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A manutenção da autonomia privada da pessoa idosa à luz da nova teoria das incapacidades

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Academic year: 2021

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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PRÁTICA JUDICANTE

PRÍSCILA FERREIRA VIEIRA DE MELO

A MANUTENÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA DA PESSOA IDOSA À LUZ DA NOVA TEORIA DAS INCAPACIDADES

JOÃO PESSOA 2019

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PRÍSCILA FERREIRA VIEIRA DE MELO

A MANUTENÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA DA PESSOA IDOSA À LUZ DA NOVA TEORIA DAS INCAPACIDADES

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao programa de pós graduação em prática judicante da Universidade Estadual da Paraíba em parceria com a ESMA – Escola Superior da Magistratura da Paraíba como requisito parcial para a obtenção do título de especialista.

Orientador: Prof. Dr. Glauber Salomão Leite

JOÃO PESSOA – PB 2019

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Elaborada por Fernanda M. de A. Silva - CRB - 15/483 BSCCJ/UEPB

É expressamente proibido a comercialização deste documento, tanto na forma impressa como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, título, instituição e ano do trabalho.

M528m Melo, Príscila Ferreira Vieira de.

A manutenção da autonomia privada da pessoa idosa à luz da nova teoria das incapacidades [manuscrito] / Príscila Ferreira Vieira de Melo. - 2019.

59 p. Digitado.

Monografia (Especialização em Prática Judicante) - Universidade Estadual da Paraíba, Pró-Reitoria de Pós- Graduação e Pesquisa , 2019.

"Orientação : Prof. Dr. Glauber Salomão Leite , Coordenação do Curso de Direito - CCJ."

1. Capacidade Civil. 2. Direito do Idoso. 3. Autonomia da vontade. 4. Autocuratela. I. Título

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho monográfico foi realizado durante um momento bastante conturbado da minha vida. Foi, mais do que nunca, o resultado do esforço em conjunto de inúmeras pessoas que merecem os meus mais sinceros agradecimentos.

Agradeço, em primeiro lugar, à minha mãe, Mônica, que sempre faz o possível e o impossível para ver todos os meus sonhos realizados, facilitando o que pode ser facilitado e dando sempre um jeito mesmo naquilo que parece não ter saída.

Agradeço também à minha Avó, Marlene, que foi a fonte de inspiração desse projeto. Mesmo com todas as dificuldades, todas as inaptidões, todas as lembranças ou a falta delas, ainda segue firme.

Agradeço também ao meu pai, Roberval, e a minha irmã, Poliana, que mesmo com suas personalidades peculiares me apoiam em tudo que decido fazer.

Um agradecimento especial ao pessoal da biblioteca do TCE-PB, onde grande parte desse trabalho foi escrito. Não tem ideia do quanto o ambiente tranquilo de lá permitiu com que eu me concentrasse e me afastasse dos problemas diários e das crises de ansiedade e bloqueios de escrita.

Para o meu Orientador, Prof. Glauber, que sempre teve uma paciência incrível e me incentivou a continuar trabalhando mesmo no auge da minha crise de ansiedade pré-entrega, meu agradecimento. Muito obrigada!

Agradeço bastante também a Bia que mesmo do outro lado do mundo disponibilizou um pouco do seu tempo para me ajudar.

Dra. Renata, Leyla, Dinah, Juliana, Alessandra, Simone, pessoas maravilhosas que conheci durante essa longa jornada, desde o R1 até a residência e após, muito obrigada por todo o apoio!

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Reflita sobre esses magníficos encontros de átomos que dão forma à matéria, revelam as forças ao constatá-las, criam as individualidades na unidade, as proporções na extensão, o inumerável no infinito, e, por meio da luz, produzem beleza. (VICTOR HUGO)

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RESUMO

A capacidade civil é elemento essencial para a formação de diversas relações jurídicas. Constitui a justa medida entre os direitos titularizados e a aptidão para exercê-los direta e pessoalmente. Assim, a falta ou a redução da capacidade – analisada a partir de critérios jurídicos objetivos – acaba evidenciando a necessidade de uma maior proteção do indivíduo. Acontece que, quando se fala da capacidade civil do idoso, há, muitas vezes, uma presunção da incapacidade derivada de uma dupla vulnerabilidade, social e natural. Diante disso, partindo de uma pesquisa bibliográfica, o presente trabalho buscou refletir sobre os meios de proteção da tutela da pessoa idosa que proporcionassem a manutenção da sua autonomia privada e da capacidade de autodeterminação. À luz das alterações no instituto da incapacidade proporcionadas pela Lei nº 13.146/2015, verificou-se uma mudança paradigmática na interpretação do instituto, que passou a adotar um sistema de apoio e prevalência da capacidade plena. Tal virada ideológica permitiu uma maior abertura para a implementação de mecanismos de autocuratela, meios que garantem à pessoa idosa a prorrogação da autonomia através da possibilidade de antecipação da manifestação da vontade.

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ABSTRACT

Civil capacity is an essencial element in the development of several legal relations. It consists of the just weighting of ensured rights and one’s ability to practice them directly and personally. Therefore, the lack of or restriction of this capacity – when assessed by means of objective legal criteria – demonstrates the need to increase protection of the individual. When considering civil capacity of the elder, an incapacity is often assumed, mainly due to social and natural vulnerabilities. In light of that, this work employs bibliographical research to reflect upon the means to protect tutelage of the elderly person and to maintain his/her private autonomy and self-determination capability. In view of alterations in the incapacity institute provided by Law number 13.146/2015, paradigmatic changes in this institute’s interpretation were observed, as it adopts a system of support and prevalence of full capacity. The aforementioned ideological turn allows for larger openness to self-tutelage mechanisms implementations. These are procedures that guarantee the extension of autonomy for the elderly person, by means of a possible anticipation of volitional manifestation.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9

2 TEORIA GERAL DA CAPACIDADE CIVIL 12

2.1 Capacidade de direito e capacidade de exercício 13

2.2 Teoria das Incapacidades: incapacidade absoluta e relativa 15

2.2.1 Representação e assistência 19

2.3 A teoria das incapacidades 21

3 A NOVA TEORIA DAS INCAPACIDADES E O ESTATUTO DA

PESSOA COM DEFICIÊNCIA – LEI Nº 13.146/2015 25

3.1 Institutos legais de assistência à pessoa com incapacidade 29

3.1.1 Curatela e Interdição 30

3.1.1.1 O processo de interdição ou o processo de curatela 34

3.1.2 Tomada de Decisão Apoiada 37

4 A TUTELA DA PESSOA IDOSA E A MANUTENÇÃO DA

AUTONOMIA DA VONTADE PRIVADA 41

4.1 Instrumentos para assegurar a manutenção da autonomia privada da

pessoa idosa 45

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 52

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1 INTRODUÇÃO

A acepção da palavra capacidade tem como escopo a habilidade ou aptidão de realizar determinado ato ou atividade. Nesse pressuposto, a pessoa capaz é justamente aquela que possui a destreza necessária para executar determinado objetivo. E aliado a esse aspecto semântico, encontra-se ainda um contexto sociocultural, em que a ideia de capacidade se encontra vinculada diretamente à racionalidade do indivíduo.

Durante muito tempo qualquer tipo de deficiência física ou mental, ou mesmo o simples envelhecimento natural, era visto pela sociedade como sinônimo de incapacidade. A pessoa com deficiência ou com diminuição da aptidão de realizar os atos da vida em sociedade era automaticamente considerada como incapaz para manifestar sua vontade e, necessariamente, dependeria de assistência para a prática e gestão dos atos da vida civil.

Todavia, com a evolução ideológica dos conceitos de deficiência e de incapacidade, tendo por pedra de toque o princípio da dignidade da pessoa humana, alterou-se significativamente a relação entre tais ideias, abandonando-se a visão preconceituosa de que o deficiente não possuía a autonomia necessária para manifestar sua vontade.

Do ponto de vista jurídico, a capacidade civil se caracteriza como a qualidade de o indivíduo poder exercer direta e pessoalmente os seus direitos. Entretanto, a plenitude dessa capacidade compreende a chamada capacidade de direito, que se confunde com o conceito de personalidade jurídica, ou a atribuição de ser sujeito de direito, e a capacidade de fato ou de exercício identificada justamente pela possibilidade de o indivíduo, sem qualquer auxílio, exercitar esses direitos.

Existindo qualquer circunstância que impeça o indivíduo de praticá-los diretamente, estará caracterizada uma inaptidão e, consequentemente, a falta da capacidade de fato. Inexistindo um dos elementos formadores da capacidade plena, então, adentrar-se-á à esfera das incapacidades, ensejando a aplicação de algum dos institutos assistenciais, tais como a tutela, a curatela e a tomada de decisão apoiada.

O advento da lei nº 13.146/2015 trouxe um novo ponto de orientação naquilo que a doutrina chama de Teoria das Incapacidades, alterando-se as situações nas quais alguém seria considerado legalmente incapaz. Essa lei foi inserida no ordenamento jurídico com o intuito de readequar o sistema de proteção e assistência das pessoas com deficiência, voltando-se à dissociação da deficiência da presunção de incapacidade.

Nesse diapasão, a Lei Brasileira de Inclusão trouxe inumeráveis avanços, revolucionando a concepção jurídica de capacidade civil, destaca-se, todavia, a indiscutível

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abertura para a evolução dos institutos de auxílio que privilegiam a autonomia da vontade e proporcionam a possibilidade de manifestação da vontade de forma antecipada, antes mesmo da ocorrência de uma incapacidade, a autocuratela.

E é justamente a partir dessa última premissa que o presente trabalho monográfico pretende se desenvolver. Fazendo um recorte específico no que diz respeito à tutela da pessoa idosa, cuja diminuição natural da capacidade para realização de atividades cotidianas permite a identificação de uma gradação das incapacidades, e a possibilidade, advinda das alterações feitas pela Lei Brasileira de Inclusão no Direito Civil e Processual Civil, do estabelecimento de institutos que acompanhem o declínio natural das habilidades de gestão da vida cotidiana e civil, bem como a aplicação desses novos institutos e/ou os impactos na interpretação dos institutos assistenciais já existentes.

Tendo em vista a dupla vulnerabilidade apresentada por este grupo específico da sociedade – as debilidades provenientes do processo natural de envelhecimento e a discriminatória visão sociocultural do idoso como sinônimo de pessoa incapaz –, o que se busca é estabelecer as influências da nova sistemática do regime de incapacidades na proteção da livre manifestação da vontade e na garantia de autodeterminação da pessoa idosa com algum tipo de deficiência mental.

Assim sendo, esta monografia se apresenta estruturada em três postos-chave, sendo o primeiro voltado à contextualização do instituto da capacidade civil e da teoria das incapacidades. No segundo ponto-chave, buscar-se-á um aprofundamento sobre a Lei Brasileira de Inclusão – Lei nº 13.146/2015, em especial as alterações por ela proporcionadas na Teoria das Incapacidades, e também trabalhar de forma específica os institutos de assistência à pessoa com algum tipo de incapacidade, destacando-se a curatela. Atina-se também à inovação legislativa caracterizada pelo instituto da Tomada de Decisão Apoiada.

No terceiro ponto, traz-se, por fim, a discussão sobre os impactos das inovações discutidas nos capítulos anteriores na tutela da pessoa idosa com incapacidade, apresentando possíveis alternativas que melhor atendam às necessidades desse grupo em ascensão na sociedade de forma a permitir a continuidade da sua autonomia sem recair em uma proteção assistencialista paternalista e infantilizadora desse grupo.

A pesquisa aqui delineada é metodológica de cunho exploratório visando o aprofundamento da relação coexistente entre as mudanças da Lei nº 13.146/2015 e a necessidade de aprimoramento de estudos referentes à tutela psicofísica das pessoas idosas com deficiência.

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Partiu-se de uma pesquisa bibliográfica voltada à especificação dos institutos da capacidade civil e da teoria das incapacidades bem como dos institutos de assistência da pessoa com algum tipo de incapacidade, a curatela e a Tomada de Decisão Apoiada, culminando na análise de situações que permitam a manutenção da autonomia das pessoas idosas com deficiência, sopesando aquilo que melhor funcione como mecanismo de manifestação antecipada dessa autonomia.

A pesquisa bibliográfica realizada buscou identificar como a melhor doutrina trabalha os conceitos de capacidade e de incapacidade e como se utiliza de tais conceitos na declaração da interdição do indivíduo. Além do mais, tentou-se identificar quais os instrumentos existentes que mais bem se adequam a situação da pessoa idosa, reafirmando a sua capacidade de definir os rumos da própria vida, mesmo com o advento de uma condição que afete o seu discernimento.

Foram utilizado para realização desta monografia livros, artigos científicos, periódicos, leis e projetos de lei, monografias e teses jurídicas como fontes da pesquisa bibliográfica, fontes essas acessadas por meio de bibliotecas físicas e virtuais, bancos de dados de instituições jurídicas, como os Tribunais Superiores e Tribunais Estaduais, e sítios na internet que viabilizem o acesso a artigos e pesquisas científicas.

Por fim, a análise do material se deu a partir da interpretação comparativa entre diversos doutrinadores bem como a reflexão diante da necessidade de aprofundamento dos estudos jurídicos sobre a realidade e manutenção dos direitos relativos à autonomia da pessoa idosa.

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2 TEORIA GERAL DA CAPACIDADE CIVIL

A fim de situar a concepção jurídica da capacidade, torna-se imprescindível discutir, mesmo que brevemente, a relação existente entre o conceito de pessoa e de personalidade jurídica.

Para o ordenamento jurídico brasileiro, pessoa é o indivíduo, o ser humano com vida capaz de direitos e deveres na ordem civil. Nas doutas palavras de LÔBO (2015, p. 93) “pessoa é o sujeito de direito em plenitude, capaz de adquirir e transmitir direitos e deveres jurídicos”. No mesmo sentido, ao desenvolverem o conceito de pessoa natural, FARIAS E ROSENVALD (2015, p. 257) dispõem que:

A pessoa natural é gente, é o ser humano com vida, aquele ente dotado de estrutura biopsicológica, pertencente à natureza humana. Daí a denominação abraçada pelo Texto positivado: pessoa natural, isto é, aquele que pode assumir obrigações e titularizar direitos. [...]E a nenhum ser humano é possível subtrair a qualidade de pessoa, enquanto sujeito de direito. [...] Aliás, convém lembrar que a pessoa humana é valor fundamental em si mesma, sendo o único ser capaz de valores, inovando, realizando e construindo o mundo.”

Indistintamente, a qualidade de ser pessoa se interliga e se confunde com o conceito de personalidade, a aptidão genérica para ser sujeito de direito, a propensão para titularizar relações jurídicas. Assim, embora nem todo sujeito de direito seja pessoa, por aquele ser um conceito mais amplo (LÔBO, 2015, p. 96), toda pessoa possui personalidade e, consequentemente, pode atuar perante a sociedade na qualidade de sujeito de direitos.

Nesse contexto, então, performa-se o conceito de capacidade, que nada mais é do que a medida jurídica da personalidade, a especificação entre os direitos pertencentes à pessoa e a habilidade de exercê-los direta e pessoalmente. Enfim, o instituto que balizará o exercício dos direitos titularizados conforme os critérios postos em lei.

A capacidade se identifica como o requisito que orienta a formação de diversas relações jurídicas, a exemplo da celebração de um contrato e do casamento, certificando que a pessoa possui a extensão da autonomia indispensável à prática desses atos. Segundo DINIZ (2012, p. 131), “ a capacidade jurídica é a condição ou pressuposto de todos os direitos. [...] e, para ser "capaz", o ser humano precisa preencher os requisitos necessários para agir por si, como sujeito ativo ou passivo de uma relação jurídica”.

Embora a titularidade de um direito seja certa, o seu exercício poderá estar condicionado ou restringido em razão da falta do discernimento necessário e ensejador da formação de uma vontade válida juridicamente.

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Diego Carvalho Machado (2016) traz a ideia de capacidade como o resultado da necessidade do direito em distinguir os “momentos da titularidade e do exercício das situações subjetivas que integram a esfera jurídica da pessoa”.

Como a titularidade enfoca apenas a atribuição de um direito subjetivo a alguém e, para o nosso ordenamento jurídico atual fundado na primazia da dignidade da pessoa humana, não é pressuposto suficiente para garantir essa dignidade, torna-se premente a identificação de situações que precisam ser asseguradas juridicamente para assim passarem a ter concretude e assegurarem a efetividade do direito. Em contraposição, a capacidade seria a justa medida para o exercício efetivo de um direito subjetivo, sendo prescindível qualquer reforço visando sua concretização.

Conforme explanado, a pessoa, como sujeito de direitos, possui a capacidade para titularizar direitos e contrair obrigações, entretanto, essa capacidade, para ser considerada plena, depende da análise de certos fatores. Diante disso, a doutrina costuma dividir a capacidade em dois aspectos, a capacidade de direito ou de gozo e a capacidade de fato ou de exercício, nos quais dará ensejo à teoria das incapacidades, ao permitir a identificação de uma gradação da capacidade e, consequentemente, da autonomia da vontade.

2.1 Capacidade de direito e capacidade de exercício

Sendo a capacidade a limitação da potencialidade de adquirir direitos e contrair obrigações, ela é um conceito relativo (ALVES, 2018), passível de ser mensurado segundo aspectos predeterminados em lei, daí a sua divisão em capacidade de direito e capacidade de exercício. A possibilidade de uma pessoa ser mais ou menos capaz é resultado da análise dos aspectos supramencionados.

A capacidade de direito é justamente a aptidão para titularizar direitos, e se confunde com o conceito de personalidade jurídica. Assim, todas as pessoa possuem capacidade de direito, também chamada de capacidade de gozo ou de aquisição, haja vista que a falta dessa capacidade equivaleria a falta da própria personalidade.

A privação total de capacidade implicaria a frustração da personalidade: se ao ser humano, como sujeito de direito, fosse negada a capacidade genérica para adquiri-lo, a consequência seria o seu aniquilamento no mundo jurídico. Como toda pessoa tem personalidade, tem também a faculdade abstrata de gozar os seus direitos. (PEREIRA, 2017, p. 222)

Destaca-se que a capacidade de gozo independe de qualquer especificação e não pode ser restringida. A potencialidade de ser titular de um direito atinge a todos aqueles que possuem personalidade jurídica de forma igualitária, independente de formalidades, como registros e

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certidões, ou da condição biopsicológica do indivíduo. Além do mais, para ser dotado de capacidade de direito o único critério adotado pelo direito brasileiro é o simples nascer com vida. Se é pessoa e, consequentemente, sujeito de direito, o primeiro dos elementos necessários a caracterização da capacidade plena estará cumprido, possui capacidade de direito.

Agora, como dito inúmeras vezes, a capacidade é uma medida, vai se adequar à situação da pessoa titular de direitos. Daí provém a capacidade de fato ou de exercício, que é o aspecto limitante das aptidões do sujeito de direito. A destreza necessária à prática de um direito poderá ser considerada quanto da definição da capacidade da pessoa, assim, nem todos possuirão a mesma capacidade.

A capacidade de exercício, de fato ou de ação, consubstancia-se na possibilidade de exercitar um direito, de que se é titular, de forma direta e pessoalmente. Nos dizeres de Maria Helena Diniz (2016) é “a aptidão de exercer por si só os atos da vida civil dependendo, portanto, do discernimento que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial”.

No mesmo sentido, ALVES (2018):

A personalidade jurídica (aptidão de adquirir direitos e de contrair obrigações) e a capacidade jurídica (o limite dessa aptidão) não se confundem com a capacidade de fato, que é a aptidão para praticar, por si só, atos que produzam efeitos jurídicos.

A limitação permitida pela natureza da capacidade de exercício só pode ser feita com base em critérios legalmente definidos, que irão determinar a gradação da capacidade ao tempo em que justificam a exigência de a pessoa ser assistida ou representada durante a realização do direito por ela titularizado. Em outras palavras, a existência de uma inaptidão para realização de certos atos da vida civil, definida como uma incapacidade, é fator determinante na definição da capacidade de ação, fundamentando as nuances do poder de autodeterminação e da autonomia da vontade.

Considerando que a capacidade de fato determina a possibilidade de se atuar pessoalmente ou não no exercícios dos atos da vida civil, importante salientar, contudo, que não é toda e qualquer situação jurídica que fica restringida (MACHADO, 2016), somente aquelas nas quais o discernimento, a consciência de certo ou errado, encontra-se descompassada, gerando uma vulnerabilidade e pondo em risco o direito e seus efeitos. Compactuando com essa estreiteza na definição da capacidade, afiançam FARIAS E ROSENVAL (2017, p. 332):

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Essa distinção classificatória, porém, não mais tem guarida quando se tratar de relações jurídicas existenciais, como no exemplo dos direitos da personalidade. Quanto aos interesses existenciais, é certo induvidoso que qualquer pessoa humana - maior ou menor, dotada ou não de cidade de exercício - pode exercê-los e reclamá-los direta e pessoalmente, sob pena de um comprometimento de sua dignidade.

Para considerar uma pessoa capaz, portanto, faz-se necessário que ambos os aspectos da capacidade sejam adequadamente satisfeitos, que seja realmente o titular daquele direito pleiteado e que se possa, por si mesmo, exercitá-lo, é a chamada capacidade plena. Intende comentar, ainda, que a capacidade é sempre a regra, somente podendo ser restringida em casos excepcionais, em que o direito necessita ser resguardado e/ou asseverado.

Quanto à diferenciação entre capacidade, legitimação e legitimidade, resta comentar que a primeira, como amplamente explanado, relaciona-se à possibilidade de exercer pessoalmente atos jurídicos, enquanto que a legitimação é um subgênero daquele no qual, o agente, embora plenamente capaz, fica impedido em situações específicas de praticar certo ato jurídico em função de uma exigência excepcional – é o caso de ascendente não poder vender à descendente sem que haja prévio consentimento do cônjuge e demais descendentes, se houver. Quanto à legitimidade, esta é a capacidade processual, a possibilidade de ir à juízo defender direito próprio ou, excepcionalmente, direito alheio.

2.2 Teoria das Incapacidades: incapacidade absoluta e relativa

Reiterando o fato de que “a capacidade é sempre a regra, e a incapacidade, a exceção” (PEREIRA, 2017, p. 227), figura como ponto determinante da dita teoria das incapacidades a existência de uma inaptidão do sujeito de direito, considerada por lei, para a concretização de um direito titularizado, em outras palavras, a legislação preverá as situações em que a pessoa terá a capacidade de agir, total ou parcialmente, restringida por lhe faltar os requisitos considerados indispensáveis à regência direta e pessoal dos atos da vida em sociedade.

O incapaz será, portanto, o indivíduo cuja situação fático-jurídica acaba por influenciar negativamente no processo de tomada de decisões, fazendo com que haja certa distorção da realidade e, consequentemente, afetando a validade da manifestação da vontade. A incapacidade, portanto, “é juridicizada no plano da eficácia do fato jurídico, consistindo em uma situação jurídica unissubjetiva, e, no caso de compor o suporte fático dos atos jurídicos, estes serão tidos como inválidos (nulos ou anuláveis)” (AZEVEDO, 2017, p.16).

Assente ressaltar, ainda, o fato de incapacidade e vulnerabilidade não estarem necessariamente vinculadas, consubstanciando conceitos apartados. A primeira é resultado de

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uma conjuntura que considera o indivíduo inapto para a prática direta e pessoal dos atos jurídicos em função de uma comprovada falta ou diminuição no discernimento, enquanto que a vulnerabilidade é proveniente de um desequilíbrio existente entre as partes de uma relação jurídica negocial (FARIAS E ROSENVALD, 2017,p. 332-333).

Originalmente, a teoria das incapacidades adotada pelo Código Civil brasileiro de 2002 tinha como norte a proteção da pessoa segundo parâmetros eminentemente patrimoniais, com uma perspectiva excessivamente patriarcalista, fundada ideologicamente em princípios consagrados pela Revolução Francesa. Sua finalidade precípua, dado o momento da sua criação (época do liberalismo), foi o resguardo do incapaz no trânsito jurídico patrimonial, para sua proteção nos negócios praticados, oferecendo maior segurança às relações jurídicas (MENEZES e TEIXEIRA, 2016, p.183).

Tecnicamente, o fundamento lógico do regime das incapacidade é a proteção dos direitos dos considerados incapazes, de modo que se possa assegurar a sua concretização e produção de efeitos, e, nas palavras de PEREIRA (2017, p. 228)

A lei jamais instituiu o regime das incapacidades com o propósito de prejudicar aquelas pessoas que delas padecem, mas, ao contrário, com o intuito de lhes oferecer proteção, atendendo a que uma falta de discernimento, de que sejam portadores, aconselha tratamento especial, por cujo intermédio o ordenamento jurídico procura restabelecer um equilíbrio psíquico, rompido em consequência das condições peculiares dos mentalmente deficitários.

Neste diapasão, conforme a lei entende ser maior ou menor a habilidade da pessoa para manifestar validamente a sua vontade e se autodeterminar diante do contexto social, há a necessidade, decorrente do princípio da igualdade substancial, de se instituir medidas protetivas, que deverão variar de acordo com essa suposta gradação da consciência de mundo. O regime de incapacidades, então, fundou-se em uma divisão entre os que são absolutamente

incapazes ou apenas relativamente incapazes.

Aqueles indivíduos que estão total e completamente despidos da capacidade de agir são tidos pela legislação como absolutamente incapazes, encontrando-se impedidos de exercer pessoalmente qualquer dos seus direitos, sendo, para o mundo jurídico, irrelevante a manifestação da sua vontade. Nesse sentido, os atos praticados pelo absolutamente incapaz serão considerados viciados, podendo acarretar a nulidade absoluta dos negócios jurídicos firmados.

Aos compreendidos pela lei como relativamente incapazes, reconhece-se as nuances da capacidade de agir, entendendo que a pessoa possui considerável nível de autonomia e consciência de certo ou errado, havendo, portanto, uma incapacidade seletiva, que abrange

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apenas determinados atos jurídicos. A prática de atos jurídicos, nesse caso, não necessariamente será considerada viciada. Os atos para a qual foi decretada a incapacidade relativa, para possuírem plena validade, deverão ser realizados conjuntamente com um assistente, que servirá como amparo jurídico do negócio celebrado. Ainda assim, mesmo que praticados sozinhos pelo relativamente incapaz, tais atos serão considerados meramente anuláveis, sendo passíveis de ratificação. Nesse ínterim, portanto, a autonomia e a capacidade de autodeterminação do indivíduo são resguardadas de forma mais abrangente, tendo a vontade do incapaz relevância conforme se adequa à situação jurídica apresentada.

O Código Civil de 2002, em sua redação original, trouxe três situações de incapacidade absoluta: os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não

tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Embora o código, em boa parte dos seus

dispositivos, já fosse redigido e interpretado segundo os preceitos fundamentais trazidos pela Constituição da República de 1988, com um viés voltado aos direitos humanos e fundamentais, os artigos regentes da teoria das incapacidades, em contrassenso, permaneceram praticamente com a mesma base ideológica vigente na ordem jurídica na qual foi fundada o código anterior. Processando-se o regime das incapacidades ainda sob uma ótica patriarcalista e de prevalência dos direitos patrimoniais em contraposição aos direitos de cunho existencial.

Ao definir as situações de absoluta incapacidade do sujeito de direito, o código se fundou em um elemento etário – asseverando que os menores de 16 anos não possuíam o amadurecimento psicológico e a experiência necessários para a gestão dos atos da vida civil – e em um fator relativo à saúde mental, existência de alguma enfermidade mental, e à impossibilidade, mesmo que transitória, de manifestação da vontade. Nesses casos, não havia uma simples restrição à capacidade de exercício, mas verdadeira dissolução do elemento volitivo (AZEVEDO, 2017, p. 6), no que a pessoa absolutamente incapaz seria destituída da autonomia e teria sua vontade substituída pela de terceiro que o tivesse sob tutela.

Quanto ao rol de incapacidades relativas, o código se utilizava dos mesmos elementos, etário e condição de saúde mental, bem como de uma análise situacional do discernimento para elencar os cenários objetivos definidores de uma capacidade de agir limitada.

[...]em razão de circunstâncias pessoais ou em função de uma imperfeita coordenação das faculdades psíquicas, deve colocar certas pessoas em um termo médio entre a incapacidade e o livre exercício dos direitos, que se efetiva por não lhes reconhecer a plenitude das atividades civis, nem privá-las totalmente de interferir nos atos jurídicos. (PEREIRA, 2017, p. 238)

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Aos maiores de 16 anos e menores de 18 anos, portanto, já se reconhecia certo nível de desenvolvimento intelectual e poder de adaptação às condições de vida em sociedade (DINIZ, 2012, p. 171) que possibilitavam a autonomia necessária para reger, de forma assistida, alguns atos jurídicos. Da mesma forma, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, teriam sua capacidade restringida conforme o grau de consciência de certo ou errado ou do que é conveniente ou prejudicial, sendo relativamente incapaz apenas para determinados atos ou modo de os exercer. Atenta-se, todavia, para a situação do pródigo, este se encontrava em uma situação razoavelmente diferenciada em que a sua incapacidade relativa se restringia ao exercício de atos específicos de gestão do patrimônio, sendo considerado plenamente capaz para qualquer outro, dispensando qualquer assistência.

Em suma, para a incapacidade relativa não só a vontade do incapaz possui relevância para a concretização do direito como para o ato jurídico praticado ter validade ela precisa ter sido manifestada. O poder de autodeterminação do indivíduo se encontra relativamente resguardado.

Questionava-se na teoria das incapacidades, como foi originada e interpretada por anos a fio, justamente a sua abrangência e limitações, pois, embora possuísse como prioridade técnica a proteção dos direitos principalmente de cunho patrimonial, em muitas das vezes o que ocorria era a retirada total da autonomia do indivíduo. Se a máxima era a capacidade e a incapacidade uma excepcionalidade, a aplicabilidade do rol dos artigos 3º e 4º do código civil deveria ser muito bem discutida caso a caso, a fim de determinar propriamente quais direitos necessitariam ser reassegurados juridicamente para serem efetivados e quais atos exigiriam de alguma forma de auxílio para serem executados.

O que ocorria, com certa frequência e principalmente em relação aos considerados absolutamente incapazes, era a retirada de qualquer autonomia e possibilidade de autodeterminação da pessoa. A declaração da incapacidade, através da ação de interdição, acabava por atingir indiscriminadamente “a capacidade para praticar todo e qualquer ato jurídico” (AZEVEDO, 2017, p. 6). As situações descritas nos artigos do código cabiam perfeitamente para proteção de direitos patrimoniais, entretanto, os direitos de cunho existencial acabavam sendo afetados diretamente pela declaração da incapacidade.

[...] a negação da capacidade no âmbito patrimonial trouxe consigo uma substancial negação em outros momentos da atividade humana, como as condutas de natureza pessoal, bem como aquelas atreladas à vida quotidiana. Ocorria, assim, uma expropriação da subjetividade e uma negação da autonomia própria, inerente à existência de cada um. Condenavam-se à

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marginalidade todas as decisões de conteúdo não patrimonial, construindo-se um paradigma fechado de “normalidade jurídica”. (MENEZES e TEIXEIRA, 2016, p. 185)

Com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), Lei 13.146/2015, também chamada Lei Brasileira de Inclusão, buscou-se redefinir os fundamentos ideológicos da teoria da capacidade civil, ocasionando uma mudança drástica na perspectiva das incapacidades. O fato dessa legislação revogar expressamente os artigos do código civil que associavam deficiência à incapacidade e reforçar a autonomia e manifestação da vontade principalmente como aspectos existenciais permitiu que os princípios e diretrizes incorporados pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada pelo Brasil e inclusive com força de emenda constitucional, ganhassem efetividade. Possibilitando a reavaliação das situações de incapacidade absoluta e relativa e modernizando o conceito de incapacidade e a forma de interpretação e condicionamento da capacidade de agir.

Tais mudanças de ordem ideológica na teoria da capacidade e, consequentemente, no regime das incapacidades, é de suma importância para a evolução dos meios assistenciais das pessoas com alguma incapacidade, derivada de uma patologia ou não, mas também para a introdução de instrumentos que melhor favoreçam a autonomia do indivíduo, bem como a qualidade de vida diante das adversidades observadas no dia a dia. Esse tema deverá ser mais aprofundado nos próximos capítulos deste trabalho.

2.2.1 Representação e assistência

Importante ainda discutir o fato de que a incapacidade é uma determinação jurídica que intende reconhecer a inaptidão de uma pessoa específica para efetivar direta e pessoalmente um direito titularizado por ela. Enfim, a declaração de incapacidade absoluta ou relativa é mero ato de reconhecimento e, como o objetivo da lei é a proteção e busca da concretização dos direitos, faz-se necessário o desenvolvimento de instrumentos de auxílio que supram a falta ou complementem o elemento volitivo exigido para o fiel exercício dessas prerrogativas do sujeito acometido por uma incapacidade. Nesse ponto, destaca-se os institutos da representação e da assistência.

O Código Civil de 1916, art. 84, previa que os absolutamente incapazes seriam representados por seus pais, tutores ou curadores e os relativamente incapazes seriam assistidos pelas pessoas (e nos atos) determinados naquela legislação. Apesar de o código de 2002 não possuir um artigo específico, à semelhança do anterior, prevendo as formas de suprimento da

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incapacidade, esses institutos foram disciplinados em pontos variados da novel legislação, a exemplo dos arts. 115 a 120, 166, I, 171, I, 1.634, V, 1.690, 1.747, I.

Aos absolutamente incapazes, por estarem impedidos de praticar qualquer ato da vida civil, caberia a representação, cuja função seria a de substituir totalmente a vontade do incapaz pela do tutor ou curador. Assim, todos os atos ou negócios jurídicos deveriam ser realizados pelo representante legal, sob pena de nulidade absoluta (GONÇALVES, 2017), suprindo, então, o consentimento.

Aqueles cuja incapacidade atinge apenas determinados atos (relativamente incapazes) possuem um grau de autonomia assegurado, todavia, para que a manifestação da sua vontade seja concretizada dependerá da assistência. Este instituto se funda na necessidade de asseverar a segurança jurídica do negócio jurídico a ser celebrado, desse modo, o ato poderá, sim, ser praticado pelo relativamente incapaz, contudo, exige-se que seja praticado em conjunto com o representante legal. A falta da assistência gerará a anulabilidade do ato, o que possibilita a ratificação do negócio jurídico celebrado sozinho pelo incapaz.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2017), “quando necessária a assistência, ambos participam do ato: o relativamente incapaz e seu representante. Se necessário for assinar algum documento, ambos o assinarão. Se faltar a assinatura de um deles, o ato será anulável”. Nesse sentido, a capacidade de agir do assistido é reconhecida, detendo valor essencial à concretização da relação jurídica. E, mesmo que o incapaz realize o ato sem assistência, este não será automaticamente nulo, podendo ser ratificado a posteriori.

Em resumo, o indivíduo tido por absolutamente incapaz deverá ser representado, enquanto o relativamente incapaz, assistido. Nesse diapasão, enfrenta-se a ideia de que o indivíduo incapaz necessita ser auxiliado para o exercício das situações jurídicas subjetivas, porém, diante de situações não patrimoniais – tendo por base as inovações ideológicas sustentadas, em especial, pela a cláusula geral de tutela da pessoa humana (princípio da dignidade da pessoa humana) adotada pela Constituição da República – vem-se modificando a forma de atuação desses institutos assistenciais.

Decerto, as restrições à capacidade de agir, sejam absoluta ou relativa, não existem para alhear os incapazes, mas para integrá-los ao mundo negocial.³¹ No entanto, em razão das demandas crescentes das pessoas por autonomia, surge o questionamento quanto à aplicação das normas civil que regem a capacidade civil de modo irrestrito às relações existenciais.³² (SANTOS e ALMEIDA JUNIOR, 2016, p. 320)

Partindo desses pressupostos, reconhece-se o estudo dos institutos de auxílio à pessoa já existentes no ordenamento como fator essencial ao desenvolvimento de novos meios e

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alternativas, destacadamente jurídicas, facilitadoras da manutenção da autonomia da vontade e capacidade de autodeterminação da pessoa, em especial a pessoa idosa com alguma incapacidade, seja originária de uma patologia ou em função do natural envelhecimento.

2.3 A teoria das incapacidades

Como visto, a ideia que permeia a teoria da capacidade é a de certificar juridicamente a possibilidade de praticar de forma autônoma direitos e deveres. Nesse premente, aqueles cujas aptidões estivessem mais ou menos afetadas por algum tipo de disfunção, seja de ordem física, mental, intelectual ou sensorial, poderiam vir a ser considerados como incapazes para praticar atos da vida em sociedade, prevendo a lei, então, meios de suplementação dessa capacidade.

A dita teoria das incapacidades surge justamente como uma resposta do ordenamento jurídico para garantir às pessoas com alguma disfunção a concretização dos seus direitos, prevendo as situações nas quais o indivíduo será tido como incapaz, de forma absoluta ou relativa, e necessitará ser auxiliado na prática dos atos da vida civil.

Reitera-se, nesse ponto, que o auxílio aqui referido, como originalmente se dispôs no ordenamento, envolve a ratificação por terceiro da vontade manifesta pelo incapaz ou a efetiva substituição dessa vontade. Alia-se, ainda, o fato de que a legislação brasileira não distinguiu os limites dessa assistência, permitindo que a complementação da vontade atingisse tanto a esfera patrimonial do indivíduo como a esfera existencial.

A interpretação dada ao conceito de incapacidade jurídica, desde o Código Civil de 1916 e repetida no Código de 2002, partia de um modelo em que a inaptidão existente exigia sobremaneira a restrição da atuação pessoal do indivíduo, enfatizando sua necessidade de cuidado e representação, em uma clara abordagem ultra protecionista do instituto da capacidade civil.

Neste diapasão, a base da nova teoria das incapacidades provém justamente da alteração do modelo segundo o qual é interpretada uma incapacidade ou deficiência no meio jurídico. A reorientação da inaptidão como um simples déficit funcional (MARTINS, 2016, p. 5) e não como parâmetro para definição da incapacidade jurídica.

Diante desse contexto, então, para entender a mudança paradigmática da teoria das incapacidades e os seus consequentes impactos na fomentação de novos meios de apoio às pessoas com alguma inaptidão e, em especial, na instrumentalização de institutos que garantam à pessoa idosa a manutenção da sua autonomia e capacidade de autodeterminação, é primordial a análise dos principais modelos ou etapas de proteção do deficiente.

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O modelo de prescindência tinha como parâmetro um entendimento religioso das causas da deficiência, era o modelo segundo o qual os deficientes eram vistos como incapazes de contribuir com as necessidades da sociedade, chegando ao ponto de serem considerados como consequências da ira dos deuses ou avisos diabólicos. Assim, a ideia não era propriamente de proteção dos deficientes, pelo contrário, tinha-se como foco a dispensabilidade dessas pessoas, eram prescindíveis à sociedade. Destaca-se que foi durante a prevalência desse modelo que políticas de eugenia e marginalização das pessoa com deficiência tiveram força.

Como consecuencia de estas premisas, la sociedade decide prescindir de las mujeres y hombres con diversidad funcional, ya sea a través de la aplicación de políticas eugenésicas, o ya sea sutuándolas en el espacio destinado para los anormales y las clases pobres, con un denominador común marcado por la dependencia y el sometimiento, em el que asimismo son tratadas como objeto de caridade y sujeitos de assistência. (PALACIOS e ROMAÑACH, 2008, p.37-38)

Na primeira metade do século XX, no entanto, consolidou-se um novo modelo fundado sob uma perspectiva biomédica. Associando a deficiência a um dano ou uma insuficiência. Não mais se identificava a pessoa incapaz com alguém prescindível, mas sim alguém que deveria ser reabilitado, daí o nome modelo reabilitador ou médico. A incapacidade se relacionava diretamente com as disfunções físicas ou psíquicas do indivíduo e esse modelo tinha como paradigma a normalização(ou padronização) dessas pessoas “aunque ello implique forzar a la desaparición o el ocultamiento de la diferencia que representa la diversidade funcional” (PALACIOS e ROMAÑACH, 2008, p.38).

O modelo reabilitador alterou a sistemática do tratamento das pessoas com deficiência deixando para traz uma perspectiva de intolerância e invisibilidade e inaugurando um enfoque protecionista e assistencialista. Segundo Maria Helena Diniz (2016, p.264), era o modelo segundo o qual se considerava o deficiente como um doente e, como tal, devia ser auxiliado, terapeuticamente, para obtenção de sua cura.

A ideia central era de que a pessoa com deficiência teria que se adaptar à realidade da sociedade, através da cura da disfuncionalidade, para só assim ter reconhecida a sua capacidade. Do contrário, continuar-se-ia a ser alvo de políticas legislativas voltadas à assistência e à seguridade social e, consequentemente, eternamente excluída do espaço social comum.

Foi este o modelo absorvido pelo ordenamento jurídico brasileiro e que fundamentou a aplicabilidade da teoria das incapacidades tradicional e os institutos assistenciais, em especial a curatela. Essa interpretação sustentava a possibilidade de nomeação de um curador que

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administrasse não só os aspectos patrimoniais da vida civil, mas também que interviesse no prisma existencial, destituindo-o da capacidade de autodeterminação.

No fim dos anos 60 e início dos anos 70 do século XX, sob influência de uma ótica humanista, que passou a considerar o princípio da dignidade da pessoa humana verdadeira cláusula geral de tutela da personalidade, novos estudos sobre a deficiência foram desenvolvidos.

Houve uma mudança no foco, a incapacidade não mais era observada segundo noções religiosas ou médicas/científicas, mas sim encarada a partir do meio social. Passou-se a identificar a deficiência “na inadequação da sociedade para a inclusão de todos, sem exceção” (AZEVEDO, 2017, p. 13) e não como um fato individual da pessoa. As razões da incapacidade não são mais as limitações pessoais do indivíduo, mas sim as barreiras de cunho social que impedem sua “participação plena e efetiva como membro da sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (AZEVEDO, 2017, p.13), sendo as disfunções físicas, mentais, sensoriais ou intelectuais reconhecidas na verdade como atributos inerentes à própria pessoa (FERRAZ e LEITE, 2016, p. 103).

Diante desse panorama, originou-se o modelo social, embasado na garantia da dignidade da pessoa humana e cujo objetivo é orientado pela busca da igualdade material, inferindo a inclusão da pessoa com deficiência em igualdade de oportunidades, e a certificação da autonomia privada, fomentando, destacadamente, a fortificação da manifestação da vontade diante de decisões de cunho existenciais.

Parte de la premisa de que la discapacidad es una construcción y un modo de opresión social, y el resultado de una sociedad que no considera ni tiene presente a las personas con discapacidad. Asimismo, apunta a la autonomía de la persona con discapacidad para decidir respecto de su propia vida, y para ello se centra en la eliminación de cualquier tipo de barrera, a los fines de brindar una adecuada equiparación de oportunidades. (PALACIOS e BARIFFI, 2007, p. 19)

Foi o modelo social que passou a vigorar e a embasar boa parte das legislações relacionadas as pessoas com deficiência a partir da década de 1970, tendo como expoente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) que teve seu texto aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006.

Diante de cada momento da proteção da pessoa com deficiência (prescindência, reabilitador e social), Rafael Vieira de Azevedo (2017, p. 9-10) ainda faz uma correspondência entre eles, o tratamento dado pela legislação brasileira e os modos de abordagem legislativa

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trazidos em estudo de Anna Nilsson (Who gets to decide? Right to legal capacity for persons with intellectual and psychosocial disabilities).

Na abordagem de status, a simples existência de uma deficiência é suficiente para restringir a capacidade legal, não importando qual é realmente a capacidade da pessoa. Na

abordagem de resultado a vontade da pessoa com alguma disfuncionalidade é relevante

segundo critérios de razoabilidade, ou seja, desde que considerado até que ponto ela é competente para entender seu melhor interesse. A abordagem funcional concentra-se no nível de discernimento da pessoa, além de considerar a capacidade jurídica frente à competência desse indivíduo em demonstrar sua aptidão para a tomada de decisões.

Nesse diapasão, no Código Civil de 1916 “a abordagem adotada era a de ‘status’, enquanto que no CC/02, houve a mudança para a funcional” (AZEVEDO, 2017, p.9-12). Entretanto, aqui, chama a atenção o fato de o Código Civil de 2002 em sua redação original adotar a abordagem funcional, derivada do modelo reabilitador, para estruturar o instituto da capacidade civil. Tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 optou pela aplicação do modelo social no tratamento dos deficientes, a legislação civil se encontrava, até então, em desarmonia com a norma máxima do país.

A mudança de paradigma fundada no modelo social das deficiências trouxe importantes considerações a serem feitas no âmbito da capacidade civil de um modo geral, conquanto a relação de incapacidade e deficiência é fator mormente na definição daqueles considerados pela lei como incapazes. Todavia, em razão da adoção desse novo modelo pela própria Carta Magna de 1988 e, posteriormente, com a ratificação pelo Brasil da CDPD, a necessidade de adequar a teoria da capacidade civil bem como o fundamento ideológico dos institutos e instrumentos assistenciais se tornou premente, justificando uma completa reformulação desses institutos.

Para atender a essa necessidade de adequação e, como se verá adiante, de efetivação das mudanças trazidas pelo novo sistema, a lei nº 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi promulgada dando ensejo a uma efetiva Nova Teoria das Incapacidades.

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3 A NOVA TEORIA DAS INCAPACIDADES E O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – LEI Nº 13.146/2015

Embora a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, seja tratada atualmente como o principal marco nacional na mudança de direcionamento da teoria das incapacidades, ela não trouxe tantas mudanças quanto se poderia imaginar. Em verdade, essa lei, também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão, nada mais fez do que destacar e reiterar os princípios e regramentos implementados pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), o primeiro tratado de direitos humanos ratificado pelo Brasil seguindo o trâmite do art. 5º, §3º, da CRFB/88, sendo incorporado ao ordenamento pátrio com

status de emenda constitucional.

A CDPD, tendo por base uma nova visão sobre a deficiência, tem como preceitos a autonomia, a inclusão e a acessibilidade (AZEVEDO, 2017, p.1) das pessoas com deficiência, levando em consideração as reais necessidades do indivíduo e o modo como a sociedade se adequa às particularidades de cada um. A incapacidade passa a ser entendida não mais tendo a condição do indivíduo como parâmetro, mas, sim, o “despreparo da sociedade em lidar com suas necessidades especiais que criam os obstáculos que essas pessoas têm de enfrentar para viver em sociedade”(AZEVEDO, 2017, p. 40).

A partir da incorporação da CDPD e de seu Protocolo Facultativo pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, diversos pontos que alteravam sobremaneira o regramento sobre as incapacidades foram implementados. A tão clamada dissociação da deficiência da presunção de incapacidade, substanciada com a efetiva revogação dos artigos do Código Civil pela Lei Brasileira de Inclusão, já era destacada no artigo 12 da Convenção ao reconhecer às pessoas com deficiência a capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. Ademais, a mudança de um sistema de protecionismo exacerbado, para um que valorizasse a autonomia, a independência e o exercício direto dos direitos, garantindo à pessoa com deficiência sua dignidade e liberdade de escolha, foi cientificado nessa Convenção. Diante disso, percebe-se que as mudanças na compreensão do regime das incapacidades, pelo menos do ponto de vista técnico, deu-se já em 2009, entretanto, mesmo em se tratando de normativo constitucional, sua aplicabilidade era esvaziada diante de certa resistência dos operadores do direito, havendo a manutenção, na prática, do velho modelo assistencialista de proteção aos deficientes.

O que se chamou, reitera-se, de nova teoria das incapacidades, com o advento da Lei nº 13.146/2015, nada mais foi do que o modo de dar real efetividade às mutações operadas pela

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Constituição e, principalmente, pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência na compreensão da capacidade jurídica. Nas palavras de Joyceane Bezerra de Menezes (2015, p. 3), “ao fim e ao cabo, a capacidade civil serviu de critério para atribuir titularidade aos direitos fundamentais”. A revogação expressa de diversos dispositivos do Código Civil trouxe, enfim, a necessária atenção aos novos fundamentos ideológicos e normativos do instituto da capacidade civil das causas de incapacidade.

A proclamada nova teoria das incapacidades trouxe como objetivo central a inclusão da pessoa com deficiência na vida em sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas, atrelada a uma mitigação ou destruição das barreiras sociais que agravavam as condições naturais limitativas já existentes. É nesse sentido que o art. 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, da mesma forma que o art. 1º da CDPD, aborda a deficiência e reorienta toda a legislação pátria sobre (in)capacidade jurídica, reassegurando a dignidade da pessoa humana como fundamento primordial do ordenamento brasileiro e reafirmando a autonomia da vontade da pessoa com deficiência.

Afinal, a autonomia, substrato material da capacidade de agir, constitui uma necessidade humana da qual decorrem vários direitos. Todos têm, em menor ou maior medida, uma capacidade de agir. É certo que o discernimento é a baliza que orienta o exercício dessa capacidade, especialmente, quando as escolhas que se pode fazer trazem efeitos jurídicos para a esfera pessoal ou de terceiros. O foco, porém, está no discernimento necessário e não no diagnóstico médico de uma deficiência psíquica ou intelectual per si. (MENEZES, 2015, p. 5-6)

Partindo do pressuposto de que nem todos os atos a serem praticados pelo indivíduo se enquadram na mesma seara jurídica, a capacidade ou incapacidade pode ser graduada conforme tais atos são passíveis de concretização por meio da mitigação ou substituição da vontade.

O exercício de direitos que se encontram no domínio patrimonial, a exemplo das relações jurídicas obrigacionais e as que tratam de direitos reais, envolvem questões muito mais técnicas e jurídicas e, por conseguinte, exigem um nível de compreensão/discernimento diferenciado. Além do mais, esses direitos são disponíveis, de modo que a necessidade de substituição da vontade para a sua proteção encontra maior abertura, tendo em vista a possibilidade de dispor ou renunciar do titular.

No que concerne, entretanto, aos atos civis pertencentes à esfera existencial, relativos “às preferências individuais e às circunstâncias específicas da personalidade de cada um, enfim, ao seu próprio modo de ser” (MENEZES, 2015, p.7), a substituição da vontade em função do questionamento do nível de compreensão de um indivíduo é muito mais complexa. A tomada de decisões relativas à disposição do próprio corpo, à escolha de tratamento médico, ao

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casamento, à liberdade de culto, enfim, aquelas relativas à gerência dos rumos da própria vida, encontram-se no âmbito dos direitos indisponíveis e, consequentemente, recebem maior proteção constitucional, pois são considerados alicerces para uma vida com dignidade.

Nesse passo, devido a própria natureza dos direitos pertencentes à seara existencial (indisponíveis/não-patrimoniais), torna-se inviável a substituição da vontade. A autonomia do sujeito de direito deve ser resguardada e incentivada, pois remete à própria formação da identidade do sujeito. Acrescenta-se que, não obstante incabível a representação ou assistência para realização desses atos, nada impede que o ordenamento preveja algum tipo de apoio, justamente por levar em consideração as barreiras sociais encontradas por aqueles com alguma disfunção. Foi nesse ponto que a Lei Brasileira de Inclusão mais inovou.

O Código Civil de 2002 não só dispunha a deficiência como um fator determinante para a definição da incapacidade absoluta ou relativa, nos seus arts. 3º e 4º, como também era omisso no que dizia respeito à limitação da representação ou assistência para as questões existenciais da pessoa do incapaz, muitas vezes acabando por haver uma completa anulação do incapaz frente a vontade manifesta do representante.

Ao revogar os incisos I, II e III do art. 3º do CC/02 e identificar apenas os menores de 16 anos como absolutamente incapazes, o EPD efetivou o modelo social. Tratando da deficiência, por fim, como um atributo da pessoa e não como fator definidor da incapacidade absoluta.

Ficando estabelecido apenas a idade do indivíduo, em função da sua imaturidade (não possuir o discernimento necessário), como critério objetivo limitador da prática dos atos da vida civil, ainda assim se observa que é garantida aos menores de 16 anos, dependendo do grau de compreensão da situação, a capacidade de se manifestar direta e pessoalmente sobre alguns atos pertencentes à seara existencial – a exemplo dos arts. 28, §§ 1º e 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente – independentemente de serem absolutamente incapazes.

Já no que concerne à nova redação dada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ao art. 4º do CC/02, reitera-se a capacidade plena das pessoas com deficiência.

Ao afirmar que serão considerados apenas relativamente incapazes aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade – em contraposição ao que a lei outrora identificava como absolutamente incapazes – a novel redação força uma maior especificação dos atos atingidos pela incapacidade. A regra deve sempre ser a capacidade plena, sendo a limitação do exercício de um direito terminantemente uma exceção.

Menciona-se, contudo, que diversas críticas doutrinárias foram feitas em função do novo inciso III do art. 4º do CC/02 haja vista a abrangência da sua interpretação. É o caso de um

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indivíduo em estado de coma cuja impossibilidade de expressão da vontade geraria, tecnicamente, segundo este dispositivo, apenas a incapacidade relativa. Tal situação suscita uma inconsistência lógica, pois, se não há qualquer possibilidade de manifestação de vontade, nenhum ato jurídico, seja ele de caráter disponível ou indisponível, pode ser praticado diretamente.

Ao se utilizar de uma expressão genérica (causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade), sob a justificativa de retirar os deficientes do rol de incapazes, sem maiores cuidados em relação a outras situações que poderiam ensejar o mesmo status jurídico, o legislador acabou gerando certa insegurança, acendendo ampla discussão doutrinária.

Há que se entender, entretanto, que a mudança trazida pelo EPD altera o prisma sob o qual a capacidade é interpretada. Não há um impedimento para a representação ou para a assistência propriamente, mas sim uma reavaliação da forma de auxílio, passando de um padrão assistencialista, decorrente do modelo médico, para um sistema de apoio acentuando a vontade e a capacidade de autodeterminação do indivíduo cujas inaptidões, em confronto com as barreiras sociais, dificultem ou impeçam a prática de atos da vida em sociedade. A manifestação da vontade não é o único elemento a ser considerado para determinar a incapacidade, alia-se também o contexto e o processo fático necessários para a tomada da decisão (AZEVEDO, 2017, p. 78).

Diante da revogação expressa e a nova redação dos incisos dos supracitados artigos, além do estabelecimento de algumas outras obrigações reforçando a dissociação entre deficiência e incapacidade, o EPD enfatiza a autonomia das pessoas com algum déficit funcional e garante o direito à igualdade e à não discriminação (arts. 4º e seguintes do Estatuto).

Cabe destaque, neste diapasão, ao art. 6º da lei 13.146/2015 que atesta a capacidade plena da pessoa com deficiência inclusive no que diz respeito a atos de cunho existencial.

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I- casar-se e constituir união estável; II- exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III- exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV- conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V- exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI- exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante

ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. No mesmo sentido, o art. 84 do EPD, ao tratar da possibilidade de curatela da pessoa com deficiência, evidencia a diferença na abordagem das incapacidades. Ao definir um

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instrumento de auxílio conforme a necessidade e proporcionalmente adequado ao caso concreto, reiterando seu caráter excepcional, e prever a adoção de um procedimento para tomada de decisão apoiada, segundo o qual o status jurídico – capacidade civil – não é alterado, o Estatuto da Pessoa com Deficiência indica não só a manutenção da interpretação restritiva (excepcionalidade da incapacidade) mas também a orientação do instituto da capacidade civil à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

A Lei Brasileira de Inclusão funciona como ponto-chave para a nova teoria da incapacidade justamente por buscar dar efetividade à perspectiva civil-constitucional do instituto. Porém, como dito, não é apenas uma mudança na ideologia fundante da capacidade jurídica, mas, também, uma inovação dos instrumentos utilizados para proteção e assistência do exercício dos direitos titularizados pelos incapazes.

A lei 13.146/2015 renovou o instituto da curatela, a fim de que se adequasse aos novos parâmetros ideológicos, assim como criou a Tomada de Decisão Apoiada, meio que favorece a manutenção da autonomia da vontade ao mesmo tempo em que se garante o auxílio necessário para a construção do discernimento imprescindível para a tomada de decisão.

Adiante, discutir-se-á mais detalhadamente sobre tais mudanças pois são de primordial importância para compreender como a Teoria das Incapacidades influi no debate sobre o envelhecimento e a tutela da pessoa idosa com algum tipo de incapacidade – referindo-se à perda gradativa das habilidades para realização de determinadas atividades cotidianas ou da vida em sociedade.

3.1 Institutos legais de assistência à pessoa com incapacidade

O princípio da dignidade da pessoa humana, como cláusula geral da tutela da personalidade, enseja a formação de diversos subprincípios que orientarão o tratamento da pessoa no ordenamento jurídico, dentre estes, a doutrina pátria destaca os princípios da liberdade, da igualdade, da integridade psicofísica e o da solidariedade.

Quando se fala em (in)capacidade civil e em situações que possam demandar maior proteção jurídica, está-se diante da necessidade de dar máxima efetividade aos valores constitucionais, em especial os princípios acima relatados. Assim, a possibilidade de complementação ou suplementação da vontade (por meio da representação ou assistência), devido a urgência de se ver garantido certo direito titularizado por quem não está em condições de o exercer diretamente, exige uma compreensão ampla do binômio necessidade-interesse e

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infirma que a incidência de uma restrição à capacidade de exercício deve ser adequada ao caso concretamente estabelecido e aos valores e princípios constitucionais condizentes.

Diante disso, leciona Célia Barbosa Abreu (2015, p. 35):

Quaisquer direitos fundamentais do curatelado só podem ser cerceados em nome de sua própria dignidade. As necessidades fundamentais das pessoas devem ser compreendidas em função de seus interesses, devendo ser respeitadas como manifestação de seu livre desenvolvimento e de vida. [...] A restrição sofrida pelo interditado é, efetivamente, de tal ordem que se afirma só poderá se dar para proteger os direitos e interesses constitucionalmente consagrados, que estejam em risco.

Os instrumentos previstos na legislação brasileira a fim de garantir os direitos e obrigações dos ditos incapazes, quando da determinação da necessidade de representação ou de assistência, devem ser direcionados seguindo a dignidade da pessoa humana, levando em consideração o fato de que atingem direitos fundamentais do indivíduo ao limitar a capacidade.

Assim sendo, caso seja declarada – ou constituída, dependendo da natureza que se dê ao instituto – a incapacidade do indivíduo, o instrumento de proteção previsto para legitimar terceiro como representante ou assistente do incapaz será a tutela – para os menores de idade (18 anos incompletos), quando não existirem pais ou estes foram destituídos do poder familiar – ou a curatela – “instituto protetivo dos maiores de idade, mas incapazes de zelar por seus próprios interesses, reger sua vida e administrar seu patrimônio” (DIAS, 2016).

Tendo em vista que o presente trabalho se volta a discutir as influências da nova teoria das incapacidades suscitada pelo EPD – em conjunto com o CPC/15 e a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) – na constituição e evolução de instrumentos que permitam a ampliação e manutenção da autonomia da vontade e da capacidade de autodeterminação da pessoa idosa, interessa mais as mudanças no instituto da curatela do que na tutela. O múnus público conferido aquele que assessorará o menor incapaz teria, portanto, influência meramente supletiva no debate em questão, de modo que não será minudenciado.

3.1.1 Curatela e Interdição

A curatela é o encargo público conferido por lei com a finalidade de proteger os interesses de maiores incapazes. Quando da declaração de incapacidade civil, faz-se necessária a designação de um terceiro, dito curador, a quem se atribuirá a tarefa de zelar pela pessoa e pelos bens e patrimônios do incapaz maior.

A finalidade principal da curatela é propiciar a proteção dos interesses dos incapazes, servindo também para assegurar a conservação dos negócios

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jurídicos firmados com terceiros nos quais eles figurem como parte. Consiste num múnus (do latim munus, que significa encargo, emprego ou função) que o indivíduo tem a exercer ou executar. (ABREU, 2015, p.22)

Importante definir, a priori, que interdição e curatela são situações distintas. A interdição é o procedimento que declarará o indivíduo como incapaz de reger, por si só, sua pessoa e/ou determinados atos da vida civil, em razão do seu grau de discernimento. Por conseguinte, a autoridade competente, haja vista a decretação da interdição, designará alguém para exercer a curatela, ou seja, um indivíduo que terá como incumbência auxiliar o interditado na prática de seus direitos e obrigações, o chamado curador.

Nesse lógica, destarte, a ação de interdição ampara a atribuição do encargo jurídico da curatela a alguém, ao tempo em que confirma a existência de uma incapacidade e altera o status do indivíduo de plenamente capaz para o de absoluta ou relativamente incapaz, tendo uma natureza jurídica mista, constitutiva e declaratória, cujos efeitos serão, em regra, ex nunc.

[...]a sentença de interdição tem natureza mista, sendo, concomitantemente, constitutiva e declaratória (...) no sentido de (...) declarar a incapacidade de que o interditando é portador. Mas é, ao mesmo tempo, constitutiva de uma nova situação jurídica quanto à capacidade da pessoa que, então, será considerada legalmente interditada. (DINIZ, 2012, p.210)

Quando a legislação associa a declaração da incapacidade com o grau de discernimento da pessoa, como já explanado em outros pontos do presente trabalho, está-se discutindo apenas um único aspecto da personalidade da pessoa (ABREU, 2015, p.22). O critério utilizado compõe uma restrição, pois impõe uma interpretação específica dentro da disposição legal, ao tempo em que cria uma presunção de incapacidade para determinados sujeitos sem levar em conta a conjuntura real das inaptidões e quais atos são, de fato, por elas afetados.

Nesse ínterim, a decretação de interdição possuía um parâmetro de proteção bastante limitado e específico, bastando considerar o interdito conforme a sua capacidade psíquica. Daí porque se afirma que, na leitura anterior da incapacidade civil, havia uma correlação de presunção entre incapacidade e deficiência, acentuada pela utilização de expressões imprecisas e/ou carregadas de preconceito como deficiente mental e excepcionais, discernimento reduzido

ou necessário discernimento (ABREU, 2015, p.27 e 54).

Com a adoção pela Constituição de 1988 de um prisma voltado à garantia dos direitos humanos e fundamentais, a interpretação para a aplicação da interdição começou a ser alterada, houve uma mudança paradigmática no fundamento e na utilização do instituto. Arrefeceu a ideia de que incapacidade se voltava apenas a uma condição pessoal do indivíduo, passando-se

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