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Crise, estagnação, e crescimento no capitalismo dos monopólios: a

Crise, estagnação, e crescimento no capitalismo dos monopólios: a

crítica marxista de Lênin

O capítulo148 argumenta e polemiza com a tese de que, com a crise emergida em 2007-8 chegamos – mais uma vez – a uma circunstância de “limites históricos” do capitalismo. Assim como são falsas as teses do “estagnacionismo” revivido recentemente como “secular” por L SUMMERS et alii. Estas duas questões examinadas no capítulo anterior sofrem tratamento teórico a partir das ideias centrais de V.LÊNIN acerca da dinâmica e da crise no capitalismo.

Chamamos desde logo a atenção para o fato de, passados 100 anos, da obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, de Vladimir Lênin, nada mais, nada menos, antecipar-se ali, o teórico russo, em décadas à crítica da “estagnação” como modo de ser (ontológico) do capitalismo monopolista (P. BARAN & P. SWEEZY, 1978). Nesse estudo – e em outros textos seus - avulta a tese de Lênin de que, “no seu conjunto, o capitalismo cresce com uma rapidez incomparavelmente maior que antes”.149

Crucial, tal questão permanece no centro das indagações sobre as perspectivas do capitalismo contemporâneo, a partir da visão marxista de finitude e superação radical dos modos de produção. Guarda, portanto, similar incidência crítica às teorias que afirmam haver chegado “os limites históricos” do capitalismo neoliberal financeirizado, especialmente após sua grande crise iniciada em 2007-8.

148 O capítulo é amplamente baseado no ensaio “Lênin: notas teóricas sobre crítica e crise do

capitalismo”, A. S. BARROSO, em: “Lênin: presença da revolução”, BARROSO, A. (org), São Paulo,

Fundação Maurício Grabois/Anita Garibaldi, 2017, pp. 51-78.

149 Lênin refere-se concretamente ao crescimento de certos ramos industriais, certos setores da burguesia, em certos países: a) nos Estados rentistas espoliadores via exportação de capitais e o colonialismo; b) ao caráter parasitário e desigual desse crescimento que alcança os países centrais, e os periféricos (“O

imperialismo, fase superior do capitalismo”, capítulo X, “O Lugar do imperialismo na história”, Lisboa,

Edições Avante! 1981, p. 668). Evidente que se só houvesse estagnação, jamais haveria crescimento. Simultaneamente, no capítulo VIII, “O parasitismo e a decomposição do capitalismo”, afirmara Lênin: “Mas não obstante, como todo monopólio, o monopólio capitalista gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e para a decomposição” (idem, p.649). Enquanto afirmaram BARAN e SWEEZY: “Como o excedente que não pode ser absorvido não será produzido, segue-se que o estado normal da economia capitalista é a estagnação”; Ver: Baran, P., Sweezy, P. “Capitalismo monopolista. Ensaio sobre a ordem econômica e social americana”. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p.113.

4.1 - Marxismo e escatologia

Evidenciamos assim que, até a evolução da grande crise capitalista global iniciada em 2007-8, aquela conclusão persiste como linha de demarcação entre o marxismo e as fantasias fatalistas na economia política crítica. Ademais, aquela formulação de Lênin revelou-se das mais fecundas contribuições ao desenvolvimento teórico da doutrina marxista ao nosso tempo; e antídoto à compulsão da “estagnação” capitalista – faça chuva ou faça sol. Pois tal visão, como vimos em observações de E. ALTVATER (Cap. 2), ignora surpreendentemente o fato de que, se o capitalismo congenitamente estivesse fadado à marcha batida da “estagnação” seria igualmente inexorável a sua implosão.

Aliás, esse “colapso” já deveria ter ocorrido, e sistemicamente não sobrevivido a duas guerras mundiais, bem como a pelo menos três grandes depressões sistêmicas (1873-96, 1930-1933/39, 2007-8...). Do ponto de vista da dinâmica do capitalismo monopolista, as consequências práticas dessa visão escatológica têm sido nefastas à conduta política do pensamento marxista consequente. Porque negar-se a existência sistêmica do ciclo e da crise capitalistas ou negar o dinamismo cíclico do capitalismo é, em última instância, negar o desenvolvimento das forças produtivas. Como aprendemos na história evolutiva dos modos de produção predominantes, estas forças podem ser travadas, ou redirecionadas a um novo poder de classes sociais; mas até hoje têm seguido o horizonte geral da marcha do desenvolvimento - sempre desigual – desses sistemas e dessas sociedades.

Foi E. HOBSBAWM150 - relevante aqui destacar - que, em seu consagrado estudo “A era dos extremos” (1995), chamou a atenção a respeito da história da economia mundial, a partir da 1ª Revolução Industrial, como vir sendo de acelerado progresso técnico, e contínuo, mas irregular crescimento econômico. Além de “crescente globalização” (divisão mundial do trabalho cada vez mais elaborada e complexa), assevera que a mesmo na Era da catástrofe, iniciada com a Grande Depressão de 1929-1933, “o crescimento econômico não cessou nessas décadas”.

“Embora na vida da maioria dos homens e mulheres as experiências econômicas centrais da era tivessem sido cataclísmicas, culminando na

150 Ver: “Era dos extremos. O breve século XX 1914-1991”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, 2ª edição, 48ª reimpressão, p. 92.

Grande Depressão de 1929-33, o crescimento econômico não cessou nessa década” (Idem, ibidem).

Não é à toa que, se há uma notícia que agita o mundo, pelo menos desde 1848, essa foi “espalhada” por Karl Marx: a sociedade burguesa só será transformada ipisis

verbis através da revolução social - jamais ela cairá por implosão. E são amplamente

conhecidas suas inúmeras opiniões que conceituam o “papel sumamente revolucionário” da burguesia no seu processo de ascensão, recorda com brilho J. BARATA-MOURA.151 Também nos desenvolvimentos bem mais complexos em torno da reestruturação das bases técnicas do capitalismo e seus processos de metamorfoses, escreveu Marx, nos “Grundisse”:

“Na medida em que, sem embargo, a grande indústria se desenvolve, a criação real de riqueza se torna menos dependente do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho empregados, que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que, por sua poderosa eficácia não guarda relação alguma com o tempo de trabalho imediato que custa sua produção, mas depende mais do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção. (...) O capital mesmo é a contradição em processo”.152

4.2 - Refúgios do marxismo vulgar

Sob outro ângulo, notemos então que integrantes do marxismo vulgar utilizam regularmente de subterfúgios para acusar os críticos do estagnacionismo permanente, de professarem a “apologia” do capitalismo; ou mesmo desses serem adeptos do “revisionismo” das teses de Marx ou de Lênin. Mas supondo que, no discurso de Marx acerca do caráter progressista do capitalismo, isso era da época em que ele se desenvolvia, não teria sido o próprio Vladimir Lênin um “apologista” do capitalismo, por afirmar, não sem causar espanto ainda hoje, que, diante das dificuldades do período imediato pós-Revolução Socialista na Rússia,

“Acontece que exatamente o alemão encarna, agora junto como um imperialismo feroz, também os princípios da disciplina, da organização, da colaboração harmônica com base na indústria moderna mecanizada,

151 Ver: “Nota sobre a categoria bürgerliche gesellschaft em Karl Marx”. Separata da Sociedade Civil – Entre miragem e oportunidade, BARATA-MOURA, J. Lisboa, abril de 2003.

152 Ver: “Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858”, vol. 2, Buenos Aires, Siglo Veinteuno editores, 1972, pp. 227-229.

do inventário e do controle mais rigoroso. É isso exatamente que nos falta. Exatamente o que devemos aprender”.153

Ressalte-se bem que tal visão de Lênin não se fixa num ou noutro registro. O teórico russo retorna insistentemente ao tema da superioridade do desenvolvimento capitalista alemão, frente ao capitalismo de Estado emergente na Rússia da “Nova Política Econômica” (NEP). Notadamente no contundente artigo “Infantilismo de ‘esquerda’ e a mentalidade pequeno-burguesa” (1918), dirigido às formulações do grupo “comunistas de esquerda”: a Alemanha de então, disse Lênin, era “a última palavra da moderna técnica e da organização planificada, subordinadas ao imperialismo junker-burguês”. Sobretudo porque, assevera Lênin, demonstrando uma profunda compreensão da dinâmica do capitalismo àquela época:

“O socialismo é inconcebível sem a grande técnica capitalista nos últimos descobrimentos da ciência moderna” (...). Nós, os marxistas, sempre afirmamos isto e não vale a pena gastar dois segundos para falar disto com pessoas que nem sequer o entendem”.154

E, mais adiante de modo explícito, Lênin assim se dirige ao “comunista de esquerda”, Osinski, advertindo antes que os operários russos não deveriam “ter medo do grande capitalismo de Estado”:

“Mas é um pouco estranho ouvir tais coisas de um marxista que aprendeu a que o socialismo é impossível sem o aproveitamento das conquistas da técnica e da cultura criadas pelo grande capitalismo. Ali não restou nada de marxismo” (Lênin, Apud: BERTELLI, p.261).

Ainda no interior desta temática, A. GRAMSCI seria também um apologista do regime burguês de produção, onde, após analisar ser o caso do desenvolvimento capitalista nos EUA ter sido ausente um passado feudal, como a causa da não existência de “classes absolutamente parasitárias” como as da velha Europa (embora, diz, não faltando “novos parasitas” ligados à especulação e a Bolsa de Valores), ressalta ele estarem os EUA introduzindo “uma forma moderníssima de produção”. Esta seria gerada “por um novo mecanismo de acumulação e distribuição do capital financeiro originário imediatamente da produção industrial”.

153 Lênin, Apud: Domenico LOSURDO, “Antonio Gramsci: do liberalismo ao ‘comunismo crítico’”, Rio de Janeiro, Revan, 2006, p. 188.

154 Em: “Lênin. Estado, ditadura do, proletariado e poder soviético”, BERTELLI, A. (org.), Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1988, pp. 188 e 189 respectivamente.

Sobre essa questão, com justeza assegura LOSURDO que, assim, Gramsci “impressiona pela capacidade, de um lado de descrever sem indulgência a situação de um país considerado imperialista, e, de outro, de perceber a capacidade de resistência e de futuro do modelo norte-americano” (Losurdo, Op. cit., p.194). Emblematicamente, a discussão encontra-se no capítulo denominado “Gramsci e o distanciamento da tese da ‘putrefação’ e da ‘ruína’do imperialismo” (Losurdo, idem, 2006, p. 190) - debate este que veremos mais adiante.

Trata-se, assim, de não recusarmos o combate contra “um certo marxismo”, fossilizado e incapaz, de apreender as duas categorias centrais da dialética: totalidade e contradição. Porque, a partir delas, a crítica das concepções dogmáticas da dinâmica capitalista torna indispensável o retorno a questões formuladas por Lênin e marxistas vinculados ao seu pensamento, especialmente para se contrapor as ideias extremamente prejudiciais à formação dos jovens intelectuais, acadêmicos e estudiosos interessados em compreender as bases epistemológicas do marxismo desenvolvido à época do imperialismo ou do predomínio avassalador do capital financeiro, conforme o mesmo Lênin.

O que é comprovado pela inigualável interpretação de Lênin sobre a natureza dos estágios (desiguais) que alcançaram os próprios países do capitalismo central, bem como acentuadamente frente à configuração periférica desse sistema. Pouco antes de escrever sua formidável obra (1916), sobre o capitalismo da era dos monopólios, Lênin, ainda em fins de 1915, se debruçara também sobre o desenvolvimento na agricultura dos EUA. Abrindo sua excelente pesquisa baseada nos censos agrícolas (de 1900,1910 e o resumo de 1911) daquele país, ele assim se refere acerca características estruturais do imperialismo norte-americano:

“Os Estados Unidos não possuem concorrentes que os iguale, nem pela a rapidez do desenvolvimento do capitalismo no final do século XIX e início do XX, nem pelo nível extremamente elevado já atingido por este desenvolvimento... território sobre o qual se aplica uma técnica que representa a última palavra da ciência... nem pela liberdade política e o nível cultural das massas da população”. Portanto, sob vários aspectos, este país constitui o modelo e o ideal de nossa civilização burguesa”.155

4.3 - Lênin desenvolve o marxismo

155 Ver: “Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América. Novos dados sobre as leis de

Foi Lênin, em “A propósito do chamado problema dos mercados”, escrevendo aos 23 anos de idade (1893), quem enfatizou: “a única dedução correta que se pode extrair destas investigações de Marx [sobre a tendência do maior crescimento do capital constante frente ao variável] é que na sociedade capitalista a produção de meios de produção aumenta mais rapidamente que a produção de meios de consumo”. O que é consequência direta – continua Lênin – da “conhecidíssima tese de que a produção capitalista cria uma técnica incomensuravelmente mais avançada que a dos tempos anteriores”.156

Fixemo-nos noutro estudo, desta feita, “Observação sobre o problema da teoria dos mercados (Por motivo da polêmica entre os senhores Tugán-Baraovski e Bulgákov”), escrito cinco anos depois (1898). Lênin ali amplia de maneira notável a explicação marxista sobre a tendência preponderante de desenvolvimento no capitalismo, inclusive, uma vez estabelecendo suas forças produtivas específicas, e formado seu mercado interno, podendo mesmo “dispensar” o comércio exterior. Diz ele:

“a produção capitalista, ao desenvolver-se, cria seu próprio mercado às expensas fundamentalmente dos meios de produção e não dos meios de consumo; que a realização da produção em geral e da mais-valia em particular pode perfeitamente explicar-se sem recorrer ao mercado exterior” (Lênin, Op. cit., 1974, p. 208).

Prosseguindo este estudo, e examinando a fundo uma determinada passagem onde Tugán-Baranóvski (citando Marx) afirma poder ocorrer situações em que os produtos não encontrem mercado, apesar de ter havido uma distribuição proporcional entre os departamentos, observa mais adiante Lênin que:

“Não há nenhuma razão para ver nessas palavras uma correção à teoria da realização exposta no Tomo II [Livro II]. Marx se limita a manifestar aqui uma contradição do capitalismo assinalada já em outras passagens de O Capital, a saber: a contradição entre a tendência à ampliação ilimitada da produção e necessidade de um consumo limitado (a consequência da situação proletária das massas do povo)” (Lênin, idem,1974, p. 210).

156 Ver: “Sobre el problema de los mercados”, Escritos económicos, LÊNIN, V. vol 3, Madrid, Siglo Veinteuno editores s.a., 1974, p.17.

Um ano após (1899), o ensaio “Algo mais sobre o problema da teoria da realização”, se constitui numa resposta de Lênin à crítica de seu livro sobre o problema dos mercados, pelo famoso populista russo P. B. Struve. Numa elaboração teórica permeada por ensinamentos da dialética, segundo Lênin interpreta,

“a teoria da realização de Marx é uma teoria abstrata que demonstra como se realiza a reprodução e a circulação de todo o capital social, o que deve ter como premissa a abstração do comércio exterior ou dos mercados externos” – “embora jamais existiu ou pôde existir uma sociedade capitalista sem comércio exterior” (Op. cit.,1974, p. 224).

Aduzindo Lênin, que, sendo ao mesmo tempo uma arma contra a apologia e a crítica pequeno-burguesa do capitalismo, a teoria da realização:

“conduz inevitavelmente ao reconhecimento do caráter historicamente progressista do capitalismo (desenvolvimento dos meios de produção e, por conseguinte, das forças produtivas da sociedade), mostrando, em lugar de ocultar, a transitoriedade histórica do capitalismo” (Lênin, idem, p. 236).

Diz também Lênin, sempre coerentemente com sua formação marxiana profunda, em passagem de “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia” (1899),157 contra as concepções os populistas russos, que,

“Ademais, não há nada mais absurdo que das contradições do capitalismo deduzir a sua impossibilidade, seu caráter não-progressista etc., o que implica nas celestes regiões dos devaneios românticos refúgio contra uma realidade desagradável, porém indiscutível”.

Na verdade, impressiona a coerência de Lênin em levar bem mais adiante a sua sólida interpretação da teoria de Marx - trilhar pelas novas veredas aberta pelo real -, o que se traduziu num legado de uma práxis decisiva para equacionamento dos dilemas da construção da transição socialista russa.

Exemplificando novamente: Tamás KRAUSZ, no inovador e profundo estudo “Reconstruindo Lênin” (2017, 637 páginas), resgata essa coerência, bem como a perspicácia do teórico russo. E reconfigurando o (áspero) debate sobre a montanha de desafios com que se defrontavam para a passagem à nova sociedade, ficava claro a

157 Ver: “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. O processo de formação do mercado para a

distância que separava Lênin de uma suposta “ingenuidade”. Novamente em relação ao papel e o lugar “dos mercados”, ele se opôs à ideia da e uma “introdução” do socialismo naquela realidade concreta. Isto é, para Lênin o socialismo simplesmente não poderia ser “introduzido”, na medida em se trata de uma formação econômico-social. Escreveu então:

“Aqueles líderes enganam a si e ao povo ao dizer que a ‘Rússia não está pronta para a introdução ao socialismo’. Por que devemos tratar tais afirmações com logro? Porque, por meio dessas afirmações, a situação é representada equivocadamente para que pareça uma questão se mudanças inigualavelmente difíceis e complicadas, do tipo que acabará com o estilo de vida normal de milhões de pessoas. A situação é representada equivocadamente para fazer crer que alguns desejam “introduzir” o socialismo na Rússia por decreto, sem considera o nível técnico existente, o grande número de pequenos empreendimentos nem os hábitos e os desejos da maioria da população. Isso é uma mentira do início ao fim”.158

4.4 - Lênin e as controvérsias sobre a “teoria do colapso”

A teoria de Lênin é de clara oposição ao catastrofismo monocórdio. Os que ainda hoje nela insistem, em verdade o fazem sobretudo por injustificada ignorância (ou má fé) sobre uma enorme quantidade de material teórico acumulado acerca do pensamento de Lênin, assim como sobre as controvérsias das marchas e contramarchas do capitalismo. Não é por ser algo dispensável que, exatamente sobre este assunto, E. HOBSBAWM159 sentenciou sobre os sólidos fundamentos da construção teórica de Lênin:

“A Era dos Impérios ou, como Lênin a chamou, o imperialismo, não foi, evidentemente, “a etapa final” do capitalismo; mas, à época, Lênin nunca afirmou realmente que fosse. Simplesmente a denominou, na primeira versão de seu influente escrito, “a última etapa do capitalismo” (HOBSBAWM, Op. cit., p. 27). Até porque – enfatiza o historiador – todas as tentativas de isolar a explicação do imperialismo do “desenvolvimento específico do capitalismo no fim do século XIX” não passam de “exercícios ideológicos” (idem, p. 110).

Também F. ANDREUCCI, em “A questão colonial e o imperialismo”, interpreta ser, no livro de Lênin, a palavra-chave o adjetivo russo novejsij, que significa

158 Ver: “Reconstruindo Lênin – uma biografia intelectual”, T. Krausz, São Paulo, Boitempo, 2017, pp. 471-2.

159 Ver: “A Era dos Impérios (1875-1914)”, de E. HOBSBAWM, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2003, 8ª edição.

“última”, no sentido de a “mais recente”: a tradução exata seria “imperialismo, etapa mais recente do capitalismo”. Como e quando teriam se modificadas as palavras, “não é simples” – diz Andreucci.160

Alternativamente, tem certa razão G. MARRAMO161 quando do vasto exame do debate marxista, dos anos 1920-30, sobre as “vicissitudes da ‘teoria do colapso”, destaca o erro grosseiro dos que não distinguiam e faziam referências indevidas entre o “plano lógico” e o “plano histórico”, isto é, a exposição científica das leis tendenciais, e o movimento real, tanto na defesa como na crítica da análise marxiana do capitalismo (MARRAMAO, Op. cit., p.102). Sob outro ângulo, esta análise do sistema capitalista, interpreta ele,

“é científica não porque reflete a história real do modo de produção, mas porque define suas prerrogativas estruturais através do estudo das formas em que se reproduz a relação contraditória fundamental” – forças produtivas e relações de produção, passagem da reprodução simples para a ampliada (MARRAMAO, idem, p. 109).

De acordo ainda com C. NAPOLEONI,162 ao merecer particular atenção entre marxistas, entre o fim do século XIX e o XX, a questão “del derrumbe del capitalismo” tinha uma segunda posição que postulava a impossibilidade da realização em geral, podendo adotar daí a premissa necessária “para a tese de um desenlace catastrófico, pelo progressivo agravamento da crise conectada justamente com tal dificuldade de realização” (Op. cit. 1978, p. 40). Noutras palavras, a superprodução na época dos monopólios. A “dificuldade de realização” assim levaria à estagnação e ao subsequente colapso.

Esticando mais a controvérsia, em pontos específicos, podemos dizer que a interpretação do citado pensador D. LOSURDO é no mínimo instigante. Para Losurdo, em meio à barbárie da Primeira Guerra - quando se parecia confirmar estar plasmada

160 Em: “História do Marxismo IV. O marxismo da época da II Internacional (Terceira parte)”, HOBSBAWM, E. (org.), p. 274, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984, 2ª edição.

161Ver: “O político e as transformações. Crítica do capitalismo e ideologias da crise entre os anos vinte e

trinta”, de G. Marramao, Belo Horizonte, Oficina de livros, 1990.

uma burguesia moribunda política, ideológica e culturalmente -, dever-se-ia compreender a configuração do imperialismo realizada por Lênin como sendo “fase de putrefação radical e irreversível, no âmbito da qual a burguesia resulta incapaz de desenvolvimento no plano propriamente econômico e de iniciativa no plano, ideológico e político”. Um “paradoxo” (idem, p. 188), afirma o pensador marxista italiano, diante da firme disposição de Lênin em enfrentar as vicissitudes do desenvolvimento econômico na Rússia revolucionária.

Entretanto, prosseguindo, assinala Losurdo que:

“Relendo o célebre opúsculo do dirigente revolucionário sobre o tema, nos ocorre que, enquanto continua a conservar uma clara atualidade no que diz respeito à análise e do imperialismo como tendência das

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