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A FILIAÇÃO EM FACE DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

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Academic year: 2022

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A FILIAÇÃO EM FACE DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Elizandra Mara da Silva1

Resumo: O presente artigo, desenvolvido sob o método indu- tivo, trata das partes envolvidas no processo de paternidade- filiação, frente aos avanços da ciência em decorrência das no- vas técnicas de reprodução humana medicamente assistida.

Vindo a atentar para as dúvidas surgidas com este novo pro- cedimento e seus reflexos na sociedade jurídica brasileira.

Palavras-chaves: Reprodução medicamente assistida; Técni- cas de reprodução humana; Filiação.

Abstract: The present article, developed under the inductive method, deals with the involved parts in the paternity- filiation process, front to the advances of science in result of the new techniques of reproduction human being medicate attended. Come to attempt for the doubts appeared with this new procedure and its consequences in the Brazilian legal society.

1 Bacharel em Direito, pós-graduada em Direito Material e Processual Civil. Formada pela Esco- la Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC.

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Key words : Reproduction medicate attended; Reproduction techniques human being; Filiation.

Sumário:1 – Introdução – 2 Reprodução medicamente as- sistida: 2.1 Inseminação artificial homóloga e heteróloga; 2.2 Técnicas de reprodução humana: 2.2.1 Inseminação artifi- cial; 2.2.2 Fertilização in vitro; 2.2.3 Transferência uterina de zigoto (ZUT); 2.2.4 Transferência intratubária de gametas (GIFT); 2.2.5 Transferência de zigoto nas trompas de Falópio (ZIFT) – 3 Filiação em face da reprodução assistida: 3.1 Fi- liação biológica; 3.2 Filiação afetiva; 3.3 Maternidade; 3.4 Paternidade – 4 Conclusão – Referências.

1 Introdução

As inúmeras inovações na área biomédica, ocorridas nos últimos tempos, proporcionaram um grande poder de interven- ção sobre o homem, principalmente no que se refere às técnicas de reprodução assistida, as quais consistem num conjunto de técnicas que favorecem a fecundação com o objetivo de com- bater a infertilidade.

As novas técnicas utilizadas para a procriação assistida tra- zem consigo questões que desafiam a bioética e o biodireito na busca por soluções éticas e jurídicas que protejam a vida e a dignidade humana.

Essas técnicas possibilitam o surgimento da filiação para pessoas que não possam ter filhos pelos métodos convencio- nais, contudo, devem ser utilizadas de acordo com parâmetros éticos.

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Pretende-se, através do tema, fazer uma análise sobre as téc- nicas de procriação assistida e analisar a situação paterno-filial da pessoa concebida artificialmente, tendo em vista que o siste- ma jurídico brasileiro não responde aos questionamentos trazi- dos pela reprodução humana medicamente assistida.

Até a presente data não há lei que regule a utilização das técnicas reprodutivas no Brasil, havendo, em termos de regula- mentação, apenas a Resolução nº 1.358/92, do Conselho Fede- ral de Medicina, que estabeleceu alguns princípios básicos so- bre a matéria.

2 Reprodução medicamente assistida

A Reprodução Humana Assistida caracteriza-se pela interven- ção do homem no processo de procriação natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas que tenham problemas de infertilidade e esterilidade consigam alcançar a maternidade ou paternidade.

Cabe esclarecer que, de acordo com Thomas Lathrop Stedman, esterilidade é “a incapacidade de fertilização ou re- produção” (1996:1229), e a infertilidade é uma “esterilidade relativa” (1996:648), esclarecendo que a primeira é irreversível, o que não ocorre com a segunda, porém a maioria dos autores não fazem distinção entre estas expressões2.

A procriação artificial humana é um tema polêmico, do qual surgem debates éticos e jurídicos, pois interfere no processo de procriação natural do ser humano.

2 Apesar de se reconhecer a diferença entre as duas expressões, como são consideradas doen- ças, serão utilizadas no presente artigo como sinônimos.

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As inovações tecnológicas no campo das ciências médicas e biológicas trouxeram um grande poder de intervenção sobre a vida, refletindo-se no campo da reprodução humana, propici- ando, assim, o surgimento das técnicas de reprodução assisti- da, as quais têm por objetivo o combate à infertilidade.

Através do avanço científico, várias técnicas de insemina- ção artificial vêm sendo utilizadas, visando possibilitar a vi- tória da ciência diante da impossibilidade humana no que se refere à procriação.

2.1 Inseminação artificial homóloga e heteróloga

Existem dois tipos de reprodução assistida, a homóloga e a heteróloga.

De acordo com Tycho Brahe Fernandes (2000:57), a fecun- dação é homóloga quando

o óvulo utilizado na fecundação é originário da mu- lher que irá gestar e será a mãe socioafetiva da cri- ança concebida, e o espermatozóide é do esposo ou companheiro daquela mulher. Estas técnicas, sejam as de fecundação in vivo, sejam as de fecundação in vitro, são chamadas de homólogas.

Dessa forma, pode-se afirmar que fecundação homóloga é aquela na qual utiliza-se o material genético do casal, enquanto na heteróloga é empregado o material genético de outra pes- soa, e divide-se em três tipos “a matre, quando o gameta doa- do for o feminino, a patre, quando se tratar de doação de gameta masculino, ou total, quando os gametas utilizados na fecunda-

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ção, tanto os masculinos quanto os femininos, são de doado- res” (2000:58).

Quando tornar-se inviável a fecundação na mulher que virá a ser a mãe socioafetiva da criança a ser gerada, seja por fecunda- ção in vivo ou in vitro, há, ainda, uma técnica alternativa que consiste na sub-rogação de um útero. Essa técnica também é co- nhecida como “barriga de aluguel” ou maternidade substituta.

2.2 Técnicas de reprodução humana3

As técnicas de reprodução assistida são realizadas basica- mente de duas maneiras: através da fecundação que se dá in vivo, ou seja, no próprio organismo feminino, como, por exem- plo, a inseminação artificial, e através da fertilização in vitro, ou seja, aquela que ocorre fora do organismo feminino, em la- boratório.

2.2.1 Inseminação artificial

A inseminação artificial (fecundação in vivo) consiste na in- trodução de gametas masculinos no corpo da mulher por meio de uma transferência feita artificialmente, mediante uma serin- ga, por via transabdominal, ou mediante um cateter, por via trans- vaginal.

3 Os dados referentes às técnicas de reprodução humana foram retirados das seguintes obras:

PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais da bioética. 3. ed.

São Paulo: Loyola, 1991; MACHADO, Maria Helena. Reprodução humana assistida: aspectos éticos e jurídicos. Curitiba: Juruá, 2003.

E disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1854>. Acesso em: 21 jan. 2005.

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2.2.2 Fertilização in vitro

A fertilização in vitro é um processo mais elaborado. Con- siste em retirar os gametas, masculino e feminino, dos respecti- vos organismos, ocorrendo a fecundação em laboratório, em meio onde é reproduzido “artificialmente o ambiente da trom- pa de Falópio, onde a fertilização ocorre naturalmente e a cli- vagem prossegue até o estágio em que o embrião é transferido para o útero” (LEITE, Eduardo de Oliveira, 1995:41).

De acordo com Maria Helena Machado, “não existe limite biológico conhecido para o tempo de duração da conservação de um embrião. O embrião congelado poderá permanecer por cinco, dez anos ou séculos em hibernação” (2003:40).

Essa técnica compreende o desenvolvimento de várias eta- pas, como: a indução da ovulação, a punção folicular e cultura dos óvulos, coleta e preparação do esperma, completando-se com a inseminação e cultura dos embriões. Na ovulação nor- mal, ocorre a liberação de apenas um óvulo, com a indução, procura-se aumentar o número de óvulos, a fim de se conseguir maiores chances na obtenção de embriões.

Essa superovulação é realizada “a partir do segundo-quinto dia até o nono dia do ciclo menstrual, com medicamentos de atividade estimuladora da maturação ovular ou com hormônios (tais como gonadotropinas coriônicas humanas HCG) ou, ain- da, induz-se a maturação mais ou menos simultânea de um nú- mero maior de óvulo” (Maria Helena Machado, 2003:41 e 42).

Uma das desvantagens na utilização dessa técnica é a ocor- rência de gravidez múltipla.

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Na gravidez por meios normais, a possibilidade de nascerem gêmeos é de 1%, os trigêmeos surgem a cada dez mil gestações e os quadrigêmeos, a cada dez milhões. Com a utilização da ferti- lização assistida, segundo o médico Luiz Fernando Dale, especi- alista em reprodução humana, pelas estatísticas norte-america- nas, a incidência de nascimento de gêmeos é de 20%, de trigêmeos de 4%, e quadrigêmeos de 1%4.

Existem três modalidades de utilização da fertilização in vitro:

a doação de óvulo, a doação de embrião e o empréstimo de útero.

Na doação de óvulo a mãe uterina não é a mãe biológica e o pai civil é o pai biológico. Giovanni Leone e Floriana Germana informam que “a possibilidade de criar bancos de óvulo, analo- gamente aos bancos de sêmen, encontra-se envolvida com difi- culdades técnicas ligadas ao congelamento do óvulo (em verda- de, as dificuldades técnicas estão ligadas ao momento do des- congelamento)” (1987:1.178).

Já na doação de embrião tanto o pai civil quanto a mãe uterina não são os pais biológicos. A Resolução nº 1.358/92, do Con- selho Federal de Medicina, em seu artigo 3º, VI, limitou em quatorze dias o tempo máximo de desenvolvimento de pré- embriõesin vitro e no seu art. 6º, I, considerou que o número ideal de pré-embriões a serem transferidos não deve ser superi- or a quatro.

Quanto maior o número de embriões a serem transferidos para o útero, maior será a probabilidade de obtenção da gesta- ção e de nascimentos com vida, mas infelizmente enseja o sur- gimento dos chamados “embriões excedentários”.

4 Revista Manchete. O milagre da multiplicação, n. 2.382, ano 46, de 29.11.1997, p. 10.

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Na opinião de Reinaldo Pereira e Silva:

A doação destes embriões, bem como a dos embri- ões resultantes de testes diagnósticos, são hipóte- ses rigorosas de adoção pré-natal. Não se deve olvi- dar que os bancos de embrião, verdadeiros orfana- tos de nascituros, surgem em decorrência da fertili- zaçãoin vitro. São, pois, um problema, não uma so- lução. (1999:84).

Por fim, o empréstimo do útero ocorre quando a mulher é infértil e possui dificuldade de gestação. Aqui a mãe biológica não é a mãe uterina.

A maternidade substituta é uma técnica indicada para mulhe- res impossibilitadas de terem uma gestação normal, seja porque o útero materno não permite o desenvolvimento normal do ovo fe- cundado ou porque a gravidez apresenta um risco para a gestante.

No Brasil essa forma de procriação está prevista na Seção VII da Resolução nº 1.358/92, ao estabelecer que a sua utiliza- ção só poderá ocorrer desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética;

que a doadora temporária do útero deve ser parente até segun- do grau da doadora genética; e que a substituição não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

Não existe norma legal que ampare a sub-rogação do útero, nem que a proíba, a não ser a referida Resolução, a qual vincula os médicos, mas não as mães.

De acordo com esta Resolução, o “aluguel do útero” não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. Como afirma Heloisa

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Helena Barbosa: “estando em jogo o estado de filiação, a natu- reza do direito envolvido não admite qualquer negociação, mormente remunerada” (1993:88).

A maternidade substituta pode ocorrer de cinco maneiras diferentes.

Primeiramente, a “mãe portadora” limita-se a emprestar o seu útero para que uma criança seja gestada utilizando o poten- cial genético dos pais que serão os pais socioafetivos da crian- ça gerada.

Na segunda, a “mãe gestacional”, além de gestar, empresta seu material genético para ser fecundado com o sêmen do es- poso da futura mãe socioafetiva.

Em outra hipótese, a “mãe gestacional” gesta embriões ou gametas obtidos de terceiros doadores para aqueles que serão os pais socioafetivos.

Na opção seguinte, a “mãe gestacional” gesta um embrião obtido com a fecundação do sêmen do homem que será o pai socioafetivo da criança e de um óvulo doado.

E, por fim, tem-se a gestação sub-rogada de um óvulo da mãe que será a mãe socioafetiva com o sêmen de um terceiro doador.

2.2.3 Transferência uterina de zigoto (ZUT)5

Nessa modalidade o zigoto é transferido diretamente para o útero depois de 24 horas, contados do início da fecundação.

5 A sigla ZUT é formada pelas letras iniciais das palavras da expressão em inglês: zygote uterine transfer.

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Os resultados obtidos com sua utilização são menos satisfa- tórios, pois o embrião é colocado no útero, no estágio em que deveria encontrar-se na trompa de Falópio.

2.2.4 Transferência intratubária de gametas (GIFT)6 Idealizada pelo médico argentino Roberto Ash, no ano de 1984, a transferência intratubária de gametas é uma técnica mediante a qual, após a estimulação da ovulação, coleta e preparação do sê- men, os óvulos recolhidos são introduzidos em fino cateter junto com o material genético do cônjuge, sendo, em seguida, transferi- dos para as trompas de Falópio (Machado, Maria Helena, 2003:47).

É uma técnica intermediária entre a inseminação artificial e a fecundação in vitro, porque, nessa técnica, a fecundação é em ambiente artificial, enquanto na GIFT ocorre em seu ambiente natural.

A vantagem na utilização dessa técnica é a dos gametas se- rem transferidos diretamente para a trompa e não diretamente para o útero. E a desvantagem está na realização da punção folicular, que se faz por intermédio de celioscopia7, para a qual é necessária uma incisão abdominal, utilizando-se anestesia geral.

2.2.5 Transferência de zigoto nas trompas de Falópio (ZIFT)8

É a técnica de reprodução assistida mais artificial dentre

6 A sigla GIFT é formada pelas letras iniciais das palavras da expressão em inglês: gamete intrafallopian transfer.

7 Celioscopia é o exame endoscópico da cavidade abdominal depois de insuflada.

8 A sigla ZIFT é formada pelas letras iniciais das palavras da expressão em inglês: zigote intrafallopian transfer.

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todas. Aqui os gametas masculino e feminino são postos em contato, in vitro, em condições apropriadas para sua fusão, sendo o zigoto resultante transferido para o interior das trom- pas uterinas.

A diferença da ZIFT em relação à GIFT é que, na primeira, a fecundação se realiza fora do corpo da mulher, enquanto, na segunda, o encontro do óvulo com o espermatozóide, forman- do o embrião, ocorre nas trompas.

3 Filiação em face da reprodução assistida

A filiação pode ser definida como o vínculo existente entre pais e filhos. Para Silvio de Salvo Venosa (2004:276), o termo filiação “exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram”.

No dizer de Plácido e Silva, a expressão filiação:

deriva do latim filiatio (filiação), na terminologia jurí- dica é empregado para distinguir a relação de paren- tesco que se estabelece entre as pessoas que de- ram vida a um ente humano e este. A filiação, pois, é fundada no fato da procriação, pelo qual se eviden- cia o estado de filho, indicativo do vínculo natural ou consangüíneo, firmado entre o gerado e seus proge- nitores. É, assim, a indicação do parentesco entre os pais e os filhos, considerados na ordem ascensio- nal, destes para os primeiros, do qual também pro- cedem, em ordem inversa, os estados de pai (pater- nidade) e de mãe (maternidade) (1992:297).

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No Código Civil de 1916 a filiação biológica ou natural era classificada como: legítima ou ilegítima. Nos termos do revoga- do artigo 337 do Código Civil, legítimos eram os filhos concebi- dos na constância do casamento, ainda que anulado (artigo 217), ou mesmo nulo se houvesse sido contraído de boa-fé (artigo 221).

Assim, a legitimidade do filho decorria do vínculo matrimo- nial entre seus pais. Já os filhos nascidos fora do casamento eram denominados de ilegítimos. A filiação ilegítima classifi- cava-se em natural e espúria.

Eram considerados como naturais quando nascidos de pes- soas entre as quais não existisse impedimento matrimonial.

Quando verificado o impedimento, na época da concepção, os filhos gerados eram denominados espúrios, os quais comporta- vam duas classes: os adulterinos e os incestuosos.

Classificavam-se como adulterinos quando ambos os geni- tores ou um deles era casado com terceira pessoa à época da concepção, e eram caracterizados como incestuosos quando havia vínculo de parentesco natural, afim ou civil (oriundo da adoção) entre os pais.

O Código anterior, em seu artigo 358, proibia, de modo ex- presso, o reconhecimento dos filhos adulterinos ou incestuosos.

Com a promulgação da Constituição de 1988, a distinção entre as espécies de filiação deixou de existir. A Constituição estabeleceu o princípio da igualdade entre os filhos, indepen- dentemente da origem do relacionamento que os concebeu.

Atualmente todos os filhos são considerados iguais, inclusi- ve os filhos adotivos, especialmente em razão do artigo 227, § 6º da Constituição Federal: “Os filhos, havidos ou não da rela-

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ção do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

A Lei nº 7.841/89 revogou o artigo 358 do Código Civil de 1916, em face disso, deixou de existir qualquer óbice que coi- bisse o reconhecimento dos filhos.

A Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, afastou de vez qualquer diferença de tratamento entre os filhos, abrindo a possibilidade de o reconhecimento ser realizado por apenas um dos genitores, ou conjuntamente, por ambos, independentemente da origem da filiação.

De acordo com Arnaldo Rizzardo (2004:407):

não mais se exige a dissolução da sociedade conju- gal para o reconhecimento dos filhos. Embora casa- dos os pais, admite-se o registro, ou o reconheci- mento por outra forma, dos filhos havidos fora do matrimônio, eis que a lei não faz distinção quanto à época do reconhecimento.

Na Lei nº 8.560/92, que dispõe sobre Investigação de Pater- nidade, também não consta qualquer restrição quanto ao estado civil de quem efetiva o reconhecimento.

Assim, pode-se perceber que a legislação posterior à Cons- tituição de 1988 (Lei nº 8.069/90 e Lei nº 8.560/92) passou a regular a matéria em adequação ao princípio constitucional da igualdade.

O princípio constitucional da absoluta isonomia entre os fi- lhos foi decididamente acatado com o Código Civil de 2002, o

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qual repete em seu artigo 1.596 a regra constitucional, estabele- cendo que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibi- das quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Atualmente as conquistas médicas no setor da procriação alteram profundamente as estruturas habituais que juridicamente estabeleciam as relações humanas. No momento em que se se- parou o vínculo parental de hereditariedade cromossômica aba- lou-se toda a estrutura referente à filiação.

Assim, para se definir o direito à filiação ou o dever da fili- ação deve-se ter em mente que hoje a doutrina e a jurisprudên- cia consagram, além da filiação biológica, a filiação afetiva, também chamada de socioafetiva.

Pela atual orientação doutrinária, o pai ou a mãe não se defi- nem só pelos laços biológicos que os unem ao menor e sim pelo querer externado de ser pai ou mãe e por assumirem as responsabilidades e deveres em face da filiação.

Partindo dessa premissa, a filiação do nascituro concebido pelas técnicas reprodutivas, pode ser definida tanto pelo aspec- to biológico quanto pelo aspecto socioafetivo, levando-se em consideração sempre o melhor interesse da criança.

Segundo Fachin (1992:151),

não passava pelos muros da verdade jurídica a bus- ca da verdade biológica, e menos ainda da verdade socioafetiva (...) A superação desse sistema teve em mira precisamente a verdade da filiação, permitindo- se perquirir a verdadeira descendência genética. Esse movimento legislativo apercebeu-se de uma realida-

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de marcante: a verdadeira paternidade não pode se circunscrever na busca de uma precisa informação biológica; mais do que isso, exige uma concreta re- lação paterno-filial, pai e filho que se tratam como tal, onde emerge a verdade socioafetiva.

3.1 Filiação biológica

O desenvolvimento das biotecnologias, notadamente os tes- tes de DNA, são os responsáveis pela busca de maior verdade e transparência nas relações de filiação, pois estabelecem um maior amparo para identificar o momento de saber-se quem é o

“pai consangüíneo” da criança, atribuindo-lhe a responsabili- dade da paternidade, já não se permitindo mais que a criança fique sem pai declarado.

Assim, pelo sistema biológico, filho é aquele que detém os genes do pai, e uma vez reconhecida a identidade biológica entre pai e filho surgem para a criança novos direitos, como a possi- bilidade de passar a usar o nome do pai e demais direitos de cunho social como o direito a alimentos e à herança.

Arnaldo Rizzardo (2004:408) dá a seguinte definição:

biológica é denominada a filiação quando, como o nome indica, decorre das relações sexuais dos pais.

O filho tem o sangue dos pais – daí ser filho consan- güíneo.

Nesse sentido, a Lei 8.560/92 surgiu com o objetivo de faci- litar o reconhecimento dos filhos impondo as devidas respon- sabilidades aos pais biológicos e estabelecendo também o di-

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reito à assistência. Entre as inovações apresentadas por esta Lei está o reconhecimento voluntário e o procedimento oficioso.

A averiguação oficiosa parte do pressuposto do direito de origem do indivíduo de modo que havendo assento de registro de nascimento unicamente constando a origem materna caberá ao oficial remeter a certidão contendo os dados do suposto pai ao Juiz de Direito, a fim de que seja o mesmo identificado.

Sendo notificado o suposto pai e não havendo resposta do mes- mo ou em caso de manifestação este conteste a paternidade, os autos devem ser encaminhados ao Ministério Público para que então se inicie a ação de investigação de paternidade.

Apesar do exame de DNA conceder facilidades no reconhe- cimento da filiação, é importante lembrar-se que a simples iden- tificação biológica não estabelece os laços de filiação espera- dos, pois se concedem direitos, mas não afeto, essencial para o desenvolvimento de qualquer ser humano.

Assim é o pensamento de Maria Claudia Crespo Brauner (2003:196):

Nesse sentido, indo além da simples declaração de filiação biológica determinada através de exames ci- entíficos, de menor ou maior complexidade, como no caso do exame de DNA, percebe-se que a autêntica relação de pai e filho requer mais que a mera deter- minação da descendência genética, atribuindo-se, finalmente, relevância à noção subjetiva dos laços afetivos.

Assim, torna-se possível perceber que a adoção exclusiva do critério biológico como determinador da filiação é insufi-

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ciente para expressar o conteúdo esperado de uma relação de pai e filho.

3.2 Filiação afetiva

A utilização das técnicas de reprodução assistida fez surgir uma modalidade peculiar de vínculo, visto que a maternidade e a paternidade advêm não da conjunção carnal, mas da vontade destinada a este fim.

Assim, torna-se de extrema importância o esclarecimento da noção de filiação afetiva, sendo que o conceito desta nem sem- pre coincide com a filiação biológica ou genética, pois considera os laços de amor e carinho existentes nas relações familiares.

Pela atual orientação doutrinária, a paternidade ou a mater- nidade não é definida apenas pelos laços biológicos que tenha com o menor e sim pelo querer externado de seu pai ou mãe, ou seja, de assumir, independentemente do vínculo biológico, as responsabilidades e deveres da filiação mediante a demonstra- ção de afeto.

Como demonstra Pietro Perlingieri:

o sangue e os afetos são razões autônomas de justifi- cação para o momento constitutivo da família, mas o perfil consensual e a affectio constante e espontânea exercem cada vez mais o papel de denominador co- mum de qualquer núcleo familiar. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão de vida (1999:244).

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Quando o casal que se submeteu às técnicas artificiais de re- produção e que em conjunto externou seu consentimento infor- mando acerca da inseminação, seja homóloga ou heteróloga, sua filiação lhe pertencerá, pois a consentiu e se presumirá legítima, visto ser concebida na constância do casamento, ou da união es- tável, daí descabendo qualquer contestação futura a seu respeito.

A doutrina tem entendido que no caso de inseminação hete- róloga, para se definir o parentesco, deverão ser considerados apenas o pai e a mãe socioafetiva, desconsiderando-se, assim como ocorre na adoção, a paternidade ou maternidade biológica.

Nas palavras de Maria Claudia Crespo Brauner (2003:200),

a posse de estado de filho, a que nos referimos, é aquela que se exterioriza pelos fatos, quando exis- tem pais que assumem suas funções de educação e de proteção dos filhos, sem que a revelação do fato biológico da filiação seja primordial para que as pes- soas aceitem e desempenhem as funções de pai ou de mãe.

Não é apenas pelo vínculo jurídico estabelecido que passa a ser constatada a filiação, a adoção, o reconhecimento, ou a in- vestigação de paternidade. Passa a ser notada como um conjun- to de atos afetivos e solidários que provam um vínculo de filia- ção entre filho, pai e mãe.

Não há como renunciar ou prescrever o estado de filho. A qualquer momento da vida, qualquer um pode pleitear sua filia- ção, seja contra seu próprio pai ou herdeiros deste. Poderá ele manifestar-se tanto judicial quanto extrajudicialmente por inter- médio de atitudes capazes de demonstrar a condição de filho.

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Neste sentido, Fachin (1998:303) ressalta que, segundo Carbonara:

deve ser valorizada uma terceira verdade, qual seja, o aspecto socioafetivo de estabelecimento da filia- ção, baseado no comportamento das pessoas que a integram que embora revele o aspecto aparentemente mais incerto, o afeto, em muitos casos é mais hábil para revelar quem efetivamente são os pais, de tal forma que a incerteza presente na posse do estado de filho questiona fortemente a certeza da tecnolo- gia. Além do mais, a verdade socioafetiva aproxima- se do modelo de família eudemonista, pautada que está no afeto, construído quotidianamente e não de- terminado desde o início da relação, revelando a va- lorização dos sujeitos.

Sendo assim, não há diferença entre filho biológico e afetivo, pois em ambos os casos são reconhecidos como filhos, os quais, perante a Carta Magna, em seu artigo 227, § 6º e o Código Civil, em seu artigo 1.596, são iguais em direitos e obrigações.

Nas palavras de Belmiro Pedro Welter (2003:169):

Não apenas o filho biológico pode ser sujeito de di- reitos, mas também o filho social, porque a família socioafetiva transcende os mares do sangue, conec- tando o ideal da paternidade e maternidade respon- sável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nasci- mento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração e da emoção, (des)velando o

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mistério insondável da filiação, engendrando o reco- nhecimento do estado de filho afetivo.

Na opinião de Guilherme Calmon Nogueira Gama (2003):

o direito de família sofreu direta repercussão dos avan- ços tecnológicos na área de reprodução humana, mor- mente envolvendo as fontes da paternidade, materni- dade e filiação, e todas essas transformações permiti- ram a ocorrência de um importante fenômeno, denomi- nado “desbiologização”, ou seja, a substituição do ele- mento carnal pelo elemento biológico ou psicológico.

3.3 Maternidade

Até passado recente vigorava o princípio segundo o qual a mãe é sempre certa (mater semper certa est), porém esse prin- cípio ficou profundamente abalado pelas novas técnicas de re- produção assistida.

Hoje a mãe pode ser a que esteja gestando o filho, pode ser a que forneceu o óvulo para fecundação, ou, ainda, a que recebeu o óvulo de uma terceira pessoa para gestá-lo.

Se a mãe doadora do óvulo for inseminada com sêmen de seu marido ou de terceiro, e ela próprio gestar, tendo em vista a coincidência dos atributos genético, socioafetivo e gestacional, não resta dúvidas de que será declarada a mãe da criança.

A questão somente encontrará dificuldades quando a mãe gestante for diferente da mãe biológica ou da mãe socioafetiva, como nos casos de doação de óvulos ou embriões e de sub- rogação de útero.

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Poderá, nesse caso, ocorrer o conflito positivo ou negativo da maternidade.

O conflito positivo ocorre quando várias mães reivindicam para si a maternidade da criança, e o conflito negativo ocorrerá quando nenhuma das mães assumir a maternidade da criança.

O Código Penal em seu artigo 2429consagra a maternida- de pela gestação e parto. Assim, mãe é aquela que gestou e deu à luz.

Porém, esse pressuposto não pode mais ser considerado ver- dadeiro, pois a mulher pode dar à luz a um filho que biologica- mente não é seu.

Dessa forma, existem doutrinadores que entendem ser a mãe aquela que deu à luz e outros aquela que forneceu o óvulo.

Entendendo que a maternidade se atribui à mulher que deu à luz, destaca-se Guilherme Oliveira, entre outros doutrinadores, segundo o qual “na dúvida sobre a quem atribuir a maternidade a tendência dominante é a que usando os critérios clássicos re- conhece como mãe a mulher que dá à luz – a mãe hospedeira”

(1986, p. 106).

Também no mesmo sentido, Hilda Vieira de Sá entende que

“salvo futura regulamentação legal (...) aquela que concebeu mas não gerou incorrerá nas sanções do mencionado artigo 242 do Código Penal se der como próprio parto alheio” (1986, p. 64).

Para Carlos Maria Romeu Casabona, “a filiação dos filhos nascidos deste modo se determina pelo parto, quer dizer, que a

9 Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém- nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

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maternidade corresponderá à gestante com independência de que ela tenha fornecido ou não o óvulo e de que o varão do casal tenha fornecido ou não sêmen” (1994:251).

Para Tycho Brahe Fernandes (2000:75):

A solução para o conflito positivo, diante da ausên- cia de legislação, atualmente encontra forte possibi- lidade de ser dirimido em favor da mulher que gestou e deu à luz.

Porém é fundamental que, tal ocorrendo antes que lei específica regulamente a matéria, seja conside- rado o interesse da criança, pois o fato de ter gestado uma criança não indica, necessariamente, que aquela mulher seja a mais recomendável para ser declarada mãe.

Entre os doutrinadores que entendem ser a maternidade de- terminada pela pessoa que forneceu o óvulo encontra-se Sér- gio Abdalla Semião, segundo o qual, “mãe é aquela que for- nece o patrimônio genético e não a outra que é mera incuba- dora” (1998: 186).

Para Thereza Christina Bastos de Menezes, “a legislação vigente, (...) nega, injustamente, o direito da mãe biológica de reconhecer o seu próprio filho, quando este é concebido in vitro, gestado e nascido do corpo de outra mulher” (1990:256).

Já Heloísa Helena Barbosa tem o seguinte entendimento (1993: 112):

Aos interesses das “mães” envolvidas sobrepõe-se o da criança. A maternidade deverá ser atribuída

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àquela que oferecer melhores condições de vida para o filho. Tais condições, à evidência, não serão exclu- sivamente econômicas, mas, especialmente, de or- dem psicológica.

3.4 Paternidade

O artigo 1.597 do Código Civil dispõe que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos 300 (trezentos) dias subseqüen- tes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade ou anulação do casa- mento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mes- mo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

O prazo de cento e oitenta dias (artigo 1.597, I) começa a correr não da celebração do casamento, mas do momento em que se inicia a convivência conjugal. Com essa ressalva, “bus- ca o legislador, avisadamente, resguardar a situação em que os pais são obrigados a separar-se logo em seguida ao enlace, ou que se casam por procuração” (Monteiro, 2004:308).

No Código Civil de 1916, o artigo 339 previa que:

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a legitimidade do filho nascido antes de decorridos os cento e oitenta dias, de que trata o nº I do artigo antecedente, não pode, entretanto, ser contestada: I – se o marido, antes de casar, tinha ciência da gravi- dez da mulher; II – se assistiu, pessoalmente, ou por procurador, a lavrar-se o termo de nascimento do fi- lho, sem contestar a paternidade.

No Código Civil de 2002, em razão do princípio da verdade biológica, não existe mais tal regra, podendo a paternidade, em qualquer caso, ser contestada.

No Código Civil de 1916 (artigo 338) a legitimidade do filho concebido na constância do casamento, só podia ser contestada, provando-se: que o marido se achava fisicamente impossibilita- do de coabitar com a mulher nos primeiros cento e vinte e um dias, ou mais, dos trezentos que houverem precedido ao nasci- mento do filho, ou que a esse tempo estavam os cônjuges legal- mente separados.

Os prazos para prescrição para a ação de contestação de pa- ternidade eram de dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido, e de três meses, se o marido se achava au- sente (artigos 178, §§ 3º e 4º do Código Civil de 1916).

O Código Civil de 2002 alterou por completo a regulamen- tação da matéria, estabelecendo no seu artigo 1.601 que: “cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nasci- dos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível”, conferindo- se aos herdeiros, falecendo o titular no curso da ação, o direito de dar-lhe seguimento. Porém, falecendo sem que haja lançado mão de seu direito, carecem os herdeiros de legitimidade ad causampara propô-la.

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Também presumem-se concebidos na constância do casa- mento os filhos nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação, nuli- dade ou anulação, porque a gestação humana não vai além desse prazo10.

Desta forma, o filho que nascer dez meses após a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal é considerado matrimoni- al. Porém, se nascer após este prazo, entende-se que foi conce- bido após a morte do consorte ou após a nulidade ou anulação do casamento ou separação judicial (Rodrigues, 1997:286).

Assim, salvo prova em contrário, se a mulher, antes do pra- zo de dez meses, vier a contrair novas núpcias, em decorrência de estar viúva ou de seu primeiro casamento ter sido invalida- do, e lhe nascer algum filho, este se presumirá do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste, e do segundo se o nascimento se der após esse período e já decorrido o prazo de 180 dias depois de esta- belecida a convivência conjugal.

Presume-se também a paternidade em relação aos filhos ha- vidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.

Segundo o Enunciado nº 106 do STJ (aprovado nas jornadas de direito civil de 2002), “para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se subme-

10 Regina Beatriz Tavares da Silva observa que: a presunção do inciso II não faz qualquer sen- tido, porque: a) a separação judicial, nulidade e anulação do casamento são, em regra, precedi- das de separação de fato entre os cônjuges; assim sendo, não podem os filhos havidos 300 dias após as respectivas sentenças ser considerados, presumivelmente, como do marido; b) se o cônjuge simplesmente separado de fato pode constituir união estável (CC, art. 1.723, § 1º), o filho havido da nova relação da mulher será tido presumivelmente como de seu marido.

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ter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obriga- tório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte” (Diniz, 2004:403).

O Código ainda prevê a presunção de paternidade em rela- ção aos filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga, ou seja, do material genético advindo do marido e da mulher.

“Aqui também é preciso anuência expressa do casal após esclarecimento da técnica de reprodução assistida in vitro a que se submeterão” (Diniz, 2004:403). Pois, segundo Maria Hele- na Diniz (2004:403), de acordo com o Enunciado nº 107 do STJ (aprovado nas jornadas de direito civil de 2002):

finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões.

Sendo assim, na inseminação artificial homóloga deve pre- valecer a presunção legal da paternidade, tendo em vista que se concilia a filiação biológica com a filiação afetiva, ou seja, o pai será aquele que doou o espermatozóide para ser fecundado em sua esposa.

Por fim, o Código Civil presume a paternidade dos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que haja prévia autorização do marido, reforçando, assim, a natureza socioafetiva do parentesco.

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Maria Helena Diniz (2004:405) esclarece que segundo o Enunciado n° 104 do STJ (aprovado nas jornadas de direito civil de 2002):

no âmbito das técnicas de reprodução assistida en- volvendo o emprego de material fecundante de ter- ceiro, o pressuposto fático da relação sexual é subs- tituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relati- va de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifesta- ção expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento.

O artigo 1.597, V, do CC, teve como objetivo fazer com que o princípio de segurança das relações jurídicas prevalecesse diante do compromisso entre os cônjuges de assumir a mater- nidade e a paternidade, mesmo com a utilização de material genético de terceiro, dando-se prevalência ao elemento afetivo e não ao biológico.

Nesse sentido é o entendimento de Maria Helena Diniz (2002:

405), segundo a qual:

A paternidade, então, apesar de não ter componente genético, terá fundamento moral, privilegiando-se a relação socioafetiva. Seria torpe, imoral, injusta e antijurídica a permissão para marido que, conscien- te e voluntariamente, tendo consentido com a inse- minação artificial com esperma de terceiro, negasse, posteriormente, a paternidade.

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O vínculo de filiação, uma vez formado, não mais será obje- to de contestação ou de impugnação e imporá, aos que externa- rem de forma livre e esclarecida o seu consentimento, os direi- tos e obrigações relativos à filiação. Porém, poderá ser contes- tado quando provar que o seu consentimento foi externado sob fraude, erro ou coação.

Dessa forma, na inseminação artificial heteróloga, o homem ao consentir na inseminação de sua esposa assume a paternida- de da criança. O marido que consente com a inseminação hete- róloga não poderá negar a paternidade da criança, pois de acor- do com Eduardo de Oliveira Leite: “A anuência do mesmo é prova irrefutável de que deseja o filho, e, portanto, não mais milita em seu favor tal recurso” (1995:371).

Quando a reprodução assistida for realizada fora do casa- mento, ou seja, quando a mulher recorre a um banco de sêmen e se fertiliza com o intuito de formar uma família monoparental, não será possível atribuir-se ao doador qualquer vínculo de fili- ação. Pois enquanto não exista lei específica, cabe utilizar a analogia em relação ao instituto da adoção.

Nesse caso, a criança será registrada somente em nome da mãe, mas poderá no futuro requerer o reconhecimento de seu vínculo de filiação biológica, porém, isso não acarretará ao doador nenhuma obrigação ou direitos relativos à criança, pois ao doar seu sêmen, ele abdica voluntariamente de sua paternidade, assim como acon- tece com quem entrega uma criança para adoção.

4 Conclusão

A sociedade moderna assistiu, nas últimas décadas, a um pro-

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gresso tecnológico jamais imaginado. A divulgação de novos avanços científicos e tecnológicos no campo da genética huma- na causou grande impacto no ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse novo contexto surgiram as técnicas de reprodução as- sistida. Tais técnicas consistem na intervenção do homem no pro- cesso de procriação natural e possuem como objetivo possibili- tar a superação dos problemas de infertilidade, satisfazendo, as- sim, o desejo de se alcançar a maternidade ou a paternidade.

Porém, ao mesmo tempo em que surge para contornar o pro- blema da infertilidade, a reprodução assistida constitui-se numa revolução biológica, ética e social, já que tanto os materiais ge- néticos masculinos e femininos passaram a ser tratados fora do corpo humano, pois o procedimento consiste em levar o esper- matozóide ao encontro do óvulo sem a ocorrência do coito.

As técnicas de fertilização artificial podem ser de duas ma- neiras: na primeira, a reprodução se dá “in vivo”, ou seja, no próprio organismo feminino, e, na segunda, a fecundação ocorre

“in vitro”, fora do organismo feminino, com posterior introdu- ção, do embrião gerado, no organismo da mulher que o gestará.

As técnicas podem, ainda, caracterizar-se como homóloga ou heteróloga (artigo 1.596, incisos IV e V do Código Civil).

Na primeira, a mulher é inseminada com o sêmen do seu mari- do ou companheiro, não resultando grandes questionamentos jurídicos, visto não trazer conseqüências em relação à filiação.

Já a fertilização heteróloga é realizada com gametas de pes- soas doadoras. E é em relação a essa que surgem dúvidas sobre a atribuição da filiação.

Dessa forma, faz-se necessário advertir para a necessidade

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de uma lei que disponha sobre a questão das técnicas de repro- dução assistida, em especial na área do Direito de Família, a fim de que sua utilização proteja os interesses dos que se sub- metem às referidas técnicas, principalmente os do filho gerado artificialmente, pois é a parte mais fraca nessa relação.

Para que não haja dúvidas e conflitos, a lei acerca da repro- dução artificial deverá prever expressamente o estabelecimen- to da filiação materna e paterna da pessoa nascida pela fertili- zação artificial.

Acredita-se que a paternidade e a maternidade, em decor- rência das técnicas de reprodução assistida, deverão desvincular- se da questão meramente biológica.

Por fim, entende-se que as técnicas de reprodução assistida devem ser regulamentadas por um sistema que atenda aos inte- resses de todos os envolvidos, principalmente os da criança ge- rada artificialmente, para que possa ser amparada por seus direi- tos fundamentais, como o direito à vida, à dignidade, à saúde e à convivência familiar.

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