• Nenhum resultado encontrado

A CONVENÇÃO SCHENGEN E O FIM DAS BARREIRAS INTERNAS O Acordo Schengen completa-se em 1990 por meio da Convenção

CAPÍTULO 2 – O SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA UNIÃO EUROPEIA E AS SUAS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS

2.2. A CONVENÇÃO SCHENGEN E O FIM DAS BARREIRAS INTERNAS O Acordo Schengen completa-se em 1990 por meio da Convenção

Schengen, na qual foram finalmente definidas as condições de aplicação do texto e as garantias de realização desta livre circulação. A Convenção entrou em vigor em 1995, pois, “só a partir de 1992, com o Tratado de Maastricht, foi criado um quadro institucional para lidar com as temáticas da imigração e asilo num contexto europeu, com base estritamente intergovernamental” (MATOS, 2010, p. 69). Nem todos os membros da Comunidade aceitaram participar dessa Convenção, demonstrando a dificuldade dos países em abdicarem do controle soberano sobre as fronteiras.63

Conforme afirmam Menski e Shah (2006, p. 10), ao vincularem política migratória com necessidade econômica, tal postura deve-se ao fato de que os Estados estabelecem a migração como um dos mais importantes bastiões de resistência de sua soberania. Eles explicitam que:

There are certainly difficulties of opening the Pandora’s box of economic migration at EU64 level, but there is also evidence that

individual states, like the UK, have adopted a goit-alone approach to meet their own labour market needs, while neglecting the necessity of regularization.

Ao retornarmos às quatro liberdades fundamentais, fica perceptível que a abertura para capitais, bens e serviços é mais simples do que a circulação livre de pessoas pelas fronteiras. Porém, como os autores destacam, muitas vezes a não regulação é a forma de regulação que os Estados estabelecem.

63 Apesar de termos destacado a dificuldade nos avanços institucionais nos anos 70 e 80 do

século XX, na Comunidade europeia, esse quadro não se repete durante os 90. A dificuldade na aceitação da perda do domínio soberano sobre aas fronteiras reforça a percepção de que “[…] A fronteira é para o Estado, um teatro onde a legitimidade de seu poder é observada com atenção. Nada de mais desastroso para uma autoridade soberana do que ser acusada de ter perdido o controle de sua fronteira. Sua missão é a de garantir a segurança. O limite serve de lugar metafórico à identidade nacional, étnica ou cívica, separando-nos dos outros. A função de representação da fronteira é essencial; cada comunidade nacional possui seu próprio mapa mental, seu relato, sua história, seus mitos, seus lugares e seus lapsos de memória” (FOUCHER, 2009, p. 25-26).

Entretanto, em nível europeu, a temática migratória foi ganhando mais consistência a partir do sistema Schengen, apesar de alguns Estados não fazerem parte deste. Nesse sentido, no ano de 1999, o acordo adquiriu o acquis

communautaire, passando a fazer parte do quadro institucional e jurídico da União

Europeia por conta de um protocolo anexado ao tratado de Amsterdã. Este tratado

atribuiu à UE o objectivo político de se manter e desenvolver como um espaço de liberdade, segurança e justiça. Neste âmbito foi transferida para as instituições europeias a competência legislativa em matérias de transposição de fronteiras, vistos, asilo e imigração. (MATOS, 2010, p. 69)

O tratado de Amsterdã, um dos mais importantes documentos do bloco, discutia diversos assuntos que de certa maneira tocavam na questão da imigração, pois ao discorrer sobre a liberdade, a segurança e a justiça, não há como não surgirem questões pertinentes ao asilo e à imigração. Esta última, nesse momento, passa a ser um dos principais focos de atenção dos países- membros.

Sobre o tratado de Amsterdã, Dauvergne (2008, p. 146) afirma que:

Launched the European Union into an era of genuine cooperation in migration matters, and set stage for making these matters central of further European expansion. Harmonization of migration regulation has made most progress in asylum, and some progress in terms of irregular migration, and legal economic migration has been significantly left in the hands of members states.

No texto de Amsterdã, sob o título de Vistos, Asilos, Imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas, foi estabelecida, pela primeira vez, a tentativa de uma política comum na questão migratória. Porém, o avanço em si é ainda bastante limitado, haja vista os dispositivos seguintes a esse título só tratarem do tempo previsto para a entrada em vigor do tratado e de normas de cooperação judicial. Isso é sintomático de uma postura que iria marcar os debates migratórios na década seguinte na União Europeia, pois, ao se colocar a cooperação judicial e de segurança antes de se estabelecer algum tipo de direito ou de se discutir a pessoa que emigra, fica evidente a noção de que a imigração é

vista como um problema e de que os imigrantes são, principalmente, objeto de demandas judiciais e policiais.

Nas sequência do tratado, define-se que, em cinco anos, os países- membros deverão adotar uma postura comum nas áreas relacionadas à imigração. Em termos de integração, superar a soberania dos Estados no tratamento sobre a imigração representaria um enorme avanço e uma meta bastante ambiciosa. No entanto, ao mesmo tipo de avanço não assiste quando se pensa em garantia de direitos para os imigrantes.

A periodicidade sobre os debates migratórios foi percebida dentro das reuniões do Conselho Europeu. Em 1999, houve um evento muito expressivo sobre a matéria, no qual o Conselho Europeu de Tampere expressamente destaca em seu texto, logo no segundo parágrafo, que:

O desafio do Tratado de Amsterdã consiste agora em assegurar que a liberdade, que inclui o direito de livre circulação em toda a União, possa ser desfrutada em condições de segurança e de justiça acessíveis a todos. Trata-se de um projeto que vai ao encontro de uma preocupação frequentemente manifestada pelos cidadãos e que tem implicações diretas no seu dia a dia.

Tampere foi o primeiro de uma série de Conselhos que acabaram por discutir temáticas migratórias, demonstrando o crescimento do interesse da União na questão.

Segundo Matos (2010, p. 69), no Conselho de Tampere

foi acordada uma estratégia política para a criação de uma política comum de imigração e asilo na UE. Baseia-se numa abordagem global e abrangente, equilibrando migração económica e humanitária, com direitos e obrigações para imigrantes semelhantes aos dos cidadãos nacionais, para promover a coesão económica e social em toda a União. A estratégia de gestão deve ser construída com base em parcerias com países de origem, incluindo políticas de desenvolvimento.

Já em 2001, com o Conselho de Laeken, a questão migratória era debatida sobre dois aspectos trazidos ao debate por Tampere. O primeiro é a vinculação entre a política de refugiados e a sua reforma com a política migratória; e o segundo é o reforço das fronteiras externas da União.

A primeira conclusão fica expressa no ponto 40 do texto, quando este afirma que:

Uma verdadeira política comum de asilo e de imigração pressupõe a introdução dos seguintes instrumentos: – a integração da política dos fluxos migratórios na política externa da União Europeia. Mais especialmente, deverão ser celebrados acordos de readmissão com os países interessados, com base numa nova lista de prioridades e num plano de acção claro. O Conselho Europeu solicita que seja elaborado um plano de acção com base na comunicação da Comissão sobre a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos; – o desenvolvimento de um sistema europeu de troca de informações sobre o asilo, a migração e os países de origem; a implementação do Eurodac, bem como um regulamento tendo em vista a aplicação mais eficaz da Convenção de Dublin, com procedimentos rápidos e eficazes; – o estabelecimento de normas comuns em matéria de procedimentos de asilo, de acolhimento e de reagrupamento familiar, incluindo procedimentos acelerados nos casos em que tal se justifique. Essas normas devem ter em conta a necessidade de proporcionar uma ajuda aos requerentes de asilo; – a elaboração de programas específicos em matéria de luta contra a discriminação e o racismo.

Além disso, o texto destacadamente salienta a necessidade de revisão dos pontos de concessão de refúgio estabelecidos nos anos 90, em Dublin, quando se procurou estabelecer uma uniformidade na questão dos refugiados em toda a Comunidade.

Já sobre o controle de fronteiras, Laeken trouxe em seu ponto 42, o seguinte:

Uma melhor gestão dos controlos nas fronteiras externas da União contribuirá para lutar contra o terrorismo, as redes de imigração clandestina e o tráfico de seres humanos. O Conselho Europeu solicita ao Conselho e à Comissão que definam os mecanismos de cooperação entre os serviços responsáveis pelo controlo das fronteiras externas e estudem em que condições se poderia criar um mecanismo ou serviços comuns de controlo das fronteiras externas. Solicita ao Conselho e aos Estados-Membros que adopte as disposições necessárias para a criação de um sistema comum de identificação dos vistos e que estude a possibilidade de criar serviços consulares comuns.

No ano seguinte a Laeken, no Conselho de Sevilha, os mesmos temas continuam na pauta, estabelecendo a necessidade de uma maior celeridade na tomada das medidas estabelecidas no Conselho de Tampere, além de reforçarem

a necessidade de grande celeridade para o estabelecimento de um sistema de dados comum para a regulação do asilo e da imigração.

Trata-se da vitória do posicionamento adotado em 1998, pela presidência austríaca na União, quando logo na inauguração de seu mandato afirma a inexatidão dos critérios de 1951, para nossa realidade, sugerindo “uma nova abordagem que deixe de ter por base um direito individual e subjetivo, mas se fundamente na oferta política, partindo dos Estados que recebam os asilados” (EUROPA).

Os conselhos subsequentes a essa data reforçaram o bordão político europeu, de que muito asilo acaba com o asilo. Percebe-se claramente nessas frases a criação de estigmas sobre o indivíduo que faz o pedido de asilo e de refúgio colocando a princípio uma desconfiança sobre a sua boa-fé. Mais interessante ainda de se observar é que essa desconfiança realmente tem marcado a atuação dos Estados na adoção de medidas frente a esse tema.

Observa-se exatamente isso no Comunicado da Comissão Europeia do dia 26 de março de 2003, que expressa:

inchaço de fluxos compostos por pessoas que tenham a necessidade legítima de proteção [...] e por migrantes que se utilizam dos recursos e dos procedimentos de asilo para ter acesso ao território dos Estados membros [...] constitui uma ameaça concreta à instituição do asilo.65

2.3. OS EFEITOS DA VINCULAÇÃO REFÚGIO E IMIGRAÇÃO E A