos em modelos bipartidários não ideológicos). Como essa dedução formal entrasse em conflito com estudos empíricos e descritivos, que não apresentavam nenhuma indicação de tais características desequilibrantes, restava dar um passo adiante na teoria política a fim de sondar o traço da estrutura institucional que proporcionaria a evolução de estados de equilíbrio no sistema político” (idem, pp.90-91)

Pior ainda: como veremos adiante, o arsenal (inédito) de medidas proposto à saída da crise são a completa negação do núcleo teórico do neoclassicismo econômico; ademais de nem de longe recompor crescimento econômico anterior à grande crise. Daí afirmarmos ter sido incontornável uma débâcle multilateral da sustentação teórica5 do

capitalismo contemporâneo.

4 Ver: “Instituições, mudança institucional e desempenho econômico”, D.C. North, São Paulo, Três Estrelas, 2018 [1990], pp. 79, 80, 81 e 82.

5 Exemplifico concretamente como expressão cabal de decomposição da economia política do neoliberalismo com quatro registros: 1º) “Os quants: como uma nova raça de gênios da matemática conquistou Wall Street e quase a destruiu”, intitula-se o livro de Scott Patterson, então jornalista do Wall

Street Journal. Diz lá Patterson: matemáticos geniais, cientistas e doutores somaram certa racionalidade à

“ganância” (O Estado de S. Paulo, 14-02-2010).2º) Warren Buffett e George Soros - tão cínicos quanto magnatas e dos maiores especuladores do planeta - passaram a reconhecer: derivativos são “armas financeiras de destruição em massa” (BUFFET, 2007); ou, os derivativos de crédito (swaps) “podem ser também uma licença para matar” (SOROS, 2010). 3º) Em abril de 2010 o FMI passou a admitir o controle da conta de capitais. Desconfiou-se que a joia de ouro da coroa era bijuteria. 4º) O denominado “fundo dos gênios” (o fundo hedge Long Term Capital Management, LTCM) – de propriedade de dois prêmios Nobel de economia, Myron SCHOLES e Robert C. MERTON (1997), e de um ex-vice-presidente do Fed (Banco Central dos EUA) – entrou em colapso em meio à crise da Rússia (1998) e quase leva os mercados financeiros globais à tempestade. Na mesma direção, impossível conceber maior dissimulação: outros prêmios Nobel de economia (Milton FRIEDMAN, 1976; Gary BECKER, 1992; Robert LUCAS JR., 1995) declararam em público “apoiar entusiasticamente o programa econômico de George W. Bush” (HERRÉRA, 2006). Não há qualquer dúvida de que tal programa econômico empurrou os EUA ao precipício, acelerando seu declínio econômico. Tal entusiasmo expressa mesmo é o fanatismo cego que se apoderou desses porta-vozes ideológicos do “amor ao dinheiro” (KEYNES).

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Incontornável, antes de tudo porque a economia política é, sobretudo, ciência social e histórica, portanto avessa às certezas graníticas. Fundamentadamente sobredeterminada pela lei do desenvolvimento desigual do capitalismo tanto entre países do centro desenvolvido, quanto nestes, e entre estes e a periferia subdesenvolvida (ou “em desenvolvimento”), ela recusa os malabarismos cientificistas da economia política do mainstream. Ou na asseveração surpreendentemente “aberta” de Friedrich ENGELS:

“(...) a economia política não pode ser a mesma para todos os países nem para todas as épocas históricas. (...) A economia Política é, portanto, uma ciência essencialmente histórica. A matéria sobre o que versa é uma matéria histórica, isto é, sujeita a mudança constante” (ENGELS: 1979, p.127).

Economia política que deve, sim, se voltar ao estudo das leis específicas de determinados sistemas econômico-sociais, sempre historicamente situados. Como afirmou LANGE, buscando esclarecer o funcionamento de vários modos de produção: eles são “moldados pela história e seus respectivos sistemas sociais” (1981, p. 50).

Na verdade, como já se disse, mergulhou-se grande parte do mundo capitalista a uma nova depressão, de impactos gerais e desiguais, com profundos efeitos desestabilizadores, sequenciando numa estagnação - que se generalizou em grande parte do planeta -, sobre o quadro de forças geopolítico internacional. Particularmente entre 2007-2013 acentuaram-se os percursos do declínio econômico relativo dos EUA, vis-à-vis essencialmente à vertiginosa ascensão econômico-social da República Popular da China. E os signos reversos das eleições de D. Trump à presidência dos EUA expressam antes de tudo uma resposta a essa decadência.

Assim supondo, considerando necessário examinar o panorama aludido, a pesquisa dissertará sobre o seguinte.

A Introdução, que versa sobre os termos mais gerias e os objetivos principais da tese e apresenta um panorama reduzido das considerações principais que acompanham o desenvolvimento da pesquisa. Busca delimitar os conceitos relativos às teses e hipótese contidas e aclarar o encadeamento da discussão realizada.

O Capítulo 1º, denominado Espectros da grande crise global, versa criticamente sobre a insuficiência gritante – e as ilusões - das denominações “Grande

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recessão”, influenciada numa anterior “Grande moderação”, para a caracterização de um suposto período abortado de instabilidades-crises; e da conceituação da crise iniciada em 2007-8. Debate-se ainda o sentido histórico de categorias da Economia Política, de sua utilização científica para o discernimento da dinâmica concreta do capitalismo neoliberal. O objetivo é contestar a resultante do dissimulado argumento econômico neoclássico e responsabilizá-lo pelo desenlace depressivo.

O Capítulo 2º, Evolução e dinâmica à grande crise. Relato estilizado da construção da crise global, que discorre amplamente sobre os fenômenos que emolduraram e acompanharam o conteúdo do longo processo de transformações do modelo capitalista pós-Bretton Woods, até as manifestações gerais da grande crise. Caracteriza com nitidez o novo padrão de acumulação. O que se realiza cotejando-se com as opiniões/interpretações por importantes autores (as). O objetivo é assim radiografar as mudanças que forjaram o novo padrão neoliberal e suas consequências práticas. O Capítulo remeta a um Apêndice, cujo Quadro busca retratar o pensamento de grande número de autores acerca dessas transformações e fundamenta as ideias centrais do capítulo.

O Capítulo 3º, intitulado A grande crise e as tendências do capitalismo contemporâneo, que recupera – alargando - uma trajetória do conceito de neoliberalismo, especifica e demarca fases da crise por ele gestada, atualizando o andamento da crise confluindo até 2017. Destaca como imprescindíveis questões teóricas fundantes, em MARX, acerca dos processos do regime do capital incidentes em sua órbita financeira, problemática que tem motivado estudos – e omissões - variados. Posiciona-se sobre a relação entre a crise e as alterações das bases técnicas do capitalismo (revoluções industriais), e algumas tendências principais, hoje. Situa ainda - criticamente – as ideias que surgiram de “um novo normal” (2011) ou da “estagnação secular” (2013) que passaram a acompanhar o pensamento contemporâneo do mainstream - tentam explicar o quadro de impasses do capitalismo central. Discute criticamente o retorno da chegada “dos limites históricos do capitalismo”. O objetivo é caracterizar a crise em sua essencialidade, implicações e tendências.

O 4º Capítulo, Crise, estagnação, e crescimento no capitalismo dos monopólios: a crítica de Lênin, que aborda a concepções e a crítica de V. LÊNIN (et alii) sobre a dinâmica e a crise do capitalismo da etapa imperialista, contrastando suas leituras com as teses da “estagnação” como suposta razão “ontológica” do capitalismo

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monopolista (e financeirizado). São observações de uma polêmica teórica substantiva, alicerçada em autores da economia política hodierna, que enfrentaram as perspectivas do capitalismo enquanto modo produção, notadamente do século passado. O objetivo é reexaminar questões cruciais dessa polêmica, à luz dos desenvolvimentos no trespassar ao novo século, onde a profundidade e a amplitude grande crise analisada serve para justificar novas teorizações, inclusive denominadas de “estagnação secular”.

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Introdução

As reflexões desta tese sobre a grande crise capitalista global, a primeira do século XXI, são relativamente abrangentes. Contudo, elas se assentam em duas ideias centrais, articuladas e aqui demonstradas: 1) esta grande crise emerge como uma depressão, não como uma recessão corriqueira ou mesmo acentuada; 2) as tendências resultantes - e em curso – intensificam de maneira inédita a problematização do processo de desenvolvimento da acumulação e reprodução do capitalismo contemporâneo. Esse exame e sua interpretação são aqui vistos como parte integrante das perspectivas – e interrogações - acerca do processo histórico do desenvolvimento capitalista.

Essa problemática foi, sim, examinada visionária e cientificamente – inigualável, asseveramos – por Karl MARX. Expondo no Livro 3 (Capítulo 15) de “O capital”, Marx não só conceitua sinteticamente a natureza geral das crises no capitalismo, como as integra no processo global desse modo econômico-social de desenvolver-se e produzir riquezas. Conforme escreveu:

“Simultaneamente à queda da taxa de lucro cresce a massa dos capitais, e paralelamente a essa queda ocorre uma desvalorização do capital existente, que detém essa queda e imprime um impulso acelerador da acumulação de valor do capital.

Simultaneamente ao desenvolvimento da força produtiva há o aumento progressivo da composição do capital e a diminuição relativa da parte variável em relação à parte constante.

Essas diversas influências se fazem sentir, ora de maneira mais justaposta no espaço, ora de maneira mais sucessiva no tempo; o conflito entre as forças antagônicas desemboca periodicamente em crises. Estas são sempre apenas violentas soluções momentâneas das contradições existentes, erupções violentas que restabelecem por um momento o equilíbrio perturbado”.6 (grifos nossos)

Originariamente - cumpre um parêntesis -, a acumulação capitalista provocou, de um lado a concentração contínua e cada vez maior da produção e do capital, vale dizer, a crescente acumulação de riqueza e poder dos proprietários do capital; e, de outra parte a enorme expansão do trabalho assalariado e suas frações de classes. Eis uma lição histórica revelada plenamente como lei constitutiva do capitalismo, o que para nós reclama a base metodológica marxista para a afirmação da hipótese desta pesquisa.

A hipótese afirma que, ao procurar respostas à natureza e as drásticas consequências do fenômeno econômico-social catártico, recorrentemente comparado ao desmoronamento da Grande Depressão dos anos 1930, essa grande crise gestada em 2007-8 não pode ser explicada pelas teorias do “subconsumismo” ou pelo “estagnacionismo”, como fantasmas que insistem em sair do túmulo a cada crise de maior jaez. Como veremos, L. SUMMERS é hoje o principal defensor dessa tese, à qual se ajunta o subterfúgio da “escassez da demanda” como sendo a responsável pelo impasse gestado pela crise global. Desvela-se, assim, o vínculo à aporia do fundamento conceitual do pensamento neoclássico: as crises do capitalismo são exógenas à dinâmica concreta de seu modo de produzir e reproduzir riquezas. Dupla falsidade.

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Três considerações en passant.

1)Aproximadamente entre 1987 e 2007 a economia dos Estados Unidos foi impulsionada principalmente pelo consumo sem precedentes das famílias, tendo este correspondido a 70% da demanda agregada às vésperas da crise de agosto de 2007, sendo que entre 2004 e 2007 o “descolamento” desse consumo, da evolução da renda, dos salários reais e do emprego exasperou-se; efeito-riqueza, concentrado, naqueles últimos anos últimos anos, na valorização dos imóveis residenciais.7 Entre 1996 e 2006 a economia mundial cresceu em média 4% ao ano, de acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), bem como 4,9% entre 2003-2006, conforme o BIS (Banco de Compensações Internacionais, 2007).8

2) O governo sueco enfrentou em 2009 uma recessão econômica de 0,8%, “a pior registrada no país nórdico nos últimos 30 anos”; “Não temos números de crescimento tão baixos há 30 anos", declarou o então ministro das Finanças, Anders Borg. Paralelamente, o desemprego subiu a 7,7% e saltou para 8,5% em 2010, segundo as estimativas oficiais. Acontece que a Suécia tinha em 2009 uma renda per capita de US$ 46,2 mil (os EUA de US$ 47 mil). Crise na Suécia provocada por “subconsumismo”?9

3) Fracassou a manipulação avassaladora reproduzida pelos aparelhos de dominação político-ideológicos das classes e frações de classes “rentistas”, para fazer acreditar que a economia dos “mercados autorregulados” (e sua teorização neoclássica) significa um sistema social “natural” e compatível com o estágio civilizatório hodierno - são apenas justificativas para eludir o caráter endógeno das crises no capitalismo. Foi o agigantamento dos mercados financeiros “autorregulados” o amplificador da instabilidade, o que serviu como detonador de uma sucessão de crises na era neoliberal.

Entrementes, ao observarmos o impacto das crises gestadas desde essa ascensão neoliberal - a de 1987, a de 1997 e a de 2007-8 – verificamos uma clara evolução do caráter destrutivo por elas provocadas. Sendo que a própria involução da relação crescimento/desenvolvimento aparece como um seu oposto: o capitalismo central – o “ocidente”, amplifica Neill FERGUSON - é revolvido por uma regressão violenta da sociabilidade de seus capitalismos. Acresce a este saliente retrocesso a falência das democracias representativas, temática cada vez mais desenvolvida na literatura especializada (L. CANFORA, 2007; W. STREECK, 2018; S, LEVITSKY& D. ZIBLATT, 2018).

Detalhando essa problemática essencial, vértice da atual transição no sistema de relações internacionais, Ferguson (“Civilização. Ocidente X Oriente”, 2011) alude a um instigante painel das diversas formas de decadências dos impérios, ao metaforiza-las nas cinco pinturas de Thomas Cole, quem teria ali captado artisticamente a ideia da “teoria

7 Ver: “O consumidor americano”, L. Belluzzo. http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1976849-EI8212,00-O+consumidor+americano.html), 2007.

8 Ver: “Economía Mundial”, BPI, 2007. Em: file:///D:/Economia%20Mundial%20BIS-2007.pdf 9Ver:

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dos ciclos civilizacionais”. As imagens de Cole desfilam sequencialmente com sendo em O estado selvagem, O estado pastoral ou arcadiano, A consumação do império, A

destruição e concluem-se com A desolação: onde a lua sobre ela se ergue e não resta

uma alma viva, só umas poucas colunas cobertas de arbustos e heras, escreve Ferguson. Vendo mais na frente, Ferguson faz então uma taxonomia de exemplos de declínios civilizacionais, e mais adiante, destacando lembrar processos de casos de “colapsos civilizacionais”, diz ele que eles “estão associados a crises financeiras e guerras”; que após a crise financeira atual iniciada em 2007, “a economia chinesa poderia ultrapassar a norte-americana em 2014” (o que ocorreu no final de 2013, em PIB por Paridade de Poder de Compra!). Assim – arremata - a crise iniciada precisamente no colapso das hipotecas subprime, deve ser compreendida “como aceleradora de uma tendência já consolidada de relativo declínio ocidental”.10

Mais ainda. Mesmo o radical cientista político do imperialismo norte-americano, Zbigniew BRZEZINSKI, em “Strategic vision. America and the crisis of global power”, publicado quatro anos após o colapso do banco Lehman Brothers, não consegue, repentinamente, disfarçar a sua decepção com a degradação estrutural dos EUA, embora imagine ainda poder existir algum meio impeditivo do declínio da sustentação de uma economia imperialista:

“Em breve, a crise do poder global será a consequência cumulativa da mudança dinâmica no centro mundial de gravidade do oeste para o leste, do revestimento acelerada do inquieto fenômeno do despertar político global, e de performance nacional e internacional deficiente da América desde, o seu surgimento em 1990 como a única superpotência mundial”.11

De outra parte, ao se contestar as ressuscitadas do “estagnacionismo” reciclado, entretanto, veremos aqui também a teoria de Marx, de Lênin e outros autores, acerca da valorização do valor como objetivo e afã máximos da produção capitalista. Com efeito, o que veio a se demonstrar incontestavelmente é que a “financeirização” do capital passa a ser absolutizada na dinâmica capitalista, vis-à-vis às referidas crises crescentes e fulminantes; assim como assistiu-se ao definhar do crescimento econômico e do desenvolvimento no capitalismo avançado. Quer dizer, a ultra-concentração de lucros e riqueza financeira fantásticos continuaram a “brotar” simultaneamente aos ciclos e as crises nas décadas do neoliberalismo.

Cada vez mais fundamental, por isso mesmo, recordar a enorme contribuição dos poloneses Michal KALECKI (1899-1970) e Oscar LANGE (1904-1965), que desde cedo voltaram-se às grandes questões da crítica marxista do capitalismo, orientando suas pesquisas exatamente para a transformação da natureza sobretudo classista de seu desenvolvimento. Flutuações, ciclos, crises e planejamento marcaram fortemente as teorias de Kalecki e Lange acerca dos processos de desenvolvimento. E não à toa os dois, aliás, deram pioneiros aportes para uma teoria da construção econômica às primeiras experiências do socialismo, especialmente após o final da 2ª Guerra Mundial.

10 N. Ferguson, Op. cit., Editora Planeta, 2011, pp. 345-7; 358-9. 11 Z. Brzezinski, Op. cit., Basic Books, 2012, “Introduction”, p.5.

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Necessário acrescentar que desse aporte, nenhum deles foi tão longe - tão audacioso – como o economista russo Nikolai KONDRATIEV (1892-1938). A problemática crise/desenvolvimento do capitalismo aparece em toda a sua plenitude em suas famosas teorias dos “ciclos longos”. Teoria de enorme alcance, cuja elaboração corrobora-se da análise da Grande Depressão dos anos 30. Nos marcos de 50 anos, Kondratiev observou uma regularidade da coexistência entre ascenso de cerca de 25 anos, e descensos do crescimento econômico em outros 25, advinda a instalação da crise.

Eric HOBSBAWM (1917-2012), outro notável pensador marxista, examinou com atenção as teses muito influentes de Kondratiev. Para Hobsbawm, não se conseguira até então explicar tal regularidade – “sua existência foi negada por estatísticos e outros cientistas”12 -, inobstante se reconhecesse que há periodicidade em mudanças de longo prazo na economia e na sociedade. O fato é que os “Ciclos de longa duração” do economista russo, que sofreu novos desdobramentos com o austríaco Joseph SCHUMPETER (1883-1950) nomeando-o como “Ciclo de Kondratiev”, teve no brasileiro Ignácio RANGEL (1914-1994) sua defesa mais contundente.13

Ora, as ideias dos “ciclos longos” de Kondratiev e Schumpeter foram retomadas recentemente por P. MASON (2015), R. GUTTMANN (2015) dentro de uma perspectiva mais ampla, relacionando-os a natureza da crise global e o desenvolvimento. Com horizontes bem distintos, veremos que Mason também assume uma posição “catastrofista”, onde o padrão tecnológico atual levaria ao fim deste capitalismo, a) estando essa crise inserida nos ciclos de Kondratiev; b) agora numa longa etapa francamente “estagnacionista”.14

R. Guttman, por sua feita, em seu ensaio “The heterodox notion of the structural crisis” (2015), examinado mais à frente, defende que os seguidores das ondas de Kondratiev falharam ao decifrar claramente como e porque a economia se move entre fases de retomada e declínio. Ao concentrar-se na origem das tendências de preço de longo prazo e padrões de mudança tecnológica, conseguiu distinguir períodos de boom e estagnação, “mas não disse muito sobre a transição de um a outro” (Guttmann, op. cit., p. 2)

Esse breve registro acima revela a importância crucial que alguns dos maiores pesquisadores da economia política crítica – assim como discípulos contemporâneos - dão à problemática ciclo-crise no desenvolvimento capitalista. Eis que, a partir da

12 Ver: “O que a história tema dizer-nos sobre a sociedade contemporânea? ”, E. Hobsbawm, em: “Sobre história”, Hobsbawm, E., 2013 [1984], p. 49. Também “A história e a previsão do futuro”, Hobsbawm, E., em: Op.cit, 2013 [1981], pp. 78-9.

13 Para Rangel, a assertiva (fulminante) de Kondratiev, de que a “Grande Depressão” dos anos 1930 se reverteria com o término da fase b do ciclo, e seguir-se-ia a reanimação econômica mundial (fase a), pode ter implicado, inclusive, em sua morte “em circunstâncias pouco claras”. Rangel alude aqui à questão do dogmatismo do pensamento econômico soviético de Estado, cujo voluntarismo decretava então a impossibilidade de recuperação pós-depressão – o oposto de Kondratiev e seus ciclos longos. Ver: “O quarto ciclo de Kondratiev”, São Paulo, Revista de Economia Política, vol. 10, nº4 (40), outubro-dezembro 1990.

14 Ver: Mason, 2017. https://medium.com/@britescrodrigo/hist%C3%B3ria-do-pensamento-

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grande crise global iniciada em 2007-8, as reflexões de pensadores do campo do marxismo se voltaram tanto sobre as questões simbolizadas teoricamente por Kondratiev - e os estudiosos do “ciclo longos” ou “ondas longas” -, quanto sobre as perspectivas sombrias que o capitalismo financeirizado passou a anunciar. Vale dizer: sobre o presente e o futuro deste capitalismo, suas transfigurações e a luta anticapitalista numa visão estratégica de desenvolvimento.

Noutras palavras, junto as teorizações “estagnacionistas” do capitalismo atual aparecem as formulações de viés escatológico alegando mais uma vez a chegada de seus “limites históricos” ou das suas perspectivas dantescas num futuro relativamente imediato. Nesse rol encontram-se o italiano G. CACHERDI, o francês F. CHESNAIS, o alemão W. STREECK, acima referido. O exame realizado das ideias essenciais, não idênticas, desses autores, mas que se aproximam de uma concepção teleológica, revela-nos que, por mais bem atraentes que aparentem, seus supostos não conseguem uma elucidação (científica) convincente das seguintes questões: 1) da constituição e dinâmica do modo de produção capitalista em suas singularidades abstrata e concreta; 2) que a finitude desse modo de produção tem como prerrogativa a sua superação política e social, e não a partir de seus impasses econômicos recorrentes.

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Capitulo 1

Espectros da grande crise global

“Lamento dizê-lo, mas apostaria que haverá depressão e que durará alguns anos” (Eric Hobsbawm, 30/3/2009). 15

A titulação deste capítulo em “Espectros” tem por objetivos: a) introduzir uma investigação nucleada epistemologicamente na economia política marxista, partindo da crítica às opiniões simplificadoras da natureza da grande crise capitalista que irrompe em 2007-8; b) argumenta-se, em última instância, que a ideia de caracterizar essa crise com denominações superficiais conflui ao objetivo de eludir os extraordinários impactos estratégicos e efeitos sócio-políticos regressivos que põem numa (espécie de) transe o capitalismo global hoje.

A aguda e clara observação de HOBSBAWM acerca da natureza da grande crise capitalista de 2007-8, por nós assinalada há anos, tem por base as fecundas pesquisas do experiente historiador marxista britânico, quem analisou profundamente a ocorrência do fenômeno (global) da depressão econômico-social e seus diversos aspectos. Mais uma vez este pensador não se deixou levar por uma visão privilegiadora do “economicismo” ou muito menos pelas fantasias negacionistas do pensamento neoliberal/neoclássico.

Tampouco esse teórico deixou confundir-se pelos efeitos ilusórios do avassalador fetichismo da financeirização capitalista hodierna, fenômeno portentoso em forjar a qualquer custo o domínio da aparência; [veremos melhor isso adiante]. Hobsbawm não se acorrentou a uma repetição conceitual a-histórica; a um clichê. Não teve nenhum receio em identificar no profundo mergulho iniciado em 2007-8 a expressão mais essencial da dinâmica catastrófica do capitalismo deste início de século. De imediato ele captou o desastre vindouro, notadamente desde a falência do banco Lehman Brothers (setembro de 2008), quando a crise financeira detonada em

15 Ver: “Além de injusto, o mercado absoluto é inviável”, Entrevista de Hobsbawm ao jornal argentino Página 12, em: “Globalização neoliberal: da crise financeira à grande queda", BARROSO, A.S.R., Jornal dos Economistas, CORECON, Rio de Janeiro, abril 2009. [Em: http://www.corecon-rj.org.br/anexos/F12F8619B58DBA608F930F450B72FE39.pdf ] Ver também Outlook do FMI “Crisis and recovery” (abril 2009, p. xii), onde se lê: “Além disso, a desaceleração é verdadeiramente global: a produção per capita é projetada para diminuir em países que representam ¾ da economia global”. [Em: file:///C:/Users/s.barroso/Downloads/_textpdf.pdf]

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agosto de 2007 no crash das hipotecas subprime, nos EUA, tornou-a sistêmica globalmente por súbita obstrução dos canais de financiamento da economia mundial. A implosão revelou o mergulho depressivo e, inovadoramente, desvelou um tentacular “sistema financeiro sombra”.

1.1 - Outro “crepúsculo de ilusões”

Retrospectivamente, recordemos que no famoso capítulo V de “A crise de 1929. Anatomia de uma catástrofe financeira”, 16 John K. GALBRAITH registra às vésperas

da fúria especulativa e da hecatombe, o “imortal vaticínio” do economista norte-americano então considerado brilhante, Irving Fischer: “As cotações das ações atingiram aquilo que parece ser um nível permanentemente elevado”. Erro avassalador de Fischer! Lembra igualmente Galbraith: a “Harvard Economic Society”, empresa ligada à famosa Universidade, cujos “propósitos eram ajudar comerciantes e especuladores a prever o futuro”, admitira que estava em curso uma recessão, “embora de modo algum uma depressão”. Galbraith relata então que já em novembro de 1929 a “Sociedade” declarou que: “não havia quaisquer possibilidades de se verificar uma severa depressão como a de 1920-1921”. Mais: “Não enfrentamos uma situação de liquidação prolongada”, prosseguiu ela - e ela defendeu esse ponto de vista “até ser liquidada”, conclui o economista canadense-americano.

Mais de três décadas após a edição deste seu consagrado estudo, Galbraith passou a acusar a moderna economia capitalista, centrada nos EUA, como sendo a das “fraudes inocentes”17: nela não há nenhum sentido de culpa ou responsabilidade pelo

que acontece (de enganador; de trágico); ademais da expressão “capitalismo monopolista” ter desaparecido “do vocabulário acadêmico e político”, ironizou (Idem, p. 27). Destaca então que o mundo das finanças, das corporações financeiras, dos bancos, dos mercados de seguros, dos fundos mútuos, das instituições de orientação e aconselhamento financeiros como sendo “uma área bem conhecida de fraudes inocentes”. Aqui, aduz, há um fato determinante “inegavelmente óbvio” que é o fato da economia e sua passagem “dos bons tempos para a recessão ou a depressão – ou o contrário –, não pode ser antecipado”. Existem muitas previsões, “mas nenhuma

16 Ver: Editora Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1972, pp. 127-128.

17 Ver: “A economia a das fraudes inocentes - verdades para o nosso tempo”, J.K. Galbraith, São Paulo, Companhia das Letras, 2004, p. 57.

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certeza”. Mais adiante, Galbraith, ao elogiar (supostas) virtudes morais do então presidente do Fed, Allan Greenspan - e considerando ele ter “um talento teatral nada desprezível” -, alerta que se e quando uma recessão retornasse, o banco central americano “não tem[teria] papel decisivo”, pois achar que o Fed controlaria o consumo geral e os gastos das empresas, “só sendo muito ingênuo” (Idem, p.67).

Porquanto, e identicamente, nada há de aleatório a interpretação do profundo fenômeno iniciado em 2007-8 como sendo uma “recessão”,18 nada importando se ela seria denominada de média, pequena ou grande – fugidia metáfora!

Note-se que isso ocorreu após o economista B. BERNANKE ter alcunhado o período imediatamente anterior à explosão da crise das hipotecas podres de “A grande moderação”. Bernanke foi indicado a presidente do Fed (banco central dos EUA) em 2006, após ter inventado o trapaceiro neologismo à Economia Política. (Logo depois da publicação do livro de Galbraith, nos EUA). O fato se deu, ao vivo e a cores, quando o economista de Princeton fez um importante discurso à Eastern Economic Association (20 de fevereiro de 2004), intitulado “The great moderation”: a política monetária havia-se tornado tão sofisticada que era capaz de eliminar a volatilidade na economia. Além, devido ao avanço da técnica monetária, afirmou ele, “as recessões tornaram-se menos frequentes e menos severas” 19.

1.2 - O “modelo” da depressão

As depressões fundamentalmente têm envolvido: a) uma queda severa do crescimento do produto; b) elevado desemprego; e c) movimentos deflacionários. Porém, do ponto de vista do historicismo dialético, cada depressão “submerge” numa outra e singular situação – nada se repete, embora as determinações e características principais do fenômeno sejam recorrentes e possam se assemelhar; ainda assim, passam a ser vistas com espécie de “modelo”. E, no que nos importa, as crises sistêmicas do

18 Atualizaram ROSSI, P. e MELLO, G. o conceito clássico de recessão (Shiskin, 1974) prevê um

mínimo de dois trimestres consecutivos de queda do PIB (considerando trimestre contra trimestre imediatamente anterior) para se caracterizar tecnicamente um momento recessivo; podendo-se considera-la reducionista, à medida em que dá demasiada ênfase em uma única variável (o PIB), tal visão foi recentemente atualizada e enriquecida (Achuthan & Banerji, 2008) para abarcar também variações no emprego, na renda e no consumo das famílias. Em: http://brasildebate.com.br/wp-content/uploads/NotaCecon1_Choque-recessivo-2.pdf

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capitalismo são fenômenos sociais – das sociedades burguesas -, assim como também sujeitos às tormentosas evoluções políticas que as acompanham.

Entretanto, com bem sublinha J-P. DUPUY em seu relevante estudo20, na ciência, o modelo é o homem quem faz, cria: aí se sobrepõe “o imitante e o imitado”, uma ideia platônica cujo real não é mais do que pálida cópia. “O modelo científico é uma imitação humana da natureza que o cientista logo toma como modelo”, interpreta ele.

Noutras palavras, pode tratar-se de mera superficialidade, de uma visão fenomênica da “aparência”, deixar-se levar pelas armadilhas “fetichismo do conceito”. Como assim? Na problematização epistemológica de L. GUSMÃO,

“O conhecimento de senso comum relativo à psicologia ou aos fenômenos sociais, longe de se resumir em saber incompleto, trivial e pouco confiável, etapa preliminar, na hipótese mais otimista, do conhecimento científico, como sugerem os cientificistas, explícitos ou enrustidos, na verdade, um acervo de observações e análises cujo elevado valor cognitivo se coloca realmente acima da dúvida sensata”.21

Num exemplo concreto - acerca do aparato de mensuração da economia política e suas crises profundas -, de acordo com William BLACK (professor de Economia e Direito em Missouri, Kansas City e então especialista federal em regulação financeira e prevenção de fraudes nos EUA),

“Os dados de desemprego nos Estados Unidos durante a Grande Depressão [1929-1933/1939] estão exagerados consideravelmente porque as pessoas que trabalhavam nos programas de obras públicas, que realizavam trabalho altamente produtivo, foram registradas como ‘desempregadas’ nessa época. Isso significa que a Grande Depressão foi, contudo, catastrófica, mas também que os dados do desemprego mais precisos (porém ainda longe de serem perfeitos) da Grande Recessão [a crise atual] demonstram que as crises são muito similares em severidade na zona do euro quando se mede sua gravidade pela taxa de desemprego. Na maior parte da zona do euro, a crise atual se poderia definir mais exatamente com ‘A segunda Grande Depressão’”.22

Comprovadamente, um fracasso rotundo, enquanto suposição teórica, a repetição à exaustão de que a era da grande finança liberalizada nos levaria a um mundo

20 Ver: “Nas origens das ciências cognitivas”, Jean-Pierre Dupuy, São Paulo, Unesp, 1996, pp. 23-23.

21 Ver: Luis Gusmão “O fetichismo do conceito. Limites do conhecimento teórico na investigação

social”, Rio de Janeiro, Topbooks, 2012, p.12.

22 Ver: “Comparación Del desempleo durante La Gran Depresión y la Gran Recesión”, W. Black, Sinpermiso, 21/4/2013. Ver: http://www.sinpermiso.info/textos/comparacin-del-desempleo-durante-la-gran-depresin-y-la-gran-recesin

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globalizado solenemente convergente ao desenvolvimento nos mercados autorregulados. O mesmo HOBSBAWM, noutro estudo alertara acerca da ascensão vertiginosa de profundas desigualdades e assimetrias de renda e riqueza perpetradas mundo afora implacavelmente pelo neoliberalismo, bem como um novo espraiamento das desigualdades sociais e regionais, além duma crescente espiral da violência nas mais variadas formas.23

1.3- O sistema bancário sombra (na depressão)

Certamente, trata-se de revelação cristalina das singularidades que acompanham cada fenômeno nas depressões, a emergência, na crise 2007-8, de um “shadow banking system”, adaptativo das falcatruas e as fraudes no desenvolvimento do moderno sistema de crédito literalmente definidas por Marx, na época do neoliberalismo.

Nesta matéria, de modo nenhum se pode tirar os méritos de Paul KRUGMAN, economista agraciado com o Nobel de 2008, de um lado, por surfar do lado do ex-presidente Barack Obama, tanto em política externa quanto em política econômica; de outro, por ter se alinhado sem disfarce às políticas keynesianas enquanto caminho de saída para a nova grande crise, numa era em que quase todos ainda recusavam desenterrar o cadáver do lorde britânico.

Pois bem: Krugman também foi dos primeiros a denunciar as vilanias do sistema bancário sombra. Conforme escrevera Krugman, esse sistema - de empresas “não bancos” ou bancos sem supervisão do banco central - se agigantou durante a fase expansiva da economia “financeirizada”. Por exemplo, diz ele, os cinco grandes bancos de investimento dos EUA somavam balanços patrimoniais da ordem de US$ 4 trilhões; enquanto os ativos totais do sistema bancário do país em torno de US$ 10 trilhões.

Enfim, em “A crise de 2008 e a economia da depressão” (2008), Krugman acusa ali os “instrumentos financeiros exóticos” (derivativos, instrumentos altamente especulativos etc.) do sistema bancário sombra. Mas não se trataria de instituições que foram “desregulamentadas”: na verdade – escreve -, foram responsáveis por riscos assumidos por “instituições que, para começar, nunca foram regulamentadas”.24

Havendo concluído aquele livro com apelos do tipo: “O que deve ser feito? (...) quase

23 Ver: “Globalização, terrorismo e democracia”, Companhia das Letras, 2007. HOBSBAWM mantém as preocupações com a célere ascensão do obscurantismo apontada ainda em 1995, no “A era dos extremos”, São Paulo, Companhia das Letras.

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sem dúvida, recorrer aos bons estímulos fiscais, no velho estímulo keynesiano”, Paul Krugman acabou por publicar, cerca de três anos depois, o livro “Um basta à depressão econômica. Propostas para uma recuperação plena e real da economia mundial”.25

Escrito bem depois do colapso, em 2012, nele Krugman identifica uma das tragédias mais salientes do mergulho depressivo: “Depois da década de 1930, nunca tantos americanos se viram tão enredados numa situação permanente de desemprego” (2012,

p.7; itálicos nossos).

Sim, se antes em dúvida, em 2012 Krugman chegara ao vaticínio de Hobsbawm, de 2009.

Noutro ângulo, Marcos M. CINTRA e Maryse FAHRI, em famoso ensaio26, destacam que Paul McCulley, então diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo (Pimco), definia (2007) um “global shadow banking system” como a incluir todos os agentes envolvidos em empréstimos alavancados que não têm (ou não tinham, pela norma vigente antes da eclosão da crise) acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações de redesconto dos bancos centrais.

Esses agentes tampouco estão sujeitos às normas prudenciais dos Acordos de Basileia, do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Nesse conceito, os grandes bancos de investimentos independentes (brokers-dealers), os hedges funds, os fundos de investimentos, os fundos private equity, os diferentes veículos especiais de investimento, os fundos de pensão e as seguradoras, estavam contidos. Além disso, bancos regionais especializados em crédito hipotecário (sem acesso ao redesconto formal), assim como agências semi-públicas (Fannie Mae e Freddie Mac) que proviam liquidez ao mercado imobiliário nos EUA.

No curso da grande crise, ainda entre março e 2007 e junho de 2009, processou-se o que Cintra e Fahri analisaram como “o desmanche” do shadow system. Ou processou-seja, um período de paralisação das operações interbancárias, espalhando a desconfiança dos investidores nos sistemas financeiros, resultando em movimentos de pânico nos mercados de ações, de câmbio, de derivativos e de crédito, em âmbito global, resultaram em que “as instituições financeiras não bancárias sofreram uma verdadeira ‘corrida

25 P. Krugman, Campus\Elsevier, 2012.

26Ver: “A crise financeira e o global shadow banking system”, M. A. M. Cintra e M. Farhi, in: Novos

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bancária’ contra o global shadow banking system, ou a uma ‘corrida bancária’ contra não bancos” (idem).

No entanto, em 2010 conforme cálculos de economistas do Fed, os passivos dessas instituições (US$ 20 trilhões em meados de 2007) reduziram-se para US$ 16 trilhões em 2010. Ora, esse valor, era bem maior que o do passivo do sistema bancário tradicional, então de US$ 14 trilhões! O que comprovaria “a resiliência do sistema bancário na sombra e a continuidade do risco de novos episódios de turbulência”, afirmaram com inteira razão Daniela PRATTES e Maryse FAHRI, em artigo de 2012, “Instituições que levaram à crise estão vivas”.27

1.4 - Os gráficos “depressivos” de Eichengreen& O’Rourke

Como se para ratificar empírica e historicamente o vaticínio de Hobsbawm, em abril de 2009 Barry EICHENGREEN e Kevin O'ROURKE, em artigo de enorme e imediata repercussão demonstraram que a explosão de 2007-8 já poderia ser compreendida como pior do que a que se registrou em 1929-33/39. Em suma, concluíram que o mundo está atualmente passando por um choque econômico tão grave como o choque da Grande Depressão de 1929-30. Onde, pinçar, até então, o desempenho dos Estados Unidos levaria a se ignorar como a situação atual era alarmante, mesmo se comparada com 1929-30.

Gráfico 1 - Volume do comércio mundial

27 Em:

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Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010- update

Gráfico 2 - Produção industrial, ontem e hoje

Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-update

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Fonte: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-update

A seguir, em “O que os novos dados nos dizem?” (2010), esses autores não vacilaram: “É certo que é uma depressão”, escreveram28. O mundo – analisaram -

estava atualmente passando por um choque econômico tão grande quanto o choque da Grande Depressão de 1929-30. Olhando apenas para os EUA leva a esquecer como alarmante a situação atual é mesmo em comparação com 1929-30 (idem). E para concluir, Eichengreen e O’Rourke insistiram então que, “globalmente estamos no rastro ou fazendo ainda pior do que a Grande Depressão, se a métrica é a produção industrial, exportações ou avaliações de ações”. Por isso, concentrar-se nos EUA fazia com que se minimizasse esse fato alarmante. E explicitamente ali resumiram: “O rótulo ‘Grande Recessão’ pode revelar-se muito otimista. Este é um evento de tamanho da Depressão” (itálico nosso).

1.5 - Anwar Shaik e a primeira grande depressão do século XXI

Em 2011, no ensaio “A primeira grande depressão do século XXI”,29 o economista A. SHAIK defendia que a “crise econômica geral”, desatada em 2008 foi iniciada com uma crise financeira nos EUA, mas não teria sido ela a sua causa. No interior das “ondas longas” expansivas e depressivas, a crise é uma fase “absolutamente normal” das tendências de longo prazo na acumulação capitalista, dizia. Numa fase depressiva da onda longa um choque poderia detonar a crise, “exatamente como a crise

28 Gráficos e os dois textos comparativos em: http://voxeu.org/article/tale-two-depressions-what-do-new-data-tell-us-february-2010-update

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que colapsou o mercado das hipotecas subprime em 2007, assim como choques anteriores deflagraram as crises de 1830, 1870, 1830 e 1970”. Shaik, no entanto, referencia-se em John. K. Galbraith para recordar que, se a Grande Depressão dos anos 1930 foi precedida de uma crescente especulação financeira, foi a “situação frágil e débil do estado da economia” que assim permitiu a sua ocorrência.

Gráfico 4 – Actual and Trend Rate of profit, US Nonfinancial Corporations 1947 – 2010

Fonte: SHAIK, Op. cit., p.5

A Depressão atual então teria como problema real a fato de que, sob a explosão da bolha “subprime”, nos EUA, encontrava-se a inflexão na taxa de juros, assim como o crescimento a dívida que havia alimentado o boom ter chegado a seu limite. Mas as causas da Grande Depressão se vinculam aos fatores que explicam a recuperação das economias capitalistas a partir de 1982: a taxa de lucros então se estabilizou. Mas por que a queda na lucratividade estancara? Porque, argumenta Shaik: 1) o capital desencadeou forte ataque aos trabalhadores de modo a que os salários não acompanharam mais a produtividade como anteriormente; 2) a forte baixa na taxa de juros a partir de 1981 possibilitou que se elevasse “substancialmente a taxa de lucros das empresas” (Idem).

Em certa similaridade, mas noutro raciocínio, acerca da dimensão da crise catapultada no colapso financeiro das hipotecas subprime, R. CARCANHOLO destaca o papel do capital fictício – e “dos lucros fictícios”, diz – como particularidade das contradições do capitalismo da era neoliberal. Para ele,

“O que assistimos no mundo é muito mais do que uma simples sucessão de crises financeira, ou creditícias. Vivemos o que alguns chamamos de a Grande Depressão do Século XXI. Não se trata de elementares crises cíclicas, das que o sistema consegue se repor e voltara a funcionar normalmente. (...)

(32)

Assistimos, na atualidade, ao início do processo de colapso de uma etapa específica do capitalismo”.

(...) Classificar a crise atual como uma crise de sobreprodução ou sobreacumulação é praticamente não dizer nada”.30

1.6 - Michael Roberts e a “Longa depressão”

Consideramos, enfim, indispensáveis as conceituações de M. ROBERTS quanto as diferenças entre recessão comum ou cíclica e uma depressão. Segundo descreve Roberts, uma recessão e a recuperação subsequente podem conformar-se em forma de V, a exemplo da que ocorreu classicamente em 1974-5; mas pode ocorrer também em forma de U; ou representada por um W (“dupla caída”), como a de 1980-2. E exemplifica graficamente:

Figura 1 – Depressions and recessions – a schematic view

Fonte: ROBERTS,M: http://www.sinpermiso.info/sites/default/files/textos//8desapalancamiento.pdf , p.1.

30 Ver: “Capital: essência e aparência”, R. Carcanholo, v.2, São Paulo, Expressão Popular, 2013, p.138. E, a seguir: “Entender a atual depressão e as sucessivas crises desde uma perspectiva realmente marxista (...) Exige também, e isso é fundamental, uma compreensão adequada da dialética dos conceitos de capital fictício e lucros fictícios, conceitos esses que não são mais que do que derivações necessárias da mencionada teoria do valor” (idem, p. 139).

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Uma depressão –teoriza -, no entanto, parece bem mais ao símbolo de uma raiz quadrada, iniciada com uma taxa de crescimento tendencial cai em depressão ou queda profunda inicial, aparece a seguir como se no começo se recupera em V, mas logo se estabiliza em uma linha que se firma abaixo daquela tendência anterior. Para Roberts, “numa depressão, a tendência de crescimento plasmada anteriormente à crise nunca se restaura em 10-15 ou inclusive 20 anos! ”.31

Em 2011, Roberts conceituou concretamente da seguinte maneira os caracteres desta depressão hodierna, inobstante os seus claros limites aos marcos econômicos:

Por Longa Depressão quero dizer economias a crescerem sistematicamente bem abaixo das suas taxas tendenciais anteriores, com desemprego emperrado em níveis bem acima dos anteriores à Grande Recessão, e desinflação (redução da inflação) a transformar-se em deflação (queda de preços). Acima de tudo, é um ambiente económico onde o investimento em capital produtivo está abaixo dos níveis médios anteriores, com poucos sinais de que venha a levantar-se.32

1.7 - Historicidade das categorias e dialética

Segundo outra das visionárias descobertas de Karl MARX, nas estruturas sociais anteriores ao capitalismo a “mistificação econômica era menor, manifestando-se principalmente no tocante ao dinheiro e ao capital portador de juros”, quando se volta à análise da organização interna deste modo de produção. Na interpretação da economia vulgar e sua “presunçosa superficialidade” (Marx) deu-se por inverter a lógica da conexão causal expressas nas relações capital-juro-renda-terra-salário, onde a irracionalidade e a alienação reificaram essas mesmas relações dissolvidas na aparência da conspurcação do valor. Aliás, conclui então celebremente Marx: toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata (fenomênica) entre a aparência e a essência das coisas.33

MARX já havia enfrentado esse problema do caráter controverso do pensamento científico em junho de 1865, no célebre discurso que preferiu ao Conselho Geral da Associação Internacional do Trabalhadores ou Primeira Internacional. Denominado depois de “Salário, preço e lucro” é também onde ele expõe publicamente, pela

31 Ver: “Dívida, desalavancagem e depressão”, M. Roberts, Madrid, Sinpermiso, 05\10\2014. Em: http://www.sinpermiso.info/sites/default/files/textos//8desapalancamiento.pdf

32 Ver: “Uma depressão keynesiana ou marxista”, M. Roberts, em:

https://thenextrecession.wordpress.com/2013/11/20/a-keynesian-or-marxist-depression/ 33 Ver: “O Capital, Livro 3, v. 6, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s/d, pp. 939; 952-3.

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primeira, vez as bases da teoria da mais-valia. Afirmando que ser-se-ia “completamente incapaz” de explicar-se o lucro pela proporção da quantidade de trabalho realizadas nas mercadorias, Marx conclui lapidarmente a sexta parte de sua exposição, assim:

“A verdade científica é sempre paradoxal, se julgada pela experiência de todos os dias, que apenas apanha a aparência enganadora das coisas”.34

Com efeito, em Marx o desvelamento epistemológico do movimento contraditório e impulsionador da estrutura (material e ideal) encontra-se profundamente ligado às conexões internas do fenômeno. Mas tal dialeticidade de nenhum modo exclui ou “apaga” as aparências ou as manifestações exteriores imediatas. Quer dizer, o essencial precisa ser desvendado em suas expressões materiais internas em seu devir: à consciência científica corresponde o movimento real e a conexão real das coisas e dos processos. Na dialética marxista, por conseguinte, as teorias, as representações da consciência e a formulação de categorias não podem ser nunca desvinculadas do movimento histórico “conectado” às determinadas relações objetivas e emanadas de sua essência - não da simples aparência.35

Por isso mesmo, em “Filosofia em O Capital. Uma aproximação”, BARATA-MOURA,36 recordando a conceituação contida em formulações marxianas dos Livros I, II e III, repõe a ideia de que se encontra na essência a operação do movimento da contradição como sendo a “fonte manante da dialética” (idem, pp. 124-5); enquanto que a economia política burguesa “vê é aquilo que lhe aparece” (idem, pp. 127); distinguindo tal processo de desvelamento epistêmico da visibilidade que Marx exemplifica em “Mais-valia e taxa de mais-valia”, como sendo “relativamente, o invisível e o essencial a investigar”, enquanto taxa de lucro (ou a forma da mais-valia como lucro) mostram-se “à superfície do fenômeno” (ibidem, n. 129).

Analogamente - e não por acaso –, J. QUARTIM DE MORAES (2017) e J. BIDET (2010) consideram a análise de Marx (O Capital, Livro 1) sobre as considerações de Aristóteles em torno da igualdade na equivalência de mercadorias,

34 Ver: “Salário, preço e lucro”, K. Marx, em: Marx-Engels – Obras Escolhidas em três tomos, v. II, Lisboa, Edições Avante!/Edições Progresso, Moscou, 1983, p. 55; ver ainda a nota 25 da tradução, p.477. 35 Ver: “Marx e a cientificidade do saber”, J. Barata-Moura, em: “Materialismo e subjetividade. Ensaios em torno de Marx”, Lisboa, Avante!, 1997, pp. 91-98.

Referências

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