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Atores e conflitos de interesses na Região da Terra do Meio, Estado do Pará

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Samira El Saifi

Atores e Conflitos de Interesses na Região da Terra do

Meio, Estado do Pará

CAMPINAS

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ATORES E CONFLITOS DE INTERESSES NA REGIÃO DA TERRA

DO MEIO, ESTADO DO PARÁ.

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP para obtenção do título de doutora em Ciências Sociais.

Orientadora Profa. Dra. Lúcia da Costa Ferreira Coorientador Prof. Dr. Roberto L. do Carmo

Este exemplar corresponde à versão provisória da tese defendida pela aluna Samira El Saifi, sob a orientação da Profa. Dra. Lúcia da Costa Ferreira e coorientação do Prof. Dr. Roberto Luiz do Carmo.

Campinas 2015

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Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

El Saifi, Samira,

EL74a ElAtores e conflitos de interesses na Região da Terra do Meio, Estado do Pará / Samira el Saifi. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

Orientadora: Lúcia da Costa Ferreira. Coorientador: Roberto Luiz do Carmo.

Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia eCiências Humanas.

El1. Conflito social - Amazônia. 2. Áreas Protegidas - Terra do Meio (PA). 3. Recursos naturais - Exploração. 4. Mudança social. I. Ferreira, Lúcia da Costa. II. Carmo, Roberto Luiz do. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Actors and social conflicts in Terra do Meio Region (Pará State, Brazil)

Palavras-chave em inglês:

Social conflicts - Amazon

Protected areas - Terra do Meio (PA) Natural resources - Exploration Social change

Área de concentração: Ciências Sociais

Titulação: Doutora em Ciências Sociais

Banca examinadora:

Lúcia da Costa Ferreira [Orientador] Edna Maria Ramos de Castro Carlos Antonio Brandão Maria Isabel Sobral Escada Valeriano Mendes Ferreira Costa

Data de defesa: 14-05-2015

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No processo de realização desse trabalho surgiram vários momentos de dificuldades e desalentos. Para superá-los, contei com contribuições e apoios que foram fundamentais, intelectual e psicologicamente. Tenho muito a agradecer:

À Lúcia Ferreira, minha orientadora, por acreditar no meu trabalho e pela mão estendida sempre que precisei. Seu acolhimento e estímulo intelectual foram essenciais para seguir adiante.

Aos amigos Ricardo Dagnino e José Eduardo Víglio, devo profunda gratidão pela paciência, parceria profisional e amizade ao longo desses anos de doutorado. Agradeço por todas sugestões, discussões estimulantes e “empurrões” necessários.

Ao Álvaro D’Antona e ao Roberto do Carmo que me proporcionaram a oportunidade de ingressar nas pesquisas sobre a Amazônia e, especificamente, sobre a Terra do Meio. Agradeço pelos aprendizados e pelo encorajamento a ingressar no doutorado. Ao Roberto agradeço ainda pelas contribuições na banca de qualificação.

Às queridas Luciana Barbeiro, Ana Cláudia Teixeira e Daniela Romaneli, amigas queridas, pelos nossos encontros que sempre me fortaleceram, pelo companheirismo e acolhimento inestimáveis.

Às queridas Claudete Soares, Hipólita Siqueira, Luci Ribeiro, Maria Teresa Manfredo, Andrea Munõz e Luiza Prado que, mesmo de longe, me apoiaram e contribuíram diretamente com o texto da tese através de leituras, correções e sugestões.

Às amigas de perto: Mônica Oliveira, Andrea Morales, Daniela Manini, Lúcia Helena Guimarães (Ló), Luiza Prado, Carla Craice, Rosário Aparício, Juliana Poloni, Márcia Tait e Camila Moreli. Pela presença na minha vida e pelo apoio constante.

Às amigas e amigos de longe: Marcos Roberto Vasconcelos, Uliana Dias, Milena Ribeiro Martins, Renata Odoríssio, Maria Cláudia Bonadio, Marcos Pereira e Ana Cláudia Suriani pela torcida e palavras de apoio.

Aos amigos da turma de doutorado, pela disposição em contribuir e apoiar. Minha gratidão a Neila Soares, Camila Codonho e Humberto Rocha.

Aos colegas do grupo de pesquisa sobre conflitos sociais, pelos debates proporcionados. Agradeço ao José Eduardo Víglio, Jorge Calvimontes, Tiago Jacaúna, Francisco Araos, Daniela Santana. Gabriela Rancan, Marcela Feital, dentre outros.

Aos colegas do grupo de pesquisa População e Ambiente. Agradeço pelos debates proporcionados e trabalhos conjuntos ao Ricardo Dagnino, Carla Craice, Thais Lombardi, Julia Côrtes, Igor Johansen, Heloísa Pereira, Alessandra Simoni, Márcio Caparroz, dentre outros.

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durante a participação em um amplo e estimulante grupo de pesquisa.

Ao José Antônio Herrera, cujo apoio para o trabalho de campo foi imprescindível. Agradeço pelas dicas e contatos certeiros. Agradeço também ao Leandro Infantini que me auxiliou com alguns mapas.

Á Raquel Jakob e ao Rogério Ozelo, técnicos do laboratório de informática do Núcleo de Estudos de População. Agradeço por tornar tudo menos complicado sempre que possível.

Ao Roger khatib e à Débora Siqueira, pela sensibilidade, profissionalismo e suporte psicológico.

Ao Valeriano Costa e Roberto do Carmo, cujas contrifuições na minha banca de qualificação foram imprescindíveis para direcionar e realizar recortes necessários na pesquisa.

Sou, ainda, profundamente grata aos membros da minha banca de defesa. Foi um privilégio contar com a presença de Carlos Brandão, a quem agradeço não apenas por sua participaçãoa na banca, mas por sua interlocução, pelos debates inspiradores sobre desenvolvimento territorial e por sua generosidade; Edna Castro, referência nos estudos sobre conflitos na tal Terra do Meio, foram dela alguns dos primeiros estudos aos quais tive acesso; Maria Isabel Escada, pelo rigor de sua leitura e disposição em contribuir; Valeriano Costa, cujas observações ao meu projeto, desde os tempos de Seminário de Tese, foram sempre certeiras e suas sugestões bastante úteis

Minha gratidão a todos os colaboradores e entrevistados no trabalho de campo que dispuseram da sua confiança e de seu tempo em prol dessa pesquisa.

Finalmente, agradeço e dedico esse trabalho a minha família - mãe, irmãs, irmãos, sobrinhos (as), cunhadas (os) - que precisou aceitar minha ausência e minhas limitações na lida com as questões familiares.

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como Terra do Meio, localizada no centro-sul do estado do Pará, principalmente após a criação de um Mosaico de Áreas Protegidas nos anos 2000. Historicamente, a região tinha pouca ou nenhuma presença de instituições do Estado, foi palco da falta de ordenamento fundiário e de muitas disputas envolvendo conflitos, inclusive violentos, e atores com interesses diversos, desde a especulação fundiária, envolvendo grilagem de enormes áreas do território, até a preservação socioambiental. Na medida em que o Mosaico de Áreas Protegidas da Terra do Meio vai se consolidando, ocorre uma tentativa de regulação daquele espaço, bem como da apropriação e destinação dos recursos naturais. Em consequência, emerge uma transição na dinâmica de conflitos, que pressupõe mediação institucional e menos violência. Esta pesquisa tratou de analisar os impactos desse processo de transição sobre a dinâmica social nesse Território, seja pela inclusão, ressignificação ou exclusão de conflitos e/ou de atores sociais. Em termos metodológicos, o trabalho parte de uma leitura das teorias e abordagens sobre conflitos, análises documentais e dois trabalhos de campo em diferentes municípios da Amazônia. As leituras e os campos anteriores subsidiaram o planejamento do principal trabalho de campo dessa pesquisa, em Altamira (PA), que permitiu o reconhecimento in loco da região e de alguns dos principais atores que participam das dinâmicas sociais em análise. Como resultados principais desta pesquisa foram identificados transformações nas dinâmicas dos conflitos, diminuição da violência no território do Mosaico e aumento da presença de instituições socioestatais. Por outro lado, nas bordas e regiões limítrofes com o Mosaico, persistem os conflitos violentos, a exploração predatória de recursos naturais, a grilagem de terras e a especulação fundiária. Os vetores de pressão que invadem pelas bordas o Mosaico, em geral possibilitados pela abertura de estradas ilegais e com a conivência dos poderes políticos locais, são desafios a serem enfrentados pelas instituições do Mosaico. Elas ainda enfrentam muitas limitações para consolidar a regulação daquele espaço, suportar e dar vazão a essas pressões. Constatou-se ainda que existem desafios insitucionais que se referem à gestão do próprio Mosaico, incluindo as divergências socioinstitucionais, as demandas e necessidades dos grupos de moradores por serviços públicos de saúde e educação, a adequação de suas atividades econômicas e de sobrevivência às novas regras, além das divergências e dificuldades de relacionamento desses grupos com os gestores socioestatais, já que cada grupo possui suas próprias perspectivas e motivações para agir. Levou-se em consideração a complexidade agregada pela implementação dos mega projetos que estão em curso na região, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte ao norte do Mosaico e a Pavimentação da BR-16, a oeste.

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Middle Land (Terra do Meio), located in south-central Para State, mainly after a Mosaic of Protected Areas was established in the 2000s. Historically, the region has had none or little presence of State institutions and suffered with the lack of land planning and even violent disputes. These disputes involve actors with different interests, varying from land speculation to environmental and social protection. When this Mosaic of Protected Areas of the Middle Land is consolidated, there is an attempt to control that space, together with the appropriation and allocation of natural resources. As a result, emerges a transition in the conflict dynamics, which requires institutional mediation and less violence. This research tried to analyze the impact of this transition process on the local social dynamics, either by conflicts and/or social actors inclusion, redefinition or exclusion. It took into account the complexity added by the implementation of megaprojects undertaken in the region of the Mosaic, at north, the Belo Monte hydropower plant and, at west, the BR-163 paving. The work starts by reading the available theories and approaches about conflict, documentary analysis and two field works in different cities of the Amazon region. This readings and the previous field work gave base to the planning of the main field work present in this research, in the city of Altamira (PA), which allowed in loco recognition of the region and identification of some of the main actors in the analyzed social dynamics. The most important results of this research were to identify the transformations in the conflict dynamics, the decrease in violence inside the Mosaic and increase in presence of state and social institutions. On the other hand, in borders and adjacent regions of this Mosaic the existence of violent conflicts, predatory exploitation of natural resources, land speculation and appropriation persist. The pressure made by these vectors invade the edges of the Mosaic, normally made possible by the opening of illegal roads and with the connivance of local political powers, is a challenge to be faced by the institutional dimension of the Mosaic, which still faces many limitations to consolidate the control of that space and resist this pressure. It was also found that there are still many institutional challenges regarding the Mosaic management, including social and institutional differences, the demands and needs of the residents for public health and education, their economic and survival activities adjustment to the new rules, in addition to the differences and relationship difficulties of these groups with the state and social managers, as each group has its own perspectives and motivations to act.

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Figura 1 – Áreas da Região da Terra do Meio, do Mosaico da Terra do Meio e da Estação Ecológica da Terra do Meio inseridas no contexto geográfico das Estradas, Rios e Sedes municipais da região da Terra do Meio. ... 23 Figura 2- Esquema de conflitos de uma macro-arena entre órgãos estatais federais... 49 Figura 3: Quadro de Caracterização de UCs Estabelecidas pelo SNUC. ... 59 Figura 4 - Imagem de Belém no início do século XX. ... 76 Figura 5 - Página da SETRAN indicando diferentes dimensões da parte

paraense da BR-163. ... 88 Figura 6. Localização do Distrito Florestal Sustentável (DFS) da BR-163. ... 90 Figura 7- A rede de transporte no início dos anos 2000 na frente Xingu/Iriri .... 96 Figura 8 – Estrada da Canopus ou Transiriri e vetores de expansão em direção à ESEC Terra do Meio. ... 97 Figura 9 – Configuração espacial e localização dos principais atores na frente do Xingu/Iriri, incluindo pequenos e médios (P e M) e grandes produtores rurais (G). ... 98 Figura 10 – Quadro: Relação entre municípios que mais desmataram, pecuária e violência entre 2003 a 2007. ... 106 Figura 11 - Mapa do índice de violência contra a pessoa no campo, com a identificação espacial da Terra do Meio ... 107 Figura 12 - Variação total do número de cabeças de gado bovino. Pará, 1996 e 2006. ... 109 Figura 13 – Estradas, Rios, e Sedes Municipais da Terra do Meio. ... 118 Figura 14 – Imagem captada do jornal O Liberal, com uma demarcação de TdM. ... 119 Figura 15 - Mapa da Terra do Meio e respectivas UCs: estradas e pressão por desmatamento (em vermelho no mapa) ... 123

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que formam o grande corredor de áreas protegidas. ... 128 Figura 18 - Quadro: Unidades de Conservação da Terra do Meio ... 131 Figura 19 – Demarcação da Terra do Meio proposta pelo WWF. ... 134 Figura 20 – Terra do Meio de acordo com as escalas espaciais de análise. .... 136 Figura 21 – Os quatro principais eixos dos vetores de pressão ... 139 Figura 22 – Vetores de pressão que ameaçam as áreas protegidas do mosaico TdM ... 146 Figura 23 – Incidência de áreas requeridas para mineração sobre a Região da Terra do Meio e do Mosaico. ... 147 Figura 24 - Incidência de gado sobre Mosaico da Terra do Meio. ... 147 Figura 25 – Infográfico do processo de extração, beneficiameno e exportação da madeira da Resex Riozinho do Anfrísio (Terra do Meio) e outras áreas

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1 Introdução ... 17

1.1 A região ... 21

1.2 A pesquisa, suas hipóteses e objetivos ... 24

1.3 Justificativa, motivação e antecedentes - caminho percorrido ... 26

1.4 Procedimentos metodológicos ... 28

2 Fundamentação teórica: Leitura e abordagens sobre conflitos sociais ... 35

2.1 Teoria sobre conflitos e conflitos socioambientais ... 36

2.1.1 Conflitos em múltiplas escalas socioespaciais ... 44

2.2 Conflitos em contextos de fronteira ... 50

2.3 Conflitos relativos à criação de Unidades de Conservação ... 55

2.3.1 Unidades de conservação de acordo com o SNUC ... 57

2.3.2 Emergência de conflitos relacionados às UCs ... 61

3 Amazônia e região de estudo ... 69

3.1 Processo de formação da região e seus municípios ... 73

3.1.1 Dinâmicas migratórias, ciclos econômicos e grandes projetos do Estado... 74

3.1.2 Importância das grandes rodovias: eixos de integração e vetores de pressão ambiental ... 84

3.2 Conflitos na Região da TDM ... 99

3.2.1 Violência, desmatamento e pecuária: atividades complementares? ... 104

3.3 Contexto histórico da região da Terra do Meio ... 113

3.3.1 Debate em torno das definições e localização da região ... 117

4 Mosaico da Terra do Meio: processo de criação e conflitos ... 121

4.1 Controvérsias sobre delimitações e processo de criação ... 124

4.2 Os atuais vetores de pressão sobre o Mosaico ... 139

4.3 Padrões de dominação e submissão ... 148

4.4 Conflitos na Terra do Meio ... 152

4.4.1 Novos conflitos originados pela criação de Unidades de Conservação ... 153

4.4.2 Painel de conflitos e Multiplicidade de atores na Terra do Meio ... 156

5 Considerações finais ... 175

6 Referências ... 183

7 Bibliografia ... 201

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1 Introdução

Este trabalho se propõe a realizar uma análise dos processos conflitivos ocorridos em parte do centro-sul do estado do Pará, numa região conhecida por Terra do Meio. Em uma porção dessa região foi criada uma série de áreas protegidas nos anos 2000, constituindo um bloco denominado Mosaico da Terra do Meio1. Trata-se de um grande projeto de conservação da bio e sociodiversidade, cujo desafio maior é coexistir, resistir e acumular forças contra-hegemônicas frente às diversas pressões a que está sujeito esse Território.

Assim sendo, nos anos 2000, o processo de criação dessas áreas protegidas insere-se em um contexto bastante complexo, cravado por disputas envolvendo atores com concepções e interesses muito diversos sobre a região. Estava em disputa a apropriação e a destinação dos recursos naturais, bem como o controle do território em si. Os conflitos, muitas vezes violentos, acirraram-se em fins da década de 1990 e início dos anos 2000, com a ampliação de áreas que estavam sendo griladas e desmatadas, tensionando ainda mais as relações entre os próprios grileiros, bem como desses com grupos sociais residentes nas margens dos rios (ribeirinhos e povos indígenas).

Um dos principais motivos para a incrementação desse quadro de tensão social foi a divulgação de que a rodovia federal BR-163 (Rodovia Cuiabá-Santarém) seria, finalmente, pavimentada. Essa rodovia atravessa as proximidades dos limites a oeste do Mosaico, e caracteriza-se como uma das maiores fontes de ameaças socioambientais presentes na região nos anos 2000. Esse trecho da BR-163, a sudoeste dos limites do Mosaico Terra do Meio, se converteu em um dos principais eixos de penetração nas áreas de floresta daquela região, intensificando o avanço da exploração madeireira, da especulação fundiária, do desmatamento e da grilagem de terras. Tais ameaças socioambientais se originam especialmente no norte do Mato Grosso.

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Ainda que a formalização do Mosaico não tenha sido efetivada, esta será a terminologia empregada, ao longo deste texto, para se referir ao conjunto de áreas protegidas localizado entre os rios Xingu e Iriri. Para a efetivação do Mosaico é necessário cumprir alguns requisitos, tais como a constituição de um conselho geral com integrantes das diferentes UCs e TIs que integram o Mosaico, algo ainda longe da realidade. Esse tema será retomado em outro momento da tese.

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Entretanto, esse contexto de disputas e avanço de crimes socioambientas também contribuiu para que o Governo Federal se visse pressionado a ficar mais atento para a situação da região, contratando estudos de levantamentos socioambientais para a Terra do Meio e para o entorno da BR-163, que abarca uma porção da Terra do Meio.

Como resultados desses estudos promovidos pelo Ministério do Meio Ambiente são criadas as áreas de preservação ambiental do Distrito Florestal Sustentável2 BR-163 e o Mosaico de Áreas Protegidas da Terra do Meio nos anos 2000. Tais medidas podem ser interpretadas como contrapartida do Estado às grandes obras de infraestrutura na região. Além da pavimentação da rodovia federal BR-163 (Rodovia Cuiabá-Santarém), voltada principalmente para viabilizar o escoamento da produção de grãos e o crescimento de setores do agronegócio, vale mencionar as obras de pavimentação da BR-230 (Rodovia Transamazônica) e da construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, ao norte do Mosaico. O barramento do Rio Xingu, um dos mais importantes do mundo em biodiversidade e sociodiversidade, constitui-se em um ponto de inflexão para a região. Trata-se, portanto, de três grandes empreendimentos em andamento nessa região, que agregam novos e importantes elementos à dinâmica local. Apesar de o foco da tese não se concentrar nesses empreendimentos, seus desdobramentos são tratados em alguns momentos do texto, na medida em que tensionam a consolidação do Mosaico de Áreas Protegidas da Terra do Meio.

Nesta perspectiva, a própria criação do Mosaico de Áreas de Protegidas da Terra do Meio faz parte de um contexto de planejamento e execução de grandes projetos socioeconômicos na Amazônia, na medida em que essas áreas protegidas estão inseridas em um contexto de compensação3 pelos prejuízos socioambientais

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O conceito de Distrito Florestal Sustentável (DFS) está associado à noção de um complexo geoeconômico e social que seja capaz de promover desenvolvimento local integrado com base em atividades de exploração de recursos naturais. O DFS da BR-163 foi o primeiro a ser criado no país, em fevereiro de 2006, por decreto presidencial. Sua existência pressupõe a implementação de políticas públicas de diversos setores do governo para incrementar atividades florestais sustentáveis. Pressupõe política fundiária, de infraestrutura, de desenvolvimento industrial, de gestão de áreas públicas, assistência técnica e educação (MMA, 2006).

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A Compensação Ambiental consiste em um mecanismo para contrabalançar os impactos socioambientais causados por um determinado empreendimento econômico. De acordo com Brasil (2000), a compensação ambiental, instituída pela Lei Federal do SNUC n° 9.985/2000, impõe ao

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na região provocados por esses megaprojetos4, ambos previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal (CASTRO, 2012).

Tais megaprojetos acirram ainda mais os conflitos já presentes na Região. De maneira sistematizada, alguns fatores que contribuem e fazem parte dos conflitos nesta região nos anos 2000 são: a corrupção envolvendo o registro imobiliário; a falta de ordenamento territorial; o desmatamento para especulação e como forma de legitimar o uso da propriedade; o avanço da pecuária extensiva sobre área de florestas a partir do corte da cobertura florestal e de queimadas de grandes áreas para formação de pastos; a mineração não regularizada; os projetos de geração de energia elétrica (concretizados com a posterior aprovação e implantação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, em meio a grandes controvérsias); a falta de fiscalização e da aplicação da legislação ambiental; a existência de populações indígenas de várias etnias e de populações ribeirinhas fixadas nas margens dos rios; a grande quantidade de unidades de conservação com diferentes destinações e até mesmo a intervenção de muitas ONGs disputando nichos de atuação na Amazônia. (D’ANTONA, 2009; DAGNINO et al, 2010).

Com a implementação das medidas socioambientais, o Estado almejava alcançar o controle tanto do desflorestamento e especulação fundiária, como da violência social na região. Deve-se esclarecer desde já que, por se tratar de uma área de enormes proporções, o Mosaico Terra do Meio possui várias frentes de pressão e penetração, de forma que as ameaças socioambientais a esta região específica vinham não apenas da BR-163, mas também de outras importantes frentes, tais como as provenientes do sudeste paraense, especificamente de São

empreendedor a obrigatoriedade de apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação, quando, com fundamento no EIA/RIMA, um empreendimento for considerado de significativo impacto ambiental. A Lei foi regulamentada pelo Decreto n° 4.340/2002 e se tornou “um instrumento de política pública que, intervindo junto aos agentes econômicos, proporciona a incorporação dos custos sociais e ambientais da degradação gerada por determinados empreendimentos, em seus custos globais”. (ICMBio, s/d).

4 Pode se valer aqui da definição de megaprojeto de Flyvbjerg (2003): “Megaprojects are very large

investment projects. The US Federal Highway Administration defines megaprojects as major infrastructure projects that cost more than US$1 billion, or projects of a significant cost that attract a high level of public attention or political interest because of substantial direct and indirect impacts on the community, environment, and budgets.”. In: FLYVBJERG, Bent. Nils Bruzelius, and Werner Rothengatter, Megaprojects and Risk: An Anatomy of Ambition, Cambridge, UK: Cambridge University Press. 2003.

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Félix do Xingu, e as originárias do norte, sobretudo de alguns ramais da Transamazônica. Esperava-se com a consolidação das áreas de preservação criadas nos anos 2000, colocar um freio ao avanço dessas frentes de pressão.

A criação dessas áreas protegidas é considerada uma ferramenta estratégica para a efetivação do processo de regulamentação e destinação fundiária e, portanto, para o ordenamento institucional daquele Território. Tal tentativa de regulamentação está sendo fundamental para uma região cuja história recente é atravessada por lutas sociais e conflitos de diversas ordens, incluindo os violentos assassinatos, ameaças à vida e escravização de trabalhadores. Participam deles uma multiplicidade de atores por meio de recursos e estratégias distintas, tais como meios coercitivos, capitais políticos, econômicos, culturais e/ou ideológicos. Esses recursos são definidores para as escolhas das estratégias de ação por parte dos atores para que atinjam o fim desejado. E, na medida em que estão distribuídos assimetricamente, conferem aos atores forças igualmente assimétricas.

Especialmente por se tratar de uma região de fronteira com alto potencial de exploração de diversos recursos naturais, os conflitos na Terra do Meio (TdM) são altamente dinâmicos, influenciados por distintas conjunturas macro e micro sociopolíticas. Nesse sentido, os diferentes contextos são responsáveis pelas características diversas que os conflitos assumiram ao longo do tempo. Sem dúvida, o processo de criação das Unidades de Conservação do Mosaico TdM lançou luz sobre os diferentes alcances e naturezas dos conflitos e grupos de interesses ali presentes, revelando um cenário complexo e difícil de ser apreendido na sua totalidade, dada a pluralidade de atores e interesses existentes e a dinâmica social acelerada das últimas décadas, sobretudo da última, fomentando constantes rearranjos nas situações que envolvem conflitos. Nesse sentido, trata-se de um mosaico cujas “peças” estão em movimento e podem assumir diferentes posições ou mesmo podem ser descartadas e/ou trocadas por outras.

É especialmente do período entre 1990 e 2010 que essa pesquisa procurou tratar, enfatizando as variações nas dinâmicas dos conflitos.

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1.1 A região

A região da Terra do Meio, localizada na Amazônia brasileira, estende-se por cerca de 8 milhões de hectares de florestas, abarcando principalmente os municípios de Altamira e São Félix do Xingu, municípios com muitas peculiaridades. Altamira é o maior município brasileiro em extensão territorial, sendo, sede administrativa da Hidrelétrica de Belo Monte ― que é um dos grandes eixos de conflitos na região atualmente – e sede de boa parte dos movimentos sociais dos municípios da Transamazônica. São Félix do Xingu também se destaca por sua grande extensão, além de vir se consolidando como o maior município pecuarista brasileiro. De modo mais abrangente, trata-se de uma região com características sociodemográficas, econômicas e ambientais em dinâmica acelerada, o que pressupõe constantes transformações, característica que é peculiar a regiões de fronteiras.

A partir de 2004, a região se destaca, por um lado pelas diversas denúncias de violências contra a pessoa do campo e contra a natureza; por outro lado, por terem sido criadas importantes áreas de proteção ambiental, com funções estratégicas de impedir o avanço da grilagem e do desmatamento, que, por sua vez, traziam consigo abusos de diversas ordens às pessoas ali presentes e à natureza. Entre 2004 e 2008 foram criadas sete Unidades de Conservação e duas Terras Indígenas, que passaram a formar o Mosaico de Áreas Protegidas da Terra do Meio. O estabelecimento do Mosaico representou, consequentemente, uma tentativa de regulação socioestatal de parte do território daquela região e incidiu diretamente na dinâmica dos conflitos pré-existentes, que tenderam a uma maior mediação institucional, envolvendo novos atores governamentais e não governamentais.

O nome Terra do Meio aparece neste trabalho fazendo referência a três diferentes delimitações espaciais (Figura 1): (1) Região da Terra do Meio, (2) Mosaico de Áreas Protegidas da Terra do Meio e (3) Estação Ecológica da Terra do Meio. Assim sendo, Terra do Meio , além de ser o nome atribuído a um grande Mosaico de Áreas Protegidas, composto por Unidades de Conservação de uso sustentável, Unidades de Conservação de proteção integral e Terras Indígenas, pode fazer menção à região do entorno deste Mosaico, cujas dinâmicas o influenciam diretamente e por isso são a ele agregadas. Por fim, pode estar

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designando especificamente a Estação Ecológica Terra do Meio, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral caracterizada por ser a maior área do Mosaico. Portanto, é possível referir-se à ESEC da Terra do Meio, ao Mosaico da Terra do Meio e à região da Terra do Meio.

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Figura 1 – Áreas da Região da Terra do Meio, do Mosaico da Terra do Meio e da Estação Ecológica da Terra do Meio inseridas no contexto geográfico das Estradas, Rios e Sedes municipais da região da Terra do Meio.

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Os variados atores presentes na região de estudo representam perspectivas e interesses opostos em relação ao tipo de uso e ocupação do território. Há desde os representantes de setores do grande capital nacional e internacional, até populações tradicionais, basicamente constituídas por ribeirinhos (ou beiradeiros, como são reconhecidos localmente) e povos indígenas. O primeiro grupo se refere, sobretudo, às grandes companhias siderúrgicas e de extração mineral, empresas do setor energético, grandes companhias internacionais importadoras de minérios, construtoras interessadas nas grandes obras de infraestrutura, fazendeiros e madeireiros; grupos que compreendem a região como uma grande fronteira de exploração e extração de recursos econômicos. Por outro lado, as alterações bruscas provocadas neste ambiente, por essas atividades econômicas, interferem nos meios de vida e na identidade das populações e grupos locais que são dependentes da floresta e seus rios.

Sobre a questão das identidades e dos múltiplos interesses em disputa neste espaço produzido, vale-se aqui da noção de território cunhada por Brandão (2008, p. 12), que, de maneira abrangente e objetiva, compreende-o como uma “unidade privilegiada de reprodução social, denominador comum, desembocadura, encarnação de processos diversos e manifestação de conflitualidades”. Não se pretende aqui aprofundar esse tema, entretanto avalia-se esta noção de território como adequada para representar e caracterizar os processos sociais na região da Terra do Meio, visto que é capaz de contemplar a diversidade de aspectos relacionados à sua dinâmica.

1.2 A pesquisa, suas hipóteses e objetivos

No que diz respeito à delimitação temática e empírica, esta pesquisa tratou do conjunto de elementos e problemáticas em torno da criação de unidades de conservação em áreas de fronteiras amazônicas, embates entre diferentes atores direta ou indiretamente afetados por elas, embates sobre formas de uso e ocupação de territórios, polêmicas em torno de grandes empreendimentos e de seus desdobramentos na região em que se instalam. Esses são fenômenos e processos dinamizadores dos conflitos sociais contemporâneos na Amazônia como um todo.

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a expansão das novas fronteiras agropecuárias, energéticas e minerárias5 e os grandes interesses econômicos nacionais e internacionais. Assim como Schmink e Wood (2012) afirmam em relação aos conflitos que acompanharam nos anos de 1970 e 1980 na região de São Félix do Xingu, defende-se aqui que os conflitos locais quase sempre estão associados a contextos ideológicos, políticos e econômicos mais amplos. Por conseguinte, assume-se que são necessárias as análises combinadas dos micro e dos macro conflitos desencadeados pelo processo de criação do Mosaico de Unidades de Conservação Terra do Meio, tendo sido analisadas com mais ênfase as atuações de grandes ONGs e de instituições estatais nesse processo.

Este trabalho assume que a criação do Mosaico Terra do Meio representou o ingresso de novos atores e questões que conferiram novas dinâmicas aos conflitos pré-existentes e que, ao mesmo tempo, desencadearam outros. Com esta tese, almeja-se contribuir analiticamente para a compreensão dos processos conflitivos de diversas ordens e naturezas que coexistem na região da Terra do Meio, envolvendo atores diversos. Seguindo esses pressupostos e respeitando os recortes espaciais e temporais, esta pesquisa propõe-se a responder as seguintes questões:

Como o processo de criação do Mosaico de Áreas Protegidas da Terra do Meio interferiu nas características e nas dinâmicas dos conflitos sociais naquela região do estado do Pará? Surgiram novos conflitos? Os conflitos existentes persistiram ou passaram por ressignificações? Qual o papel e a força dos novos atoresna regulação desses conflitos, sobretudo agências do Estado e ONGs?

5 “A Amazônia já é considerada uma província mineral de primeira ordem em escala mundial. Embora

a sua produção mineral venha aumentando aceleradamente, o destaque da região no panorama minerador internacional ainda se deve mais às suas grandes e variadas jazidas do que à produção oriunda delas. A Amazônia, de fato, detém grandes reservas de alguns dos minerais mais úteis e mais maciçamente consumidos pela humanidade (ferro, manganês, alumínio, caulim, cobre, estanho). Além disso, ela é “mínero-diversa”, ou seja, abriga uma grande variedade de jazidas aparentemente viáveis. Petróleo e gás natural também já foram encontrados em quantidades suficientes para justificar grandes investimentos em exploração e transporte. Os minérios mencionados atraem quase exclusivamente empresas mineradoras de grande porte, que montam operações intensivas de capital, que por sua vez empregam relativamente poucas pessoas. Esses minérios, de baixo valor por volume produzido, precisam ser extraídos mecanicamente em grande escala para se tornarem competitivos no mercado internacional” (DRUMMOND, 2008).

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O objetivo geral desta tese consiste, portanto, em analisar os conflitos sociais na região da Terra do Meio (TdM), com ênfase na criação do Mosaico de Áreas Protegidas da Terra do Meio.

Os objetivos específicos são:

- Analisar os conflitos predominantes na região, antes, durante e após o processo de criação das áreas protegidas, via revisão bibliográfica, análise de documentos e realização de pesquisas e entrevistas de campo;

- Realizar um levantamento e sistematização das posições e interesses de diferentes atores sociais a respeito do formato (tipos de Unidades de Conservação) e da implementação do mosaico TdM;

- Avaliar os desdobramentos dos conflitos sociais derivados da criação do mosaico.

1.3 Justificativa, motivação e antecedentes - caminho percorrido

Os aspectos que conformam a região da Terra do Meio, suas realidades e dinâmicas territoriais, constituem o cenário que provocou o desejo de pesquisar o que se passava naquela remota região, imersa em questões e conflitos intrincados, historicamente construídos e com nuances que complexificam ainda mais sua apreensão e seu enfrentamento pelos agentes sociais e políticos. A maior parte das questões sociais e políticas ali encontradas não era nova, a não ser para o olhar desatento, pois já há muito eram persistentes, como se pode confirmar em diversos trabalhos, sobre assuntos correlatos, de autores consagrados, como Bertha Becker, Octavio Ianni, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, José de Souza Martins, Marianne Schmink e Charles Wood, Edna Castro, Sérgio Sauer, Hervé Thery, Aziz Ab’Sáber, Lúcio Flávio Pinto, Paul Little, Neide Esterci, dentre tantos outros. Contudo, a dimensão e a importância assumidas pela Amazônia no cenário nacional e internacional nas últimas duas décadas foram ampliadas com a agudização de seus problemas socioambientais, que ganharam repercussão inclusive no cenário internacional, em confluência com a intensificação da pressão do movimento social organizado.

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Desse modo, as políticas governamentais, os projetos econômicos dirigidos à região, as diversas formas de exploração dos recursos naturais e a delicada situação dos povos ribeirinhos, indígenas e outros grupos oprimidos, têm sido acompanhados e problematizados em maior escala, impulsionando o Estado e as organizações socioambientais a praticarem políticas e medidas compensatórias para a região.

Quanto à decisão de realizar este trabalho, ela ocorreu em boa medida por influência da participação em um projeto de pesquisa, desenvolvido pelo Núcleo de Estudo de População – NEPO/IFCH/UNICAMP, denominado Levantamento Socioeconômico e Demográfico na Terra do Meio/PA (D'ANTONA, 2009). Realizada nos anos de 2008 e 2009, essa pesquisa acabou se configurando como um pré-campo desta tese e teve por finalidade elaborar um diagnóstico socioeconômico da Região do Mosaico da Terra do Meio, no estado do Pará. Até 2008 não havia trabalhado e nem estava em meu horizonte lidar com questões relativas à Amazônia, e um dos motivos para tanto estava no fato de que o debate sobre o tema (pelo menos aquele que é mais difundido pela mídia) é fortemente enviesado pelas questões relativas à preservação ambiental. Naquele momento, tais questões não faziam parte do meu campo de interesses, mais voltado para as questões sociais, tais como sobrevivência e condições de vida das populações, conflitos envolvendo diferentes grupos sociais, dentre outros.

Ao participar, naquele ano, do Levantamento Socioeconômico e Demográfico da Terra do Meio/PA, encomendado pela ONG WWF-Brasil, surgiu, então, a oportunidade de estudar algumas questões da Amazônia com enfoques que a mim eram mais atraentes. Na região estava ocorrendo o processo de criação de um conjunto de Unidades de Conservação, e com ele uma série de conflitos estavam vindo à tona, alguns dos quais já haviam assumido grandes proporções, sobretudo os conflitos violentos envolvendo atores diversos, principalmente grileiros, madeireiros, fazendeiros e grupos sociais locais (posseiros, colonos, ribeirinhos, povos indígenas).

A possibilidade de conhecer em profundidade as temáticas relativas a essa região de nome instigante e sugestivo, localizada no meio de uma série de Terras Indígenas, majoritariamente no sudoeste e em parte no sudeste do Pará,

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ocupando partes dos enormes e peculiares municípios de Altamira e São Félix do Xingu, despertou o anseio de compreender: a) que Terra era essa, b) no meio do quê ela estava, c) quais eram e o que motivava os conflitos ali existentes, d) quais eram as suas origens, e) quem fazia parte de suas tramas e por quê, e f) como esses conflitos envolvendo diferentes povos, interesses e identidades estavam inseridos no conturbado cenário das problemáticas políticas e socioeconômicas do país.

Essa experiência de trabalho, que precedeu meu ingresso no doutorado, foi o impulso inicial e contribuiu efetivamente para levar adiante um projeto de doutorado, bem como contribuiu como material de pesquisa para a tese que ora segue. Essa experiência iluminou, forneceu pistas e influenciou o recorte temático e parte do plano de trabalho desta pesquisa.

1.4 Procedimentos metodológicos

Em termos metodológicos, o trabalho parte de uma leitura das teorias e abordagens sobre conflitos e alguns trabalhos de campo em dois municípios da Amazônia que precederam o doutorado. As leituras e os campos anteriores subsidiaram o planejamento do principal trabalho de campo dessa pesquisa, em Altamira (PA), que permitiu o reconhecimento in loco da região e de alguns dos principais atores que participam das dinâmicas sociais em análise. No campo, após o levantamento e identificação das questões e atores relevantes, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e entrevistas abertas com parte desses atores, bem como o reconhecimento geográfico de uma parte da área de estudo. Após identificar os principais atores sociais em disputa, seus interesses, estratégias de ação e alianças, foram investigados os conflitos e seus desdobramentos, principalmente a partir do início do processo de criação do Mosaico Terra do Meio.

Na formulação deste trabalho, as ferramentas disponíveis para análise das interações e conflitos acima especificados variaram. Aspectos de alguns conflitos foram analisados prioritariamente a partir de dados coletados em trabalhos de campo, além de fontes documentais acessadas, sobretudo aquelas relacionadas à formação das Unidades de Conservação, aos atores e conflitos envolvidos, às polêmicas e desafios atuais.

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Foram levantados os principais eixos de conflitos que interferem direta e indiretamente na dinâmica da região.

Um desses eixos diz respeito ao projeto de Belo Monte e seus desdobramentos, tais como os impactos urbanos e rurais em Altamira, município que incorpora cerca de 70% do Mosaico Terra do Meio. Apesar de não ser o foco da tese, as polêmicas que envolvem a construção da UHE Belo Monte surgiram no processo de pesquisa de campo e se revelaram importantes fatores geradores de conflitos na região de forma mais abrangente, com implicações diretas e indiretas para o meu objeto de estudo mais estrito. Este é afetado, dentre outros motivos, porque as interações entre os grupos sociais locais e a conformação das relações de forças entre os atores que também estavam envolvidos com o processo de construção do Mosaico foram reconfiguradas, na medida em que parte deles rompeu alianças preestabelecidas e migraram com suas atividades para resistir ao projeto da grande hidrelétrica.

Já para discorrer sobre aspectos de alguns outros conflitos de interesses, sejam fundiários, ideológicos ou econômicos, recorreu-se, em grande medida, à bibliografia sobre os temas.

Com relação à análise teórica, estabeleceu-se o diálogo com autores que tratam do tema dos conflitos sociais, dentre os quais se destacam: Simmel (1983), Schattschneider (1967), Touraine (1997), Giddens (1991) e Ferreira (1999; 2001; 2005; 2012). Sobre os conflitos mais específicos na Amazônia e região da Terra do Meio, empregaram-se estudos de autores que trataram mais atentamente do ponto de vista do oprimido em regiões de fronteira, tais como Ianni (1979), Becker (1982; 2005; 2007), Schmink e Wood (1992; 2012), Martins (1996; 1997), Ab’Sáber (1996), Little (2000; 2002), Porto-Gonçalves (2001); Castro et al. (2002), Acselrad (2004) e Sauer (2005), dentre outros .

Com relação à metodologia de obtenção de dados primários, as entrevistas, a observação participante em reuniões, em protestos e em outros eventos, além do caderno de campo, foram as principais fontes desses dados. A maior parte das entrevistas foram gravadas, mas os registros efetuados em diário de campo foram especialmente importantes em relação àquelas não gravadas. Nesta

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pesquisa também foram acessadas e analisadas fontes documentais (algumas das quais fornecidas por atores entrevistados) e fontes da imprensa (local, nacional e, eventualmente, internacional), sobretudo a escrita. Fez-se uso, por fim, de algumas pesquisas quantitativas, tendo o IBGE como principal fonte.

Com relação aos dados primários, eles foram coletados em diferentes momentos do processo de confecção dessa tese. Foram três as principais experiências que envolveram coleta de dados e que contribuíram para uma melhor compreensão acerca do tema trabalhado. A primeira experiência consistiu na participação em uma pesquisa denominada Levantamento Socioeconômico da Terra

do Meio/PA, um trabalho contratado pela ONG WWF-Brasil e executado pelo

NEPO/UNICAMP. Foi realizado entre início de 2008 e início de 2009, tendo precedido o ingresso no doutorado. A segunda tratou-se da participação nos trabalhos de campo em Santarém (PA) e Lucas do Rio Verde (MT), no âmbito do Projeto Desflorestamento da Amazônia e a Estrutura das Unidades Domésticas, também desenvolvido pelo NEPO/UNICAMP em convênio com a Universidade de Indiana (EUA). Por fim, a terceira experiência consistiu no trabalho de campo mais relevante e diretamente associado ao doutorado, realizado em Altamira (PA), no ano de 2011. Segue uma síntese dessas experiências que envolveram trabalho de campo.

A participação na pesquisa Levantamento Socioeconômico da Terra do Meio/PA (2008-2009) foi essencial para tomar conhecimento de algumas divergências institucionais e de informações mais precisas sobre a região da Terra do Meio, a respeito das quais só havia tido contato pela literatura. A partir de subsídios fornecidos por pesquisadores e gestores desse Território, com os quais foram travados vários contatos, obtive acesso a diversas informações, tais como as relativas: 1) à existência de imensas áreas griladas, monitoradas e controladas por seguranças armados e pistoleiros, nas quais eram desenvolvidas atividades irregulares, tais como exploração madeireira, garimpos ativos e desativados e atividade pecuária; 2) às áreas protegidas que estavam sendo afetadas por cada um desses vetores de pressão ecnômica e ambiental; 3) à previsão de enfrentamento dessas questões; e 4) às instituições socioestatais que estavam presentes na região e às suas atuações.

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Dessa maneira, para além das questões envolvendo as diferenças institucionais presentes nos seus bastidores, a participação na pesquisa citada foi útil para compreender melhor a heterogeneidade e a complexidade que envolve a Amazônia como um todo; mas, principalmente, permitiu compreender as particularidades da região da Terra do Meio, a grandeza de sua diversidade de recursos e interesses, envolvendo atores distintos em sua origem socioeconômica, lógica de atuação, intenção e poder. Tais elementos eram desencadeadores de muitos conflitos de diferentes escalas e naturezas, alguns dos quais incidindo em diversas formas de violência.

Durante a permanência nesse Projeto, uma das experiências singulares e marcantes foi a participação em um evento denominado Oficina de Pesquisadores e Gestores de Unidades de Conservação da Terra do Meio, em Belém (Pará), representando meu grupo de trabalho. Em um curto espaço de tempo, a Oficina propiciou uma interação com alguns conflitos institucionais que diziam respeito às diferenças de interesses das instituições relacionadas à criação e gestão do Mosaico Terra do Meio e de áreas protegidas na Amazônia; e, também, propiciou uma introdução ao conhecimento dos diferentes interesses, conflitos e atores que fazem parte da Amazônia.

Quanto à participação no projeto Desflorestamento da Amazônia e a

Estrutura das Unidades Domésticas, do NEPO em convênio com a Universidade de

Indiana, nos Estados Unidos, requereu trabalho de campo em Lucas do Rio Verde (MT) e Santarém (PA), em 2009, foram realizados surveys em áreas urbanas e rurais. Em Lucas do Rio Verde, região de expansão sojeira, realizou-se um survey com população do meio urbano, que, dentre vários achados, revelou que muitos donos de terras na região da Terra do Meio residiam ali, revelando uma ligação entre Lucas e a porção sul da Terra do Meio. De tempos em tempos, esses donos de terra visitavam suas propriedades, e o faziam deslocando-se pela BR-163 até o sul do Pará.

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instalado o porto da Cargill6) ao norte de Altamira, a pesquisa no meio rural e estendeu-se também ao município de Belterra, que havia sido desmembrado de Santarém poucos anos antes. A riqueza dessa pesquisa foi permitir uma aproximação inédita com populações do meio rural na Amazônia, conhecer seus modos de vida, seus valores, os problemas que os afetam, suas organizações sociais, suas redes de apoio e a história de como e quando aqueles pequenos produtores rurais foram parar naquelas localidades, muitas delas isoladas por estradas intrafegáveis.

No tocante ao trabalho de campo em Altamira, em 2011, foi a experiência mais relevante e diretamente associada ao doutorado. Ele teve por finalidade realizar pesquisas e entrevistas exploratórias, em busca de informações relevantes e privilegiadas sobre os atores e conflitos de interesse na região da Terra do Meio, PA. Nesse período foram estabelecidos contatos com diferentes agentes e instituições, a fim de identificar quais eram os posicionamentos e estratégias de atuação de cada um deles acerca das principais questões que envolvem conflitos de interesse na região. Foram realizadas cerca de 30 entrevistas semiestruturadas, gravadas, uma dezena de entrevistas abertas, observação participativa envolvendo vários eventos, quase sempre tendo como temática central a construção da usina de Belo Monte e populações indígenas e ribeirinhas afetadas, e também foram feitas visitas a locais diferentes da cidade, trabalho de campo envolvendo visitas a: diversas famílias ribeirinhas na Volta Grande do Xingu; casa de apoio dos moradores da Resex do Riosinho do Anfríso (local onde os ribeirinhos dessa Resex, e eventualmente de outras unidades de conservação da Terra do Meio, se hospedam quando precisam estar na cidade); sedes das principais ONGs e movimentos sociais; sede dos órgãos

6

A Cargill é uma empresa multinacional norte-americana, cuja atividade é a produção e o processamento de alimentos. Gigante do ramo, ela é responsável por 25% de todas as exportações de grãos nos Estados Unidos, além de fornecer aproximadamente 22% de carne no mercado interno americano. A Cargill é uma das principais exportadoras de soja do Brasil e a maior processadora de cacau da América Latina. A corporação investiu cerca de 20 milhões de dólares na construção do seu Porto, em Santarém, já em função do projeto de pavimentação da BR-163 (ainda em execução), que deverá servir com corredor de exportação de grãos do MT para o exterior. Desde 2003 o Porto da Cargill funciona com licenças provisórias. (fontes: <

http://www.jesocarneiro.com.br/oeste-do-para/porto-da-cargill-completa-10-anos.html#.UYqG-bXvsx4> publicado em 14/04/2013;

<http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Sinal-verde-para-terminal-da-Cargill-em-Santarem---/>, publicado em 08/08/2012;< http://pt.wikipedia.org/wiki/Cargill>, atualizado em abril de 2013).

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gestores das unidades de conservação, dentre outros locais considerados de interesse naquele momento.

Mesmo não sendo o foco deste trabalho, observou-se que no meio urbano de Altamira, município com diversas carências, novos problemas sociais estavam se sobrepondo a todo vapor aos preexistentes: (1) crescimento demográfico em Altamira (de 28% entre 2000 e 2010, segundo o IBGE) não acompanhado das ações antecipatórias que preparariam a região para receber a obra. No Censo de 2010, Altamira tinha 99 mil moradores; em 2012, as estimativas da Secretaria de Planejamento da Prefeitura eram de que município contava com a impressionante marca de 146 mil habitantes7; (2) deficiência nos serviços e equipamentos públicos ― não existe coleta de esgoto e apenas 11% da população tem abastecimento de água (SNIS, 2009); (3) custo de vida em constante alta, sendo exemplar o constante aumento no valor dos aluguéis, alimentação e vestimentas nos últimos anos, sobretudo a partir de 20118; (4) falta de moradia e criação de novos bairros ilegais sem qualquer infraestrutura9; (5) aumento do alcoolismo e do uso e tráfico de drogas segundo informações de organizações sociais e agências da prefeitura; (6) intensificação do fluxo de veículos e dos problemas e acidentes de trânsito, dado que as vias careciam de sinalização e manutenção segundo observou-se no trabalho de campo; (7) como pude observar, ainda, o transporte público era praticamente inexistente - existiam apenas serviços de moto-táxi e táxi - limitando a mobilidade da população, sobretudo daquela que vive nas áreas de expansão10, conforme observação de campo.

7 Os dados sistematizados pela Secretaria de Planejamento (SEPLAN) do Município calcula que a

população altamirense encontra-se bem acima daqueles divulgados pelo IBGE entre os anos de 2010 a 2012. Os dados da SEPLAN foram obtidos a partir de dois estudos:1) do aumento na coleta de lixo entre todo o ano de 2011 e o mês de janeiro de 2012, que estimou a população de Altamira em 148.053 pessoas; e 2) dos atendimentos de urgência/emergência no Hospital Municipal entre os anos de 2010 e 2011 e os dois primeiros meses de 2012, que estimou a população em 143.918 pessoas. Em posse dessas informações, a SEPLAN considerou a média dos dois estudos, chegando ao número de 146.224 pessoas (HERRERA eMOREIRA, 2013).

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Informação corroborada por pesquisa realizada por Herrera e Moreira (2013).

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Informação corroborada por pesquisa realizada por Herrera e Moreira (2013).

10

Conforme dados levantados por Herreira e Moreira (2013), o crescimento econômico e populacional adjacente à falta de infraestrutura em Altamira levou à intensificação de vários problemas sociais nas áreas de saúde, educação, segurança e moradia.

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Além desses, o trabalho de campo revelou que outros problemas relacionados à questão fundiária poderiam reemergir, uma vez que: a) já estava ocorrendo um descontrolado “inchaço” da cidade, que indiretamente poderá exercer pressão sobre Unidades de Conservação e Terras Indígenas, com possível redirecionamento de conflitos fundiários para essas áreas; b) especialistas da região consideram possível haver novos conflitos envolvendo ribeirinhos, índios grileiros, posseiros e madeireiros; c) já havia indícios de novos focos de desmatamento em decorrência da demanda de madeira para novas edificações e da intensificação da concorrência entre madeireiros.

No apêndice desse trabalho estão detalhados os registros de quantas, quais e com quem foram realizadas as entrevistas e de quais eventos participei, dentre outras informações.

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2 Fundamentação teórica: Leitura e abordagens sobre conflitos

sociais

As teorias sobre conflito podem auxiliar no entendimento e na qualificação das dinâmicas de relações conflituosas na região da Terra do Meio. Avalia-se que algumas contribuições teóricas, em específico, possuem maior capacidade analítica para o caso em questão, especialmente as contribuições de: Simmel (1983), Schattschneider (1967), Martins (1996; 1997), Ferreira (1999; 2001; 2005; 2012), Schmink e Wood (2012).

Optou-se por dividir as teorias sobre conflitos entre: (1) as que tratam de conflitos, inclusive os socioambientais, num sentido amplo; (2) as que abordam os conflitos em áreas de fronteira, especialmente na Amazônia e na região de estudo; (3) e as que tratam de conflitos relativos à criação de Unidades de Conservação.

As teorias sobre conflitos interessam nesta pesquisa na medida em que auxiliam a compreender os significados e alcances dos fenômenos sociais protagonizados pelos diversos atores que participam das dinâmicas de produção e transformações territoriais da região da Terra do Meio. Partilha-se aqui da noção de Milton Santos de que “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social.” (SANTOS, 1994, p.15)11

. Desse modo, os processos que envolvem conflitos são determinantes para a configuração territorial. Quando se fala em determinado território é preciso compreender as escalas espaciais que o compõe e o atravessa. A partir de quais planos analíticos se está observando as realidades locais, regionais, nacional, mundial e a partir de quais arenas os conflitos se estruturam e se expressam e as práticas sociais operam.

O Território da Terra do Meio refere-se a uma escala regional e local, a depender do enfoque e do campo de observação. Contudo, ele também relaciona-se e é atravessado pelas escalas nacional e internacional na medida em que nestas são tomadas decisões sobre grandes investimentos e empreendimentos planejados ou implementados na região de estudo, sejam eles de natureza econômica ou

11

Mais ou menos na mesma época que Milton Santos, Bertha Becker desenvolveu também o conceito de território enquanto objeto privilegiado de análise.

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socioambiental.

No que tange às teorias de conflitos em áreas de fronteira, elas auxiliam as análises focadas em escalas espaciais regional e subregional, permitindo, assim, uma aproximação analítica voltada tanto para a Região como para o Mosaico da Terra do Meio. A Região e o Mosaico fazem parte de um contexto de fronteira ou fronteiras, que apresentam peculiaridades e/ou ambiguidades, seja por se encaixarem no conceito clássico de fronteira móvel de expansão agropecuária, bem como no de fronteira de exploração e/ou proteção de recursos naturais, além de ser fronteira de ocupação populacional. Com relação a este aspecto da fronteira que diz respeito à dinâmica populacional, Barbieri (2007) atenta para a existência de determinantes que “operam em escalas e níveis variados” (p. 228) e estão interrelacionados com os fatores ambientais.

No tocante às teorias que tratam da criação e gestão de unidades de conservação, estas são bastante úteis para as análises de conflitos relacionados às interações entre as populações residentes no Mosaico, os atores interessados na exploração econômica dos recursos naturais e os atores institucionais - estatais e sociais - responsáveis pela gestão e fiscalização dessas áreas com restrição ou proibição de usos. Tratam-se de conflitos mais específicos da gestão de unidades de conservação; contudo, apesar de localizados, os atores envolvidos também podem operar em múltiplas escalas.

2.1 Teoria sobre conflitos e conflitos socioambientais

As definições e análises de conflito estão polarizadas ao redor de duas grandes matrizes conceituais, que concebem os efeitos dos conflitos sobre as sociedades contemporâneas de maneiras distintas e são interpretadas à luz de duas diferentes perspectivas teóricas. Essas matrizes foram sistematizadas por Ferreira (2005), a partir de Vayrynen (1991), como sendo orientadas pelas teorias denominadas 1) conflict transformation e 2) conflict resolution.

Na primeira, os conflitos são entendidos como inerentes a qualquer sistema social, atuando, inclusive, como forças motrices das mudanças, sendo o consenso nada além de uma contingência. Para esta abordagem não há

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possibilidade de solução definitiva para qualquer que seja o conflito. Na segunda, os conflitos são compreendidos como distúrbios, anomalias ou graus de desvios do sistema social, originalmente equilibrado. Portanto, tratam-se de contingências negativas para o bem-estar da sociedade, tornando-se necessário o desenvolvimento de estratégias para neutralizá-las ou amenizá-las.

De acordo com Ferreira (2005), em seu estágio inicial, em meados do século passado, a maior contribuição da produção científica sobre conflitos sociais na área ambiental foi registrar os processos de formação de demandas por qualidade ambiental, elevando-as à categoria de direitos do cidadão e à estatura de reivindicação política. Dessa forma, cria-se terreno fértil para o surgimento de conflitos coletivos generalizados, primeiro nos EUA e Europa nos anos de 1970, e depois no Brasil e outros países da America Latina nos anos de 1980. Tais movimentos colocam em questionamento os usos e destinações de áreas e recursos naturais, sobretudo aqueles usos relativos aos grandes empreendimentos de implantação e expansão industriais e de infraestrutura urbana.

Nessa fase inicial dos estudos e pesquisas empíricas sobre conflitos, Ferreira (2005, p.109) explica que não havia uma preocupação dos pesquisadores em filiarem-se às linhas de abordagens sobre o tema, pois “o conteúdo empírico da realidade fenomênica ultrapassava preocupações teóricas mais formais”. Nesse estágio das pesquisas, portanto, a maioria deles não se filiava à linha que investe no conflito como categoria explicativa da mudança; contudo, a autora considera que estes estudos “produziram as condições adequadas às estimativas e abordagens teóricas subsequentes, uma vez que investiram no substrato empírico necessário para os avanços no debate em curso” (p. 110).

Partidária desta abordagem, Ferreira (2005) acredita que os arranjos feitos para acomodar os conflitos são sempre de caráter temporário, as situações de equilíbrio duram por determinado tempo, mas necessariamente são superadas pelas constantes reacomodações nas interações sociais, às quais sucedem-se novos conflitos. Para ela trata-se de algo inerente ao processo social e opera como mola propulsora da mudança. Em sintonia com esta interpretação, Simões (2010, p. 330) sustenta que:

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Os conflitos acerca do uso de recursos naturais não podem ser eliminados, (...), uma vez que sempre acompanham a dinâmica social de reconstrução de novos patamares de interesses e direitos, inerentes ao jogo social daquele contexto. Cada patamar atingido gera uma acomodação momentânea, que provoca um novo tipo de conflito, que demanda uma nova perspectiva de negociação, que constrói uma nova possibilidade de reacomodação momentânea. O gestor de diretrizes e políticas voltadas para a questão da presença de populações em UC deve produzir perspectivas, normas e acordos de gestão que terão maior chance de efetivação (aceitação, cumprimento e minimização dos impactos ambientais) se forem compreendidas como temporais, demandando monitoramento, construção e reconstrução de ajustes.

Assim sendo, acredita que as acomodações aos conflitos são sempre temporárias, e, portanto, estão sempre se modificando conforme as novas necessidades e demandas do momento. Com novas rodadas de negociações, são alcançados novos patamares de acomodaçao de conflitos. Portanto, para Simões (2010) os conflitos, especialmente os de uso e ocupação de territórios, não são solucionáveis. Ao invés disso, estão sempre gerando possibilidades potenciais de negociação, a depender da capacidade de governança instalada na localidade.

Ao referir-se às questões socioambientais, Ferreira (2005) menciona uma ressalva conceitual sobre o termo conflito que se refere às confusões analíticas entre conflitos e problemas que não necessariamente expressam conflito. Ao ter se disseminado amplamente, a autora acredita que o termo tornou-se muito genérico, correndo o risco de incorrer em banalização da categoria conflito, resultando em um esvaziando de seu conteúdo sociológico. O conceito perde o poder, que encerra em si, de funcionar como categoria explicativa de processos sociais. Ferreira (2005, p. 105), declara:

Essa disseminação certamente positiva levou em contrapartida a uma banalização exagerada do conceito, que perdeu toda sua força como categoria explicativa. Talvez por estarem na constituição de problemas ambientais, misturaram-se os termos da equação: abandonada a dimensão analítica, conflito e problema foram confundidos como sinônimos.

Ressalta-se, para além da imprecisão conceitual apontada acima, que conflito se tornou um termo muito genérico. Ele pode se referir ao embate racional e dialógico visando propor soluções para problemas comuns, bem como pode ser fonte de ação violenta visando à aniquilação ou expulsão de um oponente. Birnbaum (1995) sugere que, neste último caso, o resultado do conflito seria de soma zero, uma vez que os ganhos obtidos pelo lado vitorioso da disputa ocorreram a partir da destruição dos interesses do lado oponente.

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Conforme Carneiro e Barros (2006), nas duas últimas décadas ocorreu um enquadramento hegemônico da questão ambiental concebida, fundamentalmente, como o problema da sustentabilidade; isto é, da preservação do equilíbrio entre a atividade humana e os limites impostos pela dinâmica da biosfera. Nessa concepção, pode-se chegar à sustentabilidade pela conscientização acerca da gravidade das transformações ambientais em curso, havendo a necessidade do gerenciamento institucional de conflitos na adoção de políticas de controle ambiental. Por esta perspectiva, há a primazia do critério da consciência ambiental, que se impõe a todas as clivagens sociais - grupos e classes sociais - em virtude da ameaça representada pela possibilidade de colapso dos processos naturais de sustentação da vida no planeta. Segundo Carneiro (2006), trata-se de um critério “biologista” de demarcação da questão ambiental.

Contudo, ainda de acordo com Carneiro (2006, p.1), nos últimos anos ganha espaço um enfoque crítico alternativo, “que inscreve no cerne da ‘questão ambiental’ que opõem diferentes grupos sociais que, em condições assimétricas de poder, lutam pela atribuição de distintos significados e usos das condições naturais”, não sendo necessário que tais práticas ameacem a continuidade da vida, no sentido da biologia. As clivagens sociais ganham primazia, deslocando a questão ambiental de uma ótica biologista para um ponto de vista sociológico, em que o campo das lutas sociais ganha importância. Ganha força a problemática das lutas sociais originadas pelas questões ambientais. Nesta perspectiva, Acselrad (2004, p.26), afirma que os conflitos ambientais têm origem quando, pelo menos, um dos grupos envolvidos com o espaço “tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis (...) decorrentes do exercício das práticas de outros grupos” (ACSELRAD, 2004: 26).

Ferreira (2005, p.110) discorre sobre outra mudança de enfoque na análise de conflitos socioambientais a partir de meados dos anos de 1990:

de uma forte primazia no ator, visando a compreender suas características sociais, políticas e culturais, e as condições históricas para sua emergência, o foco de análise a partir de então se dirigiu para os processos e dinâmicas interativas que constituem a ação, invertendo a lógica unidimensional para uma perspectiva relacional de análise.

Considera que essa mudança de enfoque foi fundamental para as análises e debates atuais sobre conflitos, doravante mais preocupados em

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