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A leitura e a escrita como promotoras de alfabetização científica

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Academic year: 2021

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A leitura e a escrita como promotoras de alfabetização científica

Raquel Ruppenthal1; Cadidja Coutinho2

Doutoranda no PPG Educação em Ciências, UFSM, rkruppenthal@gmail.com

Docente na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Santiago, Doutoranda PPG Educação em Ciências, UFSM

Resumo

Este trabalho defende que o domínio da leitura e da escrita permitem alcançar níveis mais elevados de alfabetização científica. Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, de caráter qualitativo, baseado em revisões bibliográficas. Dessa forma, descreve aspectos sobre a importância da linguagem e das habilidades de ler e escrever para o ensino de Ciências bem como os pressupostos da Alfabetização Científica. Na sequência, busca relacionar aspectos sobre a importância da linguagem como promotoras da alfabetização científica.

Palavras chave

Linguagem. Leitura. Escrita. Alfabetização científica

Reading and writing as promoting scientific literacy Abstract

This paper argues that the field of reading and writing possible to achieve higher levels of scientific literacy. This is an exploratory-descriptive, qualitative, based on literature reviews. Thus describes aspects about the importance of language and the skills to read and write to the teaching of science and the assumptions of Scientific Literacy. Following, seeks to relate aspects of the importance of language as promoters of scientific literacy.

Key words

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Introdução

O que esperamos ao ensinar Ciências para estudantes da educação básica? Seria interessante que esse questionamento se fizesse presente nas diversas etapas do processo educativo, desde a concepção do material didático, até a organização dos currículos, e é claro, durante o planejamento pedagógico do professor. Há propostas de que o ensino de ciências deva promover a alfabetização científica (CACHAPUZ et al. , 2011; SANTOS, 2007; CHASSOT, 2003) que pode apresentar várias definições. No entanto, na visão de Sasseron & Carvalho (2011), estas possuem em comum o fato de entenderem que o objetivo do ensino de ciências é “a formação cidadã dos estudantes para o domínio e uso dos conhecimentos científicos e seus desdobramentos nas mais diferentes esferas de sua vida” (SASSERON & CARVALHO, 2011, p. 60).

A fim de concretizar essa meta do ensino de ciências, também é importante reconhecer a função da linguagem para a Ciência. Silva & Aguiar Junior (2014, p. 802) afirmam que “a aprendizagem em ciências se realiza por meio da apropriação das linguagens que moldam e configuram os modos de pensar das ciências”. Da mesma forma, ressaltam a importância da linguagem para o desenvolvimento de conceitos e a relação entre as formas de falar e pensar (ou seja, da linguagem) no estabelecimento de relações. Apesar disso, a leitura e a escrita costumam ser relegados ao plano a área da Língua Portuguesa (SOUZA & ALMEIDA, 2005). Por outro lado, Suisso & Galieta (2015) afirmam que a leitura e a escrita no ensino de Ciências como uma dimensão da Alfabetização Científica ainda é pouco investigada no Brasil.

Considerando as perspectivas acima apresentadas, o presente trabalho apresenta uma revisão para fundamentar a tese de que o perfeito domínio da leitura e da escrita permitem a promoção de níveis mais elevados de alfabetização científica. Para alcançar este propósito, utilizará-se métodos próprios das pesquisas qualitativas e os resultados serão apresentados a partir da descrição de aspectos sobre a importância das habilidades de leitura e escrita para o ensino de Ciências, bem como da alfabetização científica. A partir desses, será possível apresentar a discussão com argumentos que validem nossa proposição inicial.

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2. Caminho metodológico

O trabalho apresenta-se como uma pesquisa com abordagem qualitativa, uma vez que busca elementos para refletir sobre as relações possíveis entre as habilidades de leitura e escrita e os níveis de alfabetização científica (OLIVEIRA, 2012). Em relação aos objetivos, pode-se dizer que é um estudo exploratório-descritivo.

Para a coleta de dados, procedeu-se a revisão bibliográfica de livros e artigos científicos provenientes das áreas da educação em ciências e também das linguagens. Dessa forma, utilizou-se Vigotski e Chomsky como referenciais teóricos relativos a linguagem; Orlandi e trabalhos específicos de ensino de ciências para fundamentar aspectos relativos a leitura e a escrita; e Sasseron & Carvalho, Chassot e outros para descrever a alfabetização científica.

3. Resultados

3.1 A leitura, a escrita e a linguagem científica

O surgimento da escrita e, consequentemente da leitura, permitiu a ocorrência de mudanças na sociedade e na transmissão cultural de uma geração à outra. Das tradições culturais orais passou-se as tradições culturais escritas. Com a escrita, foi possível armazenar informações de forma mais precisa e duradoura, sem depender exclusivamente da memória humana. Isso representou um salto para o acúmulo de conhecimento e informação. Dessa forma, as áreas do conhecimento se constituíram e isso ocorreu em virtude do compartilhamento de uma linguagem comum. Conforme Vigotski (2008), a linguagem constituída por signos passa a compor uma ferramenta de comunicação. Dessa forma, compartilhar uma linguagem significa partilhar palavras. No entanto, também é possível partilhar teorias, modelos e estratégias de pensamento, fundamentando assim a existência de outras linguagens: a linguagem científica, a linguagem histórica, a linguagem coloquial, entre outras.

Chomsky (1977, p. 46) aponta que

o conhecimento de uma língua implica a capacidade de atribuir estruturas profundas e de superfície a uma série infinita de sentenças, relacionar adequadamente essas estruturas e atribuir

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interpretação semântica e uma interpretação fonética às estruturas conjugadas, profunda e superficial.

Apesar de Chomsky ser um estudioso da linguística, é possível destacar aspectos importantes para a pesquisa em educação em ciências. Primeiro, a organização do conhecimento científico pode ser compreendido por meio do reconhecimento das estruturas profundas (teorias, leis, modelos) que são utilizadas pelo individuo ao explicar ou interpretar fenômenos, demonstrando assim a sua estrutura superficial. Além disso, essas estruturas se inter-relacionam, de forma que uma teoria pode ser utilizada para interpretar diversas situações, formando um conjunto apropriado de interpretações, que acabam por constituir o conhecimento do indivíduo.

É importante considerar a afirmação de Vigotski de que “o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, ou seja, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sociocultural” (2008, p. 62). Portanto, a capacidade de utilizar as palavras, ou como afirma Chomsky (1977), reconhecer as estruturas profundas e superficiais da linguagem conduzem ao desenvolvimento de diversas formas de pensamento, podendo-se assim afirmar que o pensamento se torna verbal e a linguagem se torna racional. Dessa forma, a relação entre linguagem e pensamento é intrínseca.

Então, se “a linguagem tem papel crucial na determinação de como a criança vai aprender a pensar” (2008, p. 63), conhecer a estrutura e também o vocabulário da linguagem científica é importante para que os estudantes compreendam a ciência, além de possibilitar o desenvolvimento de formas de pensamento que auxiliem na compreensão de informações e também na resolução de problemas. Da mesma maneira, Chomsky (1977) já reconhecia que o estudo da linguagem oferece meios para compreender os processos mentais.

A linguagem, na concepção de Bakhtin (2003), é visualizada por meio dos enunciados. Enunciar é exprimir-se, declarar-se, manifestar-se. Então, é possível enunciar a partir da comunicação, falada, escrita ou lida. Quando falamos em aprendizagem científica, de certa forma estamos falando na aprendizagem da linguagem científica. Dessa forma, aprender a linguagem

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científica é ser hábil na fala, na leitura e na escrita utilizando a estrutura desta linguagem. Ao considerar que a habilidade é o domínio de procedimentos, técnicas, estratégias que servem para alcançar um objetivo maior (Zabala & Arnau, 2011), reconhecemos que as habilidades de leitura e escrita são básicas para alcançar a Alfabetização Científica.

Mas, o que é leitura? Na linguística, há diversas definições, mas aqui optou-se por utilizar a definição de Leffa (1996, p. 44), que afirma que “a leitura não é nem atribuição nem extração de significado, mas resultado da interação adequada entre os dados do texto e o conhecimento prévio do leitor”. Ou seja, ler é um processo de elaboração de significados a partir de informações disponíveis e dos saberes do leitor e depende da utilização de procedimentos e estratégias adequadas. Dessa forma, parece ser importante o ensino de estratégias de leitura para que o leitor se torne um leitor autônomo e competente na construção de significados. No entanto, Ferreira & Dias (2002) afirmam que o ensino de estratégias precisa acontecer em situações contextualizadas e significativas, para o aluno-leitor reconhecer a leitura como uma atividade social que permite a sua atuação no cotidiano, e também sua inserção no mundo letrado. Dessa forma, promover a leitura consciente, dirigida e contextualizada nas aulas de Ciências pode contribuir para a aprendizagem de conceitos, bem como dos processos da ciência e, da mesma forma, contribuir para o estudante compor seu arsenal de estratégias de leitura. Orlandi (2003) afirma que a leitura é seletiva e que há vários modos de ler, conforme o posicionamento que o leitor assume perante o texto. Dessa forma, o leitor pode desejar reconhecer a mensagem, as ideias principais e secundárias de um texto; ou ainda destacar a opinião do autor sobre o tema; ou comparar textos, percebendo semelhanças e diferenças; ou assumir a sua posição perante a ideia comunicada pelo autor. Ou seja, conforme o objetivo da leitura, o leitor utilizará estratégias diferenciadas.

É possível ler textos, mas também é possível realizar a leitura de imagens, outdoors, comerciais, todas as formas de leitura digital e também da realidade que nos cerca (a leitura de mundo, conforme Paulo Freire). Cada leitura apresenta peculiaridades, que muitas vezes não são naturais, ou seja, precisamos aprender a ler os detalhes para construir algum significado. Da mesma forma, a leitura de textos de divulgação científica ou de textos dos

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livros didáticos necessita procedimentos próprios para que o leitor consiga produzir significados, e principalmente, utilizar esse conhecimento nas vivências cotidianas. Retomando a fala de Chomsky (1977), a linguagem apresenta estruturas profundas que são externalizadas por meio de estruturas superficiais.

Conforme Soares (2002), indivíduos que dominam o uso da leitura e da escrita apresentam as habilidades e atitudes para participar ativamente em situações que exijam uma leitura de mundo e também mantém formas de interação, atitudes, competências discursivas e cognitivas que permitem sua inserção na sociedade (SOARES, 2002, p. 145-146). Por outro lado, Norris & Phillips (2003) apontam uma relação estreita entre a capacidade de ler e escrever e a aptidão para conhecer e aprender (SUÍSSO & GALLIETA, 2015). Dessa forma, convém indagar como é possível almejar a formação de indivíduos críticos e participativos nas questões que envolvem conhecimentos da ciência, se os mesmos dificilmente tiveram contato com as estratégias de leitura em ciências?

Por outro lado, o ensino formal tem como principais objetivos o desenvolvimento da escrita e da leitura. As Diretrizes Curriculares da Educação Básica (2013) afirmam que para assegurar a formação dos indivíduos para o exercício da cidadania, para o progresso dos indivíduos no trabalho e para estudos posteriores, se faz necessário “o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” (2013, p. 38), o que também estava contemplado na Lei nº 9.394/96 (LDB).

Há diversas atividades em nosso cotidiano que pressupõem a utilização da leitura e da escrita. A leitura de rótulos de alimentos, a receita de um medicamento, a leitura de uma receita culinária e sua execução demandam formas de ler diferentes para que ocorra a construção de algum significado. Da mesma forma, a realização de pesquisas referentes a temas diversos, como saúde, bem-estar ou outros na internet, também implicam a utilização de habilidades de leitura para reconhecer se as informações são confiáveis ou não. Para a realização de uma leitura científica eficaz, ou seja, capaz de produzir significados para o indivíduo há a necessidade de conhecer as características e organização da linguagem científica.

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Para Mortimer et al. (1998) a linguagem científica apresenta particularidades em relação à linguagem comum. Na linguagem científica, o sujeito está ausente e muitas vezes o processo descrito é nomeado e explicado em torno de relações entre as partes, o que mostra que a estrutura da linguagem científica é muito diferente da linguagem comum, onde normalmente os fatos são narrados. A linguagem científica é carregada de vocabulário específico, cuja utilização requer reflexão constante a fim de que a comunicação seja precisa, coerente e clara (MORTIMER et al., 1998). Bargalló (2005) acrescenta como características da linguagem científica a precisão, rigorosidade e formalidade na comunicação, bem como a tendência em substituir processos que são enunciados com verbos na linguagem coloquial por nomes específicos na linguagem científica. Assim, é possível considerar que a leitura e também a escrita no ensino de Ciências são diferentes do que acontece nas outras áreas de conhecimento e que a aprendizagem de Ciências está diretamente relacionada à aprendizagem da linguagem científica.

A utilização da linguagem se faz através da leitura, da escrita, e também da fala. Essas são ferramentas culturais que permitem o desenvolvimento cultural (WERTSCH, 2005 citado por Freitas, 2007). Conforme Vigostski (2007, p. 125) “a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança”. O conhecimento da escrita e os processos de leitura e das suas relações permitem um melhor desempenho nas demais aprendizagens, uma vez que são estratégias ou habilidades úteis para compreendermos e utilizar o corpo de conhecimentos existente. Conforme Lipman (2008) ler e escrever são mega-habilidades, sem as quais seria difícil prosseguir os estudos. Da mesma forma, a aprendizagem de Ciências está relacionada com a habilidade de leitura e também da escrita.

Escrever é organizar as ideias a fim de que se consiga comunicar algo. Implica em utilizar funções cognitivas superiores (VIGOTSKI, 2008). Da mesma forma, Orlandi (1999) defende que a aprendizagem está associada à formulação do discurso. Ou seja, ao escrever o indivíduo utiliza informações disponíveis e reestrutura essas ideias, mesclando-as com seus conhecimentos e a sua interpretação e entendimento dessas informações. Ao realizar esta atividade, o indivíduo está reorganizando a própria estrutura mental desse

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conhecimento e assim, a aprendizagem se efetiva. Este é o princípio da autoria, que conforme Orlandi contribui para a aprendizagem.

Partindo dos princípios de que a linguagem é parte constituinte do desenvolvimento do pensamento (VIGOTSKY, 2008; CHOMSKY, 1977), que a linguagem científica apresenta sua própria estrutura (MORTIMER, 1998) e de que o aluno aprende mediante a autoria (ORLANDI, 1999), pode-se iniciar uma discussão em torno de como as habilidades de leitura e escrita podem ser utilizadas para promover a Alfabetização Científica.

3. 2 As interfaces entre a leitura e escrita com a alfabetização científica

Ao reconhecer que a leitura e a escrita são aspectos essenciais para aprender, como podem ser incluídas no ensino de Ciências, de maneira a fomentar a alfabetização científica? Primeiramente, é necessário reconhecer que não existe um consenso na definição da alfabetização científica. No entanto, para Sasseron (2015) a Alfabetização Científica pode ser compreendida como a capacidade para analisar e a avaliar situações permitindo ou culminando com a tomada de decisões e o posicionamento.

Chassot (2003, p. 38) considera “a alfabetização científica como o conjunto de conhecimentos que facilitariam aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem” (CHASSOT, 2003). Se assumirmos a ciência como uma linguagem é necessário reconhecer que inicialmente precisamos ser alfabetizados nessa linguagem, para que depois essa linguagem seja utilizada com propriedade. Ao alcançar o uso social dessa linguagem, atingimos o que Santos (2007) descreve como letramento científico. Dessa forma, podemos considerar que a alfabetização e o letramento científico representam diferentes dimensões da educação científica.

Diversos autores (Laugksch, 1996; Miller, Bybee, 1995) descrevem a existência de diferentes dimensões de alfabetização científica (SASSERON & CARVALHO, 2011). Todos apontam ao menos um nível que está vinculado ao conhecimento do vocabulário específico da cultura científica. Bybee aponta que para atingir a alfabetização científica multidimensional, se fazem necessários o conhecimento do vocabulário científico e do processo de construção do conhecimento científico para assim perceber o papel da Ciência em nossas

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vidas. Por outro lado, Bargalló (2005) afirma que aprender ciências é como aprender outro idioma, pois é necessário aprender novas palavras bem como a estrutura dessa linguagem. Estas podem ser viabilizadas por meio da utilização da fala, leitura e escrita durante as aulas de ciências.

Ao considerar a leitura como um processo de interação entre o sujeito (leitor) e o objeto (texto ou situação) percebe-se que a leitura precisa ir além da compreensão. Quando o processo de leitura permite ao indivíduo estabelecer relações entre aquilo que lê com conhecimentos provenientes de outros contextos, pode-se afirmar que ele é capaz de ler com autonomia e significado. Dessa forma, a leitura é uma habilidade importante para que o indivíduo possa continuar se aperfeiçoando durante a vida (BARGALLÓ, 2005). Aplicando essa reflexão a alfabetização científica, pode-se afirmar que a habilidade de leitura em ciências não é apenas a compreensão de um texto de divulgação científica. Essa habilidade envolve a capacidade de buscar informações adicionais, contrastar informações, dispor de critérios de seleção da informação, interpretar gráficos, tabelas ou outros, a fim de construir um conhecimento ou assumir posicionamentos.

Ler é uma atividade complexa, no entanto essencial. E a tarefa de ensinar a ler e também escrever textos em ciências é do professor dessa disciplina, uma vez que a estrutura da linguagem científica difere da estrutura de outras áreas do conhecimento. Conforme Orlandi (2003) realizamos vários tipos de leitura, de acordo com o objetivo que temos ao ler. Por outro lado, Bargalló (2005) indica que é possível auxiliar os estudantes a melhorar o nível de leitura oferecendo atividades que visem fortalecer a compreensão leitora. Através da boa leitura, o estudante vai desenvolvendo um maior domínio sobre a linguagem científica.

Portanto, “o domínio da linguagem pelo aluno transforma-se, assim, num valioso instrumento de desenvolvimento dos processos cognitivos e orienta a construção do próprio conhecimento” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 22) pelos estudantes. No entanto, para Stephen Norris & Linda Phillips, ler e escrever são habilidades fundamentais para a alfabetização científica, mas sozinhos não serão suficientes (SASSERON & CARVALHO, 2011). Dessa forma, pode-se inferir que o conhecimento de um vocabulário mínimo da área das ciências pode facilitar a leitura e a escrita. Porém, conhecer e compartilhar palavras e

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conseguir utilizá-las em situações diversas seja para resolver problemas ou na tomada de decisão são aspectos que necessitam estar mais presentes nas aulas de ciências e assim, contribuir para a aprendizagem dessa área do conhecimento.

Em revisão realizada por Pozo & Crespo (2009), as novas metas para a educação científica no momento são a aprendizagem de conceitos e a construção de modelos; o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de raciocínio científico; o desenvolvimento de habilidades experimentais e de resolução de problemas; o desenvolvimento de atitudes e valores; e a construção de uma imagem de ciência. É possível afirmar que essas metas estão centradas na compreensão do conteúdo científico e também na compreensão social da ciência, capacidades estas que passam pelo domínio da leitura e escrita e também das características da linguagem científica.

Santos (2007) afirma que o grande desafio da educação científica é favorecer o reconhecimento da linguagem científica como uma ferramenta na compreensão da cultura moderna. Em outras palavras, o conteúdo científico é indispensável para compreender a função social da ciência, da mesma forma que o caráter social do conhecimento também é importante para sua contextualização. E a educação científica ocorre por meio da alfabetização científica ou do letramento científico?

É necessário reconhecer que existe uma pluralidade semântica em relação ao termo alfabetização científica, decorrente principalmente dos processos de tradução, em virtude da inexistência de um vocábulo adequado. Conforme revisão realizada por Sasseron & Carvalho (2011) há autores que utilizam o termo „letramento científico‟, outros que utilizam o termo „alfabetização científica‟ e ainda aqueles que utilizam a expressão „enculturação científica‟. Porém, na visão das autoras, esses conceitos possuem em comum o fato de entenderem que o objetivo do ensino de ciências é “a formação cidadã dos estudantes para o domínio e uso dos conhecimentos científicos e seus desdobramentos nas mais diferentes esferas de sua vida” (SASSERON & CARVALHO, 2011, p. 60).

4. Discussão: relacionando as habilidades linguísticas com a alfabetização científica

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Até o momento, abordou-se aspectos relativos à linguagem a alfabetização científica, a fim de sustentar a relação existente entre o domínio da leitura e escrita com níveis mais elevados de alfabetização científica. Com base nesta breve revisão, pode-se afirmar que a leitura e a escrita, habilidades básicas no processo de alfabetização na língua materna, contribuem para a alfabetização científica por dois motivos. Primeiro, porque é pela leitura e escrita que compartilhamos significados; e em segundo, porque é através das palavras que construímos formas de pensar e aprendemos estratégias típicas para viver em sociedade.

A linguagem é uma ferramenta de comunicação, constituída por signos e símbolos (VIGOTSKI, 2008) e o processo comunicativo ocorre por meio da fala, da leitura e também da escrita. Estas, por sua vez, ocorrem mediante a capacidade de bem utilizar as palavras (signos). Dessa forma, pode-se afirmar que no caso do ensino de ciências e da alfabetização científica, é o conhecimento e a utilização de um conjunto de termos da linguagem científica que possibilita a compreensão da Ciência e dos processos científicos de maneira a constituir um grupo que compartilha significados. Assim, pode-se indicar que a base para alcançar níveis mais elevados de alfabetização científica é o conhecimento do vocabulário científico.

Porém, a alfabetização científica não é apenas o conhecimento do significado de palavras e conceitos científicos. Ela vai além, pois objetiva a utilização desse conhecimento em situações práticas, ou seja, para auxiliar na tomada consciente de decisões e também na solução de problemas. Dessa forma, reconhecer e compartilhar significados permite ao indivíduo operar com estas no sentido de construir pensamentos e raciocínios, bem como para elaborar estratégias. Dessa forma, é possível visualizar a alfabetização científica multidimensional em ação, tal como descrita por Bybee (SASSERON & CARVALHO, 2011), pois não há como separar as palavras (conceitos) do pensamento (estratégias). É a observação material do que Vigotski (2008) declarou ao afirmar que a partir de um momento do desenvolvimento humano, o pensamento se torna verbal e a linguagem se torna racional.

Assim, para o ensino de ciências contribuir na alfabetização científica, faz-se necessária a preparação dos estudantes para a leitura e produção de significados dos mais diversos gêneros textuais que abordem temas científicos

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ou de interesse individual de maneira autônoma, consciente e crítica. Essa habilidade contribuiria para a leitura de mundo e posicionamento perante questões polêmicas. Ou como afirma Soares (2002), o domínio da leitura fomenta a competência discursiva, a interação e a inserção do indivíduo na sociedade.

Nessa perspectiva, ao considerar que o processo educativo formal ocorre em torno da escrita, o domínio da leitura possibilita melhores resultados na comunicação escrita, além de auxiliar na estruturação dos conhecimentos que vão se agregando ao corpo de conhecimento individual (ORLANDI, 1999). Portanto, a prática de leitura de textos científicos permite uma maior aproximação com a linguagem científica e sua estrutura e, por conseguinte, a melhoria nos processos de escrever. A elaboração e comunicação de explicações baseados em dados, a defesa de pontos de vista e o raciocínio em termos de modelos é facilitado aos estudantes que dominam a leitura e a escrita.

Defende-se ainda que o domínio da leitura e escrita científica permite o desenvolvimento de outras habilidades, apontados como indicadores de alfabetização científica. Sasseron e Carvalho (2011) apontam que o levantamento e teste de hipóteses, a classificação, seriação e organização de informações, a elaboração de explicações e justificativas, o estabelecimento de previsões e as habilidades relacionadas ao raciocínio lógico são indicadores de alfabetização científica. Ou seja, para o indivíduo compreender a realidade e agir, ele necessita estas habilidades (e outras), que não são inatas, mas se desenvolvem ao longo da vida.

Mais uma vez, apontamos para a centralidade da leitura e escrita na efetivação dessas habilidades. Para elaborar uma hipótese e prever um teste, se faz necessária a compreensão do fenômeno, que se dá através da leitura. Da mesma forma, a classificação e organização de informações se dão mediante leitura comparativa, que é a capacidade de observar semelhanças e diferenças a fim de produzir critérios de classificação. Ao elaborar explicações ou justificativas, o indivíduo precisa mobilizar sua rede de conhecimentos, e contrapor esta a situação que é oferecida, de maneira que através de sua interpretação, elabore uma fala ou texto que forneça uma explicação.

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Assim, consideramos que para atingir níveis mais elevados de alfabetização científica (ou da educação científica) se faz urgente e necessário melhorar a leitura e a escrita. Para isso, é importante que se promovam mais atividades de leitura significativa em sala de aula, com os diversos gêneros textuais científicos, de maneira a tornar os estudantes leitores autônomos. Dessa forma, contribui-se para o desenvolvimento e compartilhamento de uma linguagem científica. Esse compartilhamento de significados, por sua vez, é importante para os momentos nos quais o estudante necessita se posicionar, por escrito ou oralmente. Por fim, é através do pleno domínio do processo leitura-escrita que o indivíduo está pronto para aprender a aprender continuamente.

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