UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM ENSINO APRENDIZAGEM EM
EDUCAÇÃO
MESTRADO
PERCEPÇÕES DE JOVENS USUÁRIOS E NÃO USUÁRIOS
DE DROGAS SOBRE A ESCOLA E A FAMÍLIA
Autor: Sidnei Barbosa Ferreira
Orientador: Professor Doutor Afonso Celso Tanus Galvão
SIDNEI BARBOSA FERREIRA
PERCEPÇÃO DE JOVENS USUÁRIOS E NÃO USUÁRIOS DE
DROGAS SOBRE A ESCOLA E A FAMÍLIA
Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu na área de Ensino Aprendizagem na Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Mestre em
Educação
Orientador: Profº. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão
TERMODEAPROVAÇÃO
Dissertação de autoria de Sidnei Barbosa Ferreira, intitulada Percepção de jovens usuários e não usuários de drogas sobre a escola e a família, requisito parcial para obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília.
Banca examinadora constituída por:
___________________________________ Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão
Orientador
____________________________________ Prof. Dr. Geraldo Caliman
Examinador interno
__________________________________ Profª.Drª. Ivânia Ghesti-Galvão
Examinadora externa
Dedico este trabalho aos meus pais, Romão Ferreira (in memorian)
e Marli Barbosa Ferreira, que durante a minha formação
me educaram dentro de valores morais e éticos,
AGRADECIMENTOS
A Deus, porque tudo é do Pai, toda honra, toda glória,
e a Ele pertence essa vitória alcançada em minha vida.
Ao meu orientador, professor Afonso Celso Tanus Galvão,
pela colaboração intelectual, pelo exemplo de pesquisador,
que fez revelar-se em mim o interesse pela vida acadêmica.
Aos meus familiares Erlene (esposa), Taísa (filha),
Túlio (filho), Sidneia (irmã) e Rômulo (sobrinho),
pelo amor, carinho, motivação e apoio em todos os momentos.
“A droga representa um paraíso artificial, cuja função é descarregar tensões em
busca de um equilíbrio interno capaz de levá-lo a viver uma vida que ele não tem, mas
que deseja ter a qualquer preço, ainda que o preço seja a desilusão da realidade ao final
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS ... 8
LISTA DE FIGURAS ... 9
LISTA DE GRÁFICOS ... 10
RESUMO ... 11
INTRODUÇÃO ... 13
CAPÍTULO I - RESILIÊNCIA ... 16
1.1 – Resiliência: conceito e estado da arte ... 17
1.2 – Conceitos de resiliência ... 20
1.3 – Fatores de proteção ... 24
1.3.1 – Resiliência no âmbito familiar ... 25
1.3.2 – Resiliência no ambiente escolar ... 29
1.4 – Fatores de proteção versus fatores de risco ... 31
1.5 – Invencibilidade ou invulnerabilidade?... 33
1.6 – Resiliência e o Consumo de Drogas na Adolescência ... 35
1.7 – Abordagem ecológica do desenvolvimento ... 41
CAPÍTULO II – NATUREZA DA PESQUISA E METODOLOGIA ... 44
2.1 - Natureza da pesquisa ... 44
2.1.1 - O Problema ... 44
2.1.2 - Justificativa ... 46
2.1.3 - Objetivos ... 47
2.2 - Metodologia ... 48
2.2.1 - Participantes ... 48
2.2.2 – Instrumento ... 49
2.2.3 – Procedimentos de análise ... 51
CAPÍTULO III – EDUCAÇÃO E FAMÍLIA: PERSPECTIVAS DE JOVENS USUÁRIOS E NÃO USUÁRIOS DE DROGAS ... 53
3.1 - Características dos jovens usuários de drogas... 53
3.1.1 Drogas, frequência e turno escolar ... 53
3.1.2 Drogas, reprovação e expulsão ... 55
3.2 – Percepções do ambiente escolar ... 55
3.2.1- Qualidade e confiança na escola ... 56
3.2.2- Vínculos no contexto escolar ... 57
3.3 Percepções sobre a importância da formação escolar ... 64
3.4 - Vínculos no contexto familiar ... 65
CAPÍTULO IV – DISCUSSÃO E CONCLUSÕES ... 68
4.1 - Discussão ... 68
4.2 – Conclusões ... 77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 82
8
LISTADETABELAS
Tabela 1 - Frequência dos jovens que se declararam usuários de drogas...51
Tabela 2 - Turno que estuda...53
Tabela 3 - Frequência à escola...54
Tabela 4 - Frequência...54
Tabela 5 - Avaliação da qualidade da escola...57
Tabela 6 - Confiança na escola...57
Tabela 7 - Sente-se bem na escola...58
Tabela 8 - Quer continuar na mesma escola...59
Tabela 9 - Gosta da maioria dos amigos da escola...59
Tabela 10 - Pode contar com a ajuda dos amigos...60
Tabela 11 - Confia nos amigos da escola...60
Tabela 12 - Gosta da maioria dos professores...62
Tabela 13 - Pode contar com os professores ou equipe escolar...62
Tabela 14 - Confia na maioria dos professores...63
Tabela 15 - Percepções sobre a importância dos estudos...65
Tabela 16 - Nível de instrução dos pais...66
9 LISTADEFIGURAS
Figura 1: Fatores encontrados em pessoas resilientes...30
Figura 2: Fatores de proteção versus fatores de risco...32
10
LISTADEGRÁFICOS
Gráfico 1: Relacionamento com os amigos da escola...61
Gráfico 2: Relacionamento com os professores e/ou equipe escolar...63
11 RESUMO
Este estudo objetivou comparar a percepção de jovens de baixa renda usuários
de drogas (em situação de risco psicossocial) e não usuários de drogas sobre o sentido
da família e da escola em suas vidas. Para isso foi utilizada a Pesquisa Nacional sobre
Fatores de Risco e Proteção da Juventude Brasileira de baixa renda, desenvolvida nas
cinco regiões do Brasil e no Distrito Federal. A base de dados é formada a partir de um
questionário com 109 questões de múltipla escolha, o qual foi respondido por mais de
sete mil jovens e utilizado para investigar aspectos relacionados a vários temas. Nesta
pesquisa focalizou-se a percepção que os participantes têm da escola e da família e o
modo como se relacionam com as mesmas. Resultados indicam que jovens que se
declararam usuários de drogas faltam mais dias letivos, quase metade já foram
reprovados pelo menos uma vez, têm visões mais negativas em relação à qualidade da
escola, gostam dos amigos da escola, mas não confiam nos professores, mostram
descontentamento com a atual instituição escolar. Conclui-se que a família e a escola
são importantes fatores de proteção e que quando ocorre o fracasso dessas instituições,
os jovens ficam muito vulneráveis.
12 ABSTRACT
This study aimed to compare the perceptions of young people from low-income
drug users (at-risk psychosocial) and non-drug users about the meaning of family and
school in their lives. For this we used the National Survey of Risk Factors and Youth
Protection of Brazilian low-income, developed in five regions of Brazil and the Federal
District. The database is formed from a questionnaire with 109 multiple choice
questions, which was answered by more than seven thousand young and used to
investigate aspects related to various topics. This survey focused on the perception that
participants have of school and family and how they relate to them. Results indicate that
youth who reported drug users miss more school days, almost half have already flunked
at least once, have more negative views about the quality of the school, like school
friends, but do not trust the teachers, show discontent with the current school. It is
concluded that family and school are important protective factors and that occurs when
the failure of these institutions, young people are very vulnerable.
13 INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) designa droga toda e qualquer
substância que, introduzida em um organismo vivo, pode modificar uma ou mais de
suas funções. O termo “droga” vem do holandês “droog” e quer dizer “folha seca”
(GURFINKEL, 1996).
Então por que adolescentes usam drogas? Para parecerem adultos (a droga é
vista como símbolo de maturidade)? Para serem aceitos pelo seu grupo de amigos? Para
fugirem ao estresse? Para fugirem ao domínio dos pais e parentes (a droga é vista como
facilitadora do processo)? Para rebelar-se contra o sistema social em que vivem?
Para Drummond e Drummond Filho (1998), a adolescência é própria ao ser
humano. Caracterizando-se por ser um período de transição entre a puberdade e o estado
adulto do desenvolvimento. É quando o indivíduo reformula os conceitos que tem de si
e abandona a auto/imagem infantil, projetando-se no futuro, na vida de adulto. O
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei nº 8.069, promulgada em 13 de julho
de 1990, prevê a seguinte disposição: é considerado adolescente aquele entre a faixa
etária de 12 a 18 anos de idade.
Estudos (LEVISKY, 1995; ZIMERMAN, 2000; OSÓRIO, 1997; OUTEIRAL,
1994 e BRANDÃO, 2000) indicam que embora a divisão da adolescência em faixas
cronológicas não seja uniforme existe um fato convergente: a adolescência deve ser
encarada como etapa crucial do processo de crescimento e desenvolvimento cuja marca
registrada é a transformação, ligada aos aspectos físicos e psíquicos do ser humano. A
construção da identidade para os adolescentes toma contornos significativos, é uma fase
de total exposição, um momento especial na vida do indivíduo, em que se inicia uma
14 à luz uma nova pessoa, mas é importante salientar que assim como gravidez não é
doença, adolescência também não é (CECCONELLO, 2003). Existe agora um conjunto
de fatores que os despertam para uma nova perspectiva de olhar a vida com significados
próprios. Acontece uma redefinição da imagem e estrutura corporal na perda de seu
corpo infantil, adquirindo características sexuais secundárias, a puberdade com a
eclosão hormonal, as quais irão redimensionar e definir a imagem de seu corpo adulto;
uma vez que a adolescência é conceituada como um processo que ocorre
sequencialmente com a evolução do indivíduo. A dificuldade que se instala no
adolescente quanto às mudanças contínuas é a vulnerabilidade a diversos distúrbios
como: anorexia, obesidade, exposição inconsciente a perigos na evidência de um
comportamento suicida auto-referida ou direcionada à coletividade. Neste aspecto se
encontra a questão sobre o uso de drogas onde o problema é que o adolescente se
tornando vulnerável ao consumo, sua experimentação provavelmente ocorrerá
(OUTEIRAL, 1994).
Este trabalho é dividido em quatro capítulos. O primeiro “Resiliência” apresenta
uma revisão de literatura com pesquisas publicadas sobre resiliência no Brasil e no
mundo, conceitos de resiliência, fatores de proteção (família e escola), fatores de
proteção versus fatores de risco, invencibilidade ou invulnerabilidade, resiliência e o
consumo de drogas e abordagem ecológica do desenvolvimento.
O segundo “Natureza da Pesquisa e Metodologia” compreende a natureza da
pesquisa abordando o problema, a justificativa, o objetivo geral e os objetivos
específicos, a metodologia, designando os participantes, o instrumento e os
procedimentos.
O terceiro “Perspectivas Educacionais de Jovens que se Declararam Usuários de
15 escolar e turno que frequentam, se foram reprovados ou expulsos em que algum ano da
vida escolar, percepções do ambiente escolar, qualidade e confiança na escola, vínculos
no contexto escolar, relacionamentos com os amigos da escola, relacionamentos com os
professores e/ou equipe escolar, percepções sobre a importância dos estudos e vínculos
no contexto familiar.
No quarto, “Discussão e Conclusões”, analisamos e confrontamos as respostas
dos jovens que se declararam usuários de droga e não usuários, comparando as
perspectivas sobre o sentido da escola e da família em suas vidas, observando o modo
como se relacionam com as mesmas. Toda a discussão é fundamentada nos resultados
apresentados em dezessete tabelas e três gráficos. Após a discussão dos resultados segue
a conclusão dessa dissertação, retomando as questões relacionadas na pesquisa e
16 CAPÍTULOI-RESILIÊNCIA
O conceito de resiliência abrange idéias relacionadas a mudanças
comportamentais, à concepção do sucesso e de adaptação a uma série de normas sociais.
Na sociedade atual as mudanças fazem parte do dia-a-dia, sendo cada vez mais rápidas e
profundas, exigindo constantes esforços de adaptação e, como consequências dessas
adaptações, o sucesso é, sem dúvida, o grande desafio para esse novo milênio
(PEREIRA, 2001). Então, como algumas pessoas conseguem o sucesso enfrentando
situações desfavoráveis ao desenvolvimento humano? Por que algumas pessoas
apresentam invulnerabilidade ao administrar situações estressantes? Por que algumas
pessoas são mais vulneráveis que outras diante de situações de risco? Como algumas
pessoas conseguem se recuperar de grandes perdas materiais e/ou emocionais? Para que
algumas pessoas consigam superar as desavenças quais seriam as variáveis que
possibilitariam um desenvolvimento emocional posterior? Então, ser resiliente é ser
resistente a dificuldades, choques e traumas? É ter a força, o pensamento, o
estado-de-espírito, as ações e o comportamento adequado para lidar com as grandes dificuldades e
se adaptar a elas? (PINHEIRO, 2004).
Para discutir essas questões, fazemos um levantamento dos principais estudos
relacionados ao tema, principalmente no Brasil, identificando em seguida conceitos de
resiliência teorizados na literatura atual, com o intento de tentar compreender quando ou
através de quais ações o ambiente pode se tornar motivador para que essa resiliência
17 1.1 – Resiliência: conceito e estado da arte
Os primeiros trabalhos no país relacionados à resiliência surgem entre 1996 e
1998, com estudos sobre crianças expostas a situações de risco, fatores de proteção e
vulnerabilidade psicossocial (HUTZ, 1996a, 1996b; HUTZ, KOLLER & BANDEIRA,
1996), redes de apoio social e afetivo de criança em situação de risco (HOPPE, 1998) e
na área ocupacional, associando a resiliência ao perfil do executivo (GIULIANI, 1997).
As pesquisas sobre resiliência como tema central ou associada a outros aspectos se
desenvolveram mais na última década. A maior parte das pesquisas realizadas com
crianças refere-se ao desenvolvimento perceptomotor em filhos de mães hipertensas
(LEITE DE MORAES & MORON, 1999); à empatia e competência social em crianças
em situação de pobreza (CECCONELLO & KOLLER, 2000; KOLLER, 2000); à
caracterização sócio-emocional e fatores protetores em crianças (RIBEIRO DO VALE,
2001); às estratégias de enfrentamento em crianças vítimas e não vítimas da violência
doméstica (LISBOA, 2002); à intervenção psicoterápica com grupos de crianças vítimas
da violência doméstica (SAUAIA, 2003); à intervenção lúdica com crianças
favorecendo a inclusão (CONSONI, 2000); ao luto em crianças vítimas de abandono
(CASELLATO, 2004); às dificuldades de aprendizagem na escrita (BAZI, 2003); aos
subsídios para intervenção com crianças de rua que usam drogas (BRITO, 1999); ao
relacionamento de apego em crianças institucionalizadas (ALEXANDRE & VIEIRA,
2004) e à resiliência em crianças submetidas a maus tratos (JUNQUEIRA &
DESLANDES, 2003). Incluem-se ainda a vulnerabilidade e a resiliência de crianças que
trabalham e vivem na rua (KOLLER, 1999). Álvarez (1999) acrescentou o estudo da
resiliência em moradores de rua, incluindo crianças e adultos. E Álvarez et al. (1998)
18 Nos estudos sobre a resiliência familiar foram abordados o fenômeno da
resiliência em famílias de baixa renda (YUNES, 2001), intervenções educativas com
famílias de crianças com dificuldades escolares (MARTINS, 2001), o cuidado com
idosos no contexto familiar (SOMMERHALDER, 2001), a psicoterapia familiar como
meio de desenvolvimento da resiliência (SOUZA, 2003); a relação de apego em
famílias em situação de risco (CECCONELLO, 1999) e uma proposta metodológica
para o estudo de famílias em situação de risco (CECCONELLO & KOLLER, 2000).
Com os adolescentes foram pesquisados o impacto do ambiente familiar dos
primeiros anos de vida no ajustamento psicossocial de adolescentes (BASTOS et al.,
1999); as variáveis associadas ao risco em adolescentes e a proposta de um instrumento
de medida dos eventos estressantes de vida (TROMBETA, 2000); o desenvolvimento
de instrumentos para a avaliação de coping (ANTONIAZZI, 2000); a percepção de
adolescentes maltratadas sobre vulnerabilidade e resiliência (De ANTONI, 2000); a
caracterização de adolescentes em situação de risco (SANTOS, 2000); a relação entre
local de moradia e vulnerabilidade de jovens infratores da cidade de São Paulo
(BRANDÃO, 2000); estratégias de enfrentamento de situações de risco pelo
adolescente (ALCÂNTARA, 2001) e características da adolescente grávida na
resistência ao consumo de drogas (MARTINNEZ & FERRIANI, 2004).
Na categoria adultos incluem-se temáticas relacionadas à saúde, tais como: o
estudo dos fatores de resiliência em mulheres mastectomizadas (OLIVEIRA, 2001) e
transtornos psicossomáticos e resiliência (TINOCO, 2003). No mesmo patamar estão as
pesquisas com idosos sobre o estudo da resiliência em sobreviventes do Holocausto
(JOB, 2001); as condições de envelhecimento associadas à deficiência física
19 vida na velhice (FREIRE, 2001), a criação de condições para vivenciar a velhice de
forma prazerosa (VARELLA, 2003) e a trajetória de vida do idoso (BRITO, 2001).
Com relação à resiliência associada à área ocupacional destacam-se os estudos
de Morán Sánchez e Ferriani (2004) sobre a percepção de pais e professores dos fatores
de risco para o uso de drogas pelos filhos, os ganhos provenientes da experiência
baseada em pesquisa-ação com profissionais da saúde (ZUZA, 2003), os recursos
utilizados por sobreviventes do Holocausto Nazista como subsídios para a criação de
uma organização resiliente (JOB, 2000) e o burnout em professores (CARVALHO,
2003).
Barros (1999) estudou a relação entre mídia, cultura e resiliência ao investigar o
impacto dos meios de comunicação de massa na transformação e mudança de valores da
sociedade contemporânea, chamando de “processo resiliencial” o anti-tabagismo e a
visibilidade da cultura negra e gay. Nas propostas de projetos interventivos, o estudo de
Almeida (2001) traz a resiliência como modelo de estratégia e intervenção no Programa
de Saúde da Família no Ceará e abordagens ecológicas para o desenvolvimento de
projetos rurais (DIAZ, 2001).
Estudos retrospectivos com pessoas consideradas resilientes ou bem sucedidas
também têm sido realizados como forma de obter informações sobre os desafios
enfrentados e as estratégias e recursos utilizados. Os resultados destes estudos fornecem
informações que sugerem novas metodologias de pesquisa. Tais resultados apontam
para a importância das crenças e significados, da esperança, espiritualidade e sentido de
vida, como fatores que influenciam no processo de avaliação dos eventos estressores, de
busca de recursos e ao aprendizado com a experiência aliado à visão otimista de futuro
20 Assim, imaginamos a possibilidade de que estudos futuros compreendendo
resiliência possam ser desenvolvidos, buscando entender as crenças e significados
atribuídos não só ao presente, mas também ao futuro, bem como o sentido que a vida
possui para as pessoas. Outros esforços têm sido feitos no sentido de se estruturar
instrumentos de medida da qualidade de ser resiliente, o que é algo questionável e que,
como Yunes (2001) alertou deve ser olhado de forma crítica, uma vez que pode-se com
isso estabelecer uma classificação divisória entre pessoas resilientes e não resilientes.
1.2 – Conceitos de resiliência
Segundo o dicionário Aurélio eletrônico, versão 5.0, o termo resiliência
significa um fenômeno físico; que é a propriedade pela qual a energia armazenada em
um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação
elástica. Deformação elástica é definida como a capacidade de um corpo físico retornar
à sua forma original. A metáfora mais evocada para essa situação é a de um elástico
(uma liga) que após uma tensão volta ao estado inicial. Para se fazer analise de alguns
materiais, como por exemplo, o elástico, o módulo de resiliência pode ser obtido em
laboratório através do procedimento de medições sucessivas acrescidas da utilização de
uma fórmula matemática que relaciona tensão e deformação e fornece com precisão a
resiliência dos materiais. É importante salientar que matematicamente diferentes
materiais apresentam diferentes módulos de resiliência (YUNES, 2001). Uma
observação importante é que essa importação com relação ao termo resiliência da Física
para a Psicologia passa a envolver não mais um módulo, um objeto, uma coisa, e nesse
ponto há uma importante diferença, pois agora a análise é com um ser humano, ou
21 sucessivas medições utilizando-se fórmulas matemáticas (procedimento de ciências
exatas). Resiliência agora não significa um retorno a um estado anterior, inicial, mas
sim uma adaptação diante de uma dificuldade, ou situação estressante. E é notório que
quando uma pessoa passa por uma situação estressante, é improvável que volte à sua
“forma original”, estado inicial como acontece em alguns materiais, isso porque a
experiência do acontecimento da situação estressante é agregada às suas práticas ou suas
experiências de vida passadas. Normalmente, se a pessoa for frágil, tende a ficar mais
frágil ainda, se for forte e contar com fatores de proteção, tende a mostrar sua resiliência
(HOPPE; KOLLER, 1997). Hoppe e Koller definem resiliência como a capacidade dos
indivíduos em emitir uma ação com um objetivo definido e com uma estratégia para
alcançá-lo, diante de ou durante uma situação de risco. Para as autoras, a pessoa
resiliente mantém-se adaptada e enfrenta com sucesso as demandas de seu
desenvolvimento.
O termo é compreendido por Rutter (1985, 1993) como uma união de processos
sociais e psíquicos que permitem ao indivíduo ter um desenvolvimento sadio, mesmo
que este esteja vivendo em um ambiente desfavorável ou de risco psicossocial. Para o
autor, o ambiente com o qual o indivíduo interage não consegue cooptá-lo. Segundo o
mesmo autor, o conceito de resiliência reafirma a pessoa como aquela capaz de superar
adversidades e situações potencialmente traumáticas. É um processo que excede a
simples superação de experiências, além de vencer, o indivíduo é fortalecido e
transformado por essas situações de adversidades.
Na visão de Masten (2001), resiliência refere-se ao fenômeno caracterizado por
resultados positivos (sucessos) na presença de sérias ameaças à adaptação ou ao
desenvolvimento da pessoa, ou seja, soma-se a capacidade de construção positiva a
22 resiliência como um fenômeno simples e comum, resultado, em muitos casos, da
operação de sistemas básicos de adaptação humana. Se estes sistemas estão protegidos e
o conjunto funciona bem, o desenvolvimento é positivo, mesmo na presença da situação
estressante. Por outro lado, se estes sistemas são prejudicados em decorrência da
exposição a um fator de risco, ou mesmo anteriormente à presença dele, o potencial para
desenvolver problemas no desenvolvimento posterior é maior.
Para Yunes (2003), resiliência é um fenômeno que procura explicar os processos
de como superar as adversidades, que não deve ser confundido com invulnerabilidade.
Ser resiliente não é ser invulnerável, para a autora não existe resiliência absoluta, e sim
uma habilidade de voltar rapidamente para o seu usual estado de saúde ou de espírito
após passar por adversidades. Não significa dizer que em outras circunstâncias o
indivíduo não se abale, pelo contrário, ser resiliente para Yunes é ter a capacidade de se
reerguer depois de atingido, de maneira positiva adaptar-se à situação estressante
imposta e tirar daí experiências para reverter a situação a seu favor.
Segundo Costa (1999), resiliência remete à possibilidade de adaptação positiva
em contextos de adversidade e de riscos significativos e, nesse sentido, contribui para a
compreensão das forças humanas, produzindo efeitos importantes na vida dos
indivíduos, favorecendo as potencialidades e tornando-os mais fortes e produtivos.
Existem para Costa três tipos de resiliência: - resiliência acadêmica, observada
no bom desempenho escolar, que pode ser aumentada pelo fortalecimento de
habilidades de resolução de problemas, aprendizagem de novas estratégias e capacitação
de professores; - resiliência social que aparece no bom relacionamento interpessoal
pode ser desenvolvida pelo favorecimento de relações de amizades, participação em
grupos de trabalho e esportivos; - resiliência emocional, que se identifica em indivíduos
23 e auto-eficácia, oferecimento de oportunidades de sucesso e capacitação no
desenvolvimento de competência social.
Devemos observar que uma pessoa pode ser ora fraco, ora resiliente diante de
uma mesma situação. Pode, ainda, ser frágil em algumas áreas e resiliente em outras.
Não há uma pessoa que É resiliente, mas sim a que ESTÁ resiliente. Esse processo é
dinâmico e influências do ambiente e do indivíduo relacionam-se de maneira recíproca
fazendo com que o indivíduo identifique a melhor atitude a ser tomada em determinado
contexto (PINHEIRO, 2004).
Jardim e Pereira (2007) definem resiliência de uma forma lata e transversal,
como a capacidade de operacionalizar conhecimentos, atitudes e habilidades no sentido
de prevenir, minimizar ou superar os efeitos nocivos de crises e adversidades.
Consequentemente, descreve um indivíduo resiliente como aquele que, tendo que
enfrentar uma situação adversa é capaz de utilizar os seus recursos intra-interpessoais a
ponto de desenvolver as competências de que precisa para ser bem sucedido na vida
pessoal, social e profissional.
Resiliência é frequentemente apontada em processos que explicam a
“superação” de crises e adversidades em indivíduos, grupos e organizações (YUNES
2001; YUNES & SZYMANSKI, 2001; TAVARES, 2001). Por tratar-se de um conceito
relativamente novo no campo da psicologia, a resiliência vem sendo bastante discutida
do ponto de vista teórico e metodológico pela comunidade científica. Alguns estudiosos
reconhecem a resiliência como um fenômeno comum e presente no desenvolvimento de
qualquer ser humano (MASTEN, 2001) e outros enfatizam a necessidade de cautela no
24 1.3 – Fatores de proteção
Uma vez que uma pessoa apresente resiliência em determinado momento de sua
vida, não quer dizer que ela continuará apresentando ao longo de seu desenvolvimento.
A reação aos eventos estressantes pode variar muito durante o ciclo de vida. Há uma
influência do momento, da intensidade dos fatores de risco e da disponibilidade dos
fatores de proteção. Assim, uma pessoa pode apresentar uma resposta positiva frente a
um fator de risco em determinada situação e, em outra, ser completamente vulnerável
(RUTTER, 1993). Segundo Rutter, resiliência não pode ser considerada um escudo, que
não permitirá que nenhuma situação estressante atinja essa pessoa, tornando-a resistente
a todas as adversidades. Alguns fatores agem mutuamente no aumento da fragilidade ou
na redução dos efeitos de uma situação estressante, depende da maneira como a pessoa
percebe e enfrenta a situação, decorrente dos processos ocorridos entre ela e o ambiente,
bem como da influência do contexto e do tempo em que ela está vivendo (HOPPE,
KOLLER, 1997).
Existem alguns fatores de proteção segundo Koller (1999), que podem influenciar
na solução dado por uma pessoa a uma situação de risco que diminuem o impacto ou a
“deformação” sofrida por essa pessoa. Há a auto-estima e a auto-eficácia como
características próprias, e oportunidades oferecidas que podem influenciar, reduzindo o
impacto. Vários autores (DE ANTONI, 2000; PESCE, ASSIS, SANTOS & OLIVEIRA,
2004; GARMEZY, 1991; LISBOA & KOLLER, 2004) enfatizam que os fatores de
risco não são uma sentença, por exemplo, que todas as pessoas em situação de pobreza
não serão resilientes, e que os fatores de proteção, linearmente, reduzem o impacto dos
fatores de risco, reduzindo as reações negativas em exposição à situação de risco,
25 A literatura cita alguns fatores de proteção importantes: coesão familiar e apoio
de entidades externas como grupos religiosos, sociais e comunitários reforçam a
característica de personalidade (MASTEN & GARMEZY, 1985; WERNER, 1989,
WERNER; SMITH, 1992). Outros autores (APTEKAR, 1989; DONALD,
SWART-KRUGER, 1994; HOPPE, KOLLER, 1997) afirmam que jovens em situação de risco
psicossocial podem ser resilientes se apresentarem traços psicológicos sadios, e
conseguirem desenvolver artimanhas para lidar com situações estressantes. Tavares
(2001) desenvolveu a tese de que a resiliência não deve ser apenas um atributo
individual, mas pode estar presente nas instituições/organizações, gerando uma
sociedade mais resiliente. Para ele, uma organização resiliente é uma organização
inteligente, reflexiva, onde todas as pessoas são inteligentes, livres, responsáveis,
competentes e funcionam numa relação de confiança, empatia e solidariedade. “Trata-se
de organizações vivas, dialéticas e dinâmicas cujo funcionamento tende a imitar o do
próprio cérebro, que é altamente democrático e resiliente” (TAVARES, 2001, p. 60).
1.3.1 – Resiliência no âmbito familiar
Com relação ao âmbito familiar, a literatura sobre resiliência identifica vários
fatores relacionados como: compromisso mútuo, comunicação aberta entre seus
membros, coesão, adaptabilidade, espiritualidade, relacionamento, tempo de
permanência juntos e eficácia. Ela também é entendida como um fator dependente do
contexto, ou seja, a capacidade de uma família adaptar-se em determinada situação
depende da interação de seus esforços e potencialidades com as demandas do ambiente.
As relações familiares constituem um dos fatores mais relevantes a ser considerado, mas
26 um todo, porque o pertencimento a uma família pode ser considerado um fator de
proteção ou de risco (HAWLEY & DeHAAN, 1996). Para Chor (1996), os padrões de
comportamento dos pais e as interações familiares são em boa parte responsáveis pelas
atitudes dos filhos. Para o autor, o alcoolismo mais frequente ou uso de outro tipo de
droga tem um alto poder de destruição no funcionamento da família e esse distúrbio
desempenha um papel direto na transmissão de comportamentos. O comportamento
parental serve de modelo para os filhos e o que mais pesa é a atitude permissiva dos
pais. No artigo “Fatores de risco e de proteção para o uso de drogas na adolescência”, as
autoras Schenker e Minayo, enumeraram dez fatores parentais resgatados de alguns
autores, que ocorridos de forma combinada determinam a família como um grupo de
risco: “a) ausência de investimento nos vínculos que unem pais e filhos; b)
envolvimento materno insuficiente; c) práticas disciplinares inconsistentes ou
coercitivas; d) excessiva permissividade, dificuldades de estabelecer limites aos
comportamentos infantis e juvenis e tendência à superproteção; e) educação autoritária
associada a pouco zelo e pouca afetividade nas relações; f) monitoramento parental
deficiente; g) aprovação do uso de drogas pelos pais; h) expectativas incertas com
relação à idade apropriada do comportamento infantil; e, i) conflitos familiares sem
desfecho de negociação”. Porém, de acordo com Nichols e Schuwartz (1998), na teoria
sistêmica esse fenômeno pode ser entendido como sintoma de um membro da família
que serve como “influência estabilizadora ou função homeostática” para a mesma, ou
seja, a família desvia todos seus conflitos para um só indivíduo, conseguindo ignorá-los
e mantê-los estáveis. Podendo, com isso, ocasionar uma doença psicossomática ou um
comportamento inadequado nesse indivíduo. Esse comportamento provavelmente será
um produto desses relacionamentos familiares, pois, de acordo com Koller (2000), o
27 No conceito de resiliência familiar de Walsh (2005) é notável a importância da
identificação de processos fundamentais que possam capacitar as famílias para enfrentar
os estresses e se recuperarem fortalecidas como uma unidade familiar. A partir das
atuais alterações no arranjo familiar e no mundo - que se torna cada vez mais complexo
e imprevisível – as famílias ficam confusas quanto à sua própria estrutura e significado,
experimentando sensações de deficiência e fracasso. Porém, muitas famílias seguem
mostrando resiliência, reelaborando, reinventando novos padrões de conexão humana.
Dos estudos sobre a resiliência no indivíduo, poucos têm considerado
explicitamente as contribuições da família (RUTTER, 1985; WERNER & SMITH,
1982). No geral, os estudos sobre família enfatizam os aspectos deficitários e negativos
da convivência familiar. Uma criança “sintomática” ou um adolescente “com problemas
na escola” logo dirigem o pensamento das pessoas para os possíveis desajustes de suas
famílias. O interesse pela resiliência em famílias vem contribuir para reverter esse ciclo
de raciocínio, trazendo para o mundo familiar uma ênfase “salutogênica”
(ANTONOVSKY & SOURANI, 1988), ou seja, significa focar e pesquisar os aspectos
sadios e de sucesso do grupo familiar ao invés de destacar seus desajustes e falhas.
McCubbin, Thompson e McCubbin (1996), baseando-se na teoria do estresse e
adaptação, estudaram a resiliência no âmbito da família, considerando sua totalidade
submetida a desafios próprios do ciclo vital e outros inesperados. Estes autores
conceituaram a resiliência familiar como um processo de adaptação aos eventos
estressantes que ultrapassa o simples ajustamento, pois envolve a mudança. Destacaram
que este processo passa pelos recursos internos da família e os externos da comunidade,
levando-se em conta ainda o fator espiritual.
Segundo Walsh (1996), o foco da resiliência em família deve procurar
28 mais eficientemente com situações de crise ou estresse permanente, mas saiam delas
fortalecidas, não importando se a fonte de estresse é interna ou externa à família. Desta
forma, a unidade funcional da família estará fortalecida e possibilitada a resiliência em
todos os membros.
Ao considerarem a resiliência no âmbito familiar, estes últimos autores
acompanharam a mudança a respeito da visão da família, que a princípio era
classificada somente como um fator de risco para seus membros e, a partir de então,
passou a ser vista também como fator de proteção. Com a importância conferida a redes
de suporte social e a crenças construídas socialmente, a resiliência deixa de ter um
caráter individual absoluto, e passa a ter um caráter sistêmico e ecológico.
Numa de suas publicações, Walsh sintetiza que “o termo resiliência em família
refere-se a processos de adaptação e coping na família enquanto uma unidade
funcional”. Coping pode ser definido como um conjunto de esforços que a pessoa
utiliza para encarar determinada situação geradora de estresse (WALSH, 1998, p. 14).
Na tentativa de integrar as contribuições das pesquisas e da literatura sobre a resiliência
no indivíduo e na família, Hawley e DeHaan (1996) propõem a seguinte definição:
Resiliência em família descreve a trajetória da família no sentido de sua adaptação e prosperidade diante de situações de estresse, tanto no presente como ao longo do tempo. Famílias ‘resilientes’ respondem positivamente a estas condições de uma maneira singular, dependendo do contexto, do nível de desenvolvimento, da interação resultante da combinação entre fatores de risco, de proteção e de esquemas compartilhados.
Nas concepções de Hawley e DeHaan (1996) e de Walsh (1996), resiliência em
família aparece definida de forma similar à encontrada na literatura em que o foco é o
indivíduo. Isso não poderia ser diferente, já que se trata de concepções acerca do mesmo
fenômeno. Entretanto, o nível de análise é que deve ser diferente, pois, quando se trata
29 individual que sofre a influência da família, e passa portanto a ser conceitualizado como
uma qualidade sistêmica de famílias (HAWLEY & DeHAAN, 1996).
1.3.2 – Resiliência no ambiente escolar
Quando o assunto é o papel da instituição escolar como agente transformador
(fator de proteção), ou como agente propiciador ao uso de drogas, por exemplo (fator de
risco), muito se tem falado, pois a escola é hoje assediada por ser um espaço singular
dos encontros e interações entre jovens, e ação de alguns fatores de forma combinada,
como a falta de motivação para os estudos, a falta de assiduidade e, por conseqüência, o
mau desempenho escolar transformam a instituição escola em um imponente fator de
risco (KANDEL, 1992). Dificuldades de aprendizagem podem ser vistas como uma
condição de vulnerabilidade social, pois em consequência desse fator, os jovens
apresentam baixa auto-estima e sentimentos de inferioridade (RUTTER, 1985). Mas o
ambiente escolar também tem um efeito forte e de longa duração para o ajustamento do
comportamento, já que não é considerado apenas como um espaço para a aprendizagem
formal ou cognitiva, e mas também como um poderoso agente de socialização da
criança e do adolescente. Tem meios de promoção da auto-estima e acima de tudo do
auto-desenvolvimento. Segundo Kandel (1992), o ambiente escolar pode ser um fator
fundamental na potencialização de resiliência, pois extrapola a delimitação física de
ambiente. A escola provocará resiliência se oferecer experiências como desafios e não
como ameaças, construindo interações de qualidade com estabilidade e coesão, fazendo
parte de uma rede de proteção tolerante aos conflitos (PINHEIRO, 2004). Pode atuar
30 podendo vir a exercer essa cidadania dentro de uma visão ética de mundo (GALVÃO,
2003; LOPES, GALVÃO 2005). O senso de pertencimento juntamente com o de
identidade psicossocial são identificados em outras pesquisas como fundamental fator
de proteção (Amparo, Biasoli-Alves, & Cardenas, 2004).
Segundo Melilo e Nestor (2006) o conceito de resiliência passou de uma fase de
“qualidades pessoais” ao conceito mais atual de compreendê-la como um atributo da
personalidade desenvolvido no contexto psico-sócio-cultural em que as pessoas estão
inseridas. A escola tem sido vista como um desses ambientes, por excelência, para haver
o enriquecimento da resiliência.
Grotberg (2005) identifica fatores resilientes tanto no âmbito familiar quanto no
ambiente escolar e os divide em quatro categorias: “eu tenho” e “eu posso”, “eu sou” e
“eu estou”.
Figura 1: Fatores encontrados em pessoas resilientes
31 As categorias de Grotberg (2005) sintetizam fatores que podem promover
resiliência em uma disposição muito transparente, pois todo adolescente necessita ter ao
seu redor pessoas da sua total confiança e que o amem incondicionalmente, para que
com esse amor determinem limites, parâmetros, mostrem o que é bom e o que é ruim
através do seu testemunho de vida, pessoas que vivam aquilo que pregam, pessoas com
as quais os adolescentes tenham total liberdade de expressar seus sentimentos.
1.4 – Fatores de proteção versus fatores de risco
Há um consenso sobre a presença de um fator de proteção poder determinar o
surgimento de outros fatores em algum outro momento e, ter por função básica atenuar
o impacto devastador dos fatores de risco, proporcionando soluções para os problemas.
Por isso, é importante entender como esses mediadores agem diminuindo os efeitos da
vulnerabilidade (PESCE, ASSIS, SANTOS & OLIVEIRA, 2005). Um jovem que
apresenta características saudáveis poderá ter melhores condições de enfrentar os riscos
como desafios e não como impossibilidades (RUTTER, 1987). Para Koller (1999) a
avaliação da resiliência deve compor um procedimento cauteloso, pois os resultados
obtidos são prematuros e produtos de estudos isolados. Para Pinheiro (2004) a
resiliência é um processo psicológico que vai se desenvolvendo ao longo da vida, a
partir do binômio fatores de risco versus fatores de proteção. Esse autor reforça a tese
do senso comum de que não há uma existência humana plenamente feliz e
completamente protegida das incertezas da vida.
32 Alguns mecanismos mediadores podem influenciar na resposta da pessoa a uma
situação de risco. Estes mecanismos são chamados de fatores de proteção e têm sido
identificados como aqueles que reduzem o impacto do risco e de reações negativas em
cadeia. As características individuais, como auto-estima e auto-eficácia, são algumas
delas. As oportunidades apresentadas às pessoas em situação de risco também podem
influenciar na forma como elas lidam com o stress, reduzindo seu impacto e as reações
negativas em cadeia, apresentando fortalecimento (empowerment) para vencer
momentos críticos da vida, aproveitando oportunidades. Os fatores de proteção mais
importantes mencionadas na literatura são: características de personalidade, coesão
familiar e sistemas externos de apoio (MASTEN & GARMEZY, 1985).
A avaliação de resiliência deve consistir em um processo cuidadoso através do
tempo. A maioria dos resultados obtidos são produtos de estudos longitudinais, nos
quais foram avaliados os eventos de risco aos quais as pessoas estavam expostas, as
características de personalidade, tais como vínculos, coesão, conflitos; e as redes de
apoio social externo à família, como grupos religiosos, sociais, comunitários entre
outros (WERNER, 1989; WERNER, SMITH, 1992).
Apresentamos abaixo um resumo em forma de quadro comparativo entre fatores
de proteção e fatores de risco:
Figura 2: Fatores de proteção versus fatores de risco
FATORES DE PROTEÇÃO VERSUS FATORES DE RISCO
INDIVÍDUO, FAMÍLIA E ESCOLA
FATORES DE PROTEÇÃO FATORES DE RISCO
Amor Próprio e Auto Estima Elevada Auto-estima baixa
Escolaridade e nível intelectual para tomar
decisões
Ser filho de pais usuários ou dependentes de
drogas ou ter experiência precoce com drogas
Nível de informação dos pais Iniciar as atividades sexuais precocemente
33
Senso de humor Apresentar comportamento contrário às normas
Empatia Baixo interesse pelos estudos
Traquejo social Nível baixo de informação
Projeto de vida Clima familiar inadequado
Tem interesse pelos estudos Pais permissivos
Pais presentes e incentivadores Pais desunidos
Bom humor dominante Pais autoritários
Abertura para os mais variados assuntos Pais com comportamento de uso e abuso de
drogas
Estímulo para vencer as diversidades Relações conflitantes entre os membros da família
e da escola
Diálogo franco, aberto e verdadeiro Ausência de diálogo e afetividade entre os
membros da família e da escola
Presença de limites claros Falta de acompanhamento da vida escolar pelos
pais ou responsáveis
Laços afetivos significantes entre os membros da
família e da escola
Mensagens dúbias e conflitantes
Pais não usuários de drogas , álcool e cigarro Rejeição dos amigos
Qualidade de vida satisfatória Conflito conjugal mal resolvido
Compartilhar responsabilidades familiares Baixa expectativa de sucesso do(a) filho(a)
Inexistência de pontos de tráfico de drogas em seu
terrritório
Pontos de tráfico de drogas na comunidade
Fonte: Resiliência em Adolescentes. Trombeta, 2000
1.5 – Invencibilidade ou invulnerabilidade?
Os precursores do termo resiliência na psicologia são os termos invencibilidade ou
invulnerabilidade, ainda bastante utilizados na literatura sobre resiliência. Vários
34 relatam que em 1974, o psiquiatra infantil E. J. Anthony introduziu o termo
invulnerabilidade na literatura da psicopatologia do desenvolvimento, para descrever
crianças que, apesar de prolongados períodos de adversidades e estresse psicológico,
apresentavam saúde emocional e alta competência (citado por WERNER & SMITH,
1992, p. 4). Alguns anos depois, era discutida a aplicação do termo, que parecia sugerir
que as crianças seriam totalmente imunes a qualquer tipo de desordem, independente
das circunstâncias. Como afirmaram Masten e Garmezy (1985): “um termo menos
olímpico como resiliência ou resistência ao estresse, se fazia necessário” (p. 12).
Segundo Rutter (1985, 1993), invulnerabilidade passa uma idéia de resistência absoluta
ao estresse, de uma característica imutável, como se o ser humano fosse intocável e sem
limites para suportar o sofrimento. Rutter (1993) considera que invulnerabilidade passa
somente a idéia de uma característica intrínseca do indivíduo, e as pesquisas mais
recentes têm indicado que a resiliência ou resistência ao estresse é relativa, que suas
bases são tanto constitucionais como ambientais, e que o grau de resistência não tem
uma quantidade fixa, e sim varia de acordo com as circunstâncias (RUTTER, 1985).
Resiliência e invulnerabilidade não são termos equivalentes, afirmam Zimmerman e
Arunkumar (1994). Segundo estes autores, resiliência refere-se a uma “habilidade de
superar adversidades, o que não significa que o indivíduo saia da crise ileso, como
implica o termo invulnerabilidade” (p. 4).
Muitos pesquisadores do desenvolvimento humano estudam os padrões de
adaptação individual da criança associados ao ajustamento apresentado na idade adulta,
ou seja, procuram compreender como adaptações prévias deixam a criança protegida ou
sem defesa quando exposta a eventos estressores (HAWLEY & DeHAAN, 1996).
Estudam-se também como os padrões particulares de adaptação, em diferentes fases de
35 RUTTER, 1984, p. 27). Entre as publicações mais citadas estão as primeiras no assunto,
intituladas Vulnerable but invincible (Vulneráveis, porém invencíveis), Overcoming the odds (Superando as adversidades), ambos de Werner e Smith (1982, 1992) e The invulnerable child (A criança invulnerável) de Anthony e Cohler (1987). A importância
destes estudos está na característica long-term, ou seja, são estudos longitudinais que
acompanham o desenvolvimento do indivíduo desde a infância até a adolescência ou
idade adulta. Segundo Werner e Smith (1992), poucos investigadores têm acompanhado
populações de “alto risco” desde a infância e adolescência até a idade adulta, com o
objetivo de monitorar efeitos dos fatores de risco e dos fatores de proteção que operam
durante os anos de desenvolvimento do indivíduo. O estudo longitudinal realizado por
Werner (1986, 1993), Werner e Smith (1982, 1989, 1992) e outros colaboradores durou
cerca de 40 anos, tendo iniciado em 1955. Esse estudo não tinha como proposta inicial
estudar a questão da resiliência, mas investigar os efeitos cumulativos da pobreza, do
estresse perinatal e dos cuidados familiares deficientes no desenvolvimento físico,
social e emocional das crianças.
1.6 – Resiliência e o Consumo de Drogas na Adolescência
O consumo de drogas entre adolescentes é um fenômeno bastante antigo,
sabemos que as drogas não são uma descoberta do nosso século. Elas sempre existiram
em inúmeras culturas e acabaram se tornando uma questão complexa que perpassa
vários subsistemas da vida individual e social (SCHENKER & MINAYO, 2003). Sendo
que a única diferença que existe hoje é a ênfase dada pela lei, diferenciando as drogas
36 cocaína, crack, entre outras). Do ponto de vista da medicina, porém, não existe
diferença alguma. No Brasil, o consumo de drogas é um dos grandes problemas sociais e culturais do nosso tempo e dentre os fatores que facilitam esse consumo estão as questões genéticas, familiares, de valores e crenças sociais. Lidar com fatores tão conflituosos e frustrações num período tão delicado como a adolescência é uma difícil tarefa a ser desempenhada. Por isso, com o objetivo de entender as causas desse aumento que vem se acentuando, transformando-se em um problema de saúde pública, estudos se
intensificaram no Brasil a partir do final da década de 80 envolvendo adolescentes
escolares das principais capitais brasileiras. Esses estudos consideram o que já foi dito,
que a adolescência constitui um período crucial no ciclo vital para o início do uso de
drogas, seja como mera experimentação, seja como consumo ocasional, indevido ou
abusivo (SCHENKER & MINAYO, 2003).
Entende-se que a adolescência é uma fase conflituosa devido às transformações
biológicas e psicológicas vividas. Surgem as curiosidades, os questionamentos, a
vontade de conhecer, de experimentar o novo, mesmo sabendo dos riscos, e um
sentimento de ser capaz de tomar as suas próprias decisões. Muitas características e desafios surgem no percurso desta fase, exigindo do adolescente algumas decisões que refletirão no seu estilo de vida, na relação sociocultural.Tem curso um difícil processo que objetiva fazer com o jovem saiba quem é, qual seu papel no meio social em que se encontra inserido, e reveja todo seu aprendizado para formular sua identidade, sua personalidade. É um momento especial na vida do indivíduo, o jovem nessa etapa não aceita orientações,
pois está testando a possibilidade de ser adulto, de ter poder e controle sobre si mesmo.
É comum também nesta fase, o adolescente apresentar um sentimento básico de
solidão e sair à busca de algo que preencha este vazio, sentimento este que pode advir
37 próprias vivências. Até que se estabeleça a identidade pessoal, o jovem apresenta comportamentos tão diversos que não raras vezes são confundidos com transtornos mentais. A grande questão é entender seus limites, o conhecimento das características da personalidade e da conduta ajuda a identificar melhor o adolescente. É um momento de diferenciação em que o adolescente naturalmente afasta-se da família e aproxima-se do
seu grupo de iguais. Se esse grupo estiver experimentalmente usando drogas, com
certeza o pressiona a usar também e, entrando em contato com drogas nesse período de
maior vulnerabilidade, expõe-se também a muitos riscos (MARQUES e CRUZ, 2000).
De acordo com os estudos de Caldeira (1999), o desafio da transgressão às normas estabelecidas pelo mundo dos adultos, a curiosidade pelo novo e pelo proibido, a pressão de seu grupo para determinados comportamentos, são alguns dos fenômenos típicos da adolescência que podem levar à primeira experiência com as drogas lícitas e/ou ilícitas. Grynberg e Kalina (2002) analisam o uso de drogas na adolescência como uma crise em que os jovens se defrontam com o meio social em que vivem e com sua história individual. Dessa maneira, os jovens acreditam estar dando provas de sua autonomia e auto-suficiência, sendo capazes de alcançar seus objetivos, muitas vezes não tão claros. Os autores ainda afirmam que o uso emerge como um protesto à sua impotência de lidar com a realidade e com as forças que se movimentam dentro de si próprio, ao mesmo tempo. A exposição ao novo funciona como um grande desafio vinculado à onipotência do adolescente que se
julga sempre vencedor; por outro lado, a timidez e a baixa auto-estima podem torná-lo
potencialmente frágil, levando-o à vinculação com soluções externas inadequadas para
os seus problemas. Faz-se, portanto, nessa fase, muito presente o binômio
vulnerabilidade/risco, sustentado pela transformação interna perante a externa, tornando
38 Como podemos ver, o encontro do adolescente com a droga é um fenômeno
muito mais frequente do que se pensava e, por sua complexidade, muito difícil de ser
abordado. Pois a droga aparece na adolescência muitas vezes apenas como uma ligação
que permite o emprego de laços sociais, propiciando ao indivíduo o pertencimento a um
determinado grupo de iguais, ao mesmo tempo que busca novos ideais e novos vínculos,
bem diferentes aos ideais do seu grupo familiar de origem (FILHO & TORRES, 2002).
Para Freitas (2002), a adolescência no Brasil é composta por amplo contingente de adolescentes, vítimas de violência estrutural, marcados pela dominação de classe e por profundas desigualdades sociais, o que conduz uma grande parcela desses indivíduos a uma vida indigna em termos de alimentação, habitação, oportunidade de escolarização, exploração da sua mão-de-obra, tráfico de drogas, entre outras injustiças que violam os direitos essenciais como a vida, a liberdade e a segurança.
Segundo as autoras Roehrs, Lenardt e Maftum (2005), o consumo de drogas
psicoativas é considerado problema de ordem social, contudo, para alguns adolescentes
esse uso indevido de drogas será apenas parte do seu desenvolvimento, enquanto para
outros esse uso se transformará em um problema, interrompendo o processo normal do
desenvolvimento da adolescência, com conseqüências gravíssimas para o futuro desses
jovens e consequentemente para a sociedade. Agrava o quadro, o fato de que o
adolescente identifica-se com o “grupo” e, muitas vezes, para continuar pertencendo ao
mesmo submete-se a ações que individualmente não praticaria. Pois a estrutura grupal
unifica e padroniza, tal como pode-se observar pela vestimenta, comportamentos,
maneira de expressão verbal e não-verbal, atitudes e acima de tudo ações. O grupo é a
unidade do adolescente. O comportamento manifesto grupalmente unifica. Molda
39 (LEVISKY, 1995; ZIMERMAN, 2000; OSÓRIO, 1997; OUTEIRAL, 1994;
RAPPAPORT, 1998).
A propósito, Nery Filho e Torres (2002) apontam que a amizade torna-se uma
relação de pessoas específicas na qual o adolescente cria novos laços afetivos,
estabelecendo assim um círculo social reduzido e homogêneo, em que os jovens
encontram sua própria identidade num processo de interação social.
Devemos também levar em consideração dois fatores distintos: A vontade de
parecer, aparecer, melhorar, aparentar, ser, através de aparência visual ou de bens de
consumo. O adolescente precisa se destacar e, acima de tudo, o fato inquestionável de
que o grupo é a “segunda pele” do adolescente (ABRAMOVAY, 2003) ou, segundo
Ribeiro & Galvão (2005), ele precisa ser um diferencial, que é histórico na
adolescência.
O adolescente é um viajante que deixou uma estação e ainda não chegou na
seguinte. Vive um intervalo entre liberdades anteriores e responsabilidades e
compromissos subsequentes; vive uma última hesitação antes dos sérios compromissos
da fase adulta (MUZA, 1996).
Para Marques & Cruz (2000) entre os fatores que estimulam o uso de drogas, os
mais importantes são as emoções e os sentimentos relacionados a intenso sofrimento
psíquico como depressão, culpa, ansiedade exagerada e baixa auto-estima. Carvalho
(2003) relaciona o uso de drogas a fatores importantes, como a violência doméstica e a
qualidade do relacionamento familiar, por exemplo, pais separados.
A qualidade de tempo cotidiano e afetivo na família pode ser um dos diferenciais
na construção de uma sociedade mais saudável, pois, as camadas sócio-culturais de
40 governamental voltada para saneamento básico, educação, mercado de trabalho, saúde,
habitação; condições estas essenciais para estrutura básica, para construção de um povo
de vida digna (MARTINS, 1996).
Numa sociedade permeada por crises financeiras, estresse, onde o "ter" é mais
valorizado do que o "ser", é fácil encontrarmos uma estrutura familiar fragilizada, onde
os pais, tentando compensar sua ausência, acabam confundindo liberdade com
permissividade. O adolescente tem de ter limites, permitir que ele se desenvolva não é
deixá-lo fazer o que bem entender. Porém, muitos familiares tendem a ignorar o fato,
reconhecendo a problemática apenas quando esta se agrava e foge do controle
(GURFINKEL, 1996). Vive-se hoje numa sociedade onde o ter é extremamente valorizado, impelindo ao consumismo exagerado. O grupo não deixa de exercer influência no comportamento de jovem, sendo esta pressão maior ou menor, conforme valores internalizados por ele. Muitos sucumbem à pressão recebida e por influência destes, abaixam a guarda e se permitem viver perigosas experiências, como conhecer o mundo das drogas, tudo isso em busca do preenchimento do vácuo porventura existente em si mesmos.
Segundo Newcomb (1989), os fatores de risco para o uso de drogas incluem
aspectos culturais, interpessoais, psicológicos e biológicos. São eles: a disponibilidade
das substâncias, as leis, as normas sociais, as privações econômicas extremas; o uso de
drogas ou atitudes positivas frente às drogas pela família, conflitos familiares graves,
comportamento problemático (agressivo, alienado, rebelde); baixo aproveitamento
escolar; alienação; atitude favorável em relação ao uso, início precoce do uso,
susceptibilidade herdada ao uso e vulnerabilidade ao efeito de drogas.
O adolescente não teme nenhum risco, acredita que no momento em que decidir
parar com o uso de drogas irá conseguir. Só que nessa fase da vida não se tem
41 de parar de usar. O limite entre o prazer que a droga disponibiliza e a sua dependência é
praticamente imperceptível, e um simples prazer pode levar a um caminho sem volta
(FREITAS, 2002). O início como vimos é quase sempre inocente. Uma curiosidade, um
desejo de ser aceito pelo grupo, uma sensação de soberania absoluta. E dificilmente
passará pela cabeça de um adolescente que um dia essa mesma droga tão prazerosa irá
exercer um domínio, deixando-o totalmente controlado por ela.
1.7 – Abordagem ecológica do desenvolvimento
Segundo a abordagem ecológica do desenvolvimento humano de
Bronfenbrenner (1996), o desenvolvimento é contextualizado e se fundamenta a partir
de processos através dos quais as características da pessoa e do ambiente interagem,
produzindo mudanças nessas características pessoais em todo decorrer da vida por meio
de quatro componentes inter-relacionados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo.
O primeiro componente é o processo que, de acordo com Cecconelo e Koller (2000), é o
principal mecanismo responsável pelo desenvolvimento e o modo de relação, de
interação recíproca entre as características da pessoa com objetos, pessoas e símbolos
presentes no ambiente, sendo essa interação chamada de processo proximal.
A pessoa é o segundo componente dessa abordagem e nele estão implicada as
características construídas na interação com o ambiente, tais como impulsividade,
explosividade, apatia, desatenção, irresponsabilidade, insegurança e timidez excessiva,
que são as características de disposição inibidoras. Também é vista tanto como
42 conteúdo e a direção dos processos proximais, sendo ao mesmo tempo resultado da
interação conjunta desses elementos.
O contexto é o terceiro componente e abrange a interação de quatro níveis
ambientais: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema.
Figura 3 – O contexto
Fonte: Ilustração retirada da palestra “Desafios no Trabalho com Crianças, Jovens e Famílias em Situação de Vulnerabilidade Social e Pessoal no Brasil” (KOLLER, 2007).
O diagrama retirado da palestra de Sílvia Koller em Lisboa Portugal 2007,
intitulada “Intervir, Investigar, Informar: Desafios no Trabalho com Crianças, Jovens e Famílias em Situação de Vulnerabilidade Social e Pessoal no Brasil”, mostra como a
abordagem ecológica do desenvolvimento humano vê a pessoa em desenvolvimento
inserida em seus contextos, desde as relações familiares (microssistema) até suas
crenças, valores, ideologias, religiões, formas de governo (macrosistema). A
43 permeáveis de interação têm sido apontados como os principais fatores de proteção ao
desenvolvimento humano.
Os processos que operam nos diversos ambientes nos quais a pessoa está
incluída são interdependentes e se influenciam mutuamente. O microssistema é definido
como um padrão de atividade, papéis e relações interpessoais que a pessoa conhece ao
longo do seu desenvolvimento nos ambientes dos quais faz parte e entra em interação. É
nesse contexto que atuam os processos proximais. O mesossistema consiste do conjunto
dos microssistemas que uma pessoa frequenta e das inter-relações que são estabelecidas
entre eles, sendo ampliado toda vez que a pessoa passa a frequentar novos ambiente. O
exossistema é o espaço que a pessoa não frequenta ativamente, mas tem uma influência
indireta na dinâmica de suas interações, por exemplo: trabalho dos pais, rede de apoio
social e a comunidade em que a pessoa está inserida. E o macrossistema refere-se ao
padrão global de fatores que estão presentes no cotidiano e que influenciam o
desenvolvimento do indivíduo (BRONFENBRENNER, 1996). Ou seja, a cultura em
que os pais foram educados, a religião deles, as crenças e valores transmitidos por suas
famílias influenciam diretamente na maneira como irão educar seus filhos. O tempo é o
quarto e último componente da abordagem, e corresponde à temporalidade que
acompanha o ciclo de vida das pessoas, podendo ser dividido em três níveis:
microtempo, que são continuidades e descontinuidades observadas nos processos
proximais; mesotempo, que é caracterizado por periodicidade dos processos proximais
com efeitos cumulativos, observados em tempos maiores como dias e semanas; e o
macrotempo, que focaliza acontecimentos presentes na vida, dentro da sociedade tanto
no presente quanto através das gerações, exemplo: acontecimentos históricos que
44
CAPÍTULOII–NATUREZADAPESQUISAEMETODOLOGIA
2.1 - Natureza da pesquisa
2.1.1 - O Problema
O consumo de drogas entre adolescentes em nossa sociedade é um fenômeno
bastante antigo, ele sempre existiu em várias culturas. No Brasil o consumo de drogas
por parte de jovens matriculados em instituições educacionais públicas nas grandes
capitais, em cidades de médio porte e no Distrito Federal, se tornou um dos grandes
problemas sociais e culturais desse novo milênio. Para Schenker & Minayo (2003) a
adolescência constitui-se em um período crucial no ciclo vital para o início do uso de
drogas, seja como experimentação, seja como consumo ocasional, indevido ou abusivo.
A literatura (SCHENKER & MINAYO, 2003; MARQUES & CRUZ, 2000;
CALDEIRA, 1999; GRYNBERG & KALINA, 2002) entende a adolescência como uma
fase conflituosa devido às transformações biológicas ou psicológicas. Emergem as
curiosidades, os questionamentos, a vontade de experimentar o novo, o sentimento de
ser capaz de tomar as suas próprias decisões, não aceitando orientações e, mesmo dentro
do ambiente familiar, o adolescente geralmente apresenta um sentimento básico de
solidão, uma sensação de vazio. O jovem tende a apresentar comportamentos tão
diferenciados que são confundidos, às vezes, com transtornos mentais. O afastamento
familiar pode fazer com que se aproxime do grupo de iguais. Segundo Marques & Cruz
(2000), se este grupo estiver consumindo drogas, provavelmente o adolescente
auto-45 suficiência e lealdade. Segundo Nery Filho e Torres (2002), a droga aparece na
adolescência como uma afinidade que admite a aplicação de laços sociais, favorecendo
o indivíduo a fazer parte de um determinado grupo de iguais, ao mesmo tempo em que
busca novos ideais e novos vínculos, bem diferentes dos princípios do seu grupo
familiar. Segundo Grynberg e Kalina (2002), há na adolescência uma crise em que os
jovens se defrontam com o meio social em que vivem e sua história individual, por isso
usam drogas. Para esses autores, esse comportamento representa um protesto à sua
imaturidade ou impotência de lidar com a própria realidade, criando dentro de si a
ilusão de um sentimento de onipotência. Nesse sentido, pode-se compreender, o fato de
o adolescente não temer nenhum risco, se julgar sempre vencedor, acreditar que no
momento em que decidir parar com o uso de drogas irá conseguir. É como se a linha
imaginária entre o prazer que a droga oferece e a sua dependência fosse imperceptível.
E a literatura aponta que entre as diversas instituições que formam a rede de apoio capaz
de prevenir o envolvimento do adolescente com as drogas estão a família e a escola
(HOPPE & KOLLER, 1997).
A família compreendida como um fator dependente do contexto, mesmo sendo
considerada um dos fatores relevantes, necessita ser combinada com outros, pois a
adaptação a determinadas situações depende da interação de seus esforços com as
demandas do ambiente. Pertencer a uma família pode ser considerado um fator de
proteção ou de risco (HAWLEY & DeHAAN, 1996), de qualquer modo, os padrões de
comportamento dos pais e as interações familiares são em grande parte responsáveis
pelas atitudes dos filhos (CHOR, 1996).
A escola pode ser compreendida como agente socializador, um fator
fundamental na potencialização de resiliência, pois excede o limite físico de ambiente
46 Para isso precisa oferecer experiências como desafios e não como ameaças (PINHEIRO,
2004). A escola pode agir como contexto de valorização para o desenvolvimento, mas
também pode ser compreendida como agente propiciador, pois ninguém desconhece que
a escola possui espaços propícios para encontros e interações entre jovens usuários de
drogas, fatores esses que agindo de forma combinada transformam a instituição escola
em um imponente fator de risco.
No contexto da argumentação acima, o objetivo deste trabalho é pesquisar a
percepção de jovens em situação de risco psicossocial, que se declararam usuários de
drogas, estabelecendo confronto com os jovens que se declararam não usuários de
drogas, sobre o sentido da família e da escola em suas vidas, identificando perspectivas,
relacionamento com a família e com a escola.
2.1.2 - Justificativa
Se a adolescência é própria do ser humano, representando a transição entre a
puberdade e o estado adulto (DRUMMOND & DRUMMOND FILHO, 1998), e é
encarada como uma etapa crucial do processo de crescimento e desenvolvimento, na
qual o adolescente se torna vulnerável a diversos distúrbios, entre eles o consumo de
drogas, então, porque alguns adolescentes apresentam invulnerabilidade para
administrar esses distúrbios ou essas situações estressantes? Conseguem se adaptar
diante de dificuldades e enfrentam com sucesso as demandas do seu desenvolvimento,
adolescentes que estiverem próximos de uma rede de apoio (família, escola e outros),
que ofereçam aos adolescentes o necessário para lidar com essas situações e
proporcionando ambientes adequados ao desenvolvimento seguro e saudável exercendo
assim um importante fator de proteção. Mas é necessário considerar quese essa rede de