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Sensibilidade. Talvez seja a palavra que melhor resuma o perfil profissional de nosso
entre-vistado, Dr. Ronaldo Hirata, professor do curso de especialização em Dentística
Restau-radora da UFPR, professor do curso de pós-graduação Latu Sensu em Odontologia
Esté-tica do CES/SENAC-SP, mestre em Materiais Dentários pela PUC-RS e doutorando em
Dentística Restauradora pela UERJ. O professor Hirata (se puder ser classificado) representa a
nova geração de professores/pesquisadores no Brasil com características arrojadas e
cientifica-mente embasado, traz em suas idéias o conceito do aprendizado constante e progressivo. Nesta
entrevista, concedida à Revista Dental Press de Estética, discute com sua sensibilidade
caracte-rística o momento atual do ensino e clínica da Odontologia.
Como você tem visto a Dentística Restauradora nos últimos tempos?
A Dentística no Brasil tem tido uma dupla influên-cia: uma americana e uma européia. A influência americana tem nos trazido uma maior dinamização dos procedimentos restauradores e, em consultório, reflete em maior produtividade com um índice de erros potencialmente menor também. O problema maior se encontra na tendência à padronização dos resultados e excesso de normatização dos passos operatórios.
A influência européia se faz no esmero pelos deta-lhes e individualização dos casos e um contato pes-soal maior entre o profissional e paciente. Parece-me um padrão mais próximo ao nosso, uma Odontologia menos seriada.
Os cursos atualmente têm mostrado um nível bas-tante alto, especialmente na área de Odontologia Estética. O número de eventos tem sido igualmente intenso. Como você tem acompanhado esta fase?
Acredito que os cursos na área de Odontologia
Estética realmente têm apresentado alta qualidade audiovisual e técnica, o que é excepcional. Penso, no entanto, que estamos todos exagerando um pouco nesta fase.
Estamos evoluindo e isto é positivo, porém, o de-talhamento e a atenção aos recursos não deveria ser tão neurótico como tem me parecido. Estamos um pouco “over” em apresentações, pois a tecnologia tem feito este mal ao palestrantes; fomos escravi-zados pelos projetores multimídia e computadores e esquecemos que o foco é o profissional que está assistindo ao curso. O foco não é a nossa pessoa, mas sim a dele. Este é um erro que também tenho come-tido, mas devo refletir mais sobre este erro pessoal.
O foco deve ser oferecer e passar informação de qualidade e o profissional que assiste o curso deve absorver isto e não se marginalizar frente a esta ava-lanche de efeitos e informações. E as pessoas gos-tam das pessoas, ainda!
Me preocupo se, daqui a alguns anos, terei que dar cursos tocando violino, apresentando em 3D e cantando ao mesmo tempo.
“Me sentiria frustrado se
dissesse: uso uma técnica
há 25 anos com os
mesmos materiais, como
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para 98% dos profissionais que fazem Dentística.
Para nós, que estamos acom-panhando o enfoque das discus-sões sobre óptica dos materiais, alguns conceitos são “estratos-féricos”, imagine para um profis-sional saindo de seu consultório para ir a um congresso a fim de
evoluir em procedimentos técnicos e atualizar-se, entrar em uma discussão sobre o “efeito da camada de alta reflexão de luz na vitalidade de restaurações” e não saber, ainda, o que é opacidade e translucidez. Não estou me excluindo desta discussão; tam-bém erro em minhas apresentações, mas penso mui-to nisso. Precisamos ser mais simples; a Odonmui-tologia precisa ser mais simples. Precisamos passar a infor-mação. A maioria precisa absorver a inforinfor-mação.
E sobre a ansiedade dos profissionais frente à mu-dança e às novidades?
Todos sofremos com as mudanças, mas elas são inevitáveis. Algumas pessoas me dizem: “tenho uma técnica e uso um material para isto e estou satisfei-to, gostaria de fazer isto assim para sempre”. Mas nunca nada é para sempre, tudo sempre muda. Me sentiria frustrado se dissesse: uso uma técnica há 25 anos com os mesmos materiais, como estou satis-feito...
Frustrante e angustiante é não querer e não acei-tar mudanças.
Algumas pessoas olham para a vida e dizem: gos-taria que fosse sempre assim, estou satisfeito. Mas não será e você terá momentos bem piores e tam-bém melhores. Simplesmente assim.
zendo as mesmas próteses mol-dadas da mesma forma e fazendo as mesmas restaurações tradicio-nais. Queremos evoluir e avançar, mesmo que tenhamos que pagar com erros iniciais. A evolução é como uma espiral em que você tem a impressão que desce um pouco, mas logo após sobe mais. Existe uma frase de Karl Popper que diz: “o ideal de não ter erros é um ideal pobre; se não temos a ousadia de abordar problemas difíceis em que o erro seja quase inevitável, o conhecimento não aumen-tará”.
Errando se aprende?
Não, às vezes não se aprende nada com o erro. Alguns profissionais erram e voltam para casa e dor-mem normalmente e pensam: errei, mas aprendi. Se você não sente a dor do erro, perde o sono e sofre com isto, não está aprendendo nada, não está absor-vendo o erro. O erro deve ser sentido como dor.
Os profissionais têm se tornados mais críticos em ge-ral e, especialmente, nos cursos. Como você tem sen-tido este lado?
Obviamente fico um pouco angustiado. Todos querem agradar sempre, mas penso que se torna pouco saudável. Uma vez entrei em um curso e ouvi no fundo da sala algo como: “ouvi dizer que ele é muito bom, vamos ver se é mesmo!”. Fiquei pen-sando que gostaria de corresponder à expectativa e pensei em todas as vezes que decepcionei aos outros e a mim mesmo; decidi ser como sou sem-pre, às vezes melhor e às vezes pior, algumas vezes
sofre com isto, não está
aprendendo nada, não está
absorvendo o erro. O erro
deve ser sentido como dor.”
agradando e outras não, mas ser eu mesmo. Percebi que esta cobrança perante os outros tirava o prazer de dar cursos.
Na minha época de faculdade os cursos bons eram aqueles em que olhávamos para o professor e pensá-vamos: “O curso foi ótimo, mas nunca vou conseguir fazer isto; não entendi muito bem, mas este cara é fantástico”; não absorvíamos nada e, ainda assim, eles eram fantásticos. Hoje a comunicação se faz de outra forma; bons cursos são aqueles em que apren-demos pequenos detalhes; anotamos alguns mate-riais interessantes e acrescentamos algo pessoal.
As pessoas têm cobrado dos palestrantes cursos fantásticos e performances pessoais, técnicas avan-çadas e fotos excepcionais, mas no fundo ninguém
resolve o ponto principal. Não são os palestrantes que devem ser excepcionais e sim nós que estamos no curso. Devemos buscar um novo detalhe, uma nova idéia, mas cobramos dos outros o que não te-mos coragem de cobrar de nós meste-mos. Jogate-mos a ansiedade do momento em que vivemos e das mu-danças que nos são exigidas nos professores e pa-lestrantes, mas ninguém tem culpa.
Ora, todos somos inseguros, todos queremos agradar, mas devemos aproveitar as pessoas e os palestrantes como eles são e não como gostaría-mos que fossem. “Acho que ele deveria fotografar melhor...” Não pense que eu também não gostaria de fotografar melhor, mas calma. Podemos viver com mais serenidade com os outros.
Figura 1 - Caso inicial de uma restauração Classe IV que havia realizado com dois anos de acompanhamento. O paciente solicitou uma mu-dança para cerâmica, desde que sem desgaste dentário, por pequenas fraturas eventuais que ocorriam com a resina.
Figura 2 - Dente após a remoção da restauração.
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gente pelos defeitos do que pelas qualidades. Desisti de ser excepcional para ser isto, uma pessoa cheia de defeitos e pontos fracos a serem trabalhados e algumas habilidades, mas todas bastante pessoais e verdadeiras. Se pudesse ser excepcional gostaria de ser, mas desisti.
A Dentística e a Prótese têm se aproximado bastante. Qual seu ponto de vista sobre isto?
Penso que a Prótese e a Dentística são uma só área: Odontologia Restauradora. Impossível dife-renciar hoje a Dentística da Prótese, uma vez que os procedimentos indiretos fazem parte de 50% do consultório de clínica restauradora hoje. Antigamen-te havia a idéia de algumas pessoas sobre talvez fa-zer Dentística porque não gostavam de moldagem, mas hoje se mostra impossível dissociá-los. No fu-turo poderão ser uma só especialidade: Odontologia Estética Restauradora.
Temos grandes referências de profissionais hoje. Muitos deles devem ter sido fontes de inspiração.
Com certeza tive estes professores de hoje não como ídolos porque não é saudável ter ídolos, mas profissionais impactantes que inspiram, independen-te de qualquer questão filosófica ou política; daque-les que tinha uma visão na faculdade posso afirmar algumas coisas. A primeira vez que vi o Prof. Mondelli foi um grande impacto, pois possui uma personalida-de e carisma, isto é inegável. O Prof. Baratieri personalida-devo dizer que foi uma mudança de paradigma, idéias e atitude conjuntas; até hoje tenho a reação de um recém-formado nos cursos dele, fico impressionado. Do ponto de vista individual, tenho a satisfação de ter o Prof. Mario de Góes no convívio profissional,
GLOSSÁRIO (segundo Dicionário Houaiss)
Iridescência: (substantivo feminino) característica, condição
do que é iridescente; série de reflexos brilhantes, perceptíveis no arco-íris, na madrepérola, em bolhas de sabão.
Opacidade: (substantivo feminino) qualidade, estado
ou propriedade do que é opaco; ausência de transparência.
Translúcido: (adjetivo) diz-se de qualquer corpo que deixa
passar a luz, mas que não permite que se perceba objetos colocados por detrás dele.
Dr. Ronaldo Hirata
- Professor do curso de Especialização em Dentística Restauradora UFPR;
- Professor do curso de Pós-graduação Latu Sensu em Odontologia Estética CES/SENAC-SP;
- Professor do curso Estética em Prótese Fixa APCD-SP; - Especialista em Dentística Restauradora UFPR; - Mestre em Materiais Dentários PUC-RS; - Doutorando em Dentística Restauradora UERJ;
- Coordenador do curso de Resinas Compostas NAEO-SC e Instituto Neodent-PR.