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Lógicas Paraconsistentes de um Ponto de Vista Filosófico MESTRADO EM FILOSOFIA

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Academic year: 2018

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(1)

PUC-SP

Diogo Henrique Bispo Dias

Lógicas Paraconsistentes de um Ponto de Vista Filosófico

MESTRADO EM FILOSOFIA

(2)

PUC-SP

Diogo Henrique Bispo Dias

Lógicas Paraconsistentes de um Ponto de Vista Filosófico

MESTRADO EM FILOSOFIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Edelcio Gonçalves de Souza.

(3)

Banca Examinadora

__________________________________________

__________________________________________

(4)

do que a minha tenra idade

permitia aprender; `

A v´o Vanay e v´o Lusia,

por continuarem me ensinando

muito mais do que minha idade

(5)

Gostaria de agradecer `a minha fam´ılia, pelo apoio e incentivo durante

minha vida acadˆemica.

`

A CAPES, por permitir que, nos ´ultimos anos, minhas principais

preo-cupa¸c˜oes fossem restritas ao campo da L´ogica.

Ao Prof. Dr. Edelcio Gon¸calves de Souza, pela orienta¸c˜ao cuidadosa

e sempre presente, pela amizade, e por me ajudar a entender como uma

demonstra¸c˜ao formal pode ser elegante.

Ao Prof. Dr. Lafayette de Moraes e Prof. Dr. Alexandre Costa-Leite,

que participaram da minha banca de qualifica¸c˜ao, pela leitura minuciosa do

texto preliminar deste trabalho, e pelas valiosas cr´ıticas e sugest˜oes.

Ao Lucas Alessandro Duarte Amaral, Arthur Heller Brito e `a Renata

Karla Magalh˜aes, por lerem vers˜oes iniciais deste trabalho, pelas cr´ıticas,

sugest˜oes e, principalmente, discuss˜oes sobre o tema.

Aos demais amigos e amigas que, sempre que necess´ario, me lembravam

que h´a vida para al´em da l´ogica.

`

A Ellen Cristine Borges, pela revis˜ao de inumer´aveis vers˜oes desta

dis-serta¸c˜ao, pela paciˆencia infinita em me ouvir falar de paradoxos, contradi¸c˜oes

(6)

I stand before you and sit behind you

to tell you something I know nothing about.

Next Thursday, which is Good Friday,

there’s a Mother’s Day meeting for fathers only;

wear your best clothes if you haven’t any.

Please come if you can’t; if you can, stay at home.

Admission is free, pay at the door;

pull up a chair and sit on the floor.

It makes no difference where you sit,

the man in the gallery’s sure to spit.

The show is over, but before you go,

let me tell you a story I don’t really know.

One bright day in the middle of the night,

two dead boys got up to fight.

The blind man went to see fair play;

the mute man went to shout ”hooray!”

Back to back they faced each other,

drew their swords and shot each other.

A deaf policeman heard the noise,

and came and killed the two dead boys.

A paralysed donkey passing by

kicked the blind man in the eye;

knocked him through a nine-inch wall,

into a dry ditch and drowned them all.

If you don’t believe this lie is true,

ask the blind man; he saw it too,

through a knothole in a wooden brick wall.

And the man with no legs walked away.

(7)

Este trabalho abordar´a os aspectos filos´oficos das l´ogicas

paraconsisten-tes. Analisaremos a hist´oria dos princ´ıpios l´ogicos fundamentais para esta

l´ogica, a saber: a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao e o princ´ıpio de explos˜ao, bem como

a hist´oria do surgimento da paraconsistˆencia. Ademais, discutiremos uma

interpreta¸c˜ao da paraconsistˆencia que defende a existˆencia de contradi¸c˜oes

verdadeiras, denominadadialeteismo, e as poss´ıveis cr´ıticas aodialeteismoe, de forma geral, `as l´ogicas paraconsistentes.

O car´ater filos´ofico do trabalho n˜ao significa que o texto estar´a isento de

teoremas, f´ormulas, demonstra¸c˜oes e outras quest˜oes formais. Por´em, este

aspecto formal n˜ao ser´a tratado como um fim em si mesmo. O formalismo

ser´a utilizado para apresentar dois sistemas proposicionais paraconsistentes

- l´ogica paracl´assica e l´ogica paracl´assica com inclus˜ao - e compar´a-los com a l´ogica proposicional cl´assica. O arcabou¸co te´orico constru´ıdo para tal fim

´

e filosoficamente relevante para discutir quest˜oes centrais `a l´ogica, como a

existˆencia de leis l´ogicas, seu car´atera priorie, at´e mesmo, a pr´opria defini¸c˜ao de l´ogica.

Por fim, ser´a apresentado um m´etodo para encontrar, a partir de uma

l´ogica dada, sua vers˜ao paraconsistente. Face `a multiplicidade de sistemas

l´ogicos paraconsistentes, este estudo ´e importante, pois permite explorar as

poss´ıveis caracter´ısticas gerais das l´ogicas paraconsistentes, suas

especificida-des e, principalmente, m´etodos abstratos para gerar l´ogicas paraconsistentes.

(8)

This master´s thesis comprehends the philosophical aspects of

paracon-sistent logic. It will analyze the history of the fundamental logical principles

to this particular logic, namely: the law of non-contradiction and the

prin-ciple of explosion, as well as the history of paraconsistency. Moreover, an

interpretation of paraconsistency that defends the existence of true

contra-diction, known as dialetheism, will be discussed, as well as the criticism to this position, and, in general, to paraconsistent logics.

The philosophical character of this thesis does not mean that the text

will be exempt from theorems, formulas, demonstrations and other formal

questions. But this formal aspect will not be treated as a end in itself. The

formalism will be used to present two proposicional paraconsistent systems,

namely: paraclassical logic andparaclassical logic with inclusion, and to com-pare them with classical logic. The theoretical framework built for such aim

is philosophically relevant, for the discussion on central points in logic, such

as the existence of logical laws, its a priori character, and even the very definition of logic.

Finally, a method will be proposed in order to find, from a given logic,

its paraconsistent version. Due to the multiplicity of paraconsistent systems,

this study is important in order to explore the general features of

paracon-sistent logics, their specificities and, mainly, abstract methods for generation

of paraconsisent logic.

(9)

Introdu¸c˜ao 3

1 Breve Hist´orico Conceitual 7

1.1 Princ´ıpio de Explos˜ao . . . 8

1.1.1 Explos˜ao na L´ogica Antiga . . . 8

1.1.2 Explos˜ao na Idade M´edia . . . 10

1.1.3 Explos˜ao na L´ogica Moderna . . . 16

1.2 Lei de n˜ao-contradi¸c˜ao . . . 20

2 Aspectos Filos´oficos 24 2.1 Independˆencia formal entre a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao e o princ´ıpio de explos˜ao . . . 24

2.1.1 Linguagem Proposicional . . . 25

2.1.2 L´ogica de Paradoxos (LP) . . . 26

2.1.3 L´ogica de Lacunas (gaps) (LG) . . . 28

2.2 Paraconsistˆencia . . . 29

2.2.1 Dialeteismo . . . 32

2.2.2 Paradoxos . . . 34

2.2.3 Cr´ıticas ao Dialeteismo . . . 39

(10)

2.2.4 Cr´ıticas `a Paraconsistˆencia . . . 40

2.3 Consequˆencias Filos´oficas das L´ogicas Paraconsistentes . . . . 43

3 L´ogica Proposicional Paracl´assica 52 3.1 Modelo e Valora¸c˜oes . . . 52

3.1.1 Propriedades de (X,|=K) . . . 55

3.2 L´ogica Proposicional Cl´assica . . . 56

3.2.1 Propriedades de C . . . 56

3.2.2 Inconsistˆencia e Trivialidade em C . . . 59

3.3 L´ogica Proposicional Paracl´assica . . . 60

3.3.1 Propriedades da L´ogica Paracl´assica . . . 61

3.3.2 Inconsistˆencia e Trivialidade em P . . . 64

3.4 L´ogica Paracl´assica com Inclus˜ao . . . 65

3.4.1 Propriedades de P∗ . . . 65

3.4.2 Inconsistˆencia e Trivialidade em P∗ . . . 67

4 Paraconsistˆencia e Categoria 70 4.1 Categoria . . . 71

4.2 L´ogica via Categorias . . . 76

Considera¸c˜oes Finais 79

(11)

Let contradictions prevail!

Let one thing contradict another!

and let one line of my poem contradict another!

- Walt Whitman, Leaves of Grass

Este trabalho tem um objetivo duplo. Em primeiro lugar, pretende-se apresentar as l´ogicas paraconsistentes de um ponto de vista filos´ofico, isto ´e, analisando as poss´ıveis contribui¸c˜oes do surgimento desses sistemas for-mais para a filosofia e, em particular, para a epistemologia. Al´em disso, ser˜ao apresentados dois sistemas proposicionais paraconsistentes espec´ıficos, estabelecendo suas propriedades particulares e comparando-as com a l´ogica cl´assica.

Por se tratar de l´ogicas n˜ao-cl´assicas precisamos, em primeira instˆancia, caracterizar precisamente o que se entender´a, neste trabalho, por l´ogica. Sua defini¸c˜ao formal ser´a apresentada no segundo cap´ıtulo. Em linhas gerais, qualquer sistema que contenha um conjunto (de f´ormulas) e uma rela¸c˜ao de consequˆencia ser´a considerado uma l´ogica.

Para compreender o que s˜ao l´ogicas paraconsistentes, retomemos a de-fini¸c˜ao cl´assica de validade. Um argumento ´e v´alido se e somente se n˜ao existe situa¸c˜ao em que suas premissas sejam verdadeiras, e sua conclus˜ao falsa. Na l´ogica cl´assica, essa defini¸c˜ao tem uma consequˆencia particular. Tomemos o seguinte exemplo, chamado de argumento independente de Lewis:

(12)

Hoje chove.

Hoje chove ou h´a vida em Marte.

Hoje n˜ao chove.

Portanto, h´a vida em Marte.

Este argumento usa dois princ´ıpios aceitos pela l´ogica cl´assica: Adi¸c˜ao (α|=α∨β) e Silogismo Disjuntivo (¬α, α∨β |=β). Ainda que as premissas n˜ao tenham a menor relevˆancia para a conclus˜ao - isto ´e, tratam de assuntos completamente diferentes - como n˜ao existe situa¸c˜ao em que as premissas sejam verdadeiras e a conclus˜ao falsa, este ´e um argumento v´alido, ainda que contraintuitivo. Dito de outra forma, na l´ogica cl´assica, a partir de premis-sas contradit´orias, pode-se deduzir qualquer conclus˜ao, isto ´e, o sistema se torna trivial. Esta propriedade era chamada, pelos latinos, de ex contradic-tione quodlibet, que significa “de uma contradi¸c˜ao, tudo se segue”. Na l´ogica contemporˆanea, esta ´e chamada de explos˜ao, e uma l´ogica que contenha tal propriedade ´e considerada explosiva.

O objetivo das l´ogicas paraconsistentes, portanto, ´e constituir-se como um sistema formal subjacente a teorias que contenham informa¸c˜oes contra-dit´orias sem, no entanto, permitir que qualquer informa¸c˜ao seja deduzida. Neste sentido, h´a diversas formas de caracterizar uma l´ogica paraconsis-tente. Podemos defini-la como um sistema inconsistente (ou contradit´orio), mas n˜ao-trivial1; ou como uma l´ogica que contenha um operador un´ario n˜ao

explosivo2.

O ponto central ´e que, numa l´ogica paraconsistente, o princ´ıpio de ex-plos˜ao deve ser refutado. Isso garante que, a partir de premissas contra-dit´orias, seja poss´ıvel fazer inferˆencias, sem deduzir qualquer conclus˜ao. Sen-do assim, neste trabalho, aceitaremos a simples defini¸c˜ao de l´ogicas paracon-sistentes como l´ogicas n˜ao-explosivas, ou seja, quando temos (α,¬α2β).

1

Cf. [19], [39].

2

(13)

N˜ao obstante, esta defini¸c˜ao n˜ao ´e de todo isenta de problemas. Tome, por exemplo, a l´ogica minimal3. Ainda que esta seja paraconsistente, a

in-ferˆencia (α,¬α |= ¬β) ´e v´alida. Isto significa que, de premissas contra-dit´orias, pode-se concluir a nega¸c˜ao de qualquer senten¸ca, o que parece ir contra a motiva¸c˜ao paraconsistente. Outras formula¸c˜oes de paraconsistˆencia foram oferecidas. Mas, como todas apresentam algum tipo de problema, manteremos a defini¸c˜ao anunciada, pela sua simplicidade e elegˆancia.

Notem que, ao definir paraconsistˆencia, a express˜ao l´ogicas paraconsis-tentes est´a sendo usada no plural. Isto significa que h´a mais de um sistema l´ogico que refute o princ´ıpio de explos˜ao4.

Do ponto de vista formal, ´e simples construir uma l´ogica paraconsistente. Basta, por exemplo, tomar a l´ogica cl´assica sem, no entanto, assumir que verdade e falsidade s˜ao exclusivas, isto ´e, sem rejeitar a possibilidade de uma mesma senten¸ca ser verdadeira e falsa. Para tanto, basta entender uma valora¸c˜ao n˜ao como uma fun¸c˜ao de uma senten¸ca em um valor de verdade - Verdadeiro e Falso - mas como uma rela¸c˜ao entre senten¸cas e os valores. Mantendo a defini¸c˜ao cl´assica de validade, este sistema paraconsistente refuta o argumento de Lewis, mas mant´em a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao como verdade l´ogica. Este sistema chama-se LP, l´ogica de paradoxo, e foi formulado por Graham Priest5.

Voltemos `a defini¸c˜ao de l´ogica paraconsistente. Pode parecer que, `a pri-meira vista, rejeitar a explos˜ao implicaria rejeitar a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao, que afirma que, de duas senten¸cas contradit´orias, uma deve ser falsa6. A

despeito das poss´ıveis formula¸c˜oes diferentes - e n˜ao exatamente equivalentes - esta lei e a ideia de explos˜ao s˜ao formal e historicamente independentes.

Para discutir tais assuntos, este trabalho ser´a dividido em quatro cap´ıtulos. O primeiro apresentar´a o desenvolvimento hist´orico da lei de n˜ao-contradi¸c˜ao

3

Trata-se da l´ogica intuicionista, sem a explos˜ao.

4

De fato, podem existir infinitas l´ogicas paraconsistentes.

5

Cf. [52].

6

(14)

e princ´ıpio de explos˜ao, evidenciando os diferentes momentos nos quais tais princ´ıpios se tornaram aceitos de forma hegemˆonica.

O segundo cap´ıtulo constitui o cerne da disserta¸c˜ao. Primeiro, ser˜ao de-finidas duas l´ogicas diferentes, com o intuito de demonstrar a independˆencia formal entre a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao e o princ´ıpio de explos˜ao. Em seguida, ser´a exposto brevemente a origem da ideia de paraconsistˆencia, bem como sua motiva¸cao. Outrossim, ser´a apresentada uma posi¸c˜ao metaf´ısica defendida a partir da l´ogica paraconsistente, que afirma a existˆencia de contradi¸c˜oes ver-dadeiras, chamada de dialeteismo. Analisaremos, ent˜ao, algumas cr´ıticas `as l´ogicas paraconsistentes - e, em particular, aodialeteismo- e, principalmente, a importˆancia filos´ofica destas.

O terceiro e quarto cap´ıtulo ter˜ao um car´ater mais formal. Come¸caremos com uma conceitua¸c˜ao abstrata de L´ogica - explorando algumas proprieda-des derivadas proprieda-deste conceito -, que ser´a subjacente `a constru¸c˜ao das l´ogicas proposicionais cl´assica e paracl´assica. A partir destes dois sistemas, analisa-remos quais propriedades s˜ao invariantes, e quais dependem das defini¸c˜oes l´ogicas utilizadas.

O ´ultimo cap´ıtulo consiste em uma tentativa inicial de abordar o pro-blema da paraconsistentiza¸c˜ao de l´ogicas7 a partir da teoria de categorias.

Ser´a discutida a possibilidade de, a partir de uma dada l´ogica, construir sua contraparte paraconsistente. O cap´ıtulo encerra com coment´arios acerca da importˆancia de tal procedimento, bem como as poss´ıveis ramifica¸c˜oes desta abordagem.

7

(15)

Breve Hist´

orico Conceitual

O in´ıcio da sabedoria est´a em chamar as coisas pelos seus nomes corretos.

- Prov´erbio chinˆes

Comecemos nossa an´alise pelos dois conceitos centrais `a discuss˜ao sobre paraconsistˆencia, a saber: a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao e o princ´ıpio - ou lei - de explos˜ao. Como vimos, estes dois conceitos s˜ao frequentemente confundidos. O desenvolvimento das l´ogicas paraconsistentes permitiu um entendimento mais profundo dessas ideias, analisando as poss´ıveis rela¸c˜oes e distin¸c˜oes entre as mesmas, tanto do ponto de vista formal, hist´orico quanto filos´ofico. Primeiro, vejamos como as duas ideias s˜ao historicamente independentes.

´

E fundamental ressaltar que a discuss˜ao se limitar´a `a rela¸c˜ao l´ogica entre tais conceitos. Isso significa que n˜ao discutiremos os poss´ıveis aspectos me-taf´ısicos ou psicol´ogicos dessa distin¸c˜ao. Em particular, n˜ao discutiremos as ideias de alguns pr´e-socr´aticos (como Her´aclito e Parmˆenides), bem como as de Hegel, sobre contradi¸c˜ao, visto que estas extrapolam o campo puramente l´ogico do presente trabalho.

(16)

1.1

Princ´ıpio de Explos˜

ao

1.1.1

Explos˜

ao na L´

ogica Antiga

A primeira formaliza¸c˜ao conhecida da l´ogica ´e a silog´ıstica aristot´elica. Ainda que Arist´oteles n˜ao discuta expressamente o princ´ıpio de explos˜ao, a silog´ıstica ´e paraconsistente. Para ver isto, tome a seguinte inferˆencia:

Nenhum planeta ´e objeto vermelho Algum planeta ´e objeto vermelho.

Todo objeto vermelho ´e objeto vermelho. ∴

Mesmo com premissas contradit´orias, o silogismo n˜ao ´e v´alido, visto que ele refuta uma de suas regras, a saber: se uma premissa ´e negativa, a conclus˜ao deve ser negativa. Portanto, de premissas contradit´orias, n˜ao ´e poss´ıvel deduzir tudo1.

Arist´oteles n˜ao formalizou uma l´ogica proposicional. H´a poucos e esparsos coment´arios sobre inferˆencia proposicional em sua obra. N˜ao obstante, ´e poss´ıvel afirmar que tampouco esta l´ogica seria explosiva. Nos Primeiros Anal´ıticos, o Estagirita afirma que uma mesma conclus˜ao n˜ao pode seguir de uma proposi¸c˜ao e de sua nega¸c˜ao2.

A primeira l´ogica proposicional foi desenvolvida pelos estoicos. Estes estabelecem cinco formas indemonstr´aveis de argumentos v´alidos, a saber:

(i) Se p, ent˜ao q; p; portanto q (modus ponens);

(ii) Se p, ent˜ao q; n˜ao q; portanto, n˜ao-p (modus tollens);

(iii) N˜ao ´e o caso que (p e q); p; portanto n˜ao-q;

1

O fato de que, neste exemplo, dois termos s˜ao iguais, n˜ao significa que n˜ao se trata de um silogismo. O pr´oprio Arist´oteles utiliza esse recurso. Cf. [3], vol. 1, 63b23-64a16. Ademais, poder´ıamos ainda considerar o caso em que os termos s˜ao diferentes, mas com extens˜oes equivalentes como, por exemplo, ‘homem’ e ‘animal racional’.

2

(17)

(iv) Ou p ou q; p; portanto n˜ao-q;

(v) Ou p ou q; n˜ao-p; portanto q;

Entre a documenta¸c˜ao dispon´ıvel, n˜ao h´a nenhuma men¸c˜ao `a explos˜ao. Mas podemos conjecturar se esta seria uma propriedade aceita desse sistema l´ogico. Sabemos que os estoicos aceitavam claramente o Silogismo Disjuntivo (¬α, α∨β |=β). Como vimos, esta regra ´e utilizada no Argumento de Lewis para demonstrar a explos˜ao. Sendo assim, era de se esperar que, mesmo sem nenhum coment´ario espec´ıfico sobre esse assunto, este argumento fosse v´alido na l´ogica estoica. Mas n˜ao ´e.

Al´em do silogismo disjuntivo, o argumento de Lewis usa a adi¸c˜ao (α |=α∨

β). Essa regra n˜ao ´e aceita pelos estoicos em consequˆencia da interpreta¸c˜ao do conectivo “ou”em sua l´ogica. Segundo Lukasiewicz, “´e evidente a partir do quarto silogismo que a disjun¸c˜ao ´e concebida como um conectivo ‘ou...ou’ exclusivo”3. Ou seja, para os estoicos, uma disjun¸c˜ao ´e verdadeira quando

apenas um de seus disjuntos for verdadeiro. Desta forma, a adi¸c˜ao ´e inv´alida e, por consequˆencia, o argumento de Lewis tamb´em o ´e.

Mas isso seria suficiente para afirmar que a l´ogica estoica tamb´em ´e paraconsistente? A explos˜ao pode ser estabelecida por outros meios. Por exemplo, se aceitarmos a defini¸c˜ao moderna de implica¸c˜ao como implica¸c˜ao material, de premissas contradit´orias podemos inferir qualquer coisa. For-malmente:

H´a vida em Marte.

Se a Lua n˜ao ´e feita de queijo, ent˜ao h´a vida em Marte. N˜ao h´a vida em Marte.

Ent˜ao, a Lua ´e feita de queijo.

No entanto, n˜ao podemos afirmar que a implica¸c˜ao estoica seguia esta defini¸c˜ao. Segundo Sexto Emp´ırico, h´a, entre os estoicos, um debate acerca da natureza dos condicionais, com quatro tratamentos diferentes poss´ıveis:

3

(18)

[1] Filo diz que uma frase declarativa condicional perfeita ´e uma que n˜ao come¸ca com uma verdade e acaba com uma falsidade, p. ex., quando ´e dia e eu estou a conversar, a frase ‘Se ´e dia estou a conversar’. [2] Mas Diodoro diz que ´e uma que nem podia nem pode come¸car com uma verdade e acabar com uma falsidade. Para ele a frase declarativa condicional citada parece ser falsa, uma vez que quando for dia e eu estiver calado come¸car´a com uma verdade e acabar´a com uma falsidade. Mas a frase seguinte parece ser verda-deira: ‘Se os elementos atˆomicos das coisas n˜ao existem, ent˜ao os elementos atˆomicos das coisas existem’. Diodoro defende que come¸car´a sempre com o falso antecedente ‘Os elementos atˆomicos das coisas n˜ao existem’ e aca-bar´a com o consequente verdadeiro ‘Os elementos das coisas existem’. [3] E aqueles que introduzem a no¸c˜ao de conex˜ao dizem que uma frase declarativa condicional ´e perfeita quando a contradit´oria de seu consequente ´e incom-pat´ıvel com o seu antecedente. De acordo com estes as frases declarativas condicionais acima mencionadas n˜ao s˜ao perfeitas mas a seguinte ´e verda-deira ‘Se ´e dia, ´e dia’. [4] E aqueles que julgam pela implica¸c˜ao dizem que uma frase declarativa condicional verdadeira ´e aquela cujo consequente est´a contido potencialmente no seu antecedente. Para estes a frase ‘Se ´e dia, ´e dia’ e todas as frases condicionais que forem repetitivas ser˜ao, ao que parece, falsas; porque ´e imposs´ıvel para uma coisa estar contida em si pr´opria4

.

Visto que n˜ao h´a um conceito bem estabelecido de implica¸c˜ao na l´ogica estoica, n˜ao podemos utilizar o argumento anterior para chegar `a explos˜ao. Sendo assim, ao que parece, a l´ogica estoica tamb´em ´e paraconsistente.

1.1.2

Explos˜

ao na Idade M´

edia

A inven¸c˜ao (ou descoberta) do argumento de Lewis ´e incerta. Alguns a atribuem ao l´ogico francˆes William de Soissons, no s´eculo XII5; outros

ar-gumentam que as primeiras discuss˜oes sobre o tema aparecem nas obras de Garlando Compotista e Pedro Abelardo6. O que sabemos, a partir dos

docu-mentos dispon´ıveis, ´e que a propriedade da explos˜ao - `a ´epoca chamada deex

4

[41], p.128-9. A numera¸c˜ao ´e de Kneale e Kneale.

5

Cf. [54], p. 294.

6

(19)

contradictione quolibet, ou ex impossibili sequitur quodlibet, foi amplamente discutida durante o s´eculo XIV. Vejamos por que.

A l´ogica medieval ´e respons´avel pela primeira tentativa de sistematizar teorias de consequˆencias, isto ´e, determinar em que consiste um argumento v´alido. Com este prop´osito, h´a uma ampla discuss˜ao a respeito da validade de regras de inferˆencias fundamentais; do comportamento dos conectivos l´ogicos e, principalmente, da pr´opria no¸c˜ao de consequˆencia l´ogica. Por algum motivo desconhecido (j´a que o assunto ainda ´e motivo de disputa entre os especialistas), no s´eculo XIV, come¸caram a surgir v´arios tratados sobre este ´

ultimo tema espec´ıfico.

Uma hip´otese poss´ıvel ´e a de que se trata de uma tradi¸c˜ao que remonta ao quinto livro doOrganon, de Arist´oteles, intitulado “T´opicos”, que aborda os padr˜oes de racioc´ınio v´alidos que n˜ao s˜ao reduzidos ao silogismo. No entanto, n˜ao h´a nenhum ind´ıcio na literatura do s´eculo XIII, sobre os “T´opicos”, da discuss˜ao acerca de consequˆencia que surgiria no s´eculo seguinte. Por outro lado, a discuss˜ao a respeito dos conectivos l´ogicos “e”, “ou”, “se...ent˜ao”, indica uma poss´ıvel influˆencia dos estoicos - considerados os primeiros a dis-cutir o que hoje chamamos de l´ogica proposicional. No entanto, ainda que elementos comuns possam ser encontrados nos textos medievais, n˜ao h´a re-ferˆencia direta alguma aos estoicos. Portanto, tal influˆencia ainda precisa ser estabelecida - ou refutada.

O princ´ıpio de explos˜ao n˜ao ´e uma propriedade hegemˆonica na Idade M´edia essencialmente por trˆes motivos7. Em primeiro lugar, h´a uma confus˜ao

acerca da no¸c˜ao de consequˆencia l´ogica, uma vez que o conceito consequen-tia ´e usado tanto para consequˆencia l´ogica, quanto para condicionais8. Em

segundo lugar, n˜ao h´a um consenso a respeito da defini¸c˜ao de consequˆencia l´ogica. Ora, se n˜ao h´a tal consenso, segue-se que as propriedades decor-rentes da no¸c˜ao escolhida tamb´em variam. E, por fim, os l´ogicos medievais

7

Quatro, se contarmos a escassez de documenta¸c˜ao deste per´ıodo.

8

(20)

distinguem tipos diferentes de consequˆencia l´ogica, fazendo uso dos mesmos conceitos, mas com significados diferentes.

A l´ogica contemporˆanea distingue diversas rela¸c˜oes poss´ıveis entre pro-posi¸c˜oes. A rela¸c˜ao de derivar uma proposi¸c˜ao de outras proposi¸c˜oes dadas ´e chamada de inferˆencia; a rela¸c˜ao entre o antecedente e o consequente em um proposi¸c˜ao do tipo “se...ent˜ao”´e chamada de implica¸c˜ao9; h´a outra rela¸c˜ao

que determina que uma proposi¸c˜ao n˜ao pode ser verdadeira, e outra falsa, e ´e chamada de implica¸c˜ao l´ogica (entailment). Claramente, s˜ao trˆes rela¸c˜oes distintas. No entanto, durante a Idade M´edia, as trˆes eram chamadas de consequentiae.

Assim, alguns l´ogicos medievais apresentam dificuldades em classificar umaconsequentiacomovera (verdadeira), ou comovalet (v´alida). Da mesma forma, ora dividem uma consequentia em antecedente e consequente, ora em premissas e conclus˜ao. Ademais, havia, neste per´ıodo, uma ampla discuss˜ao sobre os tipos - ou subtipos - de consequentiae, a saber10:

(i)Simplices vs. ut nunc;

Umaconsequentia simplex ´e necess´aria e atemporal, isto ´e, “o antecedente n˜ao pode, em qualquer tempo, ser verdadeiro sem que o consequente o seja”11,

ao passo que uma consequentia ut nunc vale em um momento espec´ıfico ou de acordo com hip´oteses espec´ıficas. Por exemplo, a consequˆencia ‘S´ocrates ´e um homem e, portanto S´ocrates ´e um homem ou S´ocrates ´e um asno’ ´e simplex, de acordo com Pseudo-Scotus, que defendia que de uma proposi¸c˜ao, segue uma proposi¸c˜ao disjuntiva, tal que a primeira inicial ´e um dos disjuntos da segunda. J´a a proposi¸c˜ao ‘S´ocrates est´a correndo, portanto um homem est´a correndo’ n˜ao apresenta uma rela¸c˜ao de necessidade l´ogica entre suas partes, mas depende de outra proposi¸c˜ao contingente, a saber: ‘S´ocrates ´e

9

Note que h´a varios tipos de implica¸c˜ao, tais como implica¸c˜ao relevante, intuicionista, linear, contrafactual etc. Para uma introdu¸c˜ao ao tema, Cf. [64].

10

Estas divis˜oes n˜ao s˜ao necessariamente subdivis˜oes de consequˆencias. A hierarquia -ou a falta dela - varia de acordo com o autor.

11

(21)

um homem’; sendo assim, esta ´e uma consequentia ut nunc.

Esta defini¸c˜ao tem formula¸c˜oes similares nos diferentes autores deste per´ıodo. A diferen¸ca entre eles est´a na posi¸c˜ao hier´arquica deste tipo de consequˆencia. Para Buridan e Pseudo-Scotus, esta distin¸c˜ao s´o se aplica a consequˆencias materiais. Outros autores, como Peter de Mantua, aceitam este tipo de consequˆencia como prim´ario, e estabelecem consequˆencias for-mais e materiais como subdivis˜oes de consequentia simplex.

ii) Formal vs. Material12;

Esta distin¸c˜ao aparece, pela primeira vez, em Ockham13. Segundo tal

au-tor, uma consequˆencia ´e formal quando h´a a necessidade de um interm´edio adicional validando a consequˆencia. Caso n˜ao haja esse interm´edio, e a consequˆencia vale apenas por causa de seus termos, trata-se de uma con-sequˆencia material. Assim, a concon-sequˆencia ‘S´ocrates n˜ao corre, portanto um homem n˜ao est´a correndo’ ´e formal, pois depende da informa¸c˜ao adicional de ‘S´ocrates ´e um homem’.

A passagem de Ockham que define uma consequˆencia material ´e consi-derada esp´uria por muitos estudiosos14. Sendo assim, contamos apenas com

dois exemplos de consequˆencia material dados pelo autor: ‘Um homem est´a correndo, portanto Deus existe’ (ou seja, uma proposi¸c˜ao necess´aria segue de tudo); e ‘O homem ´e um asno, portanto Deus n˜ao existe’ (ou seja, do imposs´ıvel, tudo se segue ou, ainda, ex impossibili sequitur quodlibet)15.

Como, na l´ogica medieval, a conjun¸c˜ao de duas senten¸cas contradit´orias ´e o caso paradigm´atico de impossibilidade, este segundo exemplo ´e bem pr´oximo do que chamamos, hoje, de princ´ıpio de explos˜ao.

12

Al´em disso, h´a outra distin¸c˜ao, ora impl´ıcita, ora expl´ıcita, que ´e a distin¸c˜aobona de forma vs. Bona de materia. Em alguns autores, esta distin¸c˜ao coincide com a formal vs. material, mas isto tampouco ´e um consenso.

13

[51], p. 474.

14

Cf. [41], p. 290, para uma poss´ıvel corre¸c˜ao de um erro das primeiras vers˜oes do texto de Ockham.

15

(22)

Em Buridan, por sua vez, a defini¸c˜ao de consequˆencia formal e mate-rial segue a tradi¸c˜ao Aristot´elica da no¸c˜ao de forma e mat´eria. Assim, uma consequˆencia formal vale em virtude de sua forma (seus termos sincatego-rem´aticos), ao passo que uma consequˆencia material depende do significado de seus elementos (seus termos categorem´aticos). Assim, a consequˆencia formal segue o princ´ıpio de substitui¸c˜ao, isto ´e, a consequˆencia vale para qualquer substitui¸c˜ao uniforme de seus termos16.

Pseudo-Scotus apresenta a distin¸c˜ao mais clara - neste per´ıodo - entre consequˆencia formal e material, a saber:

Uma consequˆencia formal ´e aquela que vale para todos os termos, desde que o arranjo e forma dos termos permane¸cam iguais em todos os aspectos. (...) Uma consequˆencia material ´e aquela que n˜ao vale para todos os termos, desde que o arranjo e forma sejam mantidos similares em todos os respeitos, de forma que n˜ao haja mudan¸ca sen˜ao nos termos17

.

Ao analisar as consequˆencias dessa defini¸c˜ao, Pseudo-Scotus apresenta uma prova de que, em uma consequˆencia formal, tudo se segue de proposi¸c˜oes contradit´orias:

A partir da proposi¸c˜ao ‘S´ocrates existe e S´ocrates n˜ao existe’, que implica uma contradi¸c˜ao formal, segue-se ‘Um homem ´e um asno’ ou ‘H´a um bast˜ao na esquina’, ou qualquer outra coisa. Prova: ‘S´ocrates existe e S´ocrates n˜ao existe; portanto, S´ocrates n˜ao existe’ ´e um argumento v´alido, j´a que h´a uma consequˆencia formal entre uma proposi¸c˜ao conjuntiva e qualquer uma de suas partes. Deixemos essa consequˆencia em reserva. Seguindo, te-mos que ‘S´ocrates existe e S´ocrates n˜ao existe; portanto, S´ocrates existe’ ´e v´alido pela mesma regra. E de ‘S´ocrates existe’ segue que ‘Portanto S´ocrates existe ou um homem ´e um asno’, j´a que qualquer proposi¸c˜ao implica formal-mente na combina¸c˜ao dela mesma com qualquer outra proposi¸c˜ao em uma

16

Para aqueles que aceitam o crit´erio de substitui¸c˜ao, a distin¸c˜ao entre bona de forma e bona de materia ´e equivalente `a distin¸c˜ao formal e material. Outros, como Ockham e Paul de Venice, definemconsequentia bona de formacomo aquela que vale de acordo com seus termos sincategorem´aticos.

17

(23)

´

unica proposi¸c˜ao disjuntiva. Ent˜ao, a partir do consequente, argumentamos que ‘S´ocrates existe ou um homem ´e um asno, mas S´ocrates n˜ao existe (de acordo com a consequˆencia reservada anteriormente); portanto, um homem ´e um asno’. Um argumento deste tipo pode ser feito com qualquer outra proposi¸c˜ao, j´a que todas as consequˆencias s˜ao formais18

.

Ainda que esta formula¸c˜ao seja bem pr´oxima da atual, esta defini¸c˜ao de consequˆencia formal n˜ao era hegemˆonica no s´eculo XIV. Os trˆes autores an-teriormente citados defendem a ideia de que do imposs´ıvel, tudo se segue. No entanto, em Ockham, esta ´e uma propriedade da consequˆencia mate-rial, ao passo que, para Buridan e Pseudo-Scotus, isto segue da defini¸c˜ao de consequˆencia formal19.

Passemos ao estabelecimento da validade de uma consequˆencia. A mai-oria dos autores do s´eculo XIV aceita a defini¸c˜ao cl´assica de consequˆencia (o antecedente n˜ao pode ser verdadeiro e o consequente falso20) como uma

condi¸c˜ao necess´aria para a validade da consequˆencia. No entanto, nem todos aceitavam isto como condi¸c˜ao suficiente.

Havia outra formula¸c˜ao presente nos tratados de Albert de Saxony e Mar-silius de Inghen, que pode ser chamada de crit´erio de inclus˜ao (containment notion):

uma consequˆencia ´e formal se e somente se o consequente est´a contido no antecedente, de tal forma que quem quer que entenda o antecedente neces-sariamente entende o consequente21

.

Temos, portanto, al´em da no¸c˜ao substitucional de consequˆencia formal, uma no¸c˜ao epistˆemica de consequˆencia formal22.

18

[41], p. 762.

19

H´a, ainda, outra distin¸c˜ao, a saber: natural vs. acidental, que n˜ao ser´a discutida, j´a que, ainda que seja importante nas primeiras discuss˜oes medievais sobre consequˆencia, no s´eculo XIV, ela aparece apenas em Burley.

20

Cf. [41], p. 472, para formula¸c˜oes equivalentes.

21

[51], p. 476.

22

(24)

Pseudo-Scotus, al´em de analisar as defini¸c˜oes anteriores, apresenta outra formula¸c˜ao para consequˆencia, a saber:

uma consequˆencia ´e v´alida se e somente se ´e imposs´ıvel que o antecedente seja verdadeiro e o consequente, falso, quando ambos s˜ao formulados conjun-tamente23

.

O resultado de diferentes no¸c˜oes de consequˆencia ´e claro: h´a diferentes regras v´alidas de inferˆencia, de acordo com a no¸c˜ao de consequˆencia estabe-lecida. O princ´ıpio de explos˜ao resulta naturalmente da defini¸c˜ao modal de consequˆencia como uma condi¸c˜ao suficiente para sua validade. Isto ´e, dado que β ´e consequˆencia de α se e somente se ´e imposs´ıvel para α ser verda-deira, e β falsa, segue-se que, sempre queα for imposs´ıvel de ser verdadeira, a consequˆencia ´e v´alida independente de β.

No entanto, outros l´ogicos refutam a defini¸c˜ao modal como um crit´erio suficiente para uma consequˆencia v´alida. Drukken de D´acia e Richard Fer-rybridge, bem como os fil´osofos da Cologne School, do final do s´eculo XV, exigem uma rela¸c˜ao de relevˆancia entre o antecedente e o consequente. Isto ´e, o crit´erio de inclus˜ao (containment) deve ser necess´ario e suficiente para todas as consequˆencias v´alidas. Ademais, estes ´ultimos rejeitavam expressa-mente o silogismo disjuntivo e a adi¸c˜ao - justaexpressa-mente as regras que permitem inferir qualquer conclus˜ao a partir de premissas contradit´orias.

Em suma, o princ´ıpio de explos˜ao - aqui tratado como a ideia de que do imposs´ıvel tudo se segue - n˜ao era aceito de forma hegemˆonica durante este per´ıodo. Esta propriedade s´o torna parte essencial da l´ogica ap´os o estabelecimento, a partir do s´eculo XIX, do que se chama, hoje, de l´ogica cl´assica.

1.1.3

Explos˜

ao na L´

ogica Moderna

A explos˜ao s´o se tornou uma propriedade aceita de forma praticamente

23

(25)

hegemˆonica no final do s´eculo XIX, com o desenvolvimento formal da l´ogica moderna, levada a cabo, principalmente, por Boole, Frege e Russell. Segundo Priest24, h´a dois motivos essenciais para esta mudan¸ca.

Em primeiro lugar, temos a jun¸c˜ao de duas ideias fundamentais para o l´ogica cl´assica, a saber, o conceito de nega¸c˜ao e o de validade l´ogica. Boole formulou o tratamento cl´assico da nega¸c˜ao, hoje chamada de nega¸c˜ao boole-ana. Por´em, esta nega¸c˜ao n˜ao ´e a mesma da l´ogica proposicional moderna. A nega¸c˜ao booleana comporta-se como um operador de complementa¸c˜ao de conjuntos.

O operador booleano de complementa¸c˜ao n˜ao tem o efeito de reverter o valor de verdade de uma proposi¸c˜ao, qualquer que ela seja, `a qual o operador ´e aplicado (...). Em vez disso, o operador booleano para complementa¸c˜ao N OT aplica-se apenas aos s´ımbolos de predicado, distinguindo uma classe complementar de propriedades25

.

Tomemos a seguinte proposi¸c˜ao como exemplo: “Algumas pessoas s˜ao felizes”. Aplicando o operador de nega¸c˜ao como complementa¸c˜ao de classe, temos “Algumas pessoas n˜ao s˜ao felizes”. Isso significa que a nega¸c˜ao de-termina a classe de objetos que n˜ao tem dede-terminada propriedade, isto ´e, que pertencem `a classe complemento desta propriedade. No entanto, este tratamento da nega¸c˜ao n˜ao ´e, necessariamente, funcional-veritativo. Se acei-tarmos a proposi¸c˜ao “algumas pessoas s˜ao felizes”como falsa, isso significa que “algumas pessoas n˜ao s˜ao felizes”´e verdadeira. No entanto, se conside-rarmos a mesma proposi¸c˜ao como verdadeira, nada sabemos sobre o valor de verdade de “algumas pessoas n˜ao s˜ao felizes”.

Neste per´ıodo estabelece-se tamb´em a no¸c˜ao cl´assica de validade, que de-termina que um argumento ´e valido se e somente se n˜ao existir situa¸c˜ao em que as premissas sejam verdadeiras e a conclus˜ao, falsa. Nenhuma dessas ideias - nega¸c˜ao booleana e validade cl´assica - ´e, per se, explosiva. Por´em,

24

[53], p. 135.

25

(26)

se tomadas conjuntamente, elas levam `a explos˜ao. Como consequˆencia da nega¸c˜ao booleana, temos que α, ou ¬α vale em cada situa¸c˜ao. Dada a de-fini¸c˜ao cl´assica de validade, segue-se que n˜ao h´a situa¸c˜ao em que αe ¬α s˜ao verdadeiras, e β ´e falsa. Portanto, essa l´ogica ´e explosiva.

O segundo fator foi estabelecido, essencialmente, por Frege e Russell, que foram respons´aveis pela redu¸c˜ao da an´alise dos conectivos l´ogicos a uma an´alise funcional-veritativa. Frege ´e respons´avel pela defini¸c˜ao moderna dos conectivos l´ogicos como fun¸c˜oes tais que o valor de verdade de uma senten¸ca formada a partir destas fun¸c˜oes ´e determinado puramente a partir do valor de verdade de seus componentes26.

Esta formula¸c˜ao ´e adotada pois, segundo o fil´osofo alem˜ao,

no que diz respeito `a matem´atica, estou convencido de que nela n˜ao ocorrem pensamentos compostos com outra forma¸c˜ao. Tamb´em em f´ısica, qu´ımica e astronomia, dificilmente ser´a diferente27

.

Tendo em mente que, em Frege, o pensamento ´e o sentido de uma sen-ten¸ca assertiva28, podemos reformular a tese do par´agrafo anterior utilizando

o vocabul´ario l´ogico contemporˆaneo, afirmando que todas as proposi¸c˜oes ma-tem´aticas - e cient´ıficas - s˜ao formadas a partir de conectivos funcionais-veritativos.

Ainda que este tratamento dos conectivos apare¸ca j´a noBegriffsschrift29,

encontramos sua formula¸c˜ao mais precisa nos textos Fun¸c˜ao e Conceito30

e Pensamentos compostos. Uma investiga¸c˜ao l´ogica31. Nos dois primeiros

textos, o autor toma a nega¸c˜ao e a implica¸c˜ao como conectivos primitivos,

26

Russell ´e respons´avel por definir esse tipo de fun¸c˜ao comofun¸c˜ao de verdade (truth function).

27

[30], pp.85-6.

28

[31], p. 137.

29

[28].

30

[29].

31

(27)

e define os demais a partir destes. No ´ultimo texto, a nega¸c˜ao e a con-jun¸c˜ao s˜ao aceitas como primitivas. Do ponto de vista l´ogico-formal, ambas as formula¸c˜oes s˜ao equivalentes.

Vejamos o caso da implica¸c˜ao e da disjun¸c˜ao. Como vimos, n˜ao havia um consenso a respeito do tratamento deste conectivo na l´ogica estoica. O mesmo se d´a durante a Idade M´edia. Por´em, ao definir o condicional como funcional-veritativo, estes autores adotam o que chamamos de implica¸c˜ao material32. Assim, uma implica¸c˜ao ´e verdadeira quando o antecedente for

falso, ou o consequente verdadeiro33.

De acordo com Frege, ainda que esta defini¸c˜ao n˜ao seja reflexo do uso de “se...ent˜ao...”na linguagem natural, ´e a mais adequada para o rigor necess´ario em demonstra¸c˜oes l´ogicas e matem´aticas . Portanto, a implica¸c˜ao (α →β) ´e definida como uma disjun¸c˜ao (¬α ∨β). Percebam que, dessa forma, a inferˆencia modus ponens (α, α → β |= β) torna-se logicamente equivalente ao silogismo disjuntivo (¬α, α∨β |=β).

Uma disjun¸c˜ao, por sua vez, ´e verdadeira quando ao menos um dos disjun-tos ´e verdadeiro. Obviamente, a adi¸c˜ao, (α |=α∨β), torna-se uma regra de inferˆencia v´alida. A partir dessas duas regras, temos novamente o argumento de Lewis. Portanto, ainda que contra-intuitivo, (α,¬α|=β).

H´a uma anedota curiosa sobre Russell a este respeito34. Ao afirmar para

um colega que, de premissas contradit´orias, tudo pode ser deduzido, este pediu a Russell que provasse, a partir do fato de que 2=3, que Russell era o Papa. Ao que Russell replicou: ‘subtraindo 1 dos dois lados da equa¸c˜ao, temos que 1=2. Eu e o Papa somos dois. Como 1=2, eu e o Papa somos um. Portanto, eu sou o Papa’.

Por motivos j´a conhecidos, esta l´ogica tornou-se o paradigma de sistema l´ogico-formal e, com ela, a explos˜ao foi aceita como uma propriedade l´ogica

32

Este denomina¸c˜ao foi cunhada por Russell.

33

Ainda que os estoicos n˜ao tivessem uma formula¸c˜ao ´unica de implica¸c˜ao, esta defini¸c˜ao coincide com a posi¸c˜ao defendida por Filo de M´egara (300 a.C). Cf. [41], pp. 128-32.

34

(28)

elementar.

1.2

Lei de n˜

ao-contradi¸c˜

ao

A discuss˜ao sobre a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao ´e, do ponto de vista l´ogico-formal, menos controversa ao longo da hist´oria. Esta lei foi aceita como evidente - ou uma verdade universal e necess´aria - por quase toda a hist´oria da l´ogica.

A formula¸c˜ao - e a defesa desta - remonta a Arist´oteles35. No entanto,

a caracteriza¸c˜ao e a validade destes argumentos s˜ao altamente duvidosas. Deste modo, ´e not´avel que, desde ent˜ao, n˜ao haja nenhum outro trabalho significativo que justifique adequadamente a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao e que, at´e o in´ıcio do s´eculo XX, esta lei seja aceita como princ´ıpio mais evidente e fundamental da l´ogica36.

Por curiosidade, note o que Avicena afirma sobre aquele que pretende refutar tal lei:

Quanto ao obstinado, deve-se atir´a-lo ao fogo, j´a que o fogo e o n˜ao-fogo s˜ao idˆenticos. Deixe-o sofrer, j´a que o sofrimento e o n˜ao-sofrimento s˜ao iguais. Deixe-o sem comer e beber, j´a que comer e beber s˜ao idˆenticos `a abstinˆencia37

.

Uma das primeiras cr´ıticas `a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao est´a em um artigo intitulado Sobre a Lei da contradi¸c˜ao em Arist´oteles38, publicado em 1910,

pelo l´ogico e fil´osofo polonˆes Lukasiewicz. Segundo este autor, o avan¸co da l´ogica moderna permite uma an´alise pormenorizada das chamadas leis fundamentais da l´ogica e, da mesma forma que uma an´alise cuidadosa da

35

Os argumentos a seu favor encontram-se naMetaf´ısica, livroγ. Cf. [3], vol. 2.

36

Arist´oteles afirma que “esse princ´ıpio ´e o mais seguro de todos”. Cf. [3], vol. 2, 1005b19-20.

37

[37].

38

(29)

geometria euclidiana deu origem `as geometrias n˜ao-euclidianas, esta an´alise possibilita o surgimento de sistemas l´ogicos n˜ao-aristot´elicos.

Caso tais leis fossem provadas fundamentais, ao menos seriam estabeleci-das as rela¸c˜oes - de dependˆencia ou outras - entre elas. Al´em disso, o autor questiona quais as justificativas para aceitar uma lei como fundamental ou irrefut´avel.

Esse artigo se prop˜oe a analisar a defini¸c˜ao e defesa da lei de contradi¸c˜ao apresentada por Arist´oteles, principalmente, no livro γ daMetaf´ısica. Luka-siewicz afirma que h´a trˆes formula¸c˜oes diferentes para a lei de n˜ao contradi¸c˜ao na Metaf´ısica de Arist´oteles, a saber: psicol´ogica, ontol´ogica e l´ogica. Foca-remos na formula¸c˜ao l´ogica.

De acordo com o Estagirita, esta lei ´e fundamental e indemonstr´avel.

Portanto, todo os que demonstram alguma coisa remetem-se a essa no¸c˜ao ´

ultima porque, por sua natureza, constitui o princ´ıpio de todos os outros axiomas39

.

No entanto, ap´os afirmar isto, Arist´oteles apresenta v´arios argumentos para demonstrar tal lei.

Al´em dessa argumenta¸c˜ao aristot´elica n˜ao ser suficiente para defender sua posi¸c˜ao inicial, essa lei n˜ao ´e a mais fundamental nem mesmo na silog´ıstica aristot´elica. O princ´ıpio do silogismo ´e independente e anterior a tal lei, e isto ´e evidenciado pelo pr´oprio fil´osofo grego:

Que seja imposs´ıvel simultaneamente afirmar e negar, isso n˜ao ´e pressuposto por nenhuma demonstra¸c˜ao [silogismo], a menos quando a pr´opria conclus˜ao devesse demonstrar tal coisa. Isso, ent˜ao, demonstra-se na medida em que se sup˜oe ser verdadeiro predicar o primeiro termo do termo m´edio e n˜ ao-verdadeiro n˜ao predic´a-lo. Mas, no que diz respeito ao termo m´edio e tamb´em ao terceiro termo, n˜ao faz qualquer diferen¸ca supor que ele ´e e n˜ao ´e. Seja dado um objeto qualquer [por exemplo, C´alias], do qual se possa dizer com

39

(30)

verdade que ele ´e homem, apenas sendo homem um animal e n˜ao um n˜ ao-animal; ser´a, ent˜ao, verdadeiro predicar de C´alias que ele ´e um animal e n˜ao ´e um n˜ao-animal, ainda que homem fosse n˜ao-homem e C´alias fosse n˜ao-C´alias. A raz˜ao disso ´e que o primeiro termo vale n˜ao apenas do termo m´edio, mas tamb´em de outros objetos, uma vez que ele tem um ˆambito de aplica¸c˜ao maior [do que o termo m´edio], de modo que n˜ao faz qualquer diferen¸ca para a conclus˜ao que o termo m´edio seja e n˜ao seja o mesmo40

.

Portanto, um silogismo pode ser v´alido, mesmo que refute a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao. Lukasiewicz conclui dizendo que

deve-se rejeitar de uma vez por todas a opini˜ao falsa, ainda que muito di-fundida, segundo a qual a lei da contradi¸c˜ao ´e o princ´ıpio mais superior de toda demonstra¸c˜ao!41

O l´ogico polonˆes vai al´em, e defende que, tomada irrestritamente, a lei de nao-contradi¸c˜ao ´e simplesmente falsa. Seguindo Meinong, afirma que ob-jetos imposs´ıveis podem conter propriedades contradit´orias. A esse respeito, Meinong declara que

Russell p˜oe a verdadeira ˆenfase em que, atrav´es da aceita¸c˜ao de tais objetos [imposs´ıveis], a lei da contradi¸c˜ao perderia sua validade ilimitada. Natural-mente, eu n˜ao posso de modo algum deixar passar essa consequˆencia. (...) De fato, a lei da contradi¸c˜ao nunca foi aplicada por ningu´em a outra coisa que o real e o poss´ıvel42

.

Em seguida, Lukasiewicz ressalva que, por um lado, nunca teremos certeza de que constru¸c˜oes conceituais s˜ao isentas de contradi¸c˜ao - como mostra, por exemplo, o paradoxo de Russell - e, por outro, tampouco somos capazes de afirmar que nenhum objeto real contenha contradi¸c˜ao43.

40

[3], vol. 1, 77a10-22. Citado por [44], p. 17.

41

[44], p. 19.

42

[48], p. 16. Citado por [44], p. 24.

43

(31)

Este artigo, que pode parecer como uma cr´ıtica irremedi´avel `a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao termina, n˜ao obstante, de forma desapontadora. Ainda que n˜ao se trate de uma lei l´ogica fundamental e irrefut´avel, seria a “´unica arma contra o engano e a mentira”44, visto que, se fosse refutada completamente,

um acusado de assassinato n˜ao conseguiria provar sua inocˆencia, j´a que provar que n˜ao cometeu o assassinato n˜ao seria suficiente para refutar a acusa¸c˜ao de que ele ´e o assassino.

Posteriormente, analisaremos outra cr´ıtica `a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao. Esta posi¸c˜ao ´e denominada dialeteismo, e defende a existˆencia de contradi¸c˜oes verdadeiras. Portanto, ao menos uma formula¸c˜ao da lei de n˜ao-contradi¸c˜ao, que assevera que toda contradi¸c˜ao ´e falsa, ´e considerada errˆonea.

44

(32)

Aspectos Filos´

oficos

In formal logic, a contradiction is the signal of defeat, but in the evolution of real knowledge it

marks the first step in progress towards a victory.

- Alfred North Whitehead

Este cap´ıtulo constitui o centro do trabalho. Come¸caremos demons-trando, no n´ıvel proposicional, a independˆencia dos conceitos discutidos an-teriormente. Ainda que se trate de uma prova formal, este resultado tem importantes consequˆencias filos´oficas, como veremos adiante. O restante do cap´ıtulo lidar´a com os aspectos filos´oficos das l´ogicas paraconsistentes.

2.1

Independˆ

encia formal entre a lei de n˜

ao-contradi¸c˜

ao e o princ´ıpio de explos˜

ao

Iremos demonstrar que os princ´ıpios de n˜ao-contradi¸c˜ao e de explos˜ao s˜ao logicamente independentes. Para isso, apresentaremos dois sistemas

(33)

l´ogicos. O primeiro refuta o princ´ıpio de explos˜ao, mas mant´em a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao como uma verdade l´ogica. O segundo, por sua vez, ´e explosivo e, no entanto, refuta a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao. Esse resultado ´e fundamental, pois a rela¸c˜ao entre essas duas ideias ´e comumente confundida no estudo das l´ogicas paraconsistentes, e boa parte das cr´ıticas a esses sistemas ´e fruto desta confus˜ao.

Em primeiro lugar, estabeleceremos as no¸c˜oes comuns aos dois sistemas. Em seguida, definiremos os conceitos particulares de cada sistema e, por fim, demonstraremos a independˆencia dos princ´ıpios estudados.

2.1.1

Linguagem Proposicional

Os s´ımbolos primitivos deL s˜ao os seguintes:

1. Operadores L´ogicos:

(i) Nega¸c˜ao: ¬ ;

(ii) Conjun¸c˜ao: ∧;

(iii) Disjun¸c˜ao: ∨ ;

2. Vari´aveis Proposicionais

Utilizaremosx1, x2, x3..., y1, y2, y3...para vari´aveis proposicionais.

Con-sideraremos V ar o conjunto de todas essas vari´aveis.

3. (S´ımbolos Auxiliares)

Utilizaremos parˆenteses para evitar poss´ıveis ambiguidades e indicar, de forma an´aloga `as opera¸c˜oes matem´aticas, a ordem a ser seguida nas opera¸c˜oes l´ogicas. Quando n˜ao houver risco de confus˜ao, os parˆenteses ser˜ao omitidos1.

1

(34)

Defini¸c˜ao 2.1.1 Uma l´ogica L ´e uma estrutura L=hFL,|=Li tal que: (i) FL ´e um conjunto, cujos elementos s˜ao chamados f´ormulas de L; (ii)|=L ´e uma rela¸c˜ao em℘(FL)×FL chamada rela¸c˜ao de consequˆ en-cia2 de L.

Notem que estamos utilizando uma no¸c˜ao abstrata de l´ogica3. N˜ao

esta-mos fixando um conjunto espec´ıfico, tampouco estaesta-mos imponto restri¸c˜oes `a rela¸c˜ao de consequˆencia. Esta defini¸c˜ao permite-nos estabelecer um pano de fundo comum para estudar sistemas l´ogicos diferentes.

Defini¸c˜ao 2.1.2 (i) Toda vari´avel proposicional ´ef´ormula;

(ii) Se α e β s˜ao f´ormulas4, ent˜ao ¬α,(αβ),(αβ), tamb´em o s˜ao.

Passemos, ent˜ao, `as caracter´ısticas particulares de cada sistema

2.1.2

ogica de Paradoxos (

LP

)

Esta l´ogica foi criada por Priest5como uma forma de lidar com o paradoxo

do mentiroso, e como a l´ogica subjacente ao dialeteismo6. A formaliza¸c˜ao de

LP ´e constru´ıda a partir dos seguintes conceitos.

Defini¸c˜ao 2.1.3 Seja {1,0} o conjunto cujos elementos s˜ao ditos valores de verdade7 e F o conjunto das f´ormulas. Uma valora¸c˜ao ´e uma rela¸c˜ao

2

Esta rela¸c˜ao determina, a partir de um conjunto de senten¸cas, quais as senten¸cas que formam o conjunto de consequˆencias do conjunto original.

3

Esta defini¸c˜ao abstrata de l´ogica pertence ao escopo da L´ogica Universal, que ser´a discutida adiante, e foi formulada por Beziau. Cf. [9].

4

As letras gregas denotam vari´aveis metalingu´ısticas para f´ormulas. Da mesma forma, ∆ denota um conjunto qualquer de f´ormulas. Os s´ımbolos⇔e⇒representam, respecti-vamente, equivalˆencia e implica¸c˜ao metalingu´ıstica.

5

Cf. [52].

6

Ambos ser˜ao discutidos adiante.

7

(35)

v ⊂ V ar × {1,0}, tal que dom(R) = F. Isso significa que, para uma dada f´ormula α, podemos ter v(α,1), v(α,0), ou ambos8.

Defini¸c˜ao 2.1.4 A defini¸c˜ao de consequˆencia l´ogica de LP ´e a mesma que a da l´ogica cl´assica, isto ´e, uma inferˆencia ´ev´alida se e somente se n˜ao h´a valora¸c˜ao em que suas premissas s˜ao verdadeiras, e a conclus˜ao falsa. Formalmente, dados um conjunto ∆ de f´ormulas, e uma f´ormula α, temos que ∆ |=LP α se e somente se, para todo v (se v(β,1), para todo β ∈ ∆, ent˜ao v(α,1)).

Cada f´ormula pode ter seu valor de verdade definido recursivamente, a partir das seguintes condi¸c˜oes:

(i) v(¬α,1)⇔v(α,0); (ii) v(¬α,0)⇔v(α,1);

(iii) v(α∧β,1)⇔v(α,1) e v(β,1);

(iv) v(α∧β,0)⇔v(α,0) ouv(β,0), ou ambos; (v) v(α∨β,1)⇔v(α,1) ou v(β,1);

(vi) v(α∨β,0)⇔v(α,0) e v(β,0).9

Com esse aparato, podemos provar que esta l´ogica n˜ao ´e explosiva e, no entanto, preserva a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao.

Proposi¸c˜ao 2.1.1 O Princ´ıpio de n˜ao-contradi¸c˜ao n˜ao implica o princ´ıpio de explos˜ao.

Prova. Suponha que v(α,1), v(¬α,1) e v(β,0). Sendo assim, temos que v(α∧ ¬α,1)10, mas v(β,0). Isso ´e o suficiente para mostrar que o princ´ıpio

8

Quando v(α,1) ev(α,0), dizemos queα´e verdadeira e falsa.

9

Notem que as condi¸c˜oes para os conectivos s˜ao as mesmas da l´ogica cl´assica. As valora¸c˜oes s˜ao diferentes apenas porque n˜ao aceitamos o pressuposto - impl´ıcito na l´ogica cl´assica - de que verdade e falsidade s˜ao exclusivas. Em outras palavras, LP aceita a possibilidade de uma mesma f´ormula ser verdadeira e falsa.

10

(36)

de explos˜ao n˜ao vale, ou seja, (α,¬α) 2LP β. No entanto, pelo comporta-mento da nega¸c˜ao, se v(α∧ ¬α,0), ent˜ao v(¬(α∧ ¬α),1)11. Isso significa

que a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao continua sendo uma verdade l´ogica (ainda que algumas de suas instˆancias tamb´em sejam falsas). Portanto, o princ´ıpio de n˜ao-contradi¸c˜ao n˜ao implica o princ´ıpio de explos˜ao ou, dito de outra forma, refutar a explos˜ao n˜ao implica refutar o princ´ıpio de n˜ao contradi¸c˜ao.

2.1.3

ogica de Lacunas (

gaps

) (

LG

)

Este sistema l´ogico foi criado apenas como um instrumento para estabe-lecer o objetivo desta se¸c˜ao. Trata-se de uma restri¸c˜ao da l´ogica FDE (first degree entailment)12.

A principal diferen¸ca conceitual entre essa l´ogica e aLP est´a na defini¸c˜ao de valora¸c˜ao. No sistema LG, uma uma valora¸c˜ao ´e uma rela¸c˜ao v ⊂

V ar × {1,0}, tal que se v(α,u) e v(α,v), ent˜ao u = v. Isso significa que podemos ter v(α,1), v(α,0), ou nenhuma13, mas n˜ao ambas14.

A defini¸c˜ao de consequˆencia l´ogica, bem como as defini¸c˜oes recursivas dos conectivos mant´em-se as mesmas do sistema anterior.

Proposi¸c˜ao 2.1.2 O princ´ıpio de explos˜ao n˜ao implica o princ´ıpio de n˜ao-contradi¸c˜ao.

Prova. Para provarmos o enunciado acima, devemos mostrar queLG ´e um sistema explosivo e, no entanto, refuta o princ´ıpio de n˜ao-contradi¸c˜ao. Su-ponha que v(α,∅)15. Sendo assim, v(¬α,). Portanto, (α,¬α) |=

LG β, para qualquerβ. Isso mostra queLG´e explosiva, i.´e., de premissas contradit´orias,

11

Bem comov(¬(α∧ ¬α),0).

12

Cf. [27].

13

Neste caso,αpode ser interpretada como n˜ao sendo verdadeira, nem falsa.

14

EmFDE, n˜ao ´e exclu´ıda a possibilidade de uma mesma f´ormula ser verdadeira e falsa. Neste sentido, LG´e uma restri¸c˜ao deFDE.

15

(37)

´e poss´ıvel deduzir qualquer conclus˜ao pois, visto que n˜ao h´a valora¸c˜ao em que as premissas sejam verdadeiras, e a conclus˜ao, falsa, o argumento ´e v´alido, independende deβ. No entanto, a mesma valora¸c˜ao demonstra que¬(α∧¬α) n˜ao ´e tautologia, j´a que v(¬(α∧ ¬α),∅). Logo, em LG vale o princ´ıpio de explos˜ao, mas n˜ao vale a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao.

Em resumo, no sistema LP, vale a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao, mas n˜ao vale o princ´ıpio de explos˜ao. Em LG, por sua vez, vale a explos˜ao, mas a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao ´e preservada. A constru¸c˜ao desses dois sistemas prova que os princ´ıpios l´ogicos em quest˜ao s˜ao independentes.

2.2

Paraconsistˆ

encia

Apesar da cr´ıtica `a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao apresentada no cap´ıtulo ante-rior, Lukasiewicz n˜ao formula um sistema l´ogico que a refute. As origens da ideia de paraconsistˆencia s˜ao d´ubias16.

Em 1910, Vasiliev, aluno de Lukasiewicz, criou a l´ogica imagin´aria17,

para lidar com mundos imagin´arios, ou seja, mundos nos quais a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao seria inv´alida. Ainda que esta l´ogica seja paraconsistente, isto se d´a indiretamente, da mesma forma que a silog´ıstica aristot´elica ´e para-consistente. Isso significa que Vasiliev n˜ao criou deliberadamente uma l´ogica n˜ao-explosiva, mas que esta propriedade ´e uma mera consequˆencia de sua l´ogica imagin´aria.

As primeiras l´ogicas evidentemente paraconsistentes surgiram pratica-mente de formas simultˆanea e independente. Em 1948, o l´ogico Polonˆes Jaskowski desenvolveu o que ele chamou de l´ogica discursiva18, para lidar

16

Cf. [45], pp. xxiii-vi, para uma an´alise da polˆemica acerca dos criadores da l´ogica paraconsistente

17

O nome ´e uma referˆencia `a geometria imagin´aria - ou n˜ao-euclidiana - desenvolvida por Lobatchevski. Cf. [4].

18

(38)

com situa¸c˜oes que envolviam informa¸c˜oes inconsistentes. No final da d´ecada de 50, o americano David Nelson tamb´em discute a importˆancia de l´ogicas inconsistentes e n˜ao-triviais, e contr´oi um sistema que modele tais situa¸c˜oes19.

Em 1963, o l´ogico brasileiro Newton da Costa publica Sistemas Formais Inconsistentes20, tamb´em apresentando uma l´ogica paraconsistente, chamada

de C1. No entanto, com o passar dos anos, da Costa desenvolveu extens˜oes

deC1 para a l´ogica de primeira ordem e teoria de conjuntos. Isto porque este

considera que

um sistema l´ogico, para realmente constituir uma l´ogica, deve ser desenvol-vido ao menos at´e incluir quantifica¸c˜ao e igualdade, dado o papel da l´ogica na articula¸c˜ao de sistemas conceituais. E, nesse ponto, (...) [da Costa] parece ter sido o primeiro l´ogico a fazer isto com l´ogica paraconsistente21

.

A d´uvida a respeito do criador da l´ogica paraconsistente surge, em parte, pela pr´opria carˆencia de uma defini¸c˜ao precisa de paraconsistˆencia. Geral-mente, ao definir tal l´ogica, determina-se uma propriedade negativa que esta deve possuir, como n˜ao-explos˜ao22; n˜ao-consistˆencia e n˜ao-trivialidade23; ou

possuindo uma nega¸c˜ao n˜ao-explosiva24. Sendo assim, n˜ao h´a uma defini¸c˜ao

positiva de paraconsistˆencia25.

Desta forma, chega-se a resultados estranhos, como a afirma¸c˜ao de que a silog´ıstica aristot´elica ´e paraconsistente ou, ainda, que a l´ogica minimal tamb´em o ´e. Isto permite, tamb´em, que alguns l´ogicos defendam que n˜ao existem l´ogicas paraconsistentes26.

Enquanto n˜ao se encontrar uma defini¸c˜ao positiva e precisa para tais l´ogicas, estes problemas permaneceram abertos e, entre eles, a discuss˜ao

19

[50].

20

[19].

21

[16], p. 112.

22

Cf. [53].

23

Cf. [39], [19].

24

Cf. [10].

25

Para algumas poss´ıveis defini¸c˜oes positivas da l´ogica paraconsistente, cf. [10], pp.7-12.

26

(39)

acerca do primeiro inventor da l´ogica paraconsistente.

A discuss˜ao se torna filosoficamente interessante quando se leva em conta as raz˜oes para se utilizar - ou defender - uma l´ogica paraconsistente. E essas motiva¸c˜oes est˜ao presentes na pr´opria nomenclatura desta l´ogica.

O prefixo ‘para’ em inglˆes tem dois significados: ‘quase’ (...) ou ‘al´em de’. Quando o termo ‘paraconsistente’ foi cunhado por Mir´o Quesada, (...) em 1976, ele parece ter tido o primeiro sentido em mente. Muitos l´ogicos para-consistentes, no entanto, entenderam o termo na sua segunda acep¸c˜ao27

.

H´a v´arios exemplos de situa¸c˜ao em que o uso da l´ogica paraconsistente ´e desej´avel. Basta que tenhamos uma teoria - ou conjunto de informa¸c˜oes - inconsistente e precisemos - ou desejemos - fazer inferˆencias n˜ao-triviais a partir deste conjunto. Isso ocorre comumente em bancos de dados de um sistema computacional.

Temos, tamb´em, teorias cient´ıficas notadamente inconsistentes. A Teoria Atˆomica de Bohr prevˆe que haja el´etrons orbitando o n´ucleo de um ´atomo sem radiar energia. No entanto, de acordo com as equa¸c˜oes de Maxwell - que s˜ao explicitamente incorporadas na teoria de Bohr - um el´etron orbitante deve radiar energia. Claramente, trata-se de uma teoria inconsistente que, ainda assim, n˜ao permite inferir que el´etrons sejam bolas de gude coloridas (o que seria poss´ıvel, caso a l´ogica utilizada fosse cl´assica e, portanto, explosiva). Destarte, esta teoria exige o uso de uma l´ogica paraconsistente. De forma an´aloga, a mecˆanica newtoniana ´e inconsistente com os dados observacionais acerca do peri´elio de Merc´urio.

Encontramos outros exemplos tamb´em na hist´oria da matem´atica. As primeiras formula¸c˜oes do c´alculo de Newton e Leibniz eram inconsistentes - e isto era reconhecido na ´epoca, como mostram as cr´ıticas de Berkeley a essas teorias. Ao calcular derivadas, os infinitesimais eram considerados ora como nulos, ora como n˜ao-nulos28.

27

[59].

28

(40)

Apesar disto, ´e fundamental notar que, em nenhum desses casos, as con-tradi¸c˜oes s˜ao interpretadas como essenciais. Dito de outra forma, a princ´ıpio, ´e poss´ıvel exclu´ı-las dos bancos de dados; assim como rever ou rejeitar as teorias cient´ıficas inconsistentes. N˜ao obstante, nem sempre ´e claro como excluir ou remodelar as informa¸c˜oes inconsistentes. Ademais, como con-sistˆencia n˜ao ´e decid´ıvel em teorias complexas, tampouco teremos a certeza de ter alcan¸cado o objetivo proposto. Portanto, nesses casos, o uso de l´ogica paraconsistente ´e altamente desej´avel.

Em suma, um l´ogico paraconsistente pode utilizar este tipo de l´ogica por quest˜oes pr´aticas, por falta de uma melhor op¸c˜ao ou, at´e mesmo, pelo interesse intr´ınseco de algumas teorias cient´ıficas consideradas falsas, sem considerar as informa¸c˜oes inconsistentes verdadeiras. Nesses casos, a mo-tiva¸c˜ao est´a relacionada ao primeiro sentido da palavra paraconsistˆencia, ou seja, uma l´ogica paraconsistente ´e quase consistente.

2.2.1

Dialeteismo

Outrossim, h´a l´ogicos que defendem a existˆencia de contradi¸c˜oes verda-deiras; estas s˜ao chamadas de dialeteias. Esta posi¸c˜ao ´e conhecida como dialeteismo. Esses termos foram criados por Priest e Routley29.

A inspira¸c˜ao para o nome foi uma passagem deRemarks on the Foundations of Mathematics, do Wittgenstein, onde ele descreve a senten¸ca do mentiroso (...) como uma figura de Janus cujas cabe¸cas voltam-se tanto para a verdade quanto para a falsidade. Assim, uma di-aleteia ´e uma verdade de duas vias30

.

Vejamos, precisamente, o que significa dialeteia. Afirmar que h´a con-tradi¸c˜oes verdadeiras significa, essencialmente, defender que h´a proposi¸c˜oes α,¬α, tal que ambas s˜ao verdadeiras (e falsas). A partir da conjun¸c˜ao, te-mos que (α ∧ ¬α) ´e verdadeira. Se uma proposi¸c˜ao α tivesse apenas um

29

[57], p. xx.

30

(41)

valor de verdade, sua nega¸c˜ao tamb´em teria apenas um valor e, pela regra da conjun¸c˜ao, a proposi¸c˜ao (α∧ ¬α) n˜ao poderia ser verdadeira. Portanto, defender que h´a contradi¸c˜oes verdadeiras ´e uma consequˆencia da cren¸ca na existˆencia de senten¸cas tais que elas e suas respectivas nega¸c˜oes s˜ao ambas verdadeiras (e falsas).

´

E fundamental perceber que dialeteismo ´e diferente de trivialismo. O primeiro afirma que algumas contradi¸c˜oes s˜ao verdadeiras, ao passo que um trivialista defende que todas as contradi¸c˜oes s˜ao verdadeiras ou, de forma an´aloga, que tudo ´e verdade. Boa parte das cr´ıticas ao dialeteismo incorre nessa falta de distin¸c˜ao.

Apesar de defender a existˆencia de contradi¸c˜oes, uma l´ogica dialeteica n˜ao refuta, necessariamente, a lei de n˜ao-contradi¸c˜ao. Basta notar que, na l´ogica LP, apresentada acima, esta lei ´e uma verdade l´ogica. N˜ao obstante, odialeteismo refuta a interpreta¸c˜ao da lei de n˜ao-contradi¸c˜ao que afirma que ´e imposs´ıvel uma contradi¸c˜ao ser verdadeira.

´

E claro que, se um l´ogico defende o dialeteismo, ele utilizar´a algum tipo de l´ogica paraconsistente; o inverso, por´em, n˜ao ´e necess´ario. Assim, o dia-leteismo se ap´oia na segunda acep¸c˜ao de paraconsistˆencia, isto ´e, se prop˜oe a ir al´em da consistˆencia.

Novamente, as coisas ficam interessantes quando analisamos as motiva¸c˜oes para o dialeteismo. H´a algumas situa¸c˜oes que indicariam a existˆencia de dialeteias. Essas situa¸c˜oes podem ser divididas, de forma geral, em duas categorias: reais e abstratas.

O primeiro caso envolveria a existˆencia de contradi¸c˜oes verdadeiras no mundo real. Por exemplo, ao sentar, h´a um exato momento em que estou sentado e de p´e, isto ´e, n˜ao-sentado. Ou ainda, ao entrar em uma sala, em determinado momento, estou dentro e fora dela.

(42)

2.2.2

Paradoxos

Tome M como o nome da seguinte senten¸ca: “A senten¸ca M ´e falsa”. M ´e verdadeira ou falsa? Se for verdadeira, ent˜ao o que ela afirma ´e o caso. Mas, como ela afirma que ela pr´opria ´e falsa,M ´e falsa. Por outro lado, seM for falsa, ent˜ao o que ela afirma n˜ao ´e o caso. Sendo assim, M ´e verdadeira. Ou seja, seM ´e verdadeira, ´e falsa; seM ´e falsa, ´e verdadeira. Este paradoxo ´e conhecido como paradoxo do Mentiroso, atribu´ıdo a Eubulides, do s´eculo IV a.C.

Vejamos outro paradoxo: alguns conjuntos s˜ao elementos de si mesmo, outros n˜ao. Assim, o conjunto das ideias abstratas ´e elemento de si mesmo, ao passo que o conjunto de bolas de gude n˜ao o ´e. Tomemos, agora, o conjunto Rdos conjuntos que n˜ao s˜ao elementos de si mesmo. Formalmente, R = {x : x /∈ x}. R pertence ou n˜ao a este conjunto? Se R ´e elemento de si mesmo, ele n˜ao pertence a este conjunto, pois seus elementos n˜ao s˜ao elementos de si mesmo. Por outro lado, se R n˜ao ´e elemento de si mesmo, ele preenche os requisitos para pertencer a R, isto ´e, n˜ao ser elemento de si mesmo. Destarte, se R pertence a R, R n˜ao pertence a R; e, se R n˜ao pertence a R, ent˜ao ele pertence a R. Portanto, R ∈ R ⇔ R /∈ R. Este paradoxo foi formulado por Russell e, dessa forma, recebe o nome de seu autor31.

Alguns autores dividem esses paradoxos em duas categorias: paradoxos da teoria de conjuntos e paradoxos semˆanticos. A despeito do que eles possam ter de diferentes, vejamos suas semelhan¸cas.

Todos esses casos partem de princ´ıpios aparentemente evidentes e, por meio de argumentos v´alidos, chegam a contradi¸c˜oes. O que h´a de errado com eles? Essa pergunta foi feita durante toda a hist´oria, e v´arias solu¸c˜oes foram propostas.

31

(43)

Comecemos nossa an´alise pela pr´opria defini¸c˜ao de paradoxo. Segundo Sainsbury, trata-se de “uma conclus˜ao aparentemente inaceit´avel, derivada atrav´es de argumentos aparentemente aceit´aveis, de premissas aparentemente aceit´aveis”32.

H´a v´arias tentativas de resolver esses paradoxos. Fixemos-nos no para-doxo do mentiroso. De acordo com o dialeteismo, o paradoxo do mentiroso ´e v´alido, isto ´e, suas premissas, regras de inferˆencias e conceitos envolvidos devem ser aceitos. Sendo assim, como o dialeteismo pode considerar o para-doxo do mentiroso como, de fato, um parapara-doxo, visto que n˜ao o resolve do modo tradicional? Ademais, o que significa resolver um paradoxo?

Segundo Armour-Garb33, toda solu¸c˜ao proposta implica em diagnosticar

o paradoxo, isto ´e, identificar e rejeitar as premissas ou regras de inferˆencia inv´alidas envolvidas na argumenta¸c˜ao, ou realizar uma an´alise conceitual que evidencie um mau uso dos conceitos envolvidos que nos levou a uma conclus˜ao inaceit´avel, e reformule tais conceitos. O autor segue a classifica¸c˜ao de Schif-fer34 sobre os poss´ıveis diagn´osticos de um paradoxo usualmente propostos:

i)Happy-face solution

Partindo do pressuposto que as proposi¸c˜oes envolvidas no paradoxo s˜ao mutuamente incompat´ıveis, deve-se identificar as premissas ou regras de in-ferˆencia a serem rejeitadas; explicar por que elas devem ser rejeitadas, al´em de esclarecer por que fomos levados a aceit´a-las.

O paradoxo do barbeiro35, por exemplo, recebe este tipo de solu¸c˜ao. Neste

caso, prova-se que a existˆencia do barbeiro ´e logicamente imposs´ıvel, ou seja, identifica-se a premissa a ser rejeitada.

32

[63], p. 1.

33

Cf. [2].

34

Cf. [65].

35

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