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A grande crise e tendências do capitalismo contemporâneo 57-

A grande crise e tendências do capitalismo contemporâneo

A evolução da grande crise iniciada em 2007-8 resultou em: a) estagnação prolongada do crescimento econômico, especialmente no capitalismo desenvolvido;67 b)

na queda da produtividade do trabalho; c) no endividamento público e privado ascendente; d) na persistência do processo de financeirização capitalista global; e) em desigualdades sociais galopantes e no agravamento do desemprego estrutural como fenômenos amplificados; f) o que vem se entrecruzando com a passagem a uma nova revolução industrial: a “4ª revolução Industrial” ou “Indústria 4.0”.

São alterações estruturais que ocorreram em simultâneo a uma nova divisão internacional do trabalho, alteram a dinâmica do grande capital produtivo global, confluindo aos graves impasses da acumulação do capitalismo financeirizado. Há sugestão, ademais, à passagem a uma nova fase – degrau, estágio – deste capitalismo da etapa imperialista.

3.1 - Neoliberalismo, conceito e crise: reconfigurando o debate

Numa perspectiva teórica ex-post, devemos concluir da trajetória deste estudo que o neoliberalismo pode ser conceituado como um programa (deformado) da economia política neoclássica da era do capitalismo financeirizado. Representa-se numa plataforma dirigida pelo poderio do grande capital financeiro patrocinador da explosão do capital fictício, sendo central o protagonismo do capital portador de juros.

Como visto, o neoliberalismo é envolvido por um padrão de acumulação que se desenvolve a partir da crise dos anos 1970 com vistas a recompor a hegemonia do poderio econômico do imperialismo norte-americano. Recapitulando, esse programa foi paulatinamente estruturado, inicialmente pela Inglaterra e os EUA, de modo a materializar políticas globais de: (i) desregulamentação e liberalização financeiras; (ii)

67 É indispensável sempre reafirmar que, para MARX (1980, pp. 932 n. e 933), “Não há crises permanentes”

no capitalismo, mas passaram a existir “quase regular periodicidade das crises do mercado mundial” (Teorias da Mais-Valia). Segundo LÊNIN (1981, p.668), “no seu conjunto, o capitalismo cresce com uma

rapidez incomparavelmente maior que antes”. Simultaneamente, no capítulo VIII, “O parasitismo e a

decomposição do capitalismo”, afirmara Lênin: “Mas não obstante, como todo monopólio, o monopólio capitalista gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e para a decomposição”. Veremos esse debate detalhadamente no Cap. 3.

as privatizações de empresas estatais e públicas; e (iii) a abertura comercial internacional e desnacionalização generalizadas.

Outrossim, no debate que vem prosseguindo e conforme se consolidava os elementos do ideário constitutivo da globalização neoliberal e financeira, seu desenho (aberto) de totalidade, e sua influência na fisionomia que o percurso da crise adquiriu, deve-se reter substantivamente o que segue.

Para E. REINERT a globalização neoliberal tem como pano de fundo a teorização do prêmio Nobel, Paul Samuelson (1949), que defendeu ser o livre comércio internacional o fator principal de “equalização de preços dos fatores” (capital e trabalho), que assim, tenderiam a ser iguais em todo o mundo.68 Samuelson atreveu-se a provar “matematicamente” o fenômeno, diz Reinert, quando hoje comprova-se fartamente o desastre. E o que levou o Ocidente à confusão e à desordem atuais foi uma teoria econômica que abdicou de estudar aspectos fundamentais da dinâmica capitalista, inclusive a dinâmica da tecnologia e das crises financeiras, escreve ele (Posfácio, 2016). Numa outra confluência, P. ANDERSON e R. BRENNER chamaram a atenção para o ataque cerrado que a ascensão neoliberal assestou no Estado e no movimento sindical, notadamente advinda da queda da lucratividade que passou a atravessar o capitalismo central desde o final do 1960. Para Anderson, ademais, o proselitismo reacionário de F. Hayek, contra a “servidão moderna” do pós-guerra ocupou lugar central na “ideologia do neoliberalismo”. Segundo Brenner, desde o final dos anos 70, instala-se a dominação crescente do capital financeiro; as políticas neoliberais visam garantir, proteger e expandir o campo de lucros para o capital financeiro e as multinacionais, e garantir os interesses do capital financeiro implementou-se às expensas das bases da economia, em geral, e da classe trabalhadora, em particular.69

De acordo com o sociólogo francês P. BORDIEU, a teoria do neoliberalismo “é pura ficção matemática”, fundada desde o início numa “abstração formidável”. Sua concepção estreita e estrita da racionalidade como racionalidade individual vinculam-se às condições econômicas e sociais das orientações racionais “e as estruturas econômicas e sociais que condicionam a sua aplicação”.70 O programa neoliberal - analisa ele -

deriva o seu poder social do poder político e econômico, daqueles cujos interesses expressa: acionistas, operadores financeiros, industriais, políticos conservadores e

68 Ver: “Como os países ficaram ricos... e por que os países pobres continuam pobres”, E. Reinert, Rio de Janeiro, Contraponto/Centro celso Furtado de políticas para o desenvolvimento, 2016, p.92.

69 Ver: “Balanço do Neoliberalismo”, Perry Anderson, em: Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático”, Sader, E. e Gentili, P. (Orgs.), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995. “A crise

emergente do capitalismo mundial: do neoliberalismo à depressão?”, R. Brenner, Revista Actuel

Marx/Centre National de la Recherche Scientifique da França, 30 de setembro de 1998, Sorbonne, Paris.

70 Ver: “A essência do neoliberalismo”, P. Bordieu, em: www.diario.info (2017 [1998]). https://www.odiario.info/a-essencia-do-neoliberalismo/

sociais-democratas que foram transformados nos subprodutores tranquilizantes do laissez faire, altos funcionários financeiros decididos a impor políticas que procuram a sua própria extinção.

“Uma nova razão do mundo”, é a formulação síntese alcançada pelos pesquisadores P. DARDOT e C. LAVAL,71 onde o neoliberalismo abrangeria mais vastamente: a) a conquista do poder político pelas forças neoliberais; b) o rápido crescimento do capitalismo financeiro global; c) a individualização das relações sociais às expensas das solidariedades coletivas; d) a polarização extrema entre ricos e pobres; e, e) o surgimento de um novo sujeito, o desenvolvimento de novas patologias psíquicas. Assim, o neoliberalismo seria, “longe de limitar-se à esfera econômica”, integrador de “todas as dimensões da existência humana”.

Segundo G. DUMENIL e D. LEVY, o neoliberalismo não poderia ser definido abstratamente como “geral”, vez que ele é seria diferente nos EUA e Europa, daquele existente no Japão, etc. Correspondendo fundamentalmente à reafirmação do poder da finança, ainda que ele conteria: a) tendências em mudanças técnicas e rentabilidade; b) em estruturas de classes; c) em formas de poder estatal; d) em quadros institucionais etc. Contraditoriamente, acreditam esses pesquisadores marxistas que o neoliberalismo é um “novo estágio do capitalismo”, caracterizado por uma estratégia das classes capitalistas aliados aos administradores de alto escalão do setor financeiro, para reforçar sua hegemonia e expandi-la pelo mundo.72 A crise iniciada em 2007-8 seria assim uma “crise do neoliberalismo”.

P. GOWAN, 73 entretanto, nos dá novamente uma visão bastante precisa do processo direcionado de espraiamento do neoliberalismo, no sentido que ele veio conformando o “programa” acima referido e caracterizando sua subordinação à “globalização financeira”. O primeiro ato do governo Thatcher foi liquidar os controles britânicos sobre as movimentações financeiras (1979); em 1981 foi a vez do Conselheiro F. Hollande seguir a britânica; H. Kohl igualmente o fez logo ao tomar posse (1982); em 1984 aparece a ideia de Mercado Único Europeu que sobretudo alavancou a remoção dos controles da movimentação financeira em toda a Europa Ocidental; a Dinamarca liberalizou as finanças em 1988, assim como o fez a Itália; em 1989 a França abandona gradualmente o controle da conta de capitais. Durante toda a

71 Ver: “A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal”, P. Dardot e C. Laval, São

Paulo, Boitempo, 2016.

72 Ver: “O neoliberalismo sob hegemonia americana”, G. Dumenil e D. Levy, em: “A finança

mundializada – raízes sociais e políticas, configuração, consequências”, Chesnais, F. (org), São Paulo,

Boitempo, 2005. Também “A crise do neoliberalismo”, G. Dumenil e D. Levy, São Paulo, Boitempo, 2014.

73 [7]Ver: “A roleta global. Uma aposta faustiana de Washington para a dominação do mundo”, P.

década – relata Gowan - de 1980 os Estados Unidos pressionaram o Japão “com algum sucesso” para liberalizar as restrições de saída e entrada de fundos, “um passo importante para o aumento do tamanho e do peso dos mercados financeiros anglo- americanos”.

Não só. O neoliberalismo é entronizado com uma mudança radical do Sistema Monetário Internacional. Desde 1980 o dólar deixa de ser um padrão de valor tradicional dos regimes monetários pré-existentes (ouro-libra e ouro-dólar). Mas passas a cumprir sobretudo o papel mais importante de “moeda financeira” num sistema desregulado e de paridades cambiais inexistentes, ademais de “o valor do dólar é fixado pela taxa de juros norte-americana”, a referência básica do sistema financeiro global, na medida em que ao EUA mantém a sua dívida pública “como título de segurança máxima”, afiançaram TAVARES, M e FIORI, L.74 (itálico nosso).

E. HOBSBAWM75 advertira que a “globalização acompanhada de mercados livres” trouxe consigo uma “dramática acentuação” das desigualdades econômicas e sociais nas nações e entre elas. Embora a pobreza extrema geral estivesse diminuindo não havia sinais que tal polarização não continuasse, assim como ela deveria ser considerada na base de importantes tensões sociais e políticas no começo do século XXI. Para ele, na “era do neoliberalismo” estabeleceu-se uma “época gloriosa das finanças especulativas internacionais” (itálico nosso), onde se calcula as atividades das empresas “nem mesmo em um ano”, implicando no abandono dos “valores” que construíram a grande empresa capitalista do pós-2ª Guerra: insegurança permanente e mudança contínua de trabalhadores e administradores.

L. BELLUZZO, por sua vez, ressalta o caráter eminentemente especulativo e de criação contábil de capital fictício desse capital financeiro, universal, na medida em que a sua capacidade mobilizadora de grandes massas de capital-dinheiro força “a supressão de barreiras tecnológicas e de mercado”. A desregulamentação e a liberalização dos mercados financeiros e cambiais iniciaram-se antes - “desde meados de 1960” - da ruptura ao sistema Bretton Woods e contribuíram para a sua derrocada. Assim, os mercados financeiros contemporâneos apresentam grande inclinação para episódios de euforia e de alavancagem imprudente, ante uma “extrema sensibilidade aos riscos de contração súbita da liquidez”.76

74 [8] Ver: “A hegemonia americana”, M.C. Tavares e L.Fiori, Revista Lua Nova, São Paulo, nº 50,

2000.

75 Ver: “Globalização, terrorismo e democracia”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das Letras,

2007. Também, “O novo século. Entrevista a Antonio Polito”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

3.2 - Globalização neoliberal e a nova divisão internacional do

trabalho: no rastro da crise

Um dos complexos fenômenos que ocorre simultaneamente às transformações advindas com a “globalização financeira” do neoliberalismo se relaciona diretamente com as alterações do movimento internacional do capital produtivo. A liberalização financeira em larguíssima escala, e um novo redirecionamento da expansão das relações capitalistas de produção necessitam ser vistas como espécie de “força motrizes” em que se assentaram as ondas “financeirizadas” de valorização do valor, com implicações diretas na grande crise. Por isso mesmo é factual articular a expansão dos circuitos de valorização financeira do capital à verdadeira diáspora que transportou a indústria manufatureira – e sua base técnica – da estrutura monopolística do capitalismo central à periferia.

Uma reversão do padrão industrial distinta da que emergiu do pós-2ª Guerra é entronizado, onde a anterior divisão internacional do trabalho fez com que um número cada vez maior de países fizesse parte do processo internacional de produção, então denominados Países Recentemente Industrializados (NIC's - Newly Industrializing Countries). Nela, o capitalismo progressivamente transnacionalizado promovia o espraiamento de monopólios e oligopólios, além do deslocamento das empresas no espaço, buscando maiores taxas de acumulação e incorporando novas áreas geográficas ao sistema capitalista mundial. A acumulação avançara então a um processo em escala mundial, com mecanismos de concentração e centralização do capital a evoluir num outro patamar. Naquela nova divisão internacional, novos espaços são incorporados e novas funções passaram a ser impostas aos países que procederam um tipo de ascensão.

De caráter: a) não homogêneo; b) enfatizando-se os limites e potencialidades das industrializações periféricas; c) sublinhando-se ademais o indispensável do papel do Estado nesse impulso daquela divisão internacional do trabalho, cumpre notar ser inegável e importante a transformação no papel dessa periferia do capitalismo. Pois, ao passar a ser incorporada progressivamente “à fronteira de acumulação produtiva do grande capital internacional”, esse grupo de economias nacionais agora “campo de absorção de investimentos produtivos” propiciaram que alguns países deixassem de ser exclusivos exportadores de países primários (L. COUTINHO e L. BELLUZZO, 1998)

77.

Notadamente na Ásia, a acentuada valorização do iene (acordos de Plaza, 1985), catapultou o deslocamento industrial e produtivo do capital japonês para países asiáticos sabidamente de industrialização diferenciada. Coréia do Sul, Formosa, Cingapura, Hong-Kong (“tigres asiáticos”) tiveram suas moedas fortemente valorizadas no final dos anos 1980, afetados pelo reposicionamento dos EUA no Sistema Monetário

77 Ver: “Estado, financiamento e forma de manifestação da crise: 1929-1979”, em: “Desenvolvimento capitalista no Brasil. Ensaios sobre a crise”, BELLUZZO, L., COUTINHO, R. (orgs.) v. 1., Campinas, IE/Unicamp, 1998[1983], pp. 31-2, 4ª edição.

Internacional. Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas também processaram um movimento similar de mudança industrial, o que reestrutura e expande a própria divisão regional de trabalho. Para isso concorreram especialmente o investimento direto estrangeiro, a substituição de importações e a promoções de exportações.

Entretanto, de acordo com C. MEDEIROS, (1997) 78, o desempenho dos países

industrializados latino-americanos – exemplos de Brasil e México -, se foram similares aos asiáticos em termos de crescimento econômico, a situação se altera completamente no decorrer dos anos 1980. Vis-à-vis ao extraordinário crescimento entre 1960 e 1980 de Brasil e México,

“O desempenho da Ásia dos anos 80 foi amplo e generalizado. Economias completamente distintas, tanto em termos de instituições quanto em termos de padrão de desenvolvimento, como a Índia (fechada e continental) e Formosa, a Indonésia e Hong-Kong, China e Tailândia cresceram a taxas muito elevadas” (Op. cit., p. 285).

Para Medeiros, a descontinuidade dos anos 80 e a regionalização do crescimento colocavam indagações e questionamentos em algumas das principais proposições acerca as diferenças observadas entre economias em desenvolvimento, especialmente em interpretações excessivamente centradas em “fatores endógenos”, no que tange a explicações sobre por que países de economias tão díspares tiveram a tal convergência quanto ao crescimento verificado (idem, ibidem).

Estruturalmente, o decurso dos anos 1980 foi surpreendido por dois processos significativos na evolução da nova divisão internacional do trabalho: a diplomacia americana do “dólar forte”, e a liderança da reestruturação industrial pelo Japão e a Alemanha. Num ensaio do início da década de 1990, M.C. TAVARES (1992) assinala que: 1) os EUA passaram a um endividamento global “com uma velocidade impressionante”, de modo a reverter uma situação de país credor internacional que vigia desde 1914, a devedores líquidos entre 1982 a 1985; 2) as tendências emergentes na nova divisão internacional do trabalho combinaram a “Terceira Revolução Industrial” e uma outra onda de transnacionalização 79.

Noutro estudo, L. BELLUZZO (2014) entende que, em seu desenvolvimento, as profundas mudanças que sustentaram a globalização dos anos 1990, entrelaçaram também: (i) grande aporte de capitais para os EUA, apesar do crescente déficit em conta

78 Ver: “Globalização e a inserção internacional diferenciada da Ásia e da América Latina”, C.A. Medeiros, em: “Globalização, império e hegemonia”, FIORI, J.L. e TAVARES, M.C. (Orgs.), Petrópolis, Vozes, 1997, pp. 279-285, 2ª edição).

79 Ver: “Ajuste e reestruturação nos países centrais: a modernização conservadora”, M. C. Tavares, em: “Desajuste global e modernização conservadora”, de Tavares, M. e Fiori, L., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993, pp. 21-51. Para Tavares, o Japão operou, naquela direção, uma modernização de “sucesso fulminante” (p. 47); a Alemanha, em função de seu enraizamento nos mercados comerciais e financeiros europeus não necessitou de um “esforço tão radical de transformação estrutural” na nova realidade (p. 48).

corrente; (ii) a acumulação de reservas nos países asiáticos, vis-à-vis a expansão dos déficits em conta corrente dos EUA; e, (iii) um crescimento “espantoso” da expansão do crédito, juntamente à inflação de ativos nas economias centrais80 .

Desse modo, o que Belluzzo denominara (precisamente) de “metástase do sistema empresarial” dos EUA, do Japão e da Alemanha, especialmente dos dois primeiros, determinaram: a) uma “impressionante” alteração nos fluxos do comércio global; b) um papel decisivo do fenômeno do global sourcing - não apenas o avanço do comércio intra-firmas -, sobretudo nas estratégias de “internacionalização das cadeias de fornecedores que, desde a década dos 90, beneficiaram as economias asiáticas”, e notadamente a China. Sintetizando, escreve Belluzzo:

“O ‘modelo asiático’ em sua forma atual tem uma relação simbiótica com as transformações financeiras e organizacionais que deram origem às novas formas de concorrência entre as empresas dominantes da tríade desenvolvida, Estados Unidos, Europa e Japão. As andanças da nova concorrência responderam, sim, às políticas liberalizantes dos anos 80. E, em sua resposta, o movimento da grande empresa realizou o projeto de reconfiguração do ambiente internacional” (idem, ibidem).

Num artigo anterior (2013), “A crise e o subterrâneo da ‘velha toupeira capitalista’”, BELLUZZO já argumentara ampla e nitidamente acerca do referido processo de configuração da “mancha manufatureira” em sequiosa busca de recursos naturais em torno da China 81. Descreve que, por detrás da internacionalização das carteiras da riqueza, do crescimento do mercado de derivativos e dos grandes investidores institucionais a expandir as manobras para a alavancagem, a arbitragem e especulação encontravam-se:

“O jogo da grande empresa... [onde] as ‘novas’ formas da concorrência esconde, sob o diáfano véu da liberdade, o aumento brutal da centralização do capital, a concentração do poder sobre os mercados, a enorme capacidade de

80Ver: “A internacionalização recente do regime do capital”, L. Belluzzo, em: http://cesit.net.br/wp/wp- content/uploads/2014/11/Carta-Social-e-do-Trabalho-27.pdf

81 Evolutivamente, sublinhe-se aqui, a título de desdobramento, que na multifacetada evolução da nova divisão do trabalho, conforme singular estudo do economista russo I. TSELICHTCHEV, “China versus

ocidente: o deslocamento do poder global no século XXI”: 1) Xangai, já faz tempo, é o maior centro

industrial do mundo, onde uma enorme batalha pelo mercado chinês estaria apenas começando, e o Ocidente (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália) deveria agir rápido para não ficar “de fora dessa guerra”. 2) A China não é somente uma “fábrica mundial”, assevera ele, mas se transformou num gigantesco laboratório de pesquisas, inclusive em energia “verde”, setor em que já lidera. Em relação às perspectivas da competição no desenvolvimento com o assim denominado Ocidente, argumenta ainda o economista russo que, a China: a) continua a manter a sua moeda desvalorizada; b) as empresas chinesas contam com forte apoio do Estado e investimentos de fundos do governo nessas companhias; c) já é bastante extensa a lista de aquisições chinesas de empresas ocidentais, enquanto o controle acionário de importantes empresas chinesas por companhias ocidentais vem se revelando “efetivamente impossível”; d) o acesso de empresas e investidores ocidentais a segmentos do mercado chinês ou a negócios no país associam-se à transferência de tecnologia; e) políticas e o direito chineses continuam a facilitar o acesso ao “roubo” de tecnologias ocidentais. (Ver: São Paulo, Editora DSV, Introdução, Caps. 1, 2 e 3; 2015).

ocupar e abandonar territórios e de alterar as condições de vida das populações”. 82

Frisando ainda ali o caráter decisivo de uma macroeconomia “aberta” da globalização, no forjar dessa nova divisão internacional do trabalho, ele insiste no papel central da força da moeda dos EUA, e na resiliência de seu mercado financeiro em que suas grandes corporações assentaram a migração para países de menor custo relativo. Graficamente83 demonstra então que foram “as entradas de investimento de portfólio” que financiaram a saída líquida de capital produtivo.

Gráfico 5 – Conta de Capital - % do PIB - EUA

Fonte: BELLUZZO, L., “A crise e o subterrâneo da ‘velha toupeira capitalista’”, 2013, p.28.

82 Em: “A grande crise capitalista global 2007-2013: gênese, conexões e tendências”, BARROSO, A., E SOUZA, R. (Orgs.), São Paulo, Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013, pp. 26-27.

83 Ver: L. Belluzzzo, “A crise e o subterrâneo da ‘velha toupeira capitalista”, em: “A grande crise

capitalista global 2007-2013: gênese, conexões e tendências”, BARROSO, A. E SOUZA, R. (Orgs.), São Paulo, Anita Garibaldi/Fundação Mauricio Grabois, 2013, pp. 28 e 29, 31e 32. [gráficos FACAMP]

Gráfico 6 – Conta corrente e conta de capital - % do PIB - EUA

Fonte: BELLUZZO, L., Op. cit., 2013, p.29.

Fonte: BELLUZZO, Op. cit., 2013, p. 31.

Analisando as consequências do conjunto dessas transformações operadas na década de 1990, M. AGLIETA considera que a liberalização financeira foi o motor das crises financeiras, “as mais graves desde a grande depressão” dos anos 30 do século passado. Notadamente a grande crise asiática da segunda metade de 1997, mas diz ele que antes, a do início de1995 no México, a da Rússia em agosto de 1998, e a do Brasil de fins de 1998 provocaram violentas e extensas repercussões internacionais.

Segundo Aglietta, a crise asiática surgiu após de um “longo período de crescimento elevado e estável”, com a dívida financiando a acumulação, o que fundamentalmente se sustentou enquanto os sistemas financeiros dos países da região permaneceram regulados. A liberalização financeira passara a ser entendida como uma inovação sistêmica, o que “destruiu a coerência anterior sem criar uma nova”. Na medida em que a liberalização financeira implicou num descontrole “súbito do crédito por parte do Estado”,

“Os métodos de gerenciamento prevalecentes, tão criticados ultimamente pelos mesmos comentaristas que aplaudiam o milagre asiático no começo da década, eram de fato incompatíveis com a abertura dos mercados financeiros”.84

3.4 - Neoliberalismo e fases da crise: uma periodização

Essas particularidades do neoliberalismo, como reconfiguração de uma tipologia de capitalismo visando trilhar uma “época gloriosa das finanças especulativas

84 Ver: “Lidando com o risco sistêmico”, M. Aglietta, Economia e Sociedade, Campinas, (11): 1-32, dez. 1998, pp.13-14. Em: “Macroeconomia financeira. 2. Crises financeiras e regulação monetária” (São Paulo, Edições Loyola, 2004, p.34), Aglietta insiste: o afluxo maciço de capitais estrangeiros, sistemas

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