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ENQUADRANDO A COMPREENSÃO: LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE QUADRINHOS 1

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Academic year: 2021

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ENQUADRANDO A COMPREENSÃO: LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE QUADRINHOS1

Lucas Piter Alves COSTA2 Luísa Fialho BOURJAILE3

Introdução

Em 1895, surgiram no jornal New York World as tirinhas de Yellow Kid, criadas por F. Outcault. Essas tirinhas são consideradas o marco do surgimento dos quadrinhos – HQs – nos moldes que conhecemos hoje, sobretudo daqueles veiculados nos jornais. Mas, tendo sido até alvo de censura em meados de 1960, demorou muito para que os quadrinhos fossem legitimados como leitura que se prestasse a pesquisas acadêmicas. O que contribui para esse fato – a pesquisa sobre quadrinhos – foi a crescente evolução do gênero, a diversificação dos recursos de sua linguagem, e as adaptações de clássicos literários, o que também possibilitou a aprovação de seu uso como material didático nas escolas, já reconhecidos pelos PCNs.

Porém, ainda não é satisfatório o uso de quadrinhos nas escolas, apesar do constante incentivo do Governo Federal com obras de qualidade, de quadrinistas diversos. O que acontece é que a leitura dos quadrinhos de hoje não é simples, e os professores têm dificuldade em trabalhar com essa linguagem em sala de aula. Ler quadrinhos, de maneira geral, exige capacidade de associar diferentes padrões estéticos (estilos de cores, traços, ângulos) com os dois tipos de linguagem que os compõem (a textual e a imagética). Não se trata apenas de associar texto e imagem para sua compreensão, mas de saber que cada uma dessas linguagens detém suas peculiaridades. E no caso de tirinhas, por vezes têm que ser acionados conhecimentos prévios, ora temáticos e extratextuais, ora acerca do próprio universo das histórias.

Propor ao aluno uma atividade puramente gramatical, focando apenas os aspectos do texto escrito dos quadrinhos, é desconsiderar o potencial de sua linguagem. Dados do SAEB/95 de uma pesquisa sobre leitura mostraram que a maioria dos alunos do Ensino Fundamental tem dificuldades em interpretação de textos, e que estão muito mais habituados a reconhecimento de significados dicionarizados do que com extensões ou aspectos críticos do texto. Mas como disse Will Eisner (1999), a leitura de quadrinhos é um exercício intelectual, e considera aspectos cognitivos do leitor muito além da superfície textual.

Com isso em mente, este trabalho visou aproximar os quadrinhos da realidade escolar e propor maneiras de lidar com esse material de forma a estimular nos alunos leituras e interpretações de quadrinhos satisfatórias. Em uma época em que diversos questionamentos têm sido feitos sobre o conceito de leitura (abarcando elementos icônicos que compõem os quadros

1 Este trabalho é parte inicial de um projeto autônomo dos autores intitulado: Enquadrando a Compreensão: Leitura e Produção de Textos a Partir dos Quadrinhos, iniciado em agosto de 2009, desenvolvido a partir da disciplina Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa, em uma escola da rede pública, em Viçosa. O projeto supracitado se utilizou de avanços teóricos da pesquisa A Contribuição das Histórias em Quadrinhos nas Análises Literárias: O Alienista, de Machado de Assis, em Graphic Novel (FUNARBIC/ CNPq, 2008-2009), desenvolvida por Lucas Piter Alves Costa e Elisa Cristina Lopes.

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comunicacionais atuais, e contrapondo a leitura com a mera decodificação de palavras), acredita-se que os quadrinhos têm características interessantes – devido a sua multimodalidade – para estimular a percepção e a interpretação dos alunos.

Este trabalho se deu em três turmas de 7º ano (6ª série), A, B e C, do Ensino Fundamental da rede pública, com o auxílio da professora que as regia, durante o Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa. As três turmas totalizavam 94 alunos. Os alunos tiveram aulas sobre os aspectos básicos dos quadrinhos, e em seguida lhes foram propostas atividades coletivas e individuais, em que foi trabalhada a interpretação de quadrinhos.

Considerações iniciais

É comum encontrar nas escolas, principalmente públicas, reclamações dos professores no que se refere à compreensão textual dos alunos. Muitas vezes, esse problema se deve a um trabalho apenas baseado na estrutura e organização do texto, deixando de lado enfoques relacionados à construção do sentido e do desenvolvimento crítico dos alunos. Nesse sentido, Maria de Lourdes Matencio (1994) diz que:

Quanto à leitura, vincula-se comumente essa atividade ao ato de retirar informações do texto, privilegiando-a como a maneira correta de acumular conhecimentos sobre conteúdos e deixando-se de lado seu caráter complexo. Mas a leitura, assim como a escrita, é amplamente diversificada, e ultrapassa a mera decodificação e extração de informações. (MATENCIO, 1994:38).

A autora discute a importância de se trabalhar a leitura/produção de textos através de uma diversificação de atividades que privilegiem também a construção do significado, o que pode despertar no aluno um maior interesse para a leitura, e, conseqüentemente, melhorar a sua capacidade de interpretação textual. Desse modo, a idéia de se trabalhar com quadrinhos como ponto de partida para atividades de leitura se torna pertinente ao compreendermos que nas histórias em quadrinhos as “regências da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da literatura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura da revista de quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual.” (EISNER, 1999:8).

Da mesma forma, na escola, o texto é pouco trabalhado em seu caráter dialógico, imprescindível para sua interpretação efetiva. Para esse dialogismo é relevante que seja estimulado no aluno acionar o seu conhecimento de mundo. Ângela Kleiman (1989) destaca a importância da interação entre os conhecimentos prévios do leitor com os expressos pelo autor no texto para a depreensão de significado:

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A busca pela compreensão textual é realizada a partir do contínuo engajamento do aluno com o texto, não de contato superficial com ele. Assim sendo, os aspectos extralingüísticos também devem ser levados em conta no ambiente escolar, visto que a compreensão textual é um processo altamente subjetivo. Dar enfoque a fatores extratextuais pode possibilitar um maior grau de compreensão ao aluno, e os quadrinhos, por vezes, exigem do leitor acionar experiências visuais comuns entre ele e o autor, além do fato de que alguns quadrinhos, como os de Calvin & Haroldo (Calvin & Hobbes), de Bill Watterson, por exemplo, requerem conhecimento prévio da construção dos personagens principais. Isso se opõe às atividades mecânicas que são passadas aos alunos e que devem ser reformuladas no objetivo de diminuir os problemas de interpretação de texto comumente encontrados nas escolas.

Em seu texto intitulado A vida do gênero, a vida na sala de aula, Charles Bazerman (2005) discute sobre formas de se trabalhar gêneros na escola e despertar o interesse do aluno para o tema. Inicia comentando a fundamental importância que os gêneros apresentam dentro das relações sociais, sendo eles o princípio básico de interação e comunicação humana – formas de vida, nas palavras do autor. No entanto, muitos professores levam para a sala de aula apenas os gêneros que lhes parecem relevantes, e acabam por negligenciar o interesse do aluno em relação aos gêneros textuais que lhes chamam mais a atenção. Nesse sentido, o autor coloca:

Uma vez que os alunos se sintam parte da vida de um gênero, qualquer um que atraia a sua atenção, o trabalho duro e detalhista de escrever se torna irresistivelmente real, pois o trabalho traz uma recompensa real quando engajado em atividades que os alunos consideram importantes. (BAZERMAN, 2005:34).

Dentro da sala de aula é importante que o professor não ignore as percepções e vontades de seus alunos, para que assim possa tornar seu trabalho mais interativo e atraente para eles. Falando-se em gêneros, deve-se ressaltar que o trabalho com os quadrinhos pode se dar de maneira dialógica, trabalhando também retextualização e intertextualidade. A problemática da definição dos gêneros se estende também aos tipos de quadrinhos, e reflete a dificuldade que os professores têm de trabalhar com esse material, devido à variedade de formas veiculadas como quadrinhos: tiras, cartuns, gibis, graphic novels, dentre outras. Então, entendem-se quadrinhos aqui como “um grande rótulo, um hipergênero4

, que agregaria diferentes outros gêneros, cada um com suas peculiaridades.” (RAMOS, 2008:20).

Vê-se, portanto, que a variedade de tipos de quadrinhos e a sua diversidade lingüística propiciam um trabalho amplo de leitura de textos. Reconhecer e utilizar os processos de leitura de quadrinhos “como ferramenta pedagógica parece impor-se como necessidade, numa época em que a imagem e a palavra, cada vez mais, associam-se para a produção de sentido nos diversos contextos comunicativos." (MENDONÇA, 2005:207).

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Enquadrando as tiras na escola

As atividades trabalhadas tiveram como objetivo avaliar aspectos diversos do conhecimento dos alunos, como capacidade de fazer inferências, conhecimento intertextual, noções de referenciação ao nível do texto, conhecimento prévio sobre os personagens, contextualização, dentre outros. Assim, os exercícios foram realizados com a intenção de auxiliar o trabalho de interpretação textual já iniciado pela professora, visto que os alunos apresentavam grande dificuldade na compreensão de textos, tornando necessário um trabalho mais extenso sobre esse assunto.

Como parte introdutória de cada aula, foram ensinadas para os alunos algumas características dos quadrinhos, como seu caráter icônico (através de exemplos, os alunos aprenderam o que se considera como ícone na linguagem dos quadrinhos, e por que essa noção é importante para sua leitura); alguns de seus elementos narrativos (os cortes temporais da narrativa através dos quadros); conhecimento específico acerca dos personagens trabalhados; e, como suplemento para a interpretação, foram trabalhadas noções de intertextualidade, ficcionalidade e metalinguagem. O quadrinho a seguir, por exemplo, serviu para se trabalhar metalinguagem e ficcionalidade:

Também antes de cada questão foram discutidas as tiras que estavam sendo trabalhadas, para auxílio da interpretação. Na questão 5, por exemplo, alguns alunos tiveram dificuldade em entender o significado da palavra “implícito”, mesmo a professora já tendo trabalho o tema “sujeito oculto ou implícito” com eles.

Das atividades elaboradas, seguem algumas respondidas e comentadas. Optamos por não comentar todas subquestões, por uma questão de espaço. Escolhemos aquelas que apresentaram resultados mais diversificados. No entanto, todas as questões foram transcritas para facilitar a compreensão do quadro que especifica a quantidade e a qualidade de cada resposta, que foram classificadas em satisfatórias, insatisfatórias, regulares. A quantidade de cada resposta, de acordo com sua classificação, foi dividida por turma, e o total é o somatório das respostas separadas por qualificação nas três. Também transcrevemos as questões que não foram

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comentadas para o caso de o leitor achar interessante utilizar as atividades como proposta em sala de aula.

As questões selecionadas para análise neste trabalho são:

1. O cartum a seguir está relacionado a uma história muito conhecida. Com base nessa informação, responda as seguintes perguntas:

a) Que história seria essa a que o cartum da Magali está relacionado? b) Porque a palavra “uma” aparece em negrito no balão?

c) De que forma essa tira apresenta uma característica marcante da personagem Magali?

Comentário sobre a letra a: A resposta seria a história de Adão e Eva. Esta questão exigia do aluno acionar seu conhecimento intertextual.

Comentário sobre a letra b: Com base no contexto da história, o aluno devia perceber que ao enfatizar a palavra “uma”, a serpente estava fazendo uma oposição à quantidade de maçãs que Magali carregava. A palavra realçada também faz alusão à história de Adão e Eva, já que é dito que a serpente ofereceu “uma” maçã. Dentre as 21 respostas consideradas insatisfatórias e/ou regulares, estão:

− “Porque é a quantidade de maçã que ela queria pegar”; − “Porque é quantidade”;

− “Porque ela pediu para pegar uma maçã e pegou várias”; − “Porque a palavra UMA é verbo”.

Com essas respostas, é perceptível a dificuldade de interpretação dos alunos no que se refere à contextualização do quadrinho, não o compreendendo sequer em sua superficialidade.

Comentário sobre a letra c: A resposta estaria na quantidade de maçãs que Magali pegou. A característica marcante seria sua gula, seu apetite voraz, que foi ressaltado na aula introdutória.

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Muitos alunos responderam essa questão evidenciando essa característica, ao invés de dizerem como ela é realçada. A avaliação apresentou 58 respostas insatisfatórias contra 30 satisfatórias. Esse indicador permite afirmar que os alunos ou não entenderam a questão, ou não conseguiram associar a quantidade de maçãs com a característica marcante da personagem, e responderam que “ela é gulosa” motivados pelo senso comum. Dentre as respostas consideradas satisfatórias, estão:

− “Da forma que ela pega muitas maçãs...”; − “Porque a Magali pegou um monte de maçãs”;

− “Ela apresenta sua característica pegando muitas maçãs”. 2. Com base na leitura da tirinha, responda as questões seguintes:

a) Veja o que Calvin está fazendo no último quadro, e diga qual seria o possível motivo de sua mãe não ter passado as suas cuecas.

b) No último quadrinho, Calvin disse “Ela devia ter mair orgulho...”. A quem se refere este “Ela”?

c) Por que Calvin não disse, no último quadrinho, “Você devia ter mais orgulho...” ao invés de “Ela devia ter mais orgulho...”?

Comentário sobre a letra a: A leitura visual do último quadro permite inferir que Calvin está fazendo algum esforço (através do elemento icônico da língua para fora) para guardar suas roupas, socando-as na gaveta, o que as deixaria amassadas novamente. Durante os comentários sobre a atividade, muitos alunos afirmaram ser comum as mães lhes pedirem para guardar as roupas, de modo que a situação em que Calvin está inserido não está distante da realidade dos alunos para uma possível inferência.

Um dos problemas encontrados para a resolução desse exercício pelos alunos foi a má interpretação da própria questão. O motivo da mãe de Calvin não ter passado suas roupas deveria ser inferido e demonstrado através da leitura do último quadrinho. No entanto, vários alunos explicaram enfatizando os outros quadrinhos ou até mesmo através de suas próprias experiências de vida. Exemplificando as respostas insatisfatórias:

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− “Porque cuecas e meias não precisarão ser passadas”;

− “Sua mãe deu à ele suas roupas mas ele teve preguiça de passá-las, então ele as guardou de uma vez em sua gaveta. Sua mãe pediu à ele que passasse porque ele já está bem grandinho e deve ter mais responsabilidade: ou a razão dela estar trabalhando muito.”

Comentário sobre a letra c: Embora parecesse muito com a questão anterior, mais de vinte alunos erraram esta questão. O aluno precisava saber que houve um corte no tempo e no espaço da história entre o terceiro e quarto quadrinho, alterando a cena, de modo que sua mãe não se mostra mais presente no último quadrinho. A questão b servia de base para esta, questionando o aluno sobre a quem se referia o pronome “ela”, e houveram apenas 2 respostas insatisfatórias. No entanto, as respostas da questão c demonstram problemas de interpretação da própria questão, e também apresentam problemas de referenciação relativa aos pronomes “você” e “ela”. Dentre as respostas consideradas insatisfatórias e/ou regulares estavam:

− “Porque sim, ela devia ter mais orgulho do que faz”;

− “Porque você se refere a 1 pessoa e ela pode ser qualquer pessoa”; − “Porque ela passa todas as suas roupas”;

− “Porque se ele tivesse falado ‘Você devia ter mais orgulho...’ poderia estar referindo a qualquer outra pessoa e não sua mãe”.

Entre as respostas consideradas satisfatórias apontamos qualquer uma que levasse em consideração o que havíamos explicado sobre os cortes tempo-espaciais dos quadrinhos, como por exemplo:

− “Porque a mãe dele estava longe...”;

− “Porque ela saiu e ele falou pelas costas, não falou perto dela”.

3. Observe a tirinha do Calvin e responda:

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b) E no último quadrinho, em qual situação Calvin está?

c) Com quem Calvin poderia estar falando no último quadrinho?

d) Que tipo de pergunta poderia ter sido feita para que Calvin respondesse daquele jeito no último quadrinho?

Comentário sobre a letra a: Muitos responderam ipsis litteris, com base apenas na leitura visual, não levando em conta o último quadro, que auxilia na interpretação de que Calvin está lendo sua tarefa de casa. Apenas 6 alunos conseguiram inferir que Calvin estava lendo algo relacionado à sua tarefa escolar. Embora muitas das tiras de Calvin & Haroldo mostrem situações cotidianas que podem ser facilmente inferidas, a qualidade de suas interpretações depende do conhecimento de que Calvin não é um garoto aplicado, disciplinado, asseado (muitas tiras ressaltam seu desgosto por tomar banho). Mas a principal característica do personagem é sua forte imaginação, que foi explicada em sala de aula. Essa e outras características são responsáveis pela tensão humorística de suas tiras.

4. Leia a tira e responda:

a) Quais são as onomatopéias encontradas nessa tira? O que elas representam? b) Na tira, o personagem Cebolinha está se passando por:

( ) Um vendedor ( ) Um mágico

( ) Um menino travesso ( ) Um piadista

c) Defina o estado da mãe do Cebolinha no segundo e terceiro quadrinhos. d) A intenção de Cebolinha era quebrar o vaso e depois sair correndo? Por quê?

Comentário sobre a letra d: Nesse exercício, apesar da grande quantidade de alunos que apresentaram respostas satisfatórias (59), é surpreendente a não compreensão de vários alunos sobre o princípio básico para o entendimento dessa tira, e principalmente de seu humor: o objetivo de Cebolinha querer representar um mágico, mas acabar se passando por um menino travesso. Assim como o fato do personagem ter quebrado o vaso sem querer como mostra sua

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expressão no segundo quadrinho. No entanto, vários alunos perceberam essa ação como parte da mágica de Cebolinha, o que demonstra uma leitura pouco aprofundada e equivocada do quadrinho por esses alunos. Como exemplos, seguem algumas respostas insatisfatórias:

− “Sim. Porque ele não sabia como fazer o truque”; − “Enfurecer a mãe, para quebrar o vaso”;

− “Sim, porque ele falou que ia fazer uma mágica mas não era”; − “Sim, essa era sua mágica o vaso sumiu e ele também”.

A próxima questão foi de múltipla escolha. Alguns alunos não conseguiram associar a principal característica do personagem Cascão com o efeito de humor da tira, e escolheram opções que vão contra a natureza do personagem. Quem conseguiu associar o fato de que Cascão não gosta de água e que jamais pularia na lagoa para se proteger das abelhas, escolheu a alternativa b. Vejamos a questão:

5. Leia a tira do Cascão e responda:

Marque a opção que demonstra o que está implícito na seguinte fala de Cebolinha: “Sabia que o Cascão está cheio de moldidas de abelhas?”:

a) Que Cascão pulou na lagoa para escapar das abelhas, mas ainda foi mordido por elas; b) Que Cascão não pulou na lagoa para escapar das abelhas, e por isso foi mordido por elas; c) Que as abelhas pularam na lagoa junto com o Cascão, e conseguiram mordê-lo;

d) Que Cascão foi mordido pelas abelhas porque pulou na lagoa.

Essa questão também visava trabalhar: a) noções de causa e efeito: as mordidas de abelha foram consequência do fato de que Cascão não pulou na água para se salvar das abelhas. b) o corte temporal dos quadrinhos, através do processo de Conclusão teorizado por Scott McCloud (1995): a cena em que Cebolinha informa o estado de Cascão só é possível depois de uma série de ações que estão implícitas na narrativa, e que são inferidas pelo leitor relacionando os quadros

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uns com os outros: ler as partes e formar o todo (McCLOUD, 1995).

O quadro a seguir resume a avaliação das turmas e permite observar as questões em que os alunos mais tiveram dificuldade dentre as apresentadas aqui.

REGULA RES SATISFA-TÓRIAS INSATISF A- TÓRIAS TURMAS TURMAS TURMAS Q U E S T Õ E S L E T R A S A B C T O T A L A B C T O T A L A B C T O T A L A 2 2 2 6 9 8 6 2 1 2 0 3 B 2 2 2 7 6 6 5 1 0 2 2 4 1 C 1 1 1 2 7 3 0 1 9 1 8 2 1 5 8 1 2 3 6 A 1 2 2 5 1 1 8 3 4 2 0 6 B 3 3 2 8 0 0 4 4 0 0 7 7 2 C 1 6 2 6 1 8 6 0 8 6 6 2 0 7 0 7 14 A 3 1 2 6 2 0 0 2 2 3 2 86 B 1 7 1 3 6 6 6 1 2 1 1 53 C 2 2 2 7 6 4 4 1 1 2 0 3 3 D 2 2 2 6 2 6 7 4 8 3 4 1 5 1 3 1 5 A 1 1 1 4 2 0 3 5 1 1 9 40 B 2 2 2 8 2 4 3 9 - C 1 2 1 5 5 2 0 7 1 8 1 35 4 D 1 7 2 1 2 1 5 9 1 1 9 1 0 3 0 3 2 0 5 5 - 2 3 2 1 2 4 6 8 8 1 1 7 2 6 -

Quadro 1: Resultados da Avaliação

Sugestões de atividades:

Algumas outras atividades que podem ser elaboradas com quadrinhos, com base no Programa GESTAR II: Língua Portuguesa (2008), e na proposta de Márcia Mendonça (2005), são:

− Levantar expectativas, mostrar os quadros pouco a pouco: tem-se uma estratégia de topicalização. Ao levantar essas expectativas, o leitor ativa conhecimentos sobre o tópico e mesmo sobre os personagens, as quais poderão levar a respostas distintas.

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que ficará implícito após a transposição do gênero.

− Descobrir as estratégias discursivas: em outras palavras, descobrir como e por que o quadrinho é humorístico, o que muitas vezes está relacionado intimamente à conjugação das duas linguagens – textual e imagética – nos quadrinhos.

− Reorganização dos quadros: apresentar os quadros da história fora de ordem e propor atividades de reorganização da seqüência narrativa é uma boa oportunidade de trabalhar relações de causa e conseqüência, e outros aspectos da narrativa.

Considerações finais

Dentre os principais problemas de compreensão encontrados durante o desenvolvimento da pesquisa, destacam-se: dificuldade de abstração; dificuldade de interligação de informações; concepção da leitura apenas como decifração de palavras; e aprendizado mecânico, ao qual os alunos estão habituados. Isso pode ser comprovado através dos resultados negativos nas questões que exigiram dos alunos uma leitura mais aprofundada.

Grande parte dos alunos não ultrapassa a superfície do texto, não estabelecem ligações entre o seu conhecimento e o que está sendo exposto no texto e até mesmo entre as partes do texto, preocupam-se muitas vezes com uma resposta objetiva ao exercício, sem refletirem sobre aquilo que lêem e escrevem. Isso pode ser exemplificado pelo exercício (1) já comentado no quadrinho da Magali. Vários alunos apresentaram uma resposta objetiva – “gulosa” – mas não explicaram essa resposta dentro do contexto da tira, como pedido na questão.

No entanto, também foi possível encontrar resultados positivos com esta experiência. A primeira aula foi um demonstrativo da importância de se trabalhar com gêneros que chamem a atenção do aluno. No caso das histórias em quadrinhos, isso acontece devido ao seu caráter lúdico visto, muitas vezes, como forma de entretenimento entre eles. O comportamento de alguns alunos demonstrou esse interesse à medida em que faziam perguntas e se mostravam atentos diante das discussões sobre quadrinhos que promovemos. Nesses momentos, foi possível perceber forte busca de interpretação dos quadrinhos por esses alunos, e maior facilidade para o entendimento desse gênero. Isso leva a concluir o quanto a motivação gerada através do interesse pelo gênero deve ser o principal foco para o trabalho de interpretação textual.

O trabalho também permitiu corroborar a idéia de que atividades baseadas em histórias em quadrinhos na sala de aula são uma forma do professor explorar os seguintes tópicos colocados pelo Conteúdo Básico Comum (CBC):

− Organização Temática (implícitos, pressupostos e subentendidos);

− Seleção lexical e efeitos de sentido (reconhecer recursos lexicais e semânticos usados em um texto e seus efeitos de sentido);

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− Intertextualidade e metalinguagem;

− Textualização do discurso narrativo ficcional (ordenação temporal, conexão textual, resolução do conflito).

Deste modo foi possível confirmar e pontuar algumas das principais dificuldades encontradas pelos alunos na depreensão de significado durante a leitura. Além disso, evidenciamos na prática a idéia de que as histórias em quadrinhos podem ser um forte recurso de auxílio ao trabalho de interpretação de textos. Isso devido, principalmente, à capacidade que esse gênero tem de enriquecer a produção de sentido através da junção entre a linguagem imagética e escrita e de seus aspectos multimodais tais como cores, representação em desenho dos personagens, os ambientes em que estes estão inseridos, o formato dos balões, a disposição tipográfica das palavras, sobretudo utilizadas nas onomatopéias, dentre outros recursos que podem ser utilizados pelo quadrinista chamando a atenção do aluno para o texto e seu significado.

Referências bibliográficas

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BRASIL. Ministério da Educação. Conteúdo Básico Comum. Língua Portuguesa. Brasília, 199-. EISNER, W. Quadrinhos e arte seqüencial. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

KLEIMAN, A. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas: Pontes, 1989.

MATENCIO, M. L. M. Leitura, produção de textos e a escola: reflexões sobre o processo de letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1994.

McCLOUD, S. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 1995.

MENDONÇA, M. R. S. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONISIO, A. [et al.] (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

RAMOS, P. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

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