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A Europeização das Políticas Migratórias Portuguesas para Extracomunitários

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

João Carlos Jarochinski Silva

A Europeização das Políticas Migratórias Portuguesas para Extracomunitários

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

João Carlos Jarochinski Silva

A Europeização das Políticas Migratórias Portuguesas para Extracomunitários

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais na área de concentração em Relações Internacionais sob a orientação da Professora Doutora Lucia Maria Machado Bógus.

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Banca Examinadora

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES pelo financiamento de parte dessa pesquisa e pela oportunidade ofertada de estágio de Doutorado Sanduíche no Exterior, em Portugal.

Ao início de orientação, pelo professor Paulo Edgar de Almeida Resende, que além de me receber de braços abertos no Programa de Pós-Graduação, com muito carinho e disposição em orientar, foi um valoroso exemplo de dedicação à Academia e aos seus orientados. Infelizmente, o tempo que passamos juntos foi pequeno demais para eu absorver todos os ensinamentos que ele podia me ofertar.

Por conta da perda do professor Paulo Edgar, faço um agradecimento especial à professora Marisa do Espírito Santo Borin que, num momento muito difícil em minha trajetória pessoal e acadêmica, aceitou me ajudar como orientadora provisória e fez mais do que o possível para auxiliar o desenvolvimento de minha pesquisa.

Também aos inúmeros professores que de uma forma ou outra contribuíram no desenvolvimento desse trabalho como Vera Chaia, Leila Blass, Regina Gadelha, Gilberto Rodrigues, Rossana Rocha Reis e Liliana Lyra Jubilut.

Mais do que especial ao professor Jorge Malheiros, pela excelente recepção que me ofertou em Portugal e na Universidade de Lisboa, pela forma carinhosa com a qual compartilhou seus conhecimentos, materiais, reflexões. Sem isso, uma análise aprofundada do contexto migratório português não seria possível. Sou grato também às inúmeras oportunidades que me ofereceu nesse caminho.

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Aos inúmeros amigos que fiz durante essa pesquisa, todos são muito especiais e me ofereceram momentos únicos do ponto de vista acadêmico e pessoal.

Por fim, não há como não ofertar o meu maior agradecimento a professora Lucia Bógus, que além de valorosa orientação, paciência ímpar, capacidade reflexiva em relação ao tema, gentileza ao aceitar a forma como desenvolvi o trabalho, foi uma incentivadora gentil que me ajudou a superar os piores momentos nessa trajetória acadêmica, oferecendo-me ótimas oportunidades de crescimento pessoal e acadêmico.

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RESUMO

Portugal é um país marcado pelo predomínio de levas emigratórias. Entretanto, com o fim do Império Colonial, com a redemocratização e com a entrada na Comunidade Europeia, passou a receber levas de imigrantes, notadamente das ex-colônias, em busca de melhores oportunidades nesse país que demonstrava oportunidades para que esses migrantes se estabelecessem e melhorassem de vida. Nos anos 1990, além dos imigrantes das ex-colônias, começaram a chegar grupos de outras localidades, com destaque para pessoas vindas do Leste Europeu e da Ásia. A partir dessa nova realidade, a temática da migração destaca-se em definitivo no cenário político, fazendo com que no final do século XX e começo do XXI, aquele país produzisse uma grande quantidade de normas para a regulação da matéria. Mas, o fato de pertencer à União Europeia trouxe como consequência a necessidade de incorporação das regras comunitárias para tratar as imigrações, seja das pessoas advindas dos países-membros da União, seja de terceiros, que passaram a receber a denominação extracomunitários. Estes últimos são, notadamente, quando irregulares, vítimas de uma lógica migratória dominante de repulsa, o que gera barreiras ou criminalização do ato de migrar. A partir desse contexto, o trabalho desenvolve uma análise da produção de Portugal em matéria migratória, salientando a conexão desta com a história dos fluxos que marcaram o país, chegando até o momento em que a regulação estatal começa a ser substituída pela produção comunitária. Também se analisa a construção da integração na Europa, a incorporação da temática migratória aos temas da União e as suas produções mais destacadas, as quais serão debatidas em termos de conteúdo e produção. Além disso, verifica a especificidade do quadro migratório por meio de uma comparação com o cenário dos países do sul europeu, os quais foram designados como Modelo Sul da Europa. Além disso, discute aspectos impactantes para as migrações, como o uso da cultura para fins de exclusão, a visão da imigração como um fator de insegurança e o discurso midiático sobre as imigrações e os migrantes. Portanto, por meio da metodologia comparativa entre a realidade portuguesa e a europeia, o trabalho avalia a mudança provocada pela europeização das normas migratórias, em Portugal, a fim de demonstrar que tal guinada não significou a melhoria na regulação, pois não atenta para o contexto específico nacional, nem para os interesses e vinculações externas do país, não oferece meios mais eficientes de controle e se baseia numa generalização que pensa a migração focada sobre o aspecto de segurança e exclusão.

PALAVRAS-CHAVE: Imigração; Políticas Migratórias; Portugal; União

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ABSTRACT

Portugal is a country marked by emigration flows. However, with the end of the Colonial Empire, the re-democratization and its entry into the European Community, Portugal has started to receive immigrants, mainly from its former colonies, in search of better opportunities in a country that showed favorable circumstances for said immigrants to settle and improve their lives. In the 1990s, besides the immigrants from former colonies, groups from other locations started to arrive, especially people from Eastern Europe and Asia. In light of this, the topic of migration started to definitively receive attention in the political scene, and Portugal produced a great quantity of norms for regulation of this issue in the end of the 20th century and the beginning of the 21st century.

Portugal´s belonging to the European Union, however, brought as a consequence the need of the incorporation of community rules to deal with immigration, be it by people from other Member-states of the EU, be it by people from third states, which started to be called third-country nationals. The latter are, notably, when in irregular situation, victims of a migration logic mainly focused on repulsion, which generates either barriers or the criminalization of the act of migrating. Steaming from this, the present work develops an analysis of the legislative production in the issue of migration in Portugal, highlighting the connection of said legislative production with the history of the migratory flows that marked the country, up to the moment in which state´s regulation begins to be replaced by community rules. The construction of integration in Europe, the incorporation of the migration issue into other topics of the European Union and the most relevant legislative production in this area are also analyzed, especially in terms of their content and production which will be debated. Furthermore, the work posits the specificity of the migratory framework of Portugal in the midst of a comparison with the scenarios of other countries in Southern Europe, which were branded as the Southern European Model of Immigration. The work also discusses striking aspects for migration, as the use of culture for exclusion, the view that immigration is a factor of insecurity, and the media’s discourse on immigration and migrants. Thus, by means of the comparative methodology between the Portuguese and European realities, the work assesses the change brought about the Europeization of migratory norms in Portugal, aiming to demonstrate that this shift did not mean an improvement in regulation, given that it does not considered either the specific national context or the interests and external ties of the country, does not offer more efficient means of control, and is based in a standardization that thinks migration with a focus on security and exclusion.

Keywords: Immigration; Migratory Policies; Portugal; European Union;

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Emigração portuguesa por países de destino (1955-1974) 29 Tabela 2 Fatores que provocam fluxos emigratórios na atualidade 33 Tabela 3 – Tipo de imigrante segundo a entrada – em negrito 47 Tabela 4 Pluralismo ideológico, a ideologia cívica, a ideologia assimilacionista

e o etnismo 54

Tabela 5 Tipologia dos migrantes segundo os direitos assegurados

Migração laboral 64

Tabela 6 – Autorizações de permanência concedidas por nacionalidade

(2001-2003) 67

Tabela 7 – Formas mais comuns de imigração irregular 122

Tabela 8 – Duração máxima do período de detenção 134

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

CAPÍTULO 1 – AS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS EM PORTUGAL 27

1.1. INTRODUÇÃO AOS CONTEXTOS MIGRATÓRIOS PORTUGUESES 27 1.2. A LEGISLAÇÃO PORTUGUESA REFERENTE ÀS IMIGRAÇÕES 37

1.2.1. Políticas migratórias anteriores à Revolução de 25 de abril 37 1.2.2. A década de 1970 38

1.2.3. A década de 1980 45

1.2.4. A década de 1990 53

a) O PSD no Poder 53

b) O PS no Poder 60

1.2.5. O século XXI 65

a) A Continuação do PS no Poder 65

b) O PSD-CDS-PP no Poder 73

c) O PS no Poder 79

d) A volta do PSD ao Poder 85

CAPÍTULO 2 O SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA UNIÃO EUROPEIA E AS SUAS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS 87

2.1. A INTEGRAÇÃO EUROPEIA ATÉ O ACORDO SCHENGEN 87

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2.3. OS EFEITOS DA VINCULAÇÃO REFÚGIO E IMIGRAÇÃO E A

CONSTRUÇÃO DE BARREIRAS EXTERNAS 98

2.4. O FOCO NOS IMIGRANTES IRREGULARES 115

2.5. O CONJUNTO DAS DIRETIVAS PARA A IMIGRAÇÃO IRREGULAR A

DE RETORNO, A DAS SANÇÕES E A DA MIGRAÇÃO DE

TRABALHADORES ALTAMENTE QUALIFICADOS 126

a) A Diretiva Europeia de Retorno 126

b) A Diretiva das Sanções 129

c) A Diretiva de Trabalhadores Altamente Qualificados 130

d) Interpretação dessas Diretivas 132

CAPÍTULO 3 A INCONSISTÊNCIA DA EUROPEIZAÇÃO DAS NORMAS

MIGRATÓRIAS PARA A REALIDADE PORTUGUESA

142

3.1. O DÉFICIT DEMOCRÁTICO QUE MARCOU A PRIMEIRA GRANDE

AÇÃO DO PROCESSO DE EUROPEIZAÇÃO DA REGULAÇÃO

MIGRATÓRIA 142

3.2. PORTUGAL NO MODELO SUL DA EUROPA 147

a) Objetivos do debate do Modelo do Sul da Europa 147

b) O embasamento fatual do modelo 149

c) Crítica ao modelo 151

3.3. O USO DA DIFERENÇA PARA FINS DE EXCLUSÃO 164

3.4. SEGURANÇA E IMIGRAÇÃO 173

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CONCLUSÃO 188

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INTRODUÇÃO

As questões migratórias, notadamente quando pautadas por movimentos internacionais, atingiram nos últimos anos um enorme impacto nas políticas estatais e nos processos de integração.1 Nesse sentido, o presente trabalho,

propõe-se a discutir a resposta dada por Portugal a essa questão, pois, além de ter alterada sua realidade migratória nos últimos 30 anos, período em que deixou de ser um local essencialmente de emigração e se tornou também de imigração, o país adentrou na Comunidade Europeia. E, com isso, assumiu compromissos relacionados à temática que o colocaram na regulação de elementos que ultrapassam o interesse nacional, notadamente o interesse comunitário.

Entretanto, realizar tal debate não é fácil, pois, além da questão da ação estatal frente ao tema, da ação comunitária, dos impactos dessas ações, há que se compreender os próprios movimentos migratórios, Com certeza, um dos mais complexos temas da sociedade contemporânea, pois traz impactos políticos, econômicos e sociais de várias ordens.

Na busca por uma compreensão mais plural do tema na realidade portuguesa e, por consequência europeia, fez-se necessário seguir a abordagem sugerida por Sayad (1998, p. 9) no prefácio de seu livro A Imigração, em que ele

classificou o fenômeno migratório como um fato social completo criando, para seu estudo, a necessidade de um itinerário epistemológico e cognitivo que se dá no cruzamento das ciências sociais com um ponto de encontro em inúmeras disciplinas, tais como História, Geografia, Demografia, Direito, Sociologia, Psicologia Social, Antropologia, Linguística, Ciência Política e, por fim, de acordo com a perspectiva do autor deste trabalho, as Relações Internacionais.2

Nesse ponto, o uso da Ciência Política far-se-á na análise da produção normativa portuguesa e europeia com a regulação das migrações, os impactos eleitorais, as distinções entre Direita e Esquerda no trato do tema, objetivos que

1 O termo integração será utilizado tanto como denominador do processo de desenvolvimento comunitário europeia, naquilo que se denomina processo de integração, quando na ideia de integração dos migrantes na comunidade de destino. O contexto deixará claro qual o uso do termo a que se faz referência na sua utilização.

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determinaram as escolhas do país e da Comunidade e avanços obtidos na temática do ponto de vista do processo de integração europeia. O Direito será utilizado para analisar a técnica de produção normativa, a aplicação da lei na qual se verificaram as formas como os objetivos ali estabelecidos são alcançados e a existência de eventuais choques com outros direitos ou princípios jurídicos na tentativa de regulação do tema, fora o desenvolvimento de uma matriz jurídica de cunho comunitário.

A História será fundamental para a análise do processo de construção da realidade tal qual ela se encontra ao final do marco temporal estabelecido no trabalho, contribuindo para verificar continuidades e rupturas que marcam o processo. A Sociologia é fundamental para a compreensão dos impactos sociais que tais medidas possuem nos grupos, como os estrangeiros e os nacionais, além de verificar o impacto das medidas e a forma como elas são construídas no seio das sociedades que, contemporaneamente, envolvem nacionais e imigrantes.

Já a Demografia será utilizada para analisar os impactos que as migrações possuem para os dados relacionados ao crescimento, diminuição e estagnação dos dados relativos à sociedade portuguesa e europeia. Por fim, o fato de lidar com a questão migratória, com impacto direto na relação entre os países e suas sociedades, a vinculação com o processo de integração europeu, o viés de segurança estatal e comunitário que as migrações possuem hoje, faz com que a abordagem vinculada às Relações Internacionais seja elementar a este trabalho.

Sem dúvida, essas são as ciências que se farão mais presentes no trabalho. Porém, deve-se destacar que as outras destacadas também constarão, mas em menor quantidade, devido ao enfoque que o trabalho deseja projetar. As diferentes dimensões do tema geral, as migrações internacionais não são descartáveis, haja vista a contribuição que nos convida a uma visão mais rica da análise sociológica do fenômeno (RIBAS MATEOS, 2004, p. 17-18).

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Portanto, a interdisciplinaridade conferida ao tema não permite um corte tão fixo da escolha por referenciais científicos estanques, motivo pelo qual se optou pelas Ciências Sociais e pelas Relações Internacionais, campos de estudo marcados pela intensa relação entre si, nas análises, pois, conforme salienta Ribas Mateos (2004, p. 17),

Un tema general de estudio, como es el de la inmigración, se aborda desde un amplio abanico de campos: la importancia del funcionamiento económico de los mercados de trabajo para los economistas, la revisión del concepto de identidad para los psicólogos sociales, el voto de los inmigrantes en sociología política, los retos culturales de la inmigración para los antropólogos, las bajas tasas de fecundidad entre los autóctonos para los demógrafos etc. Éstos son ejemplos de cómo se está tratando la inmigración desde múltiples ámbitos, sean éstos ámbitos consolidados, como distintas disciplinas de las ciencias sociales, o campos más específicos: áreas concretas insertas en la sociología como disciplina científica.

As delimitações relacionadas ao objeto são, portanto, de caráter geográfico, temporal e do interesse da pesquisa. A primeira delimitação para isso foi a escolha da localidade que se pretende estudar – Portugal – que, conforme já salientado, passou por importantes alterações em seu quadro migratório nos últimos 30 anos e adentrou a Comunidade Europeia. Com essa escolha, fez-se necessário o desenvolvimento de uma abordagem que destacasse a trajetória histórica das migrações nesse país, para reforçar o cenário de mudança contemporâneo, como a entrada maciça de imigrantes e a continuidade de uma emigração. Além disso, a abordagem histórica permitiu verificar nos últimos anos a continuidade de certas nacionalidades como as predominantes no país, vinculadas, sobretudo ao passado colonial português, além de perceber a chegada de novos grupos, notadamente do Leste europeu.

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quem é imigrante e quem é nacional, além de estabelecer, pela primeira vez, um quadro de imigração mais nítido no país.

A sequência desse cenário se desenvolve nos anos 1980, quando Portugal, além do aumento significativo de entradas de pessoas, passa a fazer parte da Comunidade Europeia, o que traz consequências em termos de internalização de normas, alienação de parte da soberania e gestão compartilhada das políticas de segurança. Fora isso, essa entrada representou avanços econômicos e sociais com os investimentos comunitários, proporcionando ao país tornar-se atrativo para imigrantes, levando pessoas, notadamente das ex-colônias, a procurarem-no.

Nos anos 1990, o tema das migrações torna-se mais impactante politicamente, pois, além da efetiva presença de estrangeiros em várias regiões portuguesas, vale destacar Lisboa e o grande Porto. Assiste-se no mundo à reentrada efetiva dos temas imigratórios na agenda dos países centrais do Sistema Internacional, como os europeus e Estados Unidos. Portugal, apesar de não ser um país central do Sistema, não foge a essa realidade e começa a tomar uma série de medidas relacionadas ao tema, bem como incorporar compromissos europeus com impacto direto na capacidade de regulação do tema migratório, modificando, significativamente, a tradicional forma com que esse Estado lidava com o tema.

Até então,

todos os Estados no exercício dos seus direitos de soberania definem políticas migratórias mais ou menos restritivas ao estabelecerem e controlarem quem pode entrar e permanecer no seu território e, subsequentemente, pertencer ao todo nacional. No exercício destes direitos, os Estados promulgam e implementam legislação que visa regulamentar os seguintes aspectos da relação cidadão estrangeiro/Estado nacional: entrada, permanência, aquisição de nacionalidade e expulsão do território nacional. (BAGANHA; MARQUES, 2001, p. 7-8)

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algumas medidas de caráter efetivamente nacional, em especial, no campo da integração dos imigrantes.

Outro ponto relevante é que, devido ao impacto das normas europeias, Portugal deparou-se com uma nova figura migratória, pois, além do binômio nacional e estrangeiro, a participação na comunidade fez com que o estrangeiro se dividisse em duas categorias, o estrangeiro de país membro da Comunidade Europeia e o extracomunitário.

Para se conhecer essa europeização, desenvolve-se no segundo capítulo a abordagem da construção da integração europeia, destacando-se aspectos relacionados a políticas migratórias, nas quais se percebe um processo de conotação econômica, num primeiro momento, a ponto de se falar em circulação de trabalhadores e não de pessoas. Mas, desenvolve-se para uma abordagem de caráter mais político, nas qual se asseguram garantias de circulação para os nacionais dos Estados-membros da Comunidade.

Ao mesmo tempo em que se desenvolve uma perspectiva de livre-circulação para esses nacionais, a Comunidade procura estabelecer uma regulação comum da entrada de imigrantes de países não membros em seu território. Esse é o segundo marco fundamental do trabalho, pois, com ações dessa natureza, Portugal, obrigatoriamente, deparou-se com um quadro no qual há imigrantes privilegiados, no caso, os europeus oriundos de países participantes do acordo Schengen. Esse privilégio ocorre em decorrência da entrada na Comunidade e não guarda relação com a trajetória histórica das imigrações em Portugal, além de afetar a escolha pelos destinos dos emigrantes portugueses.

O panorama da Comunidade Europeia é fundamental para a compreensão do seu desenvolvimento e de qual a lógica por trás da política migratória, que começou efetivamente em 1985, ainda muito marcada pela política de imigração zero de alguns de seus membros, em termos de discurso e políticas, por conta da crise do Petróleo no século passado. Defarges (2007, p. 24) resume a situação da seguinte maneira:

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uma paragem no acolhimento dos trabalhadores. Mas a maioria dos migrantes chegados não imaginam partir; as famílias continuam a poder reunir-se; as segunda, terceira e quarta gerações nascem e crescem. A Europa fechada, mas porosa permanece um espaço de prosperidade, continuando a atrair os estrangeiros, que se infiltram por entre as malhas dos controlos.

A imigração resume as contradições da Europa. Esta não pode viver

sem abertura e sem troca […].

A partir do acordo Schengen temos um novo marco em termos migratórios que, conforme destaca Costa-Lascoux (1992, p. 207), “tratava de projetar a construção de uma Europa dos cidadãos, na qual a liberdade de circulação seria garantida pela supressão das fronteiras físicas”, mas que também devemos salientar. Fez-se a distinção entre “nós”, os cidadãos europeus, e “eles”, os imigrantes.3 Figueiredo (2011, p. 4) ao analisar o acordo destaca que:

O acordo de Schengen, assinado em 1985, não era no início integralmente europeu, pois excluía alguns países da União Europeia. Progressivamente, foi amplamente adquirido como princípio da própria União. O acordo trouxe um segundo paradigma político com maiores implicações para as fronteiras. Assim como a Política Regional, o acordo de Schengen tem o objectivo de fortalecer o mercado único europeu. Porém, a ênfase não é a coesão, mas a segurança.

Apesar desse elemento de segurança, não há dúvida de que o acordo Schengen é muito significativo para o avanço na integração europeia e tal impacto é grande na vida das pessoas que pertencem aos países membros da comunidade. Porém, há que se destacar que essa escolha pela europeização também reside na contradição assinalada por Figueiredo, pois o processo de integração do continente criou a possibilidade para os cidadãos dos países signatários do acordo Schengen de circularem livremente pelas fronteiras desses países, uma conquista que Beck (2013, p. 26) classificou como uma das mais importantes da construção europeia. Mas, faz-se necessário destacar que isso ocorreu quase que de forma concomitante ao aumento das barreiras para as pessoas que não são membros desse espaço.

3 Eric Hobsbawm (2010, p. 344) ensina que um dos pilares da identidade coletiva é a definição negativa, isto é, colocar-se contra outros. O reconhecimento de um grupo, o “nós” dá-se em função de sermos diferentes “deles”: “Por outras palavras, as identidades colectivas não se

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Apenas o acordo Schengen não é suficiente para se falar numa política migratória europeia. Ainda se fazia necessário um processo de aprofundamento e desenvolvimento de uma integração mais política do que econômica, o que ocorre com o Ato Único Europeu, de 1986, que estabeleceu as prioridades no desenvolvimento do projeto de integração, trazendo não apenas elementos econômicos, mas reforçando, também, elementos políticos.

Com esse Ato, a questão migratória passa a ser recorrente nos debates, discursos e produções da União. Podemos falar que tem início o período de cooperação entre os membros na temática migratória. Entretanto, como a Europa ainda não havia desenvolvido a contento a sua lógica de integração política, como, por exemplo, o conceito de “cidadania europeia” não formalizado. Esta seria a primeira fase da construção de uma regulação migratória europeia, que pode ser definida como de cooperação informal, pois os acordos e normas possuíam um caráter mais propositivo.

Além das questões assinaladas, tem-se ainda sobre o tema o ineditismo na história contemporânea de uma regulação migratória que não é definida exclusivamente por um Estado. Tal situação leva a uma reflexão sobre como orquestrar e encontrar um denominador comum para países tão distintos do ponto de vista econômico, social e, principalmente, em termos de trajetórias e interesses migratórios.

Durante as últimas três décadas, a Europa teve outras produções fundamentais para o aprofundamento de sua integração política, que vão desde o desenvolvimento do status do acordo Schengen, passando pelo Tratado de

Maastricht, pelo Tratado de Amsterdã, entre outros. No começo dos anos 1990, a integração aprofunda-se e passamos a ter uma cooperação de tipo formal entre os membros na questão migratória, chegando a incluir países que não estão presentes no referido Acordo de forma plena.

Com o alvorecer do século XXI, assiste-se a um avanço ainda maior em termos de política migratória, que permite se falar na efetivação de uma política comum, principalmente após o acordo Schengen adquirir, em 1999, o status de acquis communautaire, passando a fazer parte do quadro jurídico e institucional

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regulação dos fluxos de indocumentados ser fundamental no encontro dos membros da União em Tempere.

Isso refletiria no contexto europeu o quadro descrito por Reis (2006, p. 17), no qual se afirma ser

De modo geral, a pujança dos fluxos migratórios internacionais, sobretudo os ilegais, é quase sempre usada como uma evidência da falência dos Estados, incapazes de controlar as suas fronteiras diante das pressões de uma economia globalizada, e da autonomia que adquirem as redes sociais de imigrantes. Além disso, a reflexão sobre a imigração muitas vezes convergiu com o argumento, cada vez mais presente nas teorias das relações internacionais, de que o Estado não seria mais o único ator relevante no sistema internacional, tendo perdido parte de sua importância, ou cedido parte de sua soberania para regimes e organizações multilaterais. Argumenta-se que o crescente poder dessas instituições estaria minando a capacidade do Estado de decidir por ele mesmo sobre assuntos relacionados aos seus próprios interesses. No caso específico das migrações internacionais, a sua dinâmica estaria sendo bastante afetada pelo fortalecimento de um regime internacional de direitos humanos, que estaria cada vez mais impondo limites externos à prerrogativa estatal de decidir qual a melhor política a adotar em relação à imigração e aos imigrantes. Essa interferência é tanto mais relevante quanto mais os países envolvidos estão comprometidos com o respeito aos direitos humanos e às convenções internacionais.

Entretanto, conforme se demonstrará, os termos europeus para as migrações são muito distantes das normas e práticas de Direitos Humanos, o que representa uma enorme contradição entre o discurso proferido pela Comunidade e seu modus operandi. A forma como a União Europeia e seus membros

procuram impedir aqueles indivíduos que eles não desejam mostra-se, muitas vezes, contrária ao desenvolvimento histórico europeu e ocidental, pois possui características, geralmente, conflitantes com alguns valores que foram desenvolvidos após as catástrofes que assolaram o continente europeu no século XX, como as duas grandes Guerras e o Nazi-fascismo.

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porém, focando a produção sobre migração e seus assuntos correlatos até, finalmente, chegarmos às três diretivas focadas no combate à imigração irregular e à diretiva do combate ao tráfico de pessoas.

As três diretivas sobre a imigração irregular reforçaram na União um quadro que representa a consolidação do

cenário atual, por conseguinte, caracteriza-se por uma profunda iniquidade. Por um lado, as pessoas que são nacionais dos Estados mais desenvolvidos economicamente – em sua maioria, receptores de fluxos migratórios de outras regiões – encontram poucos obstáculos para exercer o direito à livre circulação, em todos os seus componentes: o direito de sair de seu país e seu lógico correlato, o direito de entrar em outro. Assim, o direito à mobilidade parece estar disponível unicamente para aqueles que têm determinada nacionalidade ou, em outros países, para os –

poucos – que têm certo nível econômico ou outros privilégios. Outras pessoas poderão, depois de superar inúmeros obstáculos, sair de seu país e entrar em outro e ali residir, graças a vínculos familiares na sociedade de acolhida, ou pelas necessidades e conveniências do mercado de trabalho. No entanto, a ampla maioria das pessoas está privada desse direito, em um ou ambos os sentidos. Essa situação é legitimada, embora aqueles que se veem privados da mobilidade sejam particularmente as pessoas em cuja situação esse direito representaria uma das poucas –

senão últimas – oportunidades para gozar de outros direitos básicos, como à saúde, à alimentação, à integridade física etc. (CERIANI CERNADAS, 2009, p. 205)

Percebe-se, portanto, que o trabalho analisará o desenvolvimento da União Europeia em seu percurso desde a integração entre os membros, por meio da livre-circulação, até a criação das barreiras, procurando compreender os motivos de um enfoque que se altera tanto durante a sua história. Percebe-se que a União, nos últimos anos, percorre um caminho que procura se fechar, em termos de políticas migratórias, criando barreiras para os não europeus que ela não deseja.

Nesse sentido, assegura-se que

Esta é a característica essencial de todas as barreiras que ultimamente se têm erguido em muitas outras fronteiras pelo mundo: a ameaça, o movimento a ser contido, já não é o de Estados estrangeiros, mas sobretudo o de pessoas que se movimentam por conta própria. A permissão de certos tipos de circulação em detrimento de outros é garantida pelos check points

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A partir da constatação de que se estão criando barreiras, tentaremos desvendar a forma como elas são construídas politicamente e legitimadas perante a opinião pública, inclusive com impactos eleitorais e partidários, pois reforçam uma reação contrária ao imigrante que fortaleceu os partidos de Direita na Europa Ocidental (CASTLES; MILLER, 2004, p. 333).

Já o terceiro capítulo possui uma construção teórica distinta dos demais, pois procurará desenvolver a análise de diversos elementos relacionados com a europeização da regulação migratória em Portugal, quando se analisa o processo de construções normativas em nível europeu, a coerência desta em relação aos interesses estatais portugueses, os impactos que medidas xenofóbicas podem ter, a perspectiva securitária em relação à imigração, o papel da imprensa e dos meios de comunicação na formação da opinião e da visão dos grupos nacionais sobre os imigrantes e a forma como são desenvolvidas as normas europeias para perceber se os Estados-membros possuem ou não capacidade efetiva de estabelecerem os seus interesses na construção dessas normas. Destaca-se, portanto, que este capítulo será mais amplo em relação aos outros dois em termos de amplitude temática, principalmente pela opção de uma construção mais livre dessa parte da tese.

O primeiro tema é a forma como foi construído o documento mais impactante na busca pela europeização das normas migratórias para extracomunitários, a diretiva de retorno, que em seu processo legislativo não atendeu aos anseios de transparência e representatividade que se exige de uma Instituição que se diz democrática.

A segunda questão a ser analisada será o debate da existência ou não de um modelo migratório do Sul da Europa que envolveria Portugal, Espanha, Itália e Grécia. O objetivo da discussão desse modelo é verificar se é possível encontrar um denominador comum na realidade desses países que seria capaz de justificar a opção por uma regulação conjunta, dada a sua enorme convergência.

Segundo parte da bibliografia,4 esses países seriam os que possuem a

realidade mais próxima em termos migratórios, com capacidade para justificar,

4 Há, dentro da bibliografia que discute as migrações nos países do sul da União Europeia,

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pelo menos no caso deles, uma opção por uma política comum, pois se estará frente a uma situação na qual a opção por uma política migratória comum seria muito eficaz, pelo menos para os quatro países, devido às características comuns serem tão impactantes, a ponto de justificarem a procura por uma ação conjunta na qual há a diminuição da prerrogativa soberana de regulação das migrações, que, na ótica integracionista contemporânea, dotaria as ações de maior alcance e efetividade.

Entretanto, se, nesses países que são vistos como mais próximos, as diferenças demonstrarem que tal aproximação não é possível, que, de fato, ações de caráter local, ou no máximo nacionais, são mais coerentes e eficazes, tem-se uma forte argumentação contrária a uma regulação comunitária das imigrações, fortalecendo a ideia de que “as soluções possíveis, devem ter em consideração as especificidades de cada país em termos de inserção geopolítica e características do mercado de trabalho e necessidades” (MATOS, 2010, p. 85-86). Nesse sentido, problematizar a ideia de um Modelo Sul da Europa mostra-se fundamental para o estudo, sendo colocado, no capítulo, como sua primeira subdivisão.

Após o debate sobre o modelo Sul da Europa, o trabalho discutirá as maneiras como a diferença cultural é utilizada para justificar políticas excludentes frente a certos grupos e, até mesmo, a construção de justificativas para a exclusão dos imigrantes, mesmo quando eles se mostram fundamentais para o desenvolvimento dos países e com um bom grau de integração com a sociedade de destino.

Vale destacar que, nesse ponto, questões como a xenofobia5 e a

construção de um discurso de defesa da cultura são formados a partir de diversos elementos, a maioria dos quais está atrelada à falta de informação, ou às informações equivocadas, ou, ainda, às generalizações que não demonstram a

5Etimológicamente, lo que este término designa es la hostilidad al extranjero. Desde el punto de vista conceptual, la xenofobia se distingue del estonocentrismo y del racismo. No obstante, la xenofobia comparte con el etnocentrismo el sistema autorreferencial: el colectivo al que uno pertenece, sus costumbres, sus valores, sus leyes, su religión, su lengua” (…).

(24)

real situação dos países e os benefícios que as migrações oferecem, como no caso português, onde essa perspectiva sobre as migrações chega a ser contrária às boas práticas de integração e da presença de imigrantes no território.

Conforme demonstra Sassen (2002, p. 50), ao tratar da Europa Ocidental:

Não obstante os esforços no sentido de evitar a entrada de imigrantes e refugiados, a verdade é que os países ricos se vêem hoje a braços com um défice demográfico cada vez maior e com populações cada vez mais envelhecidas. Segundo um importante estudo realizado pelo Instituto Demográfico Austríaco em 2001, é de prever que, a manterem-se os actuais padrões de fertilidade e de imigração, no final do século em curso a população da Europa Ocidental tenha diminuído para 75 milhões e que quase 50% dos habitantes tenham mais de 60 anos, facto que ocorrerá pela primeira vez na história da região. […] a Europa defronta-se hoje em dia com algumas decisões difíceis. Onde ir buscar os trabalhadores jovens de que há necessidade para sustentar a população mais velha e realizar os trabalhos considerados menos atractivos pelos nacionais, especialmente num contexto de melhoria das habilitações académicas? Não pode dizer-se que haja uma descida do número destes empregos no seu conjunto, embora tal se verifique nalguns casos; um sector onde é provável o aumento do emprego é o dos cuidados de saúde, tanto de tipo domiciliário como institucional, para tratar do número crescente de idosos.

Por fim, deve-se destacar nesse ponto que as ações propostas em nível europeu são muito mais excludentes que as tradicionalmente praticadas por Portugal, o que revelaria um ponto de tensão entre a perspectiva europeizante e as ações portuguesas, além do fato observado de que a Europa, muitas vezes, não segue padrões prévios em sua construção normativa sobre as migrações, gerando um quadro de confusão e de proliferação de medidas sob a temática migratória, que acabam por reforçar a própria falência do sentido adotado pela União Europeia para a regulação desses fluxos no território de seus membros. Além disso, aumenta a discricionariedade das medidas a serem realizadas, conforme salienta Bigo (2009, p. 580):

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curb immigration, buoyed up as it has been by popular sentiment, has had next to no impact in terms of effective control of cross-border practices in market-economy regimes whose cross-borders have to remain open to goods, capital and services in order to remain viable.

Além das dificuldades assinaladas que complicam as tentativas europeias pela busca de uma regulação migratória, há de se salientar que ela é marcada por um viés securitário. Portanto, o trabalho se desenvolverá após a análise dessas distinções sociais estabelecidas por meio da cultura, da questão da segurança, procurando apresentar a concepção de segurança da União Europeia e Portugal. Vale lembrar que

A partir do 11 de Setembro as questões migratórias passaram da

low para a high politics e também por esse facto a formulação de

uma política comunitária coesa de migração, prevista no Tratado de Lisboa, tem sido difícil de obter como prática efectiva. Existe uma contradição entre a natureza transnacional dos fluxos migratórios e a natureza nacional com que se continuam a formular as políticas públicas de imigração e com que a sociedade civil percepciona esses mesmos fluxos. A relação entre migrações e insegurança pode ainda ser justificada por factores de natureza interna, relacionados com o discurso populista, xenófobo e racista, que continua a ser minoritário em termos de opinião pública, embora aumente de tom. (RODRIGUES, 2010, p. 39-40)

No entanto, estabelecer uma política que vislumbra a imigração sob o prisma prioritário da segurança mostrar-se-á como um erro, pois, além de reforçar estereótipos, não destaca as oportunidades que esses imigrantes podem oferecer aos países, notadamente na Europa e em Portugal. Neste, não fossem os imigrantes, enfrentaria um sério problema demográfico com reflexos sobre seu sistema de seguridade social. Fora que a perspectiva dominada pela segurança impede a integração e a troca entre as pessoas e suas culturas, pautadas como são em uma visão estanque da cultura, na qual os imigrantes representariam riscos à uniformidade identitária das nações. Porém, tal risco para a identidade só é realçado para algumas nacionalidades, outras, notadamente de países dominantes no sistema internacional, podem aproveitar a possibilidade de se movimentar e interagir em todo o planeta (BAUMAN, 2005).

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dentro de uma perspectiva repulsiva, xenofóbica, que apresenta os imigrantes como elementos de risco para a sociedade portuguesa e europeia. Isso favorece a aceitação dos rumos atuais das políticas e normas em relação aos imigrantes.

Por fim, o capítulo ainda trará a análise de como são produzidas as normas europeias migratórias para analisar o papel que os Estados-membros e suas populações são capazes de exercer para efetivarem seus interesses na temática. Tal reflexão analisará se Portugal e os portugueses têm condições de, dentro do processo de europeização das normas, efetivamente participar da construção delas ou, se dentro da União, acaba ficando refém do anseio da maioria dos países mais importantes.

(27)

CAPÍTULO 1 – AS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS EM PORTUGAL

1.1. INTRODUÇÃO AOS CONTEXTOS MIGRATÓRIOS PORTUGUESES

Com o objetivo de facilitar a compreensão das políticas migratórias portuguesas, far-se-á uma pequena incursão histórica sobre as diferentes fases que marcam a migração em Portugal. Tal introdução torna-se necessária para podermos perceber o contexto específico do país, assim como analisarmos as condições para se colocar Portugal dentro de modelos migratórios da Europa6 ou

do chamado modelo do Sul da Europa.7

Não se falará em inserção de Portugal num modelo global de imigração, pois, conforme salienta Ribas Mateos (2004, p. 58-59), com base nos ensinamentos de Portes, não há a possibilidade de uma teoria global, impedindo, obviamente, a criação de um modelo migratório global.

No hay una teoría global de inmigración. El interés teórico por la elaboración de una teoría global de la inmigración encuentra notables límites. Según Portes, no existe ningún peligro en que alguien trate de construir una teoría general sobre la inmigración, pero argumenta que dicha tarea es posible. La explicación consiste en que las diferentes áreas que componen este ámbito son tan dispares que sólo podrían unirse en un nivel excesivamente abstracto y probablemente vacuo. Según este autor, no se puede obviar la división entre las cuestiones macroestructurales, como el papel de la expansión del capitalismo global en el impulso de los flujos migratorios o el poder del estado en la regulación de esos movimientos, y los aspectos microestructurales, como los efectos de las redes comunitarias en las decisiones individuales con respecto a la emigración.

Essa parte do trabalho não pretende esgotar as diversas dinâmicas migratórias marcantes na história portuguesa, cujo objetivo é permitir ao leitor o poder de relacionar o quadro social responsável por determinadas ações do Estado português frente ao tema migratório.

6 O simples fato de a União Europeia pensar a formulação de normativas comuns aos países do espaço Schengen já pressupõe a necessidade de se analisar a viabilidade ou não de um modelo europeu.

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Esclarecendo tal ponto, destaca-se também a adoção do referencial que divide a migração em Portugal em três fases (MALHEIROS, 2005). A primeira delas seria de emigração, a segunda da imigração de países lusófonos e a terceira, a nova imigração, com a grande presença de pessoas originárias da Europa do Leste. Vale destacar que essas fases se desenvolvem a partir da Segunda Guerra Mundial, mas com surgimentos e ápices distintos em termos de tempo histórico. Porém, o fato de se desenvolverem a partir da segunda metade do século XX, fez com se excluíssem os períodos anteriores, pois os impactos dos movimentos migratórios anteriores à Segunda Guerra são diminutos no cenário de Portugal Contemporâneo.

Há também a necessidade de reforçarmos o fato de que as três fases, apesar de serem expressas dessa forma por conta de suas especificidades, possuem conexões entre si fundamentais para a análise do que se passa em Portugal. Portanto, procurar-se-á reforçar o caráter integrador de todas as fases para um quadro mais completo do sistema.

Sob uma perspectiva cronológica, a primeira fase que se desenvolve é a da emigração. O período entre os anos 1950 e 1970 seria o seu apogeu. Tal movimento foi dominado na década de 1950 pela ida de portugueses para o Brasil,8 mas, já no início da década de 1960, o Centro e o Norte da Europa

tornam-se os locais mais atrativos, principalmente a França, por conta da necessidade de mão de obra nessas localidades.

O fator de atração estava dado, pois essas regiões precisavam de trabalhadores, principalmente para os setores menos qualificados. Já o fator de expulsão está associado à realidade econômica9 e social portuguesa no período.

As taxas de crescimento vegetativo mostravam-se elevadas, trazendo como consequência um aumento do exército de reserva, notadamente para setores não

8 Padilla e Ortiz (2012, p. 161) trabalham com um outro referencial, pois destacam uma imigração para o Brasil até o fim da Segunda Guerra Mundial. Com relação à primeira leva europeia, elas estão de acordo com os marcos referenciais estabelecidos nesse trabalho, só acrescentando que, além da França, a Alemanha Ocidental também foi um dos destinos mais procurados pelos portugueses, o que se classifica como a primeira vaga dentro da Europa.

9 Klein (2000, p. 14) salienta o papel da situação econômica para entendermos os fatores de

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qualificados, pois os investimentos educacionais eram pequenos. No setor produtivo, o país era marcado pelo domínio de setores de baixa produtividade, geralmente do setor primário, apesar do início de abertura econômica e da implementação de algumas atividades de grande produtividade. Essas mudanças estruturais também tiveram o impacto de contribuir para o desemprego, fenômeno só combatido internamente pela guerra colonial e pela emigração. O cenário ditatorial também contribui para esse movimento, pois há perseguição a certos elementos emigrantes por conta da procura de asilo10 (MALHEIROS, 2005).

Tabela 1

Emigração portuguesa por países de destino (1955-1974)

Médias anuais Brasil França

Outros países

da Europa Outros Países Total

1955-1959 18292 3786 132 10888 33098

1960-1964 11658 23047 2450 12350 49505

1965-1969 2996 70566 12692 23765 110019

1970-1974 1129 83370 27662 21402 133563

Tabela realizada com os dados descritos por Malheiros (2005, p. 254)

Conforme os dados da tabela demonstram, essa fase marca o declínio da procura pelo Brasil e o aumento, já destacado, do interesse na imigração para a França e para outros destinos europeus, como Alemanha, Suíça, Holanda, Luxemburgo e Reino Unido. Vale ainda ressaltar, apesar de não estar em um campo específico na tabela, que nos últimos dez anos do período assinalado, há o aumento do número de portugueses que se dirigem para os Estados Unidos e Canadá.

O período seguinte, principalmente a segunda metade dos anos 1970, marca a ascensão de movimentos de imigração. Apesar de Portugal continuar a ser um país de emigração, pois esse movimento não se interrompeu, inclusive em grande parte com a permanência dos destinos já assinalados, há um fator novo, o qual explica o aumento da imigração, que são os retornados das antigas colônias

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em África. São 471 mil retornados, que representavam naquele momento 4,8% da população em Portugal. A grande maioria dos retornados é de Angola (61%) e Moçambique (34%).

Entretanto, tal retorno não permite afirmar que Portugal passou a ser um país característico de imigração, isto é, um país atrativo de pessoas, apesar do retorno dessas milhares de pessoas ter influenciado as levas migratórias seguintes (PADILLA; ORTIZ, 2012, p. 162). Conforme destacam Pires e outros (2010, p. 50), trata-se de um repatriamento. Os retornados marcam um contexto muito específico, pois, eram, antes do fim do Império Colonial, juridicamente, cidadãos portugueses. Muitos obtiveram essa condição por conta da nacionalidade; outros serão desprovidos da nacionalidade portuguesa, tendo de obter a cidadania por distintos processos, como a naturalização.

Nesse período de domínio de movimentos de repatriamento, há um único grupo que quebra essa lógica, os cabo-verdianos.11 Eles começam a chegar a

Portugal na década de 1970 para atenderem a necessidade de mão de obra de setores que deixaram de ser atrativos para certas parcelas da população portuguesa, apesar do cenário de desemprego que afligia o país.

Os anos 1980 marcaram o aumento da imigração para Portugal, principalmente de pessoas oriundas dos PALOP, notadamente de Angola e de Guiné-Bissau. Porém, mesmo com o predomínio desses grupos, observa-se um processo de diversificação dos grupos migrantes, especialmente com a presença mais efetiva de brasileiros,12 chineses e indianos. Os grupos do PALOP e os

brasileiros eram absorvidos pelas necessidades dos setores não qualificados dos serviços13 e da construção civil. Nesse período, os imigrantes se tornam mais

evidentes aos olhos da população portuguesa, destacadamente na Área Metropolitana de Lisboa, onde a maioria possui domicílio e nas redes sociais estabelecidas entre os estrangeiros.

Conforme Bógus (2007, p. 47):

11 Há também a presença de indivíduos oriundos de outros PALOP, mas que não se destacam como os cabo-verdianos.

12 Essa seria a segunda leva de brasileiros para Portugal.

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Até final dos anos 80, a população não-europeia que imigrou para Portugal prolongava, em larga medida, os fluxos herdados do período imediatamente pós-descolonização, que tinham origem nas ex-colónias portuguesas de África, com destaque para Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. É verdade que, desde a primeira metade dos anos 80, se notava um crescente papel do mercado de trabalho português na atracção de novos imigrantes e que ia ocorrendo uma progressiva diversificação nas origens, tanto a nível geral (crescimento mais acentuado do número de Chineses e Indianos, após a segunda metade dos anos 80), como no próprio grupo dos países africanos de expressão portuguesa (redução do peso relativo dos cabo-verdianos, crescimento dos restantes).

Os europeus imigrantes também fazem-se presentes em Portugal durante o período dos anos 1980, principalmente alemães, espanhóis, franceses e ingleses. O número desses imigrantes no total da população estrangeira ainda era significativo e os motivos pelos quais eles realizaram essa movimentação são variados, indo desde populações ativas que assumiam cargos de chefia em empresas. Outros exerciam alguma profissão, como médicos ou enfermeiros, e ainda existia o grupo dos aposentados à procura de um local com clima mais ameno. Destaca-se, ainda, que apesar de nessa década ocorrer o arrefecimento dos números em comparação com as três décadas anteriores, havia um contingente expressivo de portugueses emigrantes. Entre 1980 e 1988 são mais de 30 mil.

Já a década seguinte reforçaria a presença de imigrantes vinculados ao passado colonial, principalmente nos últimos cinco anos, quando ocorreram diversos investimentos em obras de infraestrutura e a montagem dos espaços da EXPO 98. Entretanto, apesar desses investimentos terem aumentado o fluxo de imigrantes na década 1990, nos primeiros anos do período, por conta da crise vivenciada pelo país, há um número significativo de pessoas que emigram.

(32)

1980, e que se prolonga durante a década de 1990 e início dos anos 2000, seria a segunda leva interna na Europa.

Segundo Padilla e Ortiz (2012), a segunda vaga europeia é marcada pela adesão do país à Comunidade Europeia e cria novos destinos e modalidades migratórias. Merecem destaque locais como a Suíça, a Espanha e Andorra, em empregos com contratos temporários e precariedade nas condições de trabalho.

Porém, essa mudança, em relação ao destino dos emigrantes portugueses, também se fez acompanhar pelo aumento de locais de origem dos imigrantes que escolheram Portugal como destino. Conforme Bógus (2007, p. 49):

a par de toda essa nova diversidade tornada mais evidente em finais dos anos 90, as principais mudanças observadas em Portugal no período de transição do milénio diziam respeito ao enorme crescimento do número de estrangeiros não-comunitários e ao significativo incremento do peso dos trabalhadores indocumentados, sobretudo não qualificados ou com pouca qualificação, entre os quais se incluíam muitos brasileiros.

Tal realidade nova insere Portugal no contexto destacado pela ONU em seu relatório do Fundo das Nações Unidas para a População em 1993, o qual destacava que as migrações seriam o grande problema da transição para o século XXI (Bógus, 2007, p. 39). Esse elemento trouxe no final da década um diferente fator ao sistema migratório português conforme relata Malheiros (2005, p. 255-256):

Após 1998-1999 podemos considerar uma segunda fase na imigração para Portugal. Esta fase corresponde à mudança súbita e significativa associada à chegada de milhares de imigrantes vindos da Europa de Leste, especialmente da Ucrânia, Rússia, Moldávia e Roménia, que na sua maioria entraram no país sem os documentos necessários. […]. Esta última vaga coloca Portugal no sistema de migrações internacionais contemporâneo, em que a ação altamente estruturada dos traficantes e das “empresas de auxílio à imigração” substitui os efeitos de vizinhança ou o papel dos laços sociais (redes de migrantes, proximidade cultural

associada a um passado colonial…) e as necessidades não

regulamentadas dos empregadores justificam as chegadas de imigrantes, acentuadas pelos efeitos negativos (nomeadamente no emprego e nos salários) da transposição política e económica na Europa de Leste.

(33)

do PALOP e do Brasil continuam a configurar com números significativos dentro dos grupos imigrantes, ou o fato de os portugueses terem deixado de emigrar. Deve-se salientar no trecho citado a entrada na lógica migratória internacional, inclusive com o smuggling e o tráfico,14 o que representa o surgimento de novos

desafios, mas que não eliminam o cenário anterior. Isto é, confere características únicas ao contexto migratório português.

O que ocorre é que na virada do Milênio, Portugal enquanto destino torna-se parte da lógica de movimentação dos imigrantes pelo mundo, onde, conforme destacado no relatório da ONU de 1993 acima citado, a pobreza e a falta de segurança social faz com que, em alguns casos, a migração seja a única alternativa para a garantia de sobrevivência ou da realização dos ideais de ascensão social. Trata-se do reforço da argumentação a qual salienta que

As migrações constituem cada vez mais uma forma de reajustamento dos desequilíbrios crescentes entre regiões ricas e regiões pobres, em termos de rendimento por habitante, esperança de vida, nível de educação e de exposição a todo o tipo de riscos relacionados com a conjuntura política, económica e social. (MOTA, 2011, p. 6)

Entretanto, existem outros fatores que também devem ser levados em consideração, quando se pensa nos fatores de repulsão, ou os fatores que geram fluxos emigratórios, conforme a tabela a seguir explicita.

Tabela 2

Fatores que provocam fluxos emigratórios na atualidade Uma alternativa de sobrevivência ou de ascensão social

A ocorrência de altas taxas de desemprego nos países de origem dos emigrantes, aliada à existência de recursos para a mobilidade e à

expectativa de melhores oportunidades nos países de destino A existência de uma “colônia” nos países de destino, facilitando o acesso

a emprego e habitação

(34)

A disposição dos imigrantes para aceitar trabalhos “desagradáveis” ou “sujos”, o que explica o facto de conseguirem emprego, mesmo em

situação de desemprego crescente

O papel do Estado na regulação da oferta de mão-de-obra e na elaboração de políticas migratórias

Tabela elaborada com base nos dados ofertados por Bógus (2007)

Além disso, há que se salientar que:

todos estes factores devem ser necessariamente considerados e dizem respeito ao conjunto das condições histórico-sociais em que se inscrevem os movimentos migratórios. Cada um dos factores mencionados pode actuar, conjunta ou isoladamente, com intensidade variável, de acordo com a situação específica do migrante ou do seu grupo social e conforme o quadro conjuntural/estrutural dos países envolvidos, sejam emissores ou receptores dos fluxos migratórios. (BÓGUS, 2007, p. 41)

O século XXI acaba seguindo as mesmas características do cenário do final dos anos 1990, mas com alguns fatores a serem destacados, como o aumento da entrada de imigrantes, principalmente por conta da necessidade de mão de obra para os setores da construção em um país que atravessava um momento de grandes obras de infraestrutura e de recepção de grandes eventos, como o campeonato europeu de seleções de futebol em 2004. Para essa demanda, os grupos tradicionais dos PALOP e do Brasil, além dos europeus do leste, mantêm o predomínio em termos numéricos.

Merecem destaque também as entradas de imigrantes asiáticos, concentrados no ramo comercial independente de que, apesar de serem em número muito menor em relação aos outros grupos, se tornam mais percebidos dentro da sociedade portuguesa, principalmente nas grandes cidades (PIRES e OUTROS, 2010, p. 48).

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crise, acentuam-se cenários inovadores, como o retorno dos imigrantes e a reemigração, principalmente para o que obtiveram a nacionalidade portuguesa que lhes permitiu circular por toda a área Schengen (IORIO; PEIXOTO, 2011, p. 32).

Já no cenário mundial, que também impacta em Portugal, tem-se a convicção de que “as formas de mobilidade estão actualmente em mudança, verificando-se cada vez mais um aumento dos movimentos frequentes e de curta duração, em lugar dos tradicionais movimentos episódicos e de longa duração” (IORIO; PEIXOTO, 2011, p. 36). Trata-se da hipermobilidade, na qual o número de movimentos e a velocidade destes ocorrem de forma muito intensa representando um novo desafio em termos de compreensão e regulação dos fluxos.

Pode-se concluir disso tudo que, conforme assinalam de forma correta Pires e outros (2010, p. 48), “a imigração é um facto irreversível e um dado de futuro do Portugal do século XXI”.

Já a emigração, sempre presente na trajetória migratória portuguesa, mas que havia diminuído no início do século XXI, passa, a partir da crise financeira de 2008 que atingiu a União Europeia, principalmente os países do sul da Europa, a ter como consequência o aumento significativo do número de emigrantes nos últimos anos, gerando algumas tensões políticas e sociais com diversos países, como a Suíça, quando esta pensa no reestabelecimento do controle migratório para os estrangeiros, afetando diretamente os cidadãos portugueses.

(36)

Nos dizeres de Padilla e Ortiz (2012, p. 162), a última leva, denominada Globalização e anticrise, na qual há a saída de trabalhadores qualificados para as ex-colônias, como o Brasil e Angola, além de outros destinos.

Ao analisar esse cenário e vinculá-lo com as proposições políticas, o Professor Malheiros (2005, p. 268-269) destaca que:

Esta perspectiva integrada das características e da dinâmica dos sistemas migratórios que envolvem Portugal pode ser útil para a concepção das políticas migratórias contemporâneas, que devem ser adequadas a um contexto globalizado, marcado por práticas transnacionais e por possibilidades crescentes de circulação. […] Se a política real pode justificar políticas de emigração e imigração segmentadas, a filosofia de intervenção básica das autoridades portuguesas no domínio da migração internacional deve considerar que Portugal joga simultaneamente em três tabuleiros de xadrez: o da emigração, o «lusófono» e o da Europa de Leste.

Portanto, a realidade migratória portuguesa mantém as três fases essenciais descritas no início, mas, devido à crise e ao dinamismo que vem modificando os movimentos migratórios, um novo cenário começa a se estabelecer, pois o contingente de emigrantes volta a crescer, há uma diminuição nas entradas, características que podem gerar uma quarta fase, não previsível em 2005, quando foram estabelecidas as três fases históricas.

Devido à proximidade temporal com o que está ocorrendo, fazer uma caracterização que procure estabelecer um quadro completo do que se passa é bastante complexo e, em diversos casos, pode levar à incidência de erro. Porém, algumas realidades que têm se manifestado devem ser consideradas para a análise e a proposição de medidas para a inserção de Portugal no contexto migratório. Por exemplo, apesar de presente em toda a trajetória da imigração para Portugal15 o preconceito e a xenofobia têm se manifestado de forma mais

15 Ao debater sobre a imigração brasileira em Portugal, Malheiros traz elementos importantes para se pensar a lógica de preconceito e o quanto isso pode ser impactado pelos fenômenos de crise social: “Atendendo à situação de fraco dinamismo, experimentada pela economia portuguesa,

(37)

contundente no país nos últimos anos, principalmente por conta de um cenário crise, no qual a figura do imigrante se torna, perante parte da opinião pública, o agente responsável pelo desemprego, pelo uso dos benefícios sociais e, em alguns casos, pelo aumento da insegurança nas localidades.

Quando tais ações começam a tomar corpo, torna-se muito relevante a reflexão sobre a história das migrações em determinada localidade, no caso de Portugal, por meio da análise de suas rupturas e continuidades, para verificar como o cenário descrito foi gerido, até então, pelas políticas migratórias, objeto do Capítulo. Tal análise permitirá que se verifiquem as condições anteriores e as existentes atualmente, para se melhorarem as condições de gestão da migração, principalmente por meio da garantia e do respeito aos direitos dos emigrantes e imigrantes.

1.2. A LEGISLAÇÃO PORTUGUESA REFERENTE ÀS IMIGRAÇÕES

1.2.1. Políticas migratórias anteriores à Revolução de 25 de abril

O tema migratório em Portugal esteve no período anterior ao 25 de abril dominado por uma perspectiva de controle da emigração. Ações tomadas no século XVIII, como o controle da entrada nas colônias americanas, apesar de não ser tecnicamente um movimento migratório internacional, pois as duas localidades formavam um só reino, trouxeram o debate dos impactos que a saída de portugueses geraria na metrópole. Durante o século XIX, tal debate permaneceu, mas sem as considerações sobre a ida para a colônia e sim para países estrangeiros. A equação entre os malefícios e os benefícios que isso poderia resultar mostrou-se difícil de resolver.

aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, não apenas do ponto de vista formal, mas sobretudo em termos substantivos, implica necessariamente uma maior responsabilização dos autóctones e dos imigrantes. Este processo requer reciprocidade, respeito pelos deveres sociais e, sobretudo, a aquisição da consciência de pertença a uma sociedade etnicamente diversa, cuja coesão depende do modo como ‘olhamos para o outro’– o não reconhecimento e a promoção do distanciamento entre grupos, seja por via da segregação, seja pela prática de um multiculturalismo estrito que reifica as diferenças, conduzirá, inevitavelmente, ao agravamento das fracturas sociais”

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O período do Estado liberal tem início com Dom Pedro IV,16 que

desenvolveu ações no sentido de proteger seus cidadãos no estrangeiro, principal recurso retórico para intervir nesses assuntos, quando também se percebeu a possibilidade de ganhos com o movimento da expansão do mercado externo português, para atender os emigrantes que deixaram o Reino (PIRES e OUTROS, 2010, p. 28).

Já durante o Estado Novo, houve uma subordinação da política emigratória lusa aos interesses do Estado, de forma especial os de natureza econômica, subordinando a mobilidade externa aos interesses de garantia de mão de obra nacionais, das ações na África e da regulação das remessas e da exportação de mão de obra, chegando a impedir, nos anos 1960, a saída de algumas profissões; e, para todas as demais, a regulação por cotas (PIRES e OUTROS, 2010, p. 28).

Portanto, nos períodos anteriores à Revolução de 25 de abril, as ações se concentraram somente na regulação da emigração, pois a questão da imigração, apesar de eventuais imigrantes que existissem, era nula do ponto de vista da ação política. As únicas ações que impactam sobre os imigrantes é a definição da nacionalidade, como a Lei de 1959 é exemplo. O país e suas autoridades concebiam Portugal como um país emigrante.

1.2.2. A década de 1970

Ao se debater a imigração em Portugal e se destacar a sua produção normativa sobre o tema, faz-se necessário definir alguns marcos temporais. As transformações de caráter político, social e econômico que tiveram início em 1974 ocasionaram uma profunda mudança demográfica decorrente de uma alteração dos regimes migratórios.

Entretanto, antes de 25 de abril de 1974, já existiam levas de trabalhadores que se dirigiam a Portugal, principalmente das então colônias na África, mas, por conta de vigorar durante o período ditatorial a ideia do jus soli, em qualquer parte

do território, inclusive a parte ultramarina, o fenômeno não era percebido como “imigração” (DIAS; DIAS, 2012, p. 7). Além disso, há algumas entradas de

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Tabela 9  Partida voluntária  Partida  rápida  (as
Tabela construída com base nos dados fornecidos em MATOS, 2010, p. 77

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