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Morte súbita e inesperada na infância associada a erros inatos do metabolismo no Brasil : uma abordagem epidemiológica e genética

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR

MORTE SÚBITA E INESPERADA NA INFÂNCIA ASSOCIADA A

ERROS INATOS DO METABOLISMO NO BRASIL: UMA

ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA E GENÉTICA

FERNANDA HENDGES DE BITENCOURT

PORTO ALEGRE 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR

MORTE SÚBITA E INESPERADA NA INFÂNCIA ASSOCIADA A

ERROS INATOS DO METABOLISMO NO BRASIL: UMA

ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA E GENÉTICA

FERNANDA HENDGES DE BITENCOURT

Orientadora: Profª. Drª. Ida Vanessa Doederlein Schwartz Co-orientadora: Profª. Drª. Fernanda Sales Luiz Vianna

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da UFRGS como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutora em Genética e

Biologia Molecular.

PORTO ALEGRE 2018

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AGRADECIMENTOS

À Profª. Ida Schwartz, por acreditar na minha capacidade. Obrigada pela confiança, ensinamentos e oportunidades. Obrigada por sempre me estimular a ser a melhor pesquisadora possível. Obrigada por estar ao meu lado durante todos esses anos de parceria e amizade.

À Profª. Fernanda Vianna por acreditar nesse projeto lindo e por ter sido meu grande suporte durante essa jornada. Obrigada pela tua generosidade em compartilhar comigo tuas experiências e conhecimentos. Tenho muito orgulho em ser tua orientanda e tua amiga.

À Fernanda Sperb por ter sido minha coorientadora de coração e por ter abraçado esse projeto. Não tenho palavras para expressar a minha gratidão por tudo que tu fizeste por mim.

À UFRGS e aos seus docentes por garantirem um ensino de excelência. Aos amigos do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas, em especial a Fernanda Medeiros, Ana Scholz, Fernanda Bender e Kristiane Michelin, pelo companheirismo, pela amizade, pelo amor, pelo colo e por trazerem à minha vida um pouco de cor quando tudo parecia tão cinzento.

À Dévora Randon pelo árduo trabalho e dedicação. Esse trabalho também é teu.

À Tássia Tonon, por ser a melhor amiga que alguém poderia ter. Obrigada por todo o apoio nos momentos difíceis. Obrigada pelo teu colo, pelas risadas, pelos almoços diários, pelas melhores mensagens. Obrigada por sonhar comigo.

Aos meus amigos, que apesar da minha ausência, nunca deixaram de me apoiar.

Aos meus pais e ao meu irmão, por estarem sempre ao meu lado e por acreditarem nos meus sonhos. Grande parte de tudo que eu tenho, eu devo a vocês.

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O que fazemos para nós, morre conosco.

O que fazemos pelos outros e pelo mundo, continua e é imortal.

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RESUMO

Introdução: Morte súbita inesperada e inexplicada na infância ou morte súbita

infantil inesperada (SUDI, do inglês Sudden unexpected death in infancy) é uma das mais frequentes causas de óbito no primeiro ano de vida. De 3 a 6% das crianças com SUDI podem ter algum erro inato do metabolismo (EIM – doenças genéticas geralmente autossômicas recessivas), sendo que SUDI pode ser a única manifestação dessas doenças. A deficiência de acil-CoA desidrogenase de cadeia media (MCADD), um defeito de beta-oxidação de ácidos graxos, parece ser o principal EIM associado à SUDI. Até o momento, não há na literatura qualquer dado sobre a frequência de SUDI associada a EIM no território brasileiro. Além disso, não existe na literatura dados sobre a frequência de MCADD e suas variantes no Rio Grande do Sul (RS). Como muitos dos EIM são tratáveis, o seu diagnóstico e tratamento precoces poderiam prevenir a ocorrência de SUDI.

Objetivos gerais: 1) Estimar e caracterizar por região do Brasil, os óbitos

relacionados a EIM associados a SUDI em neonatos e lactentes <1ano de idade no período de 2002 a 2014 2) Avaliar a fração atribuível dos EIM nas situações de SUDI em neonatos e lactentes <1ano de idade na população do RS no período de 2002 a 2014.

Metodologia: Etapa 1 (Análise Epidemiológica): estudo transversal de base

populacional utilizando as bases de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) correspondentes ao período 2002-2014. A partir do SIM, foram identificados os óbitos de crianças <1ano no Brasil e no RS cuja causa básica corresponda a alguns dos EIM associados a SUDI (CID10-E70 – distúrbios do metabolismo de aminoácidos aromáticos, E71 – distúrbios do metabolismo de aminoácidos de cadeia ramificada e do metabolismo de ácidos graxos, E72 – outros distúrbios do metabolismo de aminoácidos, E74 – outros distúrbios do metabolismo de carboidratos) e à SUDI (CID10-R95 – Síndrome de morte súbita na infância, R96 – outras mortes súbitas de causa desconhecida, e R99 – outras causas mal definidas e não especificadas de mortalidade). Para os dados do RS, foram solicitadas à Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre as declarações de óbito (DOs) dessas crianças, as quais foram analisadas em relação às variáveis de interesse. Para os óbitos ocorridos no RS, foi realizado o georreferenciamento dos casos a fim de avaliar a presença de cluster de SUDI e de EIM associados a SUDI. Etapa 2 (Análise Genética): Estudo observacional e transversal de detecção de heterozigotos para as variantes patogênicas mais frequentes nos genes ACADM (MCADD; c.985A>G e c.199T>C). Os participantes foram doadores voluntários de sangue que comparecerem ao Banco de Sangue do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Resultados: Etapa 1: de 2002 a 2014 foram registrados 199 óbitos de crianças

<1ano no Brasil devido a EIM associados à SUDI, sendo a prevalência de óbitos calculada de 0,67:10.000 nascidos vivos (IC95% 0,58-0,77). Destes 199 óbitos, 18 (9,0%) ocorreram na região Norte do país, 43 (21,6%) na região Nordeste, 80 (40,2%) na região Sudeste, 46 (23,1%) na região Sul e 12 (6,0%) na região Centro-Oeste. Em todo o território nacional, CID10-E74 foi o predominante. Entre 2002 e 2014, 21 crianças <1ano faleceram no RS devido aos EIM pesquisados. No mesmo período, 650 faleceram devido à SUDI, sendo que a taxa calculada foi de 0,53:10.000 nascidos vivos (IC95% 0,33-0,81) e de 16,0:10.000 nascidos vivos

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(IC95% 15-18), respectivamente. A análise das DOs mostrou que há um alto grau de incomplitude, principalmente no que diz respeito a afecções iniciais, sequenciais e terminais (que levam a identificação da causa básica de óbito) nos casos de SUDI, não permitindo a associação entre SUDI e EIM. O georreferenciamento dos óbitos de criança <1ano por CID10-R95 mostrou que o município de Pejuçara é um isolado geográfico com uma alta taxa de óbitos infantis. Com relação ao CID10-R99, os municípios de Nova Bréscia e Paraí também são isolados geográficos com altas taxas de óbitos infantis por esse CID. Nova Bréscia e Paraí seguem como isolados geográficos quando todos os óbitos por SUDI foram considerados (CID10-R95, R96 e R99). O georreferenciamento de óbitos por CID10-R96 e EIM associados a SUDI não foi realizado devido ao pequenos número de registros de óbitos por esses CIDs no período avaliado (13 e 21 casos, respectivamente). Etapa 2: Até o momento, foram analisados 300 indivíduos para a variante c.199T<C. Não foram encontrados alelos para essa variante no gene ACADM na população estudada.

Discussão/Conclusões: Este é o primeiro estudo a avaliar o número de óbitos de

crianças <1ano atribuído a SUDI e a EIM associados à SUDI no território nacional e, em especial, no RS num período de treze anos. O baixo número de registros de óbitos por EIM associados à SUDI no Brasil pode ser resultado não da raridade dos distúrbios, mas sim, da subnotificação e/ou subdiagnóstico. Apesar de MCADD ser o principal EIM associado à SUDI, o CID10-E71 (no qual estão incluídos os defeitos de beta-oxidação de ácidos graxos), foi o menos prevalente. No RS, por sua vez, o número de óbitos por EIM associados à SUDI reflete o panorama nacional, com apenas 21 casos registrados no período avaliado. Por outro lado, os óbitos por SUDI não permitem a associação destes com EIM devido à escassez de informações nas DOs, principalmente no que diz respeito às afecções iniciais, sequenciais ou terminais que conduziram ao estabelecimento da causa básica de óbito. A presença de isolados geográficos com altas taxas de óbitos de crianças <1ano nos municípios de Paraí, Nova Bréscia e Pejuçara pode ser um indicador da presença de EIM na região. Essa hipótese é apoiada por fatores tais como a dificuldade de diagnóstico de doenças tão complexas como os EIM; a ausência de necropsia metabólica no Brasil; a ancestralidade europeia dessas regiões, a qual pode estar associada a uma maior incidência de MCADD, principal EIM relacionado a SUDI. Com relação à análise genética do gene ACADM, os resultados ainda são parciais, não permitindo o estabelecimento da frequência de heterozigotos para as mutações c.199T>C e c.985A>G na população saudável do RS, e nem a determinação da incidência de MCADD na região.

Palavras-chave: morte súbita, erros inatos do metabolismo, SUDI, mortalidade

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ABSTRACT

Introduction: Sudden unexpected death in infancy (SUDI) is one of the most

frequent causes of death during the first year of life. From 3% to 6% of children with SUDI may have some inborn error of metabolism (IEM – genetic diseases usually with autosomal recessive inheritance), and SUDI may be the main manifestation of these diseases. Medium-chain acyl-CoA dehydrogenase deficiency (MCADD), a fatty acid oxidation disorder, appears to be the major IEM associated with SUDI. To date, there is no data on the frequency of IEM associated with SUDI associated in Brazil. In addition, there is no literature on the frequency of MCADD and its pathogenic variants in Rio Grande do Sul (RS). Since many of these IEM are treatable, early diagnosis and treatment could prevent the occurrence of SUDI.

Principal objectives: 1) To estimate and characterize, by region of Brazil, deaths

related to IEM associated with SUDI in neonates and infants <1year old from 2002 to 2014; 2) To evaluate the attributable fraction of IEM in SUDI situations in neonates and infants <1year old in RS population from 2002 to 2014.

Methodology: Phase 1 (Epidemiological Analysis): a cross-sectional

population-based study using the Mortality Information System (SIM) database for the period of 2002 to 2014. From SIM data, the deaths of children <1year old in Brazil and RS, whose underlying cause of death corresponds to some of the IEM associated with SUDI (ICD10-E70 – disorders of aromatic amino-acid metabolism, E71 - disorders of branched-chain amino-acid metabolism and fatty-acid metabolism, E72 - Other disorders of amino-acid metabolism, and E74 - Other disorders of carbohydrate metabolism) and SUDI (ICD10-R95 - Sudden infant death syndrome, R96 - Other sudden death, cause unknown, and R99 - Other ill-defined and unspecified causes of mortality) were identified. For RS data, Death Certificates (DCs) of these children were obtained from the Municipal Health Department of Porto Alegre, which were analyzed in relation to the variables of interest. For the deaths occurred in RS region, georeferencing of the cases was carried out in order to evaluate the presence of a cluster of SUDI and EIM associated with SUDI. Phase 2 (Genetic Analysis): Observational and transversal study for the detection of heterozygotes for the most frequent pathogenic variants in the ACADM genes (MCADD; c.985A>G and c.199T>C). Participants were volunteer blood donors who attended the Blood Bank of the Hospital de Clínicas of Porto Alegre.

Results: Phase 1: 199 deaths of children <1year old in Brazil were recorded from

2002 to 2014 due to IEM associated with SUDI, with a estimated mortality rate of deaths of 0.67: 10,000 live births (CI95% 0.58-0.77). Of these 199 deaths, 18 (9.0%) occurred in the North, 43 (21.6%) in the Northeast, 80 (40.2%) in the Southeast, 46 (23.1% and 12 (6.0%) in the Central-West region of Brazil. In all regions, ICD10-E74 was the most frequent. From 2002 to 2014, 21 children <1year old died in RS due to the IEM selected. In the same period, 650 children <1year old died due to SUDI, and estimated mortality rate was 1.5:10,000 live births (CI95% 0.33-0.81) and 45.0:10,000 live births (CI95% 15-18), respectively. The analysis of the DC showed that there is lack of information, especially regarding to initial, sequential and terminal conditions (leading to identification of the underlying cause of death) in the cases of SUDI, not allowing the association between SUDI and IEM. In addition to that, there was no concomitance of ICD related to EIM and ICD related to SUDI in the analyzed DCs. The georeferencing of death of children <1year old by

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ICD10-R95 showed that Pejuçara city is a geographical isolate with a high rate of infant deaths. With regard to ICD10-R99, Nova Bréscia city and Paraí city are both geographical isolates with high rates of infant deaths. Nova Bréscia and Paraí are also geographical isolates when all deaths by SUDI were considered (ICD10-R95, R96 and R99). The georeferencing of deaths by ICD10-R96 and EIM associated with SUDI was not performed due to the small number of death registries by these codes in the period evaluated (13 and 21 cases, respectively). Phase 2: To date, 300 individuals included in the study were analyzed for the pathogenic variant c.199T> C. Partial results show that there is no heterozygote for the pathogenic variant c.199T>C in ACADM gene.

Discussion/Conclusions: This is the first study to evaluate the number of deaths of

children <1year attributed to SUDI and IEM associated with SUDI in Brazil, and especially in RS within a period of thirteen years. The low number of death records for IEM associated with SUDI in Brazil may result not from the rarity of the disorders, but from underreporting and/or underdiagnosis of these condition. Although MCADD is the major IEM associated with SUDI, ICD10-E71 (which includes fatty acid oxidation disorders), was the least frequent. In RS the number of deaths due to IEM associated with SUDI reflects the national panorama, with only 21 cases registered in the period evaluated. On the other hand, due to the lack of information in the DCs it was not possible to associated cases of SUDI to IEM, especially with regard to the initial, sequential or terminal conditions that led to the establishment of the underlying cause of death. The presence geographical isolates with high rates of death of infants <1year old in Paraí, Nova Brescia and Pejuçara may be an indicator of the presence of IEM in those regions. This hypothesis is supported by some facts such as the difficulty of diagnosing of IEM which are complex diseases; the absence of metabolic necropsy in Brazil; the European ancestry of these regions, which may be associated with a higher incidence of MCADD, the most common IEM associated with SUDI. Regarding the genetic analysis of the ACADM gene, the results are still partial, not allowing the establishment of the frequency of heterozygotes for the c.199T> C and c.985A> G mutations in the healthy population of RS and nor the determination of the incidence of MCADD in the region.

Keywords: sudden death, inborn errors of metabolism, SUDI, infant mortality.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Esquema da beta-oxidação dos ácidos graxos na mitocôndria. ... 25

Figura 2 Deficiência de desidrogenase de acil-CoA de cadeia media: bioquímica e

consequências fisiopatológicas ... 28

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Classificação clínica dos erros inatos do metabolismo ... 15

Quadro 2. Exemplos de erros inatos do metabolismo e sintomas associados ... 17

Quadro 3 Manifestações clínicas dos erros inatos do metabolismo em neonatos e

lactentes ... 18

Quadro 4 Erros inatos do metabolismo e achados laboratoriais associados ... 18

Quadro 5 Erros inatos do metabolismo associados à morte súbita. ... 22

Quadro 6 Classificação de distúrbios metabólicos pela Classificação Internacional

de Doenças (CID10) ... 34

Quadro 7 Lista de algumas doenças redutíveis por ações de prevenção, diagnóstico

e tratamento precoces. ... 36

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Frequência alélica da variante patogênica c.985A>G em diferentes países

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ABREVIATURAS

CID: Classificação Internacional de Doenças DO: declaração de óbito

EIM: erros inatos do metabolismo EUA: Estados Unidos da América

LCAD: acil-CoA desidrogenase de cadeia longa LCEH: 2,3-enoil-CoA hidratase de cadeia longa LCHAD: 3-hidroxi-acil-CoA de cadeia longa LKAT: 3-cetoacil-CoA tiolase de cadeia longa MCAD: acil-CoA desidrogenase de cadeia media

MCADD: deficiência de acil-Coa desidrogenase de cadeia média MKAT: 3-cetoacil-CoA tiolase de cadeia media

MS: Ministério da Saúde

MTP: complexo da proteína trifuncional mitocondrial ODM: Objetivos do Desenvolvimento do Milênio OMS: Organização Mundial de Saúde

PIDCER: Plano Integral de Defeitos Congênitos e Doenças Raras – Uruguai PNPNL: Programa Nacional de Triagem Neonatal – Uruguai

PNTN: Programa Nacional de Triagem Neonatal RS: Rio Grande do Sul

SCAD: acil-CoA desidrogenase de cadeia curta SCHAD: 3-hidroxi-acil-CoA de cadeia curta SCHE: 2,3-enoil-CoA hidratase de cadeia curta

SIDS: sudden infant death syndrome (síndrome de morte súbita infantil) SIM: Sistema de Informações sobre Mortalidade

SKAT: 3-cetoacil-CoA tiolase de cadeia curta SMSL: síndrome de morte súbita do lactente

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SNC: sistema nervoso central

SUDI: sudden unexpected death in infancy SUID: sudden unexplained infant death SUS: Sistema Único de Saúde

UVE: Unidade de Vigilância Epidemiológica

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

1.1 Erros inatos do metabolismo ... 14

1.1.1 Classificação dos erros inatos do metabolismo ... 15

1.1.2 Sintomatologia ... 16

1.1.2.1 Sintomatologia em neonatos e lactentes ... 17

1.2 Morte súbita inesperada na infância ... 18

1.2.1 Morte súbita inesperada na infância e erros inatos do metabolismo ... 20

1.3 Beta-oxidação de ácidos graxos ... 22

1.3.1 Deficiência da desidrogenase de acil-CoA de cadeia média ... 25

1.3.1.1 Fisiopatologia ... 26

1.3.1.2 Manifestações clínicas ... 27

1.3.1.3 Aspectos genéticos ... 29

1.3.1.4 Diagnóstico ... 31

1.3.1.5 Tratamento ... 32

1.4 Classificação Internacional de Doenças ... 33

1.5 Sistema de Informações sobre Mortalidade ... 36

1.6 Triagem Neonatal ... 39

2 HIPÓTESE DO ESTUDO ... 43

3 JUSTIFICATIVA ... 45

(13)

4.1 Objetivos gerais ... 49 4.2 Objetivos específicos ... 49 5 CAPÍTULO 1 – ARTIGO 1 ... 51 6 CAPÍTULO 2 – ARTIGO 2 ... 53 7 CAPÍTULO 3 – ARTIGO 3 ... 55 8 DISCUSSÃO ... 57 9 CONCLUSÕES ... 65 10 PERSPECTIVAS ... 69 11 REFERÊNCIAS ... 72

Anexo I Modelo de Declaração de Óbito ... 81

Anexo II Campo 40 da Declaração de Óbito. ... 82

Anexo III Carta de aprovação do projeto ... 83

Anexo IV Carta de aprovação do projeto ... 84

Anexo V Comprovante de submissão do artigo 1 ... 85

12 APÊNDICES ... 87

12.1 Ficha de coleta ... 87

12.2 Artigo 1 ... 88

12.3 Artigo 2 ... 88

(14)

13

INTRODUÇÃO ___________________________________________________________________

(15)

14

1 INTRODUÇÃO

1.1 Erros inatos do metabolismo

Doenças metabólicas hereditárias ou erros inatos do metabolismo (EIM) – nome sugerido por Sir Archibald Garrod, são enfermidades relativamente raras individualmente, mas frequentes como grupo. Apesar de ser um único grupo de doenças, os EIM representam uma vasta, diversa e heterogênea coleção de condições genéticas que são uma causa significante de morbidade e mortalidade, principalmente na infância (PAMPOLS, 2010; SAUDUBRAY-CAZORLA, 2018). A maioria dos EIM é causada por deficiências enzimáticas ou defeitos em proteínas de transporte (SAUDUBRAY-CAZORLA, 2018). Quando há diminuição da atividade enzimática, ocorre um bloqueio total ou parcial de uma rota metabólica, que tem como consequência o acúmulo do substrato e a falta do produto final. Os indivíduos com EIM podem apresentar sintomatologia variada, e a gravidade do quadro clínico de cada paciente depende da rota metabólica afetada, bem como do metabólito acumulado ou deficiente. São, na sua grande maioria, doenças graves e que podem levar o paciente a óbito quando não tratadas corretamente (CHUANG e SHIH, 2001; GOMES; SANTOS; VILANOVA, 2005).

Os EIM apresentam, geralmente, herança autossômica recessiva, com risco de recorrência de 25% para cada gestação de pais heterozigotos. Atualmente são conhecidos aproximadamente 1000 EIM, com uma incidência total estimada em 1:800 (CHUANG; SHIH, 2001; OLIVEIRA et al., 2001; SANDERSON et al., 2006; SAUDUBRAY e GARCIA-CAZORLA, 2018).

Entre as doenças genéticas, os EIM destacam-se por serem complexas em termos de diagnóstico e, por muitas vezes serem, ao contrário da maior parte das demais doenças genéticas, possíveis de serem tratadas (GIUGLIANI, 1998).

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15

1.1.1 Classificação dos erros inatos do metabolismo

Segundo Saudubray e Garcia-Cazorla, os EIM podem ser classificados de em duas grandes categorias. A categoria 1 inclui doenças que envolvem apenas um único sistema funcional (como sistema endócrino, sistema imune, ou fatores de coagulação) ou que afetam apenas um órgão ou sistema anatômico (como intestino, túbulos renais, eritrócitos ou tecido conjuntivo). Os sintomas são uniformes e o diagnóstico é geralmente fácil de ser estabelecido. A categoria 2, por sua vez, inclui doenças nas quais o defeito bioquímico base afeta uma via metabólica comum a um grande de número de células ou órgãos (por exemplo, doenças lisossômicas) ou é restrita a um órgão, mas que desencadeia consequências sistêmicas ou humorais (por exemplo, defeitos do ciclo da ureia, glicogenose hepática). As doenças dessa categoria, por sua vez, podem ser divididas em três grupos (Quadro 1) (SAUDUBRAY GARCIA-CAZORLA, 2018).

Quadro 1. Classificação clínica dos erros inatos do metabolismo (Adaptado de

SAUDUBRAY e GARCIA-CAZORLA, 2018).

Grupo 1 Distúrbios que afetam o metabolismo intermediário de pequenas moléculas Grupo 2 Distúrbios que envolvem o metabolismo energético

Grupo 3 Distúrbios envolvendo moléculas complexas

O grupo 1 é formado doenças que afetam a rede de reações bioquímicas de degradação (catabolismo), síntese (anabolismo) e reciclagem, a qual permite troca contínua entre células e nutrientes através da alimentação (carboidratos, lipídeos e proteínas) e da respiração (oxigênio). Inclui EIM que causam intoxicação aguda ou progressiva devido ao acúmulo de compostos próximos ao ponto de bloqueio metabólico, como, por exemplo, EIM do catabolismo de aminoácidos (fenilcetonúria, doença da urina do xarope do bordo, etc), a maioria das acidemias orgânicas (metilmalônica, propiônica, isolvalérica, entre outras), distúrbios do ciclo da uréia e doenças relacionadas, defeitos no metabolismo de galactose e frutose e porfirias (SAUDUBRAY e GARCIA-CAZORLA, 2018)

O grupo 2, por sua vez, é formado por EIM com sintomas que, pelo menos parcialmente, levam à deficiência na produção ou uso de energia no fígado, miocárdio, músculo, cérebro e outros tecidos. Defeitos mitocondriais são os mais

(17)

16 graves e geralmente sem tratamento. Os sintomas podem envolver sinais de intoxicação agudos (geralmente acionados por jejum, catabolismo, febre) ou crônicos. Os defeitos citoplasmáticos são geralmente menos graves e incluem distúrbios da glicólise, do metabolismo do glicogênio e gliconeogênese, hiperinsulinismo e defeitos no transportador da glicose, distúrbios no metabolismo da creatina e EIM da vida da fosfato pentose (SAUDUBRAY e GARCIA-CAZORLA, 2018).

O grupo 3 inclui doenças que envolvem a síntese, processamento, controle de qualidade e catabolismo de moléculas complexas. Esses processos complexos ocorrem em organelas (mitocôndrias, lisossomos, peroxissomos, retículo endoplasmático e complexo de Golgi). Os sintomas são permanentes, geralmente progressivos e independentes de eventos intercorrentes ou da ingestão alimentar. O grupo inclui doenças de depósito lisossomal, distúrbios peroxissomais, erros inatos da purina e pirimidina, erros inatos da síntese do colesterol, distúrbios dos triglicerídeos, fosfolipídeos e glicoesfingolipídeos, entre outros (SAUDUBRAY e GARCIA-CAZORLA, 2018)

1.1.2 Sintomatologia

O diagnóstico de EIM é bastante complexo para a maioria dos médicos. O número de EIM conhecidos é provavelmente tão grande quanto o número de sintomas que podem indicar um distúrbio metabólico (Quadro 2). Além disso, os pacientes podem apresentar hipoglicemia e acidose metabólica (SAUDUBRAY e CHARPENTIER, 2001).

(18)

17

Quadro 2. Exemplos de erros inatos do metabolismo e sintomas associados (Adaptado de

BEAUDET et al., 2001; APPLEGARTH, TOONE e LOWRY, 2000; MEIKLE et al., 1999)

Sintoma Exemplos de doenças

Diarreia Deficiência de lactase

Doenças mitocondriais

Intolerância a exercícios Distúrbios da oxidação de ácidos graxos Distúrbios de glicogenólise

Distúrbios mitocondriais Infarto agudo do miocárdio Doença de Fabry

Homocistinúria

Emese recorrente Galactosemia

Neuropatia periférica Doenças mitocondriais

Leucodistrofia metacromática Doenças congênitas de glicosilação Sintomas de pancreatite Doenças mitocondriais

Glicogenose tipo I 1.1.2.1 Sintomatologia em neonatos e lactentes

Alguns dias ou semanas após o nascimento, um neonato previamente saudável pode começar a apresentar sinais de uma doença metabólica oculta. Apesar de o quadro clínico poder variar, neonatos e crianças com doenças metabólicas tipicamente apresentam letargia, diminuição do apetite, vômitos, taquipneia e convulsões (Quadro 3). Com o progresso da doença, podem surgir anormalidades em relação ao tônus (hipo ou hipertonia), postura e movimentos, além de apneia do sono (CLARKE, 2002). Elevado nível plasmático de amônia, hipoglicemia e acidose metabólica são sugestivos de EIM (Quadro 4). Além disso, os cuidadores ou médicos podem perceber um odor não usual no lactente, o qual pode estar associado a algumas doenças metabólicas (ex.: doença da urina do xarope do bordo, fenilcetonúria, acidemia isovalérica). Por fim, uma doença similar à Síndrome de Reye (encefalopatia hepática não específica, possivelmente acompanhada de hipoglicemia) pode estar presente em anormalidades da gliconeogênese, da oxidação de ácidos graxos, da cadeia de transporte de elétrons ou de ácidos orgânicos (RAGHUVEER, GARG e GARF, 2006).

Quando uma criança com EIM não diagnosticado vai a óbito, este fato geralmente é só atribuído a sepse (em doenças que predisponham o surgimento de condições infecciosas), resultando em um erro de diagnóstico (LINDOR e KARNES, 1995).

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Quadro 3 Manifestações clínicas dos erros inatos do metabolismo em neonatos e lactentes

(Adaptado de BURTON, 1987; SEASHMORE; RINALDO, 1993 e SAUDUBRAY-CAZORLA, 2018).

Atraso no desenvolvimento Vômito e/ou diarreia

Letargia ou coma Hipo ou hipertonicidade

Convulsões Hepatomegalia e/ou hepatopatia

Dificuldade respiratória e/ou apneia Icterícia

Face grotesca Odores não usuais (urina, suor)

Face dismórfica Cabelos anormais

Macroglossia Achados oculares anormais

Atraso no crescimento Miopatia

Infecções frequentes Hipoglicemia

Acidose metabólica Sepse

Quadro 4 Erros inatos do metabolismo e achados laboratoriais associados (Adaptado de

BEAUDET et al., 2001; APPLEGARTH, TOONE e LOWRY, 2000; MEIKLE et al., 1999). Achados laboratoriais Exemplos de doenças

Função hepática anormal Intolerância à frutose Doenças mitocondriais Galactosemia

Doença de Gaucher

Hipoglicemia Doenças do metabolismo de carboidratos

Distúrbios de oxidação de ácidos graxos Doenças de depósito de glicogênio Galactosemia

Acidemias orgânicas

Cetose Aminoacidopatias

Acidúrias orgânicas

Acidose metabólica Aminoacidopatias

Acidúrias orgânicas

1.2 Morte súbita inesperada na infância

Morte súbita inesperada e inexplicada na infância ou morte súbita infantil inesperada (do inglês, Sudden unexpected death in infant – SUDI ou Sudden unexplained infant death - SUID) é uma das mais frequentes causas de morte no primeiro ano de vida após o período neonatal. De acordo com Hube, SUDI é um segmento da mortalidade infantil no qual a morte ocorre de forma súbita e inesperada (HAUCK e TANABE, 2008). SUDI é responsável por cerca de 4600 mortes infantis por ano nos Estados Unidos da América (EUA) (SHAPIRO-MENDOZA, 2007). Os termos SUDI e SUID têm sido atualmente utilizados para óbitos que ocorrem de forma repentina e inesperada, geralmente em crianças aparentemente saudáveis. A categoria SUDI inclui, mas no entanto, não se limita

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19 somente a, mortes relacionadas a sufocamento não intencional ou Síndrome de Morte Súbita Infantil (do inglês, Sudden infant death syndrome – SIDS), também denominada Síndrome de Morte Súbita do Lactente (SMSL). SIDS é uma classificação de exclusão, sendo definida como a “morte súbita de uma criança com menos de um ano de idade que permanece inexplicada após uma investigação completa do caso, incluindo a realização de uma autópsia completa, análise do local de morte e revisão da história clínica” (KROUS et al., 2004). As principais causas de SUDI são listadas abaixo:

Síndrome da Morte Súbita Infantil (SIDS): nos EUA, SIDS é a maior causa de morte em crianças de um mês a um ano de idade e a terceira causa de mortalidade infantil, após anomalias congênitas e prematuridade/baixo peso ao nascer. SIDS contribui com 2300 mortes por ano nos EUA. SIDS ocorre mais frequentemente em crianças de dois a quatro meses de idade e raramente após os oito meses. SIDS ocorre inesperadamente e geralmente em período de sono, não sendo causada por sufocamento, aspiração, abuso ou negligência. SIDS ocorre durante uma fase crítica de rápido crescimento e desenvolvimento do cérebro durante os primeiros seis meses de vida. Esse período compreende 90% das mortes relacionadas à SIDS. A causa da SIDS ainda é desconhecida (SHAPIRO-MENDOZA, 2007).

Asfixia ou sufocamento: asfixia ou sufocamento são causados pela inabilidade de respirar. Essa condição conduz a uma falta de oxigenação do corpo, o que pode gerar perda de consciência e morte. A principal causa de asfixia reportada em crianças é o sufocamento acidental e estrangulamento na cama (SHAPIRO-MENDOZA, 2007).

Doença metabólica: os EIM são doenças genéticas raras que podem parar ou evitar que o organismo de transforme alimento em energia. Quando o organismo não pode processar os alimentos, pode ocorrer um acúmulo de substâncias tóxicas ou a deficiência de substâncias necessárias para o funcionamento corporal normal. A deficiência de desidrogenase de acil-CoA de cadeia média (MCADD) é um tipo de doença metabólica associada a um pequeno percentual de SUDI. Outros exemplos são a doença da urina do xarope de bordo, fenilcetonúria, deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenasse (G6PD) e galactosemia (SHAPIRO-MENDOZA, 2007).

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20 Lesão ou trauma: lesões podem ser fatais ou não fatais e podem ocorrer de forma intencional ou não intencional. Exemplos de lesões não intencionais incluem o choque da criança em um brinquedo pequeno ou a queda da cama. O abuso infantil, por outro lado, é ume exemplo de lesão intencional (DEAL, 2000).

Causas desconhecidas ou inclassificáveis: o termo desconhecido ou inclassificável é aplicado como causa da morte se a investigação da cena da morte e/ou a autópsia foram incompletas ou não realizadas e a declaração de óbito não possui evidência suficiente para registrar uma causa de morte mais específica (SHAPIRO-MENDOZA, 2007).

Em outras palavras, SUDI é um grupo muito heterogêneo e que inclui todas as categorias de morte súbita e inesperada na infância (BAJANOWSKI et al.,2007). Em resumo, após uma investigação completa dos casos, estas mortes podem ser diagnosticadas como sufocamento, asfixia, infecção, doenças metabólicas, arritmias cardíacas, trauma, SIDS, entre outras. Em alguns casos em que a evidência não é clara, ou não exista informação suficiente, a morte é considerada de causa indeterminada (SHAPIRO-MENDOZA, 2007).

Apesar da SUDI em bebês aparentemente saudáveis ser reconhecida desde a antiguidade, esse tipo de óbito só obteve atenção médica no século 20. A queda das nas taxas de mortalidade infantil no mundo do século 20 para os dias atuais mostra que, a cada dia, mais atenção tem sido depositada nos casos de mortalidade onde as causas de óbito são desconhecidas ou apresentam pouca explicação (FLEMING, BLAIR e PEASE, 2015). No Brasil, a taxa de mortalidade infantil caiu de 162,4 a cada 1.000 nascido vivos em 1930 para 13,82 a cada 1.000 nascidos vivos em 2015 (IBGE, 2013).

1.2.1 Morte súbita inesperada na infância e erros inatos do metabolismo

Os EIM constituem potenciais causas de morte súbita, quer pelas crises que ocasionam com intoxicação e comprometimento da sobrevivência do indivíduo, quer por provocarem alterações que aumentam o risco de falência de determinados

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21 órgãos. (EMERY et al). De 0,9% a 6% dos casos de SUDI envolvem EIM (Van RIJT et al., 2016).

A primeria referência à associação entre uma doença metabólica (hiperplasia congênita da supra-renal) e a SUDI data de 1962 (CLEVELAND; GREEN). No entanto, só em meados dos anos 80 é que surgiram numerosos estudos dando especial atenção à associação entre EIM e SUDI (BONHAM e DOWNING, 1992; BENNETT, VARIEND, POLLIT, 1986), os quais se focalizaram predominantemente nas alterações da beta-oxidação mitocondrial de ácidos graxos e mais concretamente na MCADD (HOWAT et al., 1984; ROE et al., 1986). Mais casos de MCADD em SUDI foram identificados, com uma notável alta ocorrência de mortes prévias não esclarecidas em irmãos. SUDI é o principal sintoma apresentado por pelo menos um quarto dos casos de MCADD (LOUGHREY, PREECE, GREEN, 2014).

Outras doenças da beta-oxidação de ácidos graxos, e outros EIM, incluindo acidemias orgânicas, aminoacidopatias, e doenças da cadeia respiratória, foram subsequencialmente implicadas em casos de SUDI. Entretanto, a complexidade do diagnóstico dessas doenças, combinada com a falta de expertise e de recursos para proceder com a investigação metabólica de SUDI, resulta em subinvestigação e subdiagnóstico (LOUGHREY, PREECE, GREEN, 2014; MOORE et al., 2000).

Os defeitos de beta-oxidação de ácidos graxos parecem ser responsáveis por cerca de 5% dos casos de morte súbita em neonatos (YAMAMOTO et al., 2015). A maioria das doenças de beta-oxidação de ácidos graxos impedem o uso de gordura ou proteína como uma fonte alternativa durante períodos de jejum e/ou períodos de aumento de demanda metabólica. Essas condições podem levar a quadros de hipoglicemia e crises metabólicas, as quais podem resultar rapidamente em morte súbita (TAYLOR et al, 2016). Uma revisão da literatura proposta por van Rijt e colaboradores mostra que, no mínimo, 43 EIM estão associados à morte súbita e/ou a síndrome de Reye sendo que 26 destes já mostram sintomas durante o período neonatal. Ao menos 32 dos EIM relatados são passíveis de tratamento e diversos estão associados exclusivamente a SUDI (quadro 5) (van RIJT et al., 2016).

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22

Quadro 5 Erros inatos do metabolismo associados à morte súbita. Adaptado de van RIJT et

al., 2016.

Doenças metabólicas associadas com morte súbita

Metabolismo de aminoácidos e peptídeos

Doenças do ciclo da ureia

Deficiência de carbamoilfosfato sintetase Deficiência de ornitina transcarbamilase Citrulinemia tipo I

Acidúria arginosuccínica Acidemias orgânicas Acidemia glutárica tipo I Acidemia metilmalônica Acidemia isovalérica

Acidemia metilglutânica tipo II Acidemia L-2-hidroxiglutárica Metabolismo da biotina

Deficiência de biotinidase

Doenças do metabolismo da fenilalanina e da tirosina Tirosinemia tipo I

Doenças do metabolismo da glicina e da serina Hiperglicinemia não cetótica

Doenças do transporte de aminoácidos Intolerância à proteína lisinúrica

Metabolismo de carboidratos

Doenças de gliconeogênese

Deficiência da fosfoenolpiruvato carboxiquinase Doenças de depósito de glicogênio

Glicogenose tipo Ia Glicogenose tipo Ib Glicogenose tipo II

Metabolismo de ácidos graxos e corpos cetônicos

Doenças de transporte da carnitina e do ciclo da carnitina Deficiência do transporte da carnitina

Deficiência da carnitina palmitoiltransferase I Deficiência da carnitina-acilcarnitina translocase Deficiência da carnitina palmitoiltransferase II

Doenças mitocondriais de beta-oxidação de ácidos graxos Deficiência de acil-CoA desidrogenase de cadeia muito longa Deficiência de acil-CoA desidrogenase de cadeia média Múltiplas deficiências de acil-CoA desidrogenases

Deficiência da desidrogenase de 3-hidróxi-acilCoA de cadeia longa

Metabolismo energético

Distúrbios da cadeia respiratória mitocondrial

Os EIM associados à SUDI serão descritos mais detalhadamente na próxima seção.

1.3 Beta-oxidação de ácidos graxos

Os ácidos graxos representam uma importante fonte de energia em períodos de estresse catabólico relacionado ao aumento da atividade muscular, jejum

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23 prolongado ou doenças febris, onde cerca de 80% da energia destinada ao coração, músculo esquelético e fígado é derivada dos mesmos. Os ácidos graxos têm um papel importante em neonatos uma vez que eles apresentam limitada reserva de glicogênio e alta taxa metabólica (RINALDO, MATERN e BENETT, 2002).

A beta-oxidação de ácidos graxos é a principal fonte de energia para o músculo esquelético e ao coração, enquanto que o fígado oxida ácidos graxos em condições de jejum prolongado, durante episódios de doença e durante período de intensa atividade física. A beta-oxidação de ácidos graxos também desempenha um papel essencial no metabolismo intermediário do fígado (EATON, BARTLETT e POURFARZAM, 1996).

A beta-oxidação mitocondrial dos ácidos graxos é realizada em quatro etapas e por meio de quatro reações enzimática, resultando na remoção sequencial de unidades de dois carbonos na forma de acetil-Coenzima A (Figura 1). Os ácidos graxos plasmáticos são transportados ativamente através da membrana, esterificados para coenzima A, carreados por proteínas de ligação através do citoplasma para a mitocôndria, e translocados para dentro da matriz da mitocondrial por canais de carnitina. Uma vez dentro da matriz, os ácidos graxos são clivados, perdendo dois carbonos, pelas quatro reações da espiral de beta-oxidação. Cada etapa é catalisada por de duas a quatro enzimas distintas, codificadas por diferentes genes, mas que apresentam sobreposição de substratos. A primeira etapa da espiral é a reação da acil-CoA-desidrogease, catalisada pela acil-CoA desidrogenase de cadeia muito longa (VLCAD) e suas enzimas homólogas, acil-CoA desidrogenase de cadeia longa (LCAD), de cadeia média (MCAD) e de cadeia curta (SCAD). A segunda etapa adiciona uma molécula de água e é catalisada tanto pela 2,3-enoil-CoA hidratase de cadeia longa (LCEH) ou de cadeia curta (SCHE). A terceira etapa é catalisada pelas desidrogenases de 3-hidróxi-acilCoA de cadeia longa (LCHAD) ou curta (SCHAD), as quais oxidam a posição 3-hidróxi produzindo 3-cetoacil-CoA. A quarta e última etapa é mediada pela 3-cetoacil-CoA tiolase de cadeia longa (LKAT), média (MKAT) ou curta (SKAT), as quais reduzem o substrato de acil-CoA graxo pela clivagem de um resíduo de acetil-Coa. Para ácidos graxos de cadeia longa, as últimas três etapas são mediadas pelo complexo da proteína trifuncional mitocondrial (MTP) (RECTOR, PAYNE e IBDAH, 2008).

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24 Os defeitos de beta-oxidação de ácidos graxos, descritos na década de 70, são um importante grupo de EIM, apresentando uma grande heterogeneidade clínica e alta morbidade e mortalidade. As manifestações clínicas ocorrem geralmente no primeiro ano de vida, especialmente após eventos catabólicos como febre, vacinação, jejum e exercício prolongado. As manifestações mais comuns durante as crises são vômito, letargia, coma e morte súbita (RECTOR, PAYNE e IBDAH, 2008).

Em 1982, foi descrita MCADD em pacientes que apresentavam descompensação metabólica com sintomas neurológicos durante o jejum (KOLVRAA et al., 1982). Atualmente, já estão descritas pelo menos 23 doenças nesse grupo (BLAU et al., 2014). Dentre os principais defeitos de β-oxidação de ácidos graxos, encontram-se defeitos no transporte de carnitina na membrana plasmática, nas enzimas carnitina palmitoiltransferase I e II, carnitina/acilcarnitina translocase, nas VLCAD, MCAD, SCAD, na 2,4-dienoil-CoA redutase e nas LCHAD e SCHAD, bem como na MTP, sendo que MCADD é o mais comum entre eles (ROE e DING, 2001).

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25

Figura 1 Esquema da beta-oxidação dos ácidos graxos na mitocôndria.

Carnitina palmitoil transferase I (CPTI), carnitina palmitoiltransferase II (CPT2), desidrogenases de acil-CoA de cadeia muito longa (VLCAD), proteína trifuncional mitocondrial (MTP), cetoacil-CoA tiolase de cadeia longa (LCKT), desidrogenase de 3-hidróxi-acilCoA de cadeia longa (LCHAD), desidrogenase Acil-CoA de cadeia média (MCAD), desidrogenases de 3-hidróxi-acilCoA de cadeia curta (SCHAD), enoil-CoA hidratase de cadeia curta (SCEH), ketotiolase (KT), acil-CoA desidrogenase de cadeia curta (SCAD) (Adaptado de Tyni e Pihko, 1999).

1.3.1 Deficiência da desidrogenase de acil-CoA de cadeia média

A MCADD foi descrita pela primeira vez em 1976 é o defeito mais comum de beta-oxidação de ácidos graxos, sendo sua incidência de 1:10.000 a 1:27.000 nascidos vivos (GREGERSEN, LAURITZEN e RASMUSSEN, 1976; MAIER et al., 2005; ROE e DING, 2001; LINDNER, HOFFMANN e MATERN, 2010). Em

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26 caucasianos, MCADD afeta 1:9.000 1:15.000 nascidos vivos (ANDRESEN et al., 2001; GROSSE et al., 2006).

O defeito enzimático resulta num bloqueio da degradação de ácidos graxos de cadeia média, sendo bioquimicamente caracterizado pelo acúmulo de grandes quantidades de octanoato, decanoato, cis-4-decenoato e seus derivados de carnitina, assim como acidose láctica durante episódios de descompensação metabólica (SCHATZ e ENSENAUER, 2010; ROE e DING, 2001).

1.3.1.1 Fisiopatologia

A beta-oxidação de ácidos graxos consiste em quatros reações sequenciais catalisadas por dois conjuntos de enzimas de comprimento específico, as quais produzem, a cada final de ciclo, uma molécula de acetil-CoA e uma molécula de acil-CoA com dois carbonos a menos. A MCADD resulta na oxidação incompleta de ácidos graxos de cadeia média (C6-C10) e a principal manifestação clínica é a hipoglicemia hipocetótica iniciada pelo jejum. O principal distúrbio na MCADD é um inadequado fornecimento de acetil-CoA.

Normalmente, os ácidos graxos são convertidos pela via da beta-oxidação em acetil-CoA que, por sua vez, são oxidados para gerar ATP. O ATP é necessário no fígado para a síntese de glicose a partir de substratos como lactato e alguns aminoácidos (substratos que não carboidratos) pela gliconeogênese. Esse método de produção de glicose é vital para a manutenção plasmática de glicose – o principal combustível para o funcionamento do sistema nervoso central (SNC) (BHAGAVAN, 2002a).

Acetil-CoA também pode ser convertida em corpos cetônicos como o β-hidroxibutirato e o acetoacetato no fígado. Apesar de a glicose ser o combustível de escolha para o funcionamento do SNC, corpos cetônicos podem ser utilizados durante longos períodos de jejum ou fome. Além disso, ATP também é necessário para outras funções metabólicas vitais, incluindo a conversão de amônia em ureia no fígado (BHAGAVAN, 2002a).

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27 A MCADD leva ao acúmulo de acil-CoA de ácidos graxos de cadeia média dentro das mitocôndrias. Eleva-se, então, a razão acil-CoA:CoA, causando a inibição das enzimas piruvato desidrogenase e α-cetoglutarato desidrogenase, que utilizam a coenzima A como substrato. Assim, ocorre a diminuição da conversão de piruvato em acetil-CoA e a diminuição na velocidade do ciclo do ácido cítrico, visto que a síntese de citrato e a conversão de α-cetoglutarato em succinil-CoA também estão reduzidas. Além disso, a succinil-CoA ligase também é inibida pelo ácido octanóico e também por intermediários de acil-CoA. Com a baixa produção de acetil-CoA, há redução na síntese de citrato. O citrato, por sua vez, é precursor do malato, substância necessária para a produção de glicose, via gliconeogênse, e precursor do malonil-CoA, o principal regulador inibitório da carnitina palmitoiltransferase I, enzima responsável pela entrada de ácidos graxos de cadeia longa na mitocôndria. Portanto, a diminuição dos níveis de citrato ocasionada pelo acúmulo de octanoato e outros ácidos graxos na MCADD provoca também uma diminuição da gliconeogênese e um aumento da entrada de ácidos graxos de cadeia longa na mitocôndria, o que deve ser um agravante para a hipoglicemia e deve provocar o acúmulo de derivados de acil-CoA graxos nos pacientes (ROE e DING, 2001).

1.3.1.2 Manifestações clínicas

A MCADD pode causar hipoglicemia hipocetótica grave, hiperamonemia, encefalopatia grave, síndrome de Reye ou morte súbita (RAGHUVEER et al., 2006). Durante os primeiros dias ou primeiras semanas de vida, o bebê, antes perfeitamente saudável, começa a apresentar doença metabólica em resposta a períodos longos de jejum e/ou episódios intercorrentes de infecções, o que causa perda de apetite e aumento da necessidade de utilização de energia quando a febre está presente, o que conduz a óbito em 20 a 40% doa casos nos primeiros cinco anos de vida (DERKS et al., 2006).

As manifestações clínicas geralmente ocorrem durante períodos de jejum ou outras situações que envolvem estresse metabólico e são caracterizadas por letargia, convulsões e coma, bem como hipoglicemia hipocetótica. Hepatomegalia e

(29)

28 doença hepática aguda com hiperamonemia também podem aparecer durante as crises (TOUMA e CHARPENTIER, 1992). A baixa disponibilidade de substratos no cérebro (glicose e cetonas) combinado com a hiperamonemia e o potencialmente tóxico acúmulo de ácidos graxos de cadeia média e/ou seus derivados provavelmente são os responsáveis pela interrupção das funções energética cerebrais e pelo desenvolvimento de encefalopatia (BENNET, 2010; Figura 2).

Figura 2 Deficiência de desidrogenase de acil-CoA de cadeia media: bioquímica e

consequências fisiopatológicas. Adaptado de FICICIOGLU, SOLER ALFONSO e BENNET, 2016.

Bioquimicamente falando, a doença é caracterizada pelo aumento dos níveis sanguíneos de acilcartininas C6, C8, C10 e C10:1 (RAGHUVEER et al., 2006).

Estudos mostram que uma das manifestações mais frequentes da MCADD é a morte súbita (ROE e DING, 2001; LOVERA et al., 2012; YUSUPOV et al., 2010). Quando os sintomas não são detectados, aproximadamente 20-25% dos bebês irão à óbito ou sofrerão de danos neurológicos permanentes como consequência de primeira descompensação metabólica aguda (ARNOLD et al., 2010). Apesar de o prognóstico ser excelente quando o diagnóstico é rapidamente estabelecido, morte

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29 súbita ainda pode ocorrer ainda na idade adulta como consequência de um estresse metabólico. Os achados na autópsia incluem edema cerebral e infiltração gordurosa hepática, renal e cardíaca (BOLES et al., 1998).

1.3.1.3 Aspectos genéticos

A MCADD é uma doença autossômica recessiva causada por variantes patogênicas no gene ACADM (acil-coenzima A desidrogenase, 4 de cadeia de C-12 em linha reta; NM_000016.4), o qual é localizado no cromossomo 1p31 e apresenta 12 éxons (ZHANG et al., 1992).

Até o momento, mais de 160 variantes patogênicas já foram identificadas nesse gene, sendo a maioria delas mutações missense (HGMD Professional Database, HGMD, disponível em http://www.hgmd.org). A variante patogênica mais comum na MCADD é a c.985A>G (p.Lys329Glu) no éxon 11 do gene ACADM, o que leva à substituição de uma lisina por um ácido glutâmico na posição 329 do precursor da proteína (posição 304 da proteína madura), sendo referenciada como K329E (ou K304E) (MATSUBARA et al., 1992). Quase 80% dos clinicamente identificados com MCADD são homozigotos para c.985A>G, 18% são heterozigotos para essa variante e 2% apresentam ambos os alelos com variantes gênicas raras associadas à doença (GREGERSEN et al., 1991; ANDRESEN et al., 2001).

Pacientes homozigotos para a variante patogênica c.985A>G não apresentam qualquer atividade enzimática e mostram os sintomas clássicos associados à doença (ROE e DING, 2001). Além da variante patogênica previamente descrita, cerca de 6% dos indivíduos com MCADD apresentam a variante patogênica c.199T>C (p.Tyr67His), sendo heterozigotos compostos, a qual é associada com uma atividade residual da enzima MCAD (ANDRESEN et al., 2001).

Um estudo de meta-regressão realizado por Leal et al., 2014 mostrou que a frequência de heterozigotos para a variante patogênica c.985A>G oscila de acordo com a origem do paciente. Segundo Leal, os países das regiões ocidentais e do norte da Europa apresentam uma frequência menor da variante patogênica

(31)

30 c.985A>G quando comparados com os países do oeste europeu (LEAL et al., 2014). A literatura aponta que a origem da variante patogênica é predominantemente no Norte da Europa (entre 1:40 e 1:100 indivíduos), o que sugere um efeito fundador (LEAL et al., 2014; GREGERSEN et al., 1993; TANAKA et al., 1997). A Tabela 2 mostra a frequência alélica da variante patogênica c.985A>G em diferentes países. Trabalho realizado por Netto, 1997, verificou a presença da variante patogênica c.985A>G numa população do RS Para os 243 indivíduos incluídos no estudo não foi encontrada a variante patogênica pesquisada, o que pode ser resultado do pequeno amanho amostral (NETTO, 1997). Outro estudo que avaliou retrospectivamente 1722 indivíduos, mostrou que no Brasil a frequência de heterozigotos para a variante patogênica c.985A>G é de 1:246, enquanto que a incidência da MCADD é de 1:250.000 indivíduos (FERREIRA et al., 2009). Com relação à incidência da doença, estudos mostram que a península Ibérica apresenta uma incidência de 1:11.945 nascidos vivos (uma das maiories incidências já descritas na população mundial), enquanto que Portugal, 1:8.380 (ROCHA et al., 2014). Na Alemanha, por sua vez, a incidência depende da localização geográfica, variando de 1:4.900 nascidos vivos na região norte para 1:13.400 na região sudoeste do país (SANDER et al., 2001; LINDNER et al., 2011). Na parte central da Itália, a incidência de MCADD é de 1:23.000 nascidos vivos (CATARZI et al., 2013).

A atividade residual da enzima em indivíduos heterozigotos é bastante variável. Dependendo do tipo de variante patogênica e se o indivíduo é heterozigoto composto (c.985A>G e outro alelo mutante), a atividade residual da enzima pode variar entre 0% e 80% da atividade enzimática encontrada nos indivíduos com ambos os alelos selvagens (ROE e DING, 2001).

(32)

31

Tabela 1 Frequência alélica da variante patogênica c.985A>G em diferentes países

(adaptado de LEAL et al., 2014; FERREIRA et al., 2009 e NASLAVSKY et al., 2017) País Região Frequência do alelo c.985A>G

para cada 1.000 indivíduos (IC 95%)

Australia Melbourne 7,0 (2,2-14,4)

Canadá Quebec 7,1 (5,8-8,5)

Dinamarca Copenhagen 5,0 (2,3-8,6)

País (como um todo) 4,9 (3,0-7,3)

Alemanha Bavária 7,2 (5,9-8,5)

Itália Piemonte 1,5 (0,3-3,6)

Regiões de Florença, Prato, Pistoia e Toscana

4,2 (2,0-6,8)

Espanha Catalunha 3,5 (1,4-6,5)

País (como um todo) 2,5 (1,2-4,2)

Murcia 6,2 (2,9-10,0)

Galícia 5,8 (3,7-8,1)

Inglaterra Trent 7,3 (2,7-14,3)

West Midlands 3,6 (2,9-4,4)

Estados Unidos Estado de Nova Iorque 7,1 (0,2-26,3)

Carolina do Norte 5,9 (4,0-8,2)

Pensilvania, Ohio, Nova Jersey, Illinois, Florida e Carolina do Norte

5,8 (3,7-8,1)

Brasil Região sudeste

São Paulo

2,0 (----)* Alelo não encontrado IC95% : intervalo de confiança de 95%; *intervalo de confiança não estabelecido nesse estudo.

1.3.1.4 Diagnóstico

Durante os períodos de descompensação metabólica, pacientes com MCADD apresentam excreção urinária de ácidos dicarboxílicos C6-C10 e conjugados de acilglicina e acilcarnitina (ROE e COATES, 2014). Em particular, a identificação da excreção de acilglicinas por cromatografia gasosa/espectrometria de massas (CG/MS) tem sido utilizada durante os episódios de descompensação metabólica (GREGERSEN et al., 1993).

Como a excreção urinária desses metabólitos é extremamente baixa quando os pacientes não apresentam descompensação metabólica, CG/MS não é a técnica de escolha em casos de triagem neonatal ou diagnóstico de indivíduos assintomáticos. Nesses casos, o diagnóstico da MCADD pode ser realizado através da dosagem de acilcarnitinas no sangue por espectrometria de massas em tandem (MS/MS) ou cromatografia líquida (HPLC) (CHACE et al., 1997), princípio básico da triagem neonatal. O perfil de acilcarnitinas de indivíduos com MCADD é

(33)

32 caracterizado pelo acúmulo de espécies de C6 a C10, com proeminente concentração de octanoilcarnitina (C8), com níveis de C8>C6 e com aumento da razão entre C8:C10. Pacientes que são homozigotos para a variante patogênica c.985A>G, apresentam níveis de C8 acima de 10mmol/L durante as primeiras 24h a 72h de vida. Em torno da primeira semana de vida, esses valores baixam para 1 a 6mmol/L. Qualquer recém-nascido com níveis de C8 acima de 1mmol/L apresenta forte suspeita de MCADD. Recém-nascidos com valores de C8 entre 0,3 e 1,0mmol/L podem apresentar reduzida atividade da enzima, possivelmente devido a outras variantes patogênicas que não a c.985A>G ou a uma heterozigosidade composta. Elevados níveis de C8 parecem estar relacionados a uma diminuição da atividade de MCAD (LEHOTAY et al., 2004). No Brasil, a triagem neonatal por MS tandem não está coberta pelo Sistema Único de Saúde, sendo apenas disponível na rede privada.

A confirmação do diagnóstico pode ser feita por análise do gene ACADM, através da identificação dos alelos patogênicos ou através da determinação do fluxo da beta-oxidação de ácidos graxos em fibroblastos ou através da determinação da atividade enzimática de MCAD em leucócitos, fibroblastos ou outros tecidos (MATERN e RINALDO, 2015).

1.3.1.5 Tratamento

O principal objetivo do tratamento da MCADD é prevenir o desenvolvimento de deficiência intelectual com anormalidades cerebrais e morte súbita (KOMPARE e RIZZO, 2008). O tratamento de indivíduos sintomáticos consiste na reversão do catabolismo e a manutenção do anabolismo mediante a administração de carboidratos simples por via oral ou por via endovenosa, garantindo assim, uma ingestão adequada de calorias (ROE e DING, 2001; SAUDUBRAY et a., 2014). Os períodos de jejum em um bebê com MCADD desde o seu nascimento até os 4 meses de idade não deve ser maior que 4 horas; entre 5 e 12 meses, uma hora adicional pode ser agregada a cada mês. A prática de exercícios intensos deve ser acompanhada de ingesta adequada de carboidratos e intensa hidratação. Fórmulas

(34)

33 contendo triglicerídeos de cadeia media não são apropriadas para crianças com MCADD. Para adultos, 30% das Kcal da dieta devem ser provenientes de gordura, sendo que a mesma deve incluir frutas e verduras, além de carboidratos complexos (FRAZIER, 2008).

Apesar de ainda controversa, a suplementação com L-carnitina associada à suplementação de riboflavina podem ser de valia na MCADD. A L-carnitina parece reduzir o número e a gravidade das crises de descompensação metabólica em alguns pacientes pela correção da deficiência secundária desse composto e provavelmente devido à sua capacidade de ligar-se ao metabólitos tóxicos acumulados, aumentando, assim, sua excreção urinária. A L-carnitina também pode restaurar a razão acil-CoA/CoA a qual é fundamental para as funções mitocondriais (DERKS et al., 2014; LEE et al., 2005). Entretanto, é necessário salientar que a melhora clínica com esse tipo de suplementação ainda não foi provada, ainda que alguns estudos mostrem que a L-carnitina e a riboflavina melhoram o fenótipo bioquímico de pacientes com MCADD (SPIERKERKOETTER et al., 2010).

1.4 Classificação Internacional de Doenças

A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (também conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID) é publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde de forma a ser uma importante ferramenta de diagnóstico padronizada para epidemiologia, gestão em saúde e finalidade clínica. Além disso, a CID é utilizada para monitorar a incidência e prevalência de doenças e outros agravos, promovendo um grande quadro da situação geral de saúde dos países e de suas populações. A última versão da CID, a versão 10 (CID-10) fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças. A cada estado de saúde é atribuída uma categoria única à qual corresponde um código CID-10 (WHO, 2014. Disponível em: http://www.who.int/classifications).

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34 A CID é uma forma de classificação de eixo variável sendo estruturada de forma a agrupar as doenças da seguinte maneira: doenças epidêmicas, doenças constitucionais ou gerais, doenças localizadas organizados pelo local afetado, doenças do desenvolvimento e lesões. Esse padrão pode ser identificado nos capítulos da CID-10. Cada capítulo é subdividido em blocos homogêneos de categorias formadas por três caracteres. Dentro de cada bloco, algumas das categorias de três caracteres são para uma única condição clínica, enquanto que outras são para um grupo de doenças com algumas características comuns. A maioria das categorias de três caracteres também é subdividida, sendo utilizada, por exemplo, para identificar diferentes locais ou variedades quando a categoria de três caracteres é para um grupo de doenças. Em resumo, a CID básica é uma lista de código únicos compostas por categorias de três caracteres, sendo que cada uma pode ser dividida em até dez subcategorias de quatro caracteres cada. Os códigos variam entre A00.0 a Z99.9 (WHO, 2014. Disponível em:

http://www.who.int/classifications).

Os distúrbios metabólicos são descritos nos grupos E70 a E90 (Quadro 7).

Quadro 6 Classificação de distúrbios metabólicos pela Classificação Internacional de

Doenças (CID10) CID10 Doenças

E70 Distúrbios do metabolismo de aminoácidos aromáticos

E71 Distúrbios do metabolismo de aminoácidos de cadeia ramificada e do metabolismo dos ácidos graxos

E72 Outros distúrbios do metabolismo de aminoácidos E73 Intolerância à lactose

E74 Outros distúrbios do metabolismo de carboidratos

E75 Distúrbios do metabolismo de esfingolípides e outros distúrbios de depósito de lípides E76 Distúrbios do metabolismo do glicosaminoglicano

E77 Distúrbios do metabolismo de glicoproteínas

E78 Distúrbios do metabolismo de lipoproteínas e outras lipidemias E79 Distúrbios do metabolismo de purina e pirimidina

E80 Distúrbios do metabolismo da porfirina e da bilirrubina E83 Distúrbios do metabolismo de minerais

E84 Fibrose cística E85 Amiloidose

E86 Depleção de volume

E87 Outros transtornos do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico E88 Outros distúrbios metabólicos

E89 Transtornos endócrinos e metabólicos pós-procedimentos, não classificados em outra parte

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35 SUDI é um termo amplo que includi todos os tipos de morte súbita e o qual pode ser dicotomizado em mortes de causa explicada ou não explicada, sem código CID. De acordo com a CID10, SIDS é codificada como código R95 – “síndrome de morte súbita na infância” (após diagnóstico de exclusão). O código 96 inclui “outras mortes súbitas de causa desconhecidas,” entre elas, morte instantânea (R96.0) e morte que ocorre em menos de 24 horas após o início dos sintomas e que não pode ser explicada (R96.1). O código R98, por sua vez, inclui os casos de “morte sem assistência”, sendo definida como indivíduo encontrado morto ou morte em circunstâncias nas quais o corpo do falecido foi encontrado e não se pode descobrir causa. Mortes por causas incertas ou duvidosas são codificadas como código R99 – “Outras causas mal definidas e não especificadas de mortalidade” – na qual a causa da morte permanece desconhecida mesmo após investigação. As únicas mortes incluídas nessa categoria são aquelas em que somente esta causa está descrita no certificado de óbito (SHAPIRO-MENDONZA et al., 2006).

O código CID10 final para a causa de óbito depende, portanto, da avaliação de achados no local de óbito e na autopsia. Além de haver grande variabilidade no tipo de avaliação executada após o óbito, uma grande proporção de todos os casos de SUDI não possuem um diagnóstico conclusivo, mesmo após intensa investigação. A variabilidade dos códigos utilizada para designar SUDI tornam as análises bastantes complexas. De um modo geral, o termo SIDS é amplamente utilizado para se referir ao óbito repentino e inesperado de uma criança que não pode ser explicado após investigação. Um estudo realizado em 2015 tentou comparar os códigos de CID 10 utilizados para designar SUDI em oito diferentes países (Australia, Canadá, Alemanha, Japão, Holanda, Nova Zelândia, Inglaterra e Estados Unidos). A heterogeneidade dos códigos é imensa, sendo que qualquer óbito registrado sob os CID10 código R95 e R98 são considerados como SUDI. A proporção de óbitos codificados como R99 varia de 3,6% até 36% e somente o Japão considera o CID10 código R96 como SUDI. Desta forma, nenhum código parece ser usado de forma consistente para designar SUDI, sendo que, talvez o ideal, seja utilizar um conjunto deles para avliar morte súbita, como CID10 R95, R96 e R99 (TAYLOR et al., 2015).

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36 De acordo com o Ministério da Saúde (MS), prioritariamente para óbito de menores de 1 ano de idade, os EIM (capítulo IV) são considerados causas de óbito redutíveis por ações de prevenção, diagnóstico e tratamento precoces (Quadro 6) (BRASIL, 2001). De acordo com a OMS, anomalias congênitas, nas quais estão incluídos os erros inatos do metabolismo, são a segunda causa de óbito infantil no Brasil, nas quais estão incluídos os erros inatos do metabolismo (EIM; OMS, 2017). No RS, as anomalias congênitas desde 2015 são a primeira causa de óbito infantil (FRANÇA et al., 2017).

Quadro 7 Lista de algumas doenças redutíveis por ações de prevenção, diagnóstico e

tratamento precoces. Adaptado de BRASIL, 2011.

Capítulo Grupo de causas Códigos CID-10

I Outras doenças bacterianas (exceto tétano do recém-nascido, outros tipos de tétano, difteria, coqueluche e síndrome de Waterhouse-Friderichsen); outras doenças por espiroquetas; outras doenças causadas por clamídias; infecções virais do SNC (exceto poliomielite aguda e raiva); infecções virais caracterizadas por lesões da pele e mucosas (exceto varicela e sarampo); micoses

A30-A32, A34, A38, A39.0, A39.2-A.49, A65-A74, A81, A83-A89, B00, B02-B04, B06-09, B35-B49

III Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários (exceto anemia por deficiência de ferro não especificada, anemia por deficiência de folato não especificada, anemia por deficiência de proteínas, anemia escorbútica e alguns transtornos que comprometem o mecanismo imunitário)

D50.0-D50.8, D51.0-D52.8, D53.1, D53.8-D53.9, D55-D77

IV Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (exceto desnutrição e outras deficiências nutricionais)

E00-E35, E65-E90 V Retardo mental; transtornos globais do desenvolvimento F70-F79, F84

1.5 Sistema de Informações sobre Mortalidade

O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), criado pelo Ministério da Saúde do Brasil (MS) em 1975, é produto da unificação de mais de quarenta modelos de instrumentos utilizados, ao longo dos anos, para coletar dados sobre mortalidade no país. Possui variáveis que permitem, a partir da causa mortis atestada pelo médico, construir indicadores e processar análises epidemiológicas que contribuam para a eficiência da gestão em saúde. O SIM foi informatizado em 1979. Doze anos depois, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e sob a premissa da descentralização, teve a coleta de dados repassada à atribuição

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