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Evolução e dinâmica à grande crise Relato estilizado da construção da

Evolução e dinâmica à grande crise. Relato estilizado da construção da

crise global

Esse capítulo é fundamentado pelo Quadro, em forma de Apêndice (83 autores em 110 formulações), o que nos dá uma visão bastante abrangente da evolução do capitalismo neoliberal, suas características principais, no desaguar de sua primeira grande crise global do século XXI. Perpassando as questões principais dessa trajetória, dele podemos certamente apresentar – e confluir para - algumas ideias centrais, num debate que capta das formulações dos autores, acrescido de novas referências bibliográficas.

2.1 - Emergência de um novo padrão de acumulação

Ainda em 1980, BELLUZZO e TAVARES captaram o fenômeno do distinto papel do capital financeiro, afirmando que a valorização fictícia do capital irrefreável à grande corporação americana apoiava-se na finança, no protecionismo e privilégios concedidos por seu Estado ‘liberal’. Nos meados dos 1980, vê-se que, em seu destacado ensaio “A retomada da hegemonia norte-americana” (1985), Conceição TAVARES recorda o ambiente de crise dos anos 70, onde Paul Volcker, então presidente do Fed (banco central dos EUA), decreta violenta elevação da taxa básica de juros (1979). Volcker não só abandonara abruptamente uma reunião mundial do FMI, como alertara a todos: os EUA não permitiriam a continuidade da desvalorização do dólar (desde 1971); a moeda do império teria sua força recomposta, anunciou ele. A crise de superacumulação e superprodução de capitais de 1974-75, gestada a partir dos EUA, impôs a acelerar a redefinição de mando no sistema monetário internacional.

Sabe-se que pelas mãos do ex-presidente do Fed o establishment americano levou o mundo a uma grande recessão global, quebradeira, falências e desemprego (1981-83); ao colapso de empresas e bancos nos EUA; à “década perdida” na América Latina durante os 80. Com efeito, a alta dos juros teve fortíssimo impacto mundial; forçaram-se “ajustes” generalizados nos países capitalistas (e socialistas) “engatados” na política monetária do Fed. A “diplomacia do dólar

forte” (1979-85) enquadrou gregos e troianos, resultando dali que taxas de crescimento econômico, de câmbio e de juros tornaram-se um movimento convergente à dependência da política macroeconômica encetada pelos Estados Unidos.

A economia mundial volta a crescer em já em 1984, às custas de importações baratas para os EUA, quem promove a reestruturação de sua indústria, elevam muito o déficit comercial e abocanham os juros astronômicos de todo o mundo endividado em dólar. A propósito, as previsões catastrofistas de então sobre o duplo déficit norte- americano (transações correntes e fiscal) redundando numa grande crise foram então “dribladas” com os acordos do Plaza (1985) e do Louvre (1987) que: a) desvalorizam de maneira consentida o dólar; b) passam a coordenação de políticas macroeconômicas do G-7 para os EUA. Particularmente o Japão teve goela abaixo enfiada a ultravalorização do ien.

Constatou-se nessa modelagem o processamento da emergência de um novo padrão de acumulação marcado essencialmente por um protagonismo inédito do capital financeiro – no sentido do conceito marxista exposto por Robert GUTTMANN. Se no movimento anterior: (i) a crise dos anos 1970 impulsionara a desintegração do sistema monetário de Bretton Woods; (ii) a seguir, deriva-se dessa fase a intensa assunção do capital financeiro em suas duas variantes: o portador de juros e especialmente do capital fictício (ações negociadas nas bolsas, títulos públicos e a própria moeda creditícia) (GUTTMANN, 1996, pp. 53 e 65).

Data ainda de meados dos anos 80 a enorme expansão das “inovações financeiras” e dos derivativos para a securitização dos passivos do mercado financeiro dos EUA, ainda imobilizado internamente pelo choque de juros. Ainda que esse período corresponda à reafirmação do comando imperialista norte-americano sobre o capitalismo global - e caráter de superpotência -, as manobras de seu grande capital financeiro não adiaram o “exuberante” crash, logo ali, em outubro de 1987.

Assim e retrospectivamente, a partir da ruptura com os acordos de Bretton Woods, o dólar como moeda fiduciária (1971), o fim da fixidez (relativa) nas taxas de câmbio (1973) e a violenta alta nas taxas de juros (1979) programou-se o caminho da hegemonia norte-americana na “financeirização” neoliberal da riqueza. O que implicara – disse depois L. BELLUZZO - em: a) liberalização financeira e cambial como norma;

b) alteração nos padrões de concorrência capitalista global; c) mudança das regras institucionais do comércio e do investimento.

2.4 - Liberalização financeira, instabilidade e crises

Na evolução dos anos 1990, como nos mostram sistematicamente BRAGA (1993), MINSKY (1994), PLIHON (1995); COUTINHO (1995), CHESNAIS (1995), COUTINHO E BELLUZZO (1996); KEGEL (1996), CARDOSO DE MELLO (1987), MIRANDA (1987), GUTTMANN (1996), CINTRA (1998), FHARI (1999), AGLIETTTA (2000; 2004), ALTVATER (2010), por exemplos, conectam-se forte e globalmente: a) os processos de desregulamentação/liberalização como traços marcantes da “globalização financeira”; b) os novos instrumentos do capital financeiro sobrepujam crescentemente o antigo sistema de intermediação bancária; b) anuncia-se explicitamente uma nova era de instabilidade (e crises financeiras) na economia capitalista.

De fato, a referida (e forte) quebra financeira de 1987 refletiu a contra-face da crescente onda das finanças liberalizadas, ademais da forte expansão da economia dos países capitalistas centrais, a qual enroscara simultaneamente a Inglaterra, a seguir a Alemanha, a França e o Japão - em suas particularidades e ritmos (GOWAN, 2003). Superacumulação de capitais, instabilidades e o primeiro crash impactante da globalização financeira. Além disso, importa notar que os EUA então começaram a passar da posição de credor internacional a devedor, na medida em que também sua dívida pública se expandiu fortemente, assim como a da Europa, devido às taxas de juros e a hipervalorização do dólar.

Paralelamente à constituição de uma nova divisão internacional do trabalho centrada na Ásia, e em especial na cooperação conflitiva e polarizada entre EUA e a China, os anos 1980/1990 são também de expansão dos processos de abertura comercial, das privatizações e da liberalização financeira (especialmente da conta de capitais), formando o núcleo destrutivo da cartilha “Consenso de Washington”, e na aplicação do receituário à América Latina endividada e miserável – fala-se de uma política neoliberal ainda no Chile da ditadura de Pinochet.

As características da dinâmica do capitalismo hodierno sofreram assim impactantes alterações com o advento da “globalização financeira” neoliberal. Sobreveio do que se passou por inconteste: o império norte-americano então quase

absoluto da grande finança capitalista e seus mercados da riqueza. As transfigurações sistêmicas acompanharam o desenvolvimento/desestruturação do modelo; alcunhado como “sino-americano” por alguns autores, e desenhado a partir do final dos anos 1970.

Notadamente, sua impulsão ocorre com o programa da grande burguesia e do estado norte-americanos: (i) padrão dólar como moeda financeira; (ii) livre flutuação cambial; (iii) grande elevação da taxa básica de juro. A curva descendente que atinge esse modelo pode ser estabelecida a partir da crise financeira de 1987.

O crash da bolsa de New York (1987), a violenta crise financeira/imobiliária no Japão iniciada em 1989-90; o ataque à libra esterlina por grandes fundos de investimento (1990-92) e breve recessão nos EUA; as crises do México (1994-1995); da crise global que abalou a Ásia e iniciada na Tailândia (1997); com a incidência na Rússia, na Venezuela e Turquia (1998); no Brasil a crise do balanço de pagamentos no (1999); a crise das empresas de alta tecnologia com ações comercializadas na Nasdaq (2000); da Argentina (2001) formaram uma espécie de “calendário” antecipador da tempestade iniciada nos EUA, de 20 anos depois da debacle bolsista em Wall Streeet, com a crise das hipotecas subprimes, nos EUA e países da Europa, tornada sistêmica com a falência do banco Lehman Brothers; o que se desdobra na fase de uma crise global europeia, classificada como das “dívidas soberanas”.

2.3 - O novo regime de “mercados autorregulados” (1980-90)

Ao menos em três questões estruturais chaves as mudanças circundaram: a) o comércio exterior/nova divisão internacional do trabalho; b) as transações financeiras sob a base da moeda reserva-dólar; c) transformações geopolíticas internacionais policêntricas.

Sob essas mudanças, as duas décadas cristalizaram então uma sequência de antinomias - oriundas, por sua vez, da antítese produzida pelo novo regime de acumulação substitutivo daquele criado pelos Acordos de Bretton Woods -, teoricamente por nós assim elencadas:

1) doutrina da autorregulação e equilíbrio dos mercados, baseados em relações quantitivas entre produção, mercadorias e indivíduos como garantia do desenvolvimento, contrapostos à implacável realidade da incerteza e de instabilidades,

da concentração/centralização financeira da riqueza, inéditas assimetrias sociais e à intervenção dos Estados nas economias;

2) fabricação ideológica de um individualismo societário insidioso, desagregador e penetrante, oposto à correspondência de um planeta cada vez mais reprodutor do trabalho social em escala gigantesca e reclamante de laços humanos solidarizados; 3) processos de desregulamentação e liberalização internacional de mercados, de serviços e de capitais, fomentadores de crises financeiras devastadoras versus a apologia das “expectativas racionais”, da estabilidade via metas de inflação para promoção do crescimento e do desenvolvimento;

4) informações-comunicações estratégicas de propalado acesso democrático e de livre mercado-concorrência, em oposição ao poder oligopólico de concentração do padrão tecnológico, controle e patentes das novas tecnologias de informação e comunicação em relação às economias subdesenvolvidas;

5) flexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho para maior crescimento e “empregabilidade”, em confronto com o altíssimo e crescente desemprego em escala mundial, a generalização da precarização e a redução ou eliminação de direitos sociais e trabalhistas; e

6) prática da naturalização da especulação sem limites (não só “natural” como “benéfica”), incluindo a financeirização clandestina (shadow finance system),

enquanto se adota e se difunde a ética do “moral hazard” (“risco moral”).

2.4 - Financeirização e crises

Consideramos que, notadamente em BRAGA (1997; 2000; 2009), a ideia da financeirização como “novo padrão sistêmico de acumulação” assume a fisionomia teórica pioneira (e plena). Em cuja estrutura conceitual, articulação e projeção dinâmica o distingue o início às interpretações de CHESNAIS (mundialização; capital portador de juros, 2002) ou ARRIGHI (ciclos sistêmicos de acumulação,1996). Para Braga (1997), a dominância financeira sistêmica passou a ser expressão geral das formas contemporâneas de definir, gerir e realizar riqueza no capitalismo, quer dizer, um padrão sistêmico - formulação esta que o distingue de inúmeros autores. É esse padrão que passa a incidir “organicamente” na relação entre crescente instabilidade e crises frequentes.

Mas isto quer dizer que, esse padrão contemporâneo internacional, como conceituou BRAGA (2000, p. 274) - está marcado por:

a) mudança do sistema monetário-financeiro com o declínio da moeda e dos depósitos bancários como substrato dos financiamentos substituídos pelos ativos que geram juros; b) securitização (elasticidade para negociação de ativos) que interconecta os mercados creditício e de capitais; c) a tendência à formação de “conglomerados de serviços financeiros”; d) intensificação da concorrência financeira; e) ampliação das funções financeiras no interior das corporações produtivas; f) transnacionalização de bancos e empresas; g) variabilidade interdependente de taxas de juros e câmbio; h) déficit público financeiro endogeneizado; i)banco central market oriented (voltado para o mercado); j) permanência do dólar como moeda estratégica mundial.

Trata-se certamente de um fenômeno relativamente recente da economia mundial, precedendo em que, ao se libertar das amarras da conversibilidade ao ouro, os Estados Unidos incorrendo em déficits comerciais recorrentes resultaram em ser devedor líquido, sendo o país emissor da moeda-chave. E insista-se que, notadamente a partir dos anos 1980, a progressiva liberalização dos fluxos de capitais foi progressivamente montando um mercado unificado de dinheiro e ativos financeiros em escala global, sob o comando do sistema financeiro estadunidense. São os novos “mercados da riqueza”, denominou-os L. BELLUZZO em vários textos.

Desse modo, contemporaneamente, o conceito de “finanças dolarizadas” mais se assemelha aos bancos múltiplos que atuam como supermercados financeiros, sob a proteção do Fed (Banco Central dos EUA). Diante do poderio dos mercados financeiros norte-americanos (liquidez, profundidade, sofisticação, introdução de inovações e custos de emissão) o sistema financeiro dos EUA e o padrão dólar (também chamado de “flexível”) passaram a atuar como o mercado mundial de crédito e de capitais, por serem: a) o mais internacionalizado de todos os mercados nacionais; b) comandar o dinheiro que se apresenta como “o verdadeiro dinheiro mundial” (BRAGA e CINTRA, 2004).

Tal padrão de acumulação, nos EUA, passara a apresentar, ademais, um crescimento do consumo excepcionalmente descolado do nível da renda – notadamente dos salários e do emprego -, estreitamente vinculado ao chamado “efeito riqueza”, isto é, à sensação que ativos imobiliários ou financeiros sofrem contínuo processo de valorização e ganhos, o que faz com que empréstimos e mais gastos se repitam. Assim, nos EUA, em 1982, a taxa de poupança pessoal era de 11% da renda disponível; em

2006, caiu para quase zero. Entre o 1º trimestre de 1998 e o mesmo período de 2008, o PIB dos Estados Unidos cresceu 31%, ou seja, 2,7% ao ano; o consumo das famílias subiu 3,4% ao ano, elevando sua participação no PIB de 67,1% para 71,6%. Evidente: a redução da poupança das famílias despencou de 4,7% para 0,2% do PIB; ou seja, os gastos das famílias norte-americanas excederam bem acima da renda disponível, turbinados pelo aumento rápido do endividamento.58

Noutro ângulo, de acordo com Robert GUTTMANN (2008),59 em seu desenvolvimento, o “capitalismo dirigido pelas finanças” sempre apresentou tendências a crises financeiras em momentos fundamentais de sua expansão territorial ao trazer economias até então dirigidas pelo Estado para o âmbito da regulamentação do mercado. Acrescentando a seguir, de maneira enfática uma particularidade histórica dessa gestada em 2007:

“A crise atual, todavia, é diferente. Não apenas emanou do centro, em vez surgir de algum ponto da periferia, como também revelou falhas estruturais profundas na arquitetura institucional de contratos, fundos e mercados que compunham o sistema financeiro novo e desregulamentado. Em outros termos, estamos diante de uma crise sistêmica, que é sempre um evento de proporções épicas e efeitos duradouros”.

Numa direção similar, e em balanço consistente denominado “Um ano depois do crash bancário e financeiro”, F. CHESNAIS trata do modo seguinte as raízes da crise global de 2007-8, asseverando que:

“Claramente temos enfrentado uma crise de grande importância. Simultaneamente à crise de um regime de acumulação de dominância financeira e de condições históricas transitórias que asseguraram aos Estados Unidos una hegemonia indivisível. A crise tem como substrato uma elevada superacumulação de capital e uma forte superprodução”.60

Igualmente esclarecedora é a explicitação de outra faceta deste padrão, por L. PAULANI, acerca das características das mudanças ocorridas no capitalismo contemporâneo, correlacionando-as com a vertente financeira da crise:

58 Ver: “Consumidores aloprados ou contribuintes lesados?”, de L. Belluzzo, in: Terra Magazine,

25/9/2008.Em:http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3208437-EI8212,00- Consumidores+aloprados+ou+contribuintes+lesados.html

59 Ver: Ver: “Uma introdução ao regime dirigido pelas finanças”, de R. Guttmann, em: Novos Estudos/CEBRAP, São Paulo, novembro 2008.

60 Em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=97811 , de F, Chesnais, “Un año después del crack

“Evidentemente, crise e financeirização estão diretamente ligadas. Quando se fala em financeirização, o fenômeno que se quer capturar é o aumento crescente da importância da lógica financeira, de caráter rentista, que o capitalismo vem experimentando desde pelo menos o início dos anos 1980 do século passado. Empiricamente, isto é visível na comparação entre o crescimento da riqueza financeira mundial (ações e debêntures, títulos de dívida privados e públicos e aplicações bancárias) e o crescimento do PIB mundial. Entre 1980 e 2006, o primeiro cresceu mais de 14 vezes, enquanto o segundo não chegou a cinco”.61

Fique patenteado que os anos que cruzam 1990 e 2000 foram de explosão das “finanças diretas” (ativos, títulos, ações etc.), de multiplicação para trilhões os valores nocionais dos derivativos (especulação financeira sobre ativos futuros) e de crises financeiras cada vez mais demolidoras. Claro, um arsenal infindável de “inovações” financeiras entronizou-se de modo a universalizar o agigantamento do capital fictício. Exemplificando: os MBS (títulos lastreados em hipotecas); Junk Bonds (títulos de alto risco); ativos tóxicos; Black-Scholes option price model (modelo Black-Scholes para determinar o preço de uma opção); CBO (obrigação de títulos garantidos); CDO (obrigação de dívida garantida); CDS (swap [troca baseada em instrumentos financeiros] de inadimplência de crédito); CMO (obrigação hipotecária garantida); Carry trade (operação alavancada baseada no jogo com taxa de juros internacionais), e muitos outros mecanismos da febre especulativa, levaram a ganância, e a concorrência bancária/financeira ao delírio.

Importa aqui, assim, repor: 1) neoliberalismo e “globalização financeira” não apenas reafirmam a tendência à superacumulação de capital, como introduziram novas determinações agravantes da instabilidade e da incerteza do cálculo capitalista próprias desse regime de produção na época dos monopólios; 2) especialmente instrumentos e “inovações” financeiras, e a as obscuras relações se amplificaram progressivamente entre o sistema bancário tradicional e o “sistema financeiro sombra” (shadow banking system), fenômenos decisivos que estiveram no centro da deflagração da crise, em agosto de 2007 e setembro de 2008. 3) desenvolveu-se nova e furiosa campanha permanente de ataque e desmonte das conquistas do trabalho, um aríete de recomposição das taxas de lucros; 4) De acordo com David KOTZ (2009), ocorreram três desenvolvimentos fundamentais no neoliberalismo: a) ascensão das desigualdades econômico-sociais; b) proliferaram grandes bolhas de ativos; c) a expansão de um setor

61 Ver: “Réquiem para o neoliberalismo? Ainda é cedo”. Entrevista especial com Leda Paulani”, Instituto Humanitas Unisinos, 4/10/2008.

financeiro especulativo e propenso ao risco, visivelmente contrastantes, por exemplo, com os EUA durante o período “regulado” 1948-73 (“The Golden Age”).

2.5 -A crise em sua tipificação exteriorizada

É necessário destacar que, durante à crise do crédito imobiliário, das hipotecas de alto risco, então espraiada pelo o sistema financeiro mundial, dezenas de bancos dos Estados Unidos e da Europa foram socorridos pelos governos porta-vozes dos “mercados autorregulados”, desde a ascensão do neoliberalismo. Mesmos governos e bancos centrais praticantes de uma política econômica de juros baixos, crédito farto e riscos elevados, notadamente aqueles atrelados aos financiamentos habitacionais. No caso da Grã-Bretanha, em fevereiro de 2008, o governo teve que ser obrigado a estatizar o Northern Rock, conduta não vista desde a década de 1970. Nos EUA, ainda em março o JPMorgan Chase comprou o Bear Stearns (5º maior banco de investimento dos EUA), operação também conduzida e aprovada pelo Fed.

No caso do colapso do Lehman Brothers, abandonou-se completamente a ditadura do “grande demais para quebrar”. O LB, o 4º maior banco de investimentos estadunidense: fundado em 1850, o gigante pediu falência no fatídico 15 de setembro, afundando as bolsas de valores de todo o mundo e revelando já o tamanho da crise global. Já a AIG, gigante da área de seguros do pais, recebeu dois dias depois um foi socorrida dois dias depois em US$ 85 bilhões. O plano de ajuda ao sistema financeiro anunciado pelo governo Bush, então, já ultrapassava US$ 2,6 trilhão.

Quanto à Europa, teve logo que demandar a intervenção do governo português no Banco Espírito Santo (BES), ao que se seguiu um “aporte” de quase €5 bilhões - para tentar conter a crise bancária e fiscal de então. A Inglaterra, a nacionalização de várias instituições e ajuda ao setor bancário chegava a US$ 1 trilhão (2008). Na Alemanha, a maior intervenção desde a “queda do Muro de Berlim”, o governo anunciou uma ajuda recorde a bancos: €500 bilhões.

Numa demonstração de que as imensas intervenções de governos e bancos centrais se mostraram totalmente insuficientes, em 2012, ou quatro anos depois, a

falência financeira da Grécia, outra onda de socorro: quatro instituições financeiras gregas receberam mais de US$ 22 bilhões. Na Espanha, outros quatro bancos foram socorridos com uma injeção de capital de US$ 48 bilhões. A Europa experimentava taxas recordes de desemprego, assim como extraordinário endividamento público.

Claro ficou que os vetores da crise, sim, assinalam uma crise gestada num padrão de acumulação capitalista francamente voltado para a acumulação financeira neoliberal, onde a financeirização dos mercados de riqueza institucionalizou-se globalmente. Quer dizer, se explicitaram como nunca as relações do poder político no comando direto das operações que recompuseram as forças sociais do grande capital financeiro, após a operação de liquidação de fundamentos centrais originários dos acordos de Breton Woods do pós-Segunda Guerra.

Foram imposições políticas a desregulamentação e a liberalização dos mercados financeiros – nada de devaneios de “crise de confiança” (REINHART e ROGOFF) –, condutas alavancadoras dum turbilhão de acumulação/especulação de ativos financeiros, que levaram, a seguir, ao estilhaçamento da economia capitalista, em especial as do capitalismo central.

Aliás, segundo Peter GOWAN, a estratégia original do grande capital financeiro norte-americano e britânico impunha a inflação baixa para manter a função da moeda “como um padrão fixo de valor de acordo com os interesses do capital-dinheiro” - tendo sido esta a “verdadeira base para a inauguração do neoliberalismo do Atlântico”. Extraindo consequências do conceito, diz CHESNAIS: o “predomínio financeiro puro” do ressurgimento das formas do “capital-dinheiro concentrado”, a manejar as alavancas de controle do sistema capitalista mundial, “acentuou o processo de financeirização crescente” dos grupos industriais.62

Recapitulando aqui: a crise detonada em agosto 2007 com a chamada “bolha” imobiliária e suas hipotecas subprime (inadimplentes), nos EUA, foi agravada severamente com a quebra do banco Lehman Brothers (setembro de 2008); emergiu dos

62 Ver respectivamente: “A roleta global. Uma aposta faustiana de Washington para a dominação do

mundo”, P. Gowan, Rio de Janeiro, Record, 2003 p. 81; e “Da noção de imperialismo e da análise de

Marx do capitalismo: previsões da crise”, F. Chesnais, in: “O Incontornável Marx”, Nóvoa, J. (org), Salvador/São Paulo, Unesp/Edufba, 2007, p. 64.

porões do sistema, para a sofisticação da trapaça financeira, como vimos, até o shadow financial system. Sim, os maiores bancos de investimento do mundo, particularmente os

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