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Violência doméstica: articulações entre a fantasia e a dura realidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO – DHE

ARIELE RAKOSKI ZANFRA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: ARTICULAÇÕES ENTRE A FANTASIA E A DURA REALIDADE

Ijuí (RS) 2018

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ARIELE RAKOSKI ZANFRA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: ARTICULAÇÕES ENTRE A FANTASIA E A DURA REALIDADE

Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ –, como requisito parcial para obtenção de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Íris Campos

Ijuí (RS) 2018

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, meu agradecimento em especial é para meus pais Clarice e Francisco, pelo esforço em fazer o meu sonho em realidade e principalmente pelo apoio durante todo processo de formação.

Aos meus irmãos Régis e Felipe e minha irmã Alana pela ajuda e pelo incentivo em todos os momentos durante a caminhada que foram fundamentais.

Aos meus amigos, que mesmo de longe foram fundamentais para que tudo isso fosse possível.

A minha orientadora Íris Campos, agradeço pelos apontamentos, pelo conhecimento que me transmitiu e as ideias para o desenvolvimento do trabalho.

Também agradeço a todos os professores que tive oportunidade de conhecer durante a formação, e por todos os conhecimentos transmitidos.

E por fim a todos os meus colegas, e amigos que fiz durante a graduação e que pude compartilhar desse sonho.

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“Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.” Friedrich Nietzsche

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa bibliográfica teve como objetivo compreender as faces socioculturais, históricas e psicológicas da violência doméstica, de modo a contribuir com a análise desse fenômeno mundial. Ao longo do trabalho será desenvolvido um estudo sobre a constituição feminina e seu lugar psíquico a partir de autores como Freud e Lacan, para desvendar os mistérios do inconsciente feminino. Este trabalho também busca, a partir do discurso das mulheres em situação de violência, mostrar a realidade vivida por elas e os principais motivos citados para a recorrência de violência. Desse modo, o Trabalho de Conclusão de Curso visa a refletir sobre a permanência das mulheres em relações abusivas e violentas no contexto familiar.

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ABSTRACT

The present work of bibliographic research had the objective of understanding facial, historical and psychological expressions of domestic violence. The long period of realization of a study on self-esteem and its situation of psychiatrist from authors like Freud and Lacan, to unravel the mysteries of the feminine unconscious. This work also seeks, from the discourse of women in situations of violence, to show the reality lived by them and the main reasons cited for a recurrence of violence. Thus, the Course Conclusion Work has no context about the permanence of women in violence and violence in the family context.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 AS ETIOLOGIAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ... 11

1.1 Etiologia Sociocultural ... 11

1.1.1 A construção histórica ... 13

1.1.2 As lutas no contexto histórico brasileiro ... 15

1.2 Fatores Etiológicos de Ordem Intrapsíquica ... 19

1.2.1 As vivências na infância e o controverso masoquismo feminino ... 20

1.3 A Violência que Emerge da Alcoolização ... 25

2 A VIOLÊNCIA NO CAMPO DA REALIDADE: O OLHAR DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA ... 27

2.1 Percepção das Mulheres Sobre a Violência Sofrida ... 32

2.2 Uso de Álcool e Substâncias Tóxicas como Influência ... 34

2.3 Ciúme do Agressor ... 35

2.4 Fatores de Permanência nos Relacionamentos Violentos ... 37

2.5 Transmissão da Violência nas Famílias de Origem ... 40

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 43

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INTRODUÇÃO

O estudo sobre a violência doméstica contra as mulheres passou a ser de meu interesse quando notei, ao longo da Graduação em Psicologia, que muitas pessoas não tinham conhecimento desse problema mundial que está a nossa volta, e que não percebemos os prejuízos desses acontecimentos.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, no “Relatório Mundial sobre Violência e Saúde” divulgado em 2002, a violência é caracterizada como “o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (KRUG et al., 2002, p. 5). Dessa forma, a violência pode ser vista como a violação dos direitos humanos de alguém que envolve algumas condições impostas pela própria sociedade, atentando contra a liberdade, o direito à vida e à integridade do sujeito, prejudicando-o em várias esferas da vida, trazendo prejuízos irreparáveis à saúde e danos psicológicos, morais e sociais.

A violência doméstica contra a mulher é um fenômeno mundial que revela índices alarmantes a cada ano. As regiões do mundo que menos garantem os direitos das mulheres são a África Subsaariana, a Ásia Meridional e o Oriente Médio. A Rússia destaca-se por ser o país menos seguro para elas. Já a Europa é o continente onde mais se pune esse tipo de violência e, como consequência, em 2017 teve o maior índice de denúncias (EL PAÍS, 2018).

Desse modo, a violência doméstica deve ser estudada e, principalmente, ter suas causas conhecidas, para que os profissionais possam entender e trabalhar todas as formas de violência em todos os lugares do mundo.

Este trabalho versará sobre a violência doméstica nas relações interpessoais ou a violência conjugal. Trata-se de uma violação dos direitos humanos, e tem esse nome por ocorrer dentro dos lares, geralmente do parceiro ou ex-parceiro contra uma mulher.

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Essa transgressão dos Direitos Humanos significa que alguém cometeu um ato contra a vida de outro sujeito, podendo prejudicar as pessoas que estão envolvidas, causando várias espécies de danos.

A violência doméstica contra a mulher, desde 2006, foi reconhecida juridicamente com a criação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340), que visa a coibir todo e qualquer tipo de violência contra a mulher. As formas de violência doméstica contra a mulher são: violência física, psicológica, sexual e moral.

Entre essas formas de violência, a mais conhecida, tanto pelas mulheres quanto pelos homens, é a violência física, que aparece com mais visibilidade, embora haja mais de uma forma de violência. Segundo dados do Relógio da Violência de 2018 (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2018), a cada dois segundos uma mulher sofre violência física no Brasil e, geralmente, ocorre mais de um tipo de violência atrelado às relações, e que são perpetuados contra as mulheres.

A violência psicológica é a mais desconhecida de modo geral, pois não é vista, apenas é vivida pelas pessoas, que, em muitas situações, acreditam ser algo que faz parte dos relacionamentos. A mulher que está em situação de violência psicológica pode vir a não saber de que forma pedir ajuda, principalmente se ela não reconhece que estes atos são oriundos de uma construção cultural e que no interior dos sujeitos inscrevem marcas traumáticas. As consequências desse sofrimento podem até resultar em suicídio.

Qualquer uma das formas de violência traz danos à saúde e psicológicos, uma vez que a violência não está caracterizada somente no real, mas, também, no imaginário, causando marcas invisíveis. Essas marcas não podem ser vistas pela sociedade, fazendo com que as pessoas acreditem que não aconteçam.

Por esse motivo, o estudo desse assunto é de suma importância no cenário brasileiro atual, principalmente para a Psicologia, pois é necessário um olhar diferenciado e um trabalho de todos os profissionais da saúde pública, em especial dos psicólogos, que precisam ter um olhar atento a esses acontecimentos.

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No Capítulo 1 deste trabalho, chamado de “As Etiologias da Violência contra a Mulher”, farei uma introdução ao assunto de violência a partir da história de luta das mulheres para o reconhecimento de seus Direitos Humanos e sua valorização perante a sociedade e, posteriormente, das etiologias que resultam da violência contra as mulheres.

Farei, ainda, um estudo da constituição psíquica das mulheres a partir da Psicanálise fundada por Freud (1856-1939). Desde Freud, os autores psicanalistas foram importantes ao longo do trabalho para desvendar os mistérios da formação inconsciente das mulheres. Eles não escreveram propriamente sobre violência, mas se debruçaram sobre o inconsciente, sobre as fantasias do espancamento infantil e como se constituem as possibilidades intrapsíquicas de, na condição feminina, a mulher se tornar objeto do desejo de outro sujeito. Neste sentido, este texto busca esclarecer as questões que envolvem o conceito de masoquismo feminino, e desde já se pode anunciar que a compreensão deste conceito, com bases cientificas, difere em muito daquilo que circula no discurso do senso comum.

No segundo capítulo, nomeado de “A violência no campo da realidade: o olhar da mulher em situação de violência”, trarei a violência conjugal a partir da fantasia (intrapsíquica) para a realidade, mostrando que as fantasias são inconscientes e, por esse fator, os sujeitos, no caso as mulheres, não conseguem entender o motivo real de não tomar uma atitude ante o agressor.

A partir da obra de Zancan, Wassermann e Lima (2013), mostrarei o estudo de relatos coletados de mulheres que passaram por várias situações de violência e os motivos pelos quais sofriam agressões frequentemente de seus parceiros; abordarei as temáticas que envolvem os fatores pelos quais as mulheres se encontram nessa situação e de que maneira isso ocorre e se perpetua em sua vida e nas vida dos próprios agressores e familiares diante da transmissão psíquica.

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1 AS ETIOLOGIAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

1.1 Etiologia Sociocultural

Nos dias atuais, uma das maiores causas socioculturais da violência é a desigualdade cultural de gênero, quando há dominação dos homens sobre as mulheres em uma sociedade de concepções machistas. Essa desigualdade de gênero está ligada a fatores socioculturais que impõem certos comportamentos ligados tanto à mulher quanto ao homem, que determinam para a mulher passividade, fragilidade e submissão, e ao homem força, racionalidade e dominação. A violência contra a mulher está ligada a construções históricas de gênero (identificando no homem uma figura de proteção e provedor da família e na mulher vinculação ao espaço familiar e educação dos filhos). Desse modo, a mulher, na posição de subjugação, acaba perpetuando essa representação aos filhos. Segundo Lopes (2009, p. 43), “a violência contra a mulher na sociedade atual mantém-se mediada pela ideologia patriarcal, todavia configura-se em relações sociais de gênero, as quais envolvem constructos históricos e sociais processados no decorrer da história da humanidade”. A mudança nos papéis de homem e mulher na sociedade moderna traz como consequência a violência, pois, em alguns casos, o homem não sabe como lidar com essa nova realidade e acredita estar perdendo seu domínio, usando a força para tê-la novamente.

A violência denominada doméstica e familiar é, portanto, uma das faces da violência de gênero, sendo conceituada como toda ação que prejudica o bem-estar, a integridade física e psicológica e o desenvolvimento de um membro da família no contexto doméstico. Ela pode apresentar-se em relações de parentalidade (que se caracteriza pela violência que cause danos físicos e/ou psicológicos de pais contra seus filhos), de conjugalidade e nas relações deterioradas, quando os filhos agridem seus pais, independente da classe social, raça, cor, idade, religião, entre outros, e está presente em toda a sociedade brasileira.

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Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Data Popular (2013), a violência contra a mulher no Brasil, em muitos casos, é uma questão de conjugalidade. Atualmente, 54% da violência contra a mulher é praticada pelos parceiros ou ex-parceiros, dentro dos seus próprios lares. Esse estudo mostra, também, que em 70% dos casos a mulher sofre mais violência dentro de casa do que em espaços públicos. Em outros países, como África do Sul, Austrália, Canadá, Estados Unidos e Israel, aparecem índices alarmantes de violência cometida contra a mulher, como mostra o Relatório Mundial da Saúde de 2002 (KRUG et al., 2002), evidenciando que entre 10% e 52% das mulheres foram assassinadas por parceiros ou maridos em relacionamentos de constantes agressões.

Em 2001, a Rede Nacional Feminista da Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos elaborou o Dossiê Violência Contra a Mulher: panorama sobre a violência de gênero, que aponta os motivos pelos quais a mulher não procura ajuda: em 61% dos casos acreditavam ser um assunto particular; 6,7% se sentiam envergonhadas e 32% não acharam necessário ou que não seriam reconhecidas como vítimas (REDE FEMINISTA DE SAÚDE, 2001 apud LOPES, 2009). As mulheres são constituídas de vínculos afetivos, principalmente com os filhos, e, no intuito de protegê-los, elas podem apresentar comportamentos diferentes, não revelando que estão passando por situações de violência.

Para Day et al. (2003), a violência praticada pelos parceiros compõe fatores pessoais como: o homem ter presenciado violência conjugal quando criança, ou seja, foi exposto a conflitos familiares entre os pais, pois sabe-se que, segundo estudos, 88% dos agressores foram apresentados à violência conjugal quando pequenos, e ter sofrido abuso e/ou maus tratos na infância. Bawernett e Fagan (1993) e Dutton, Starzomski e Ryan (1996 apud AZEVEDO, 2013), acreditam que o abuso físico e psicológico em crianças está relacionado ao desenvolvimento posterior de comportamentos de violência conjugal, mais precisamente em 39% dos casos, e, por último, ao uso de álcool e/ou drogas, com estudos que mostram que quase 50% dos agressores utilizam essas substâncias, comprovando que elas podem alterar o comportamento, deixando o sujeito mais agressivo, tendo como resultado a violência, principalmente contra a família.

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Considerando que as construções de gênero são construções culturais, pensar a violência de gênero requer compreender a cultura. De acordo com Freitas (2016), a cultura é uma comunhão de costumes, crenças, idiomas e outros conhecimentos adquiridos ao longo do tempo e transmitidos de uma geração para outra. Dessa maneira, o que está introduzido na cultura são fatores que induzem as mulheres a acreditarem não estar fazendo seu papel de boa esposa, de boa mãe, e, por isso, são “culpadas”. Pensando desse modo, essa mulher pode passar a ser considerada objeto e não sujeito, o que pressupõe que, sendo objeto, ela ficaria submissa ao outro, não usando seus direitos como pessoa, permanecendo refém de uma condição sem consciência de que pode sair desse lugar. No geral, a cultura da violação contra as mulheres já as colocam nessa posição de objeto. Assim, elas acabam aceitando a violência como uma condição normal de existência. Neste sentido, combater a violência contra a mulher não é um movimento simples de mudança, mas requer que novas bases culturais e também intrapsíquicas sejam desenvolvidas.

Para pensar as construções de gênero, raízes do fenômeno da violência doméstica, apresentarei, a seguir, alguns pontos do percurso histórico.

1.1.1 A construção histórica

A partir dos estudos de alguns autores, como Pinsky e Pedro (2003) e Piazzeta (2001), verificamos que, até o século 18, a maior parte dos homens não acreditava que as mulheres tinham direito à igualdade, fraternidade e liberdade.1 Para eles, elas exerciam apenas o papel de esposa e mãe, com o ideal de mulher silenciosa e submissa ao outro, e a mulher independente era condenada pela sociedade. Nesse século, a mulher era somente destinada ao lar e ao cuidado dos filhos.

Nos séculos 17, 18 e 19, no período da Revolução Francesa e do Iluminismo, houve poucos pensadores que defendiam a ampliação dos papéis das mulheres e muitos os que acreditavam que elas eram inferiores aos homens, principalmente nas esferas da razão e da ética, afirmando, portanto, que estas estavam subordinadas aos homens.

1 Grafado em itálico para dar destaque aos termos que representam os ideais da burguesia revolucionária

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Durante a Revolução Francesa (1789-1799), contudo, as mulheres participaram ativamente dos movimentos iniciais, reivindicando o acesso ao ensino, ao emprego e a frequentar lugares públicos. Na política entraram mesmo sem ter os direitos reconhecidos formalmente, influenciando outras mulheres na situação revolucionária. Desse modo, a Revolução Francesa deixa marcas na história das mulheres e na luta pelos direitos iguais entre os sexos.

Pelo final do século 19 e início do 20, as lutas dos séculos anteriores tomam mais força e se começa a obter consciência das ideias feministas nacional e internacionalmente. De fato, o século 20 foi chamado de o “século das mulheres”, pois foi nele que as maiores conquistas foram realizadas, porém não plenamente. Em busca do direito à igualdade entre mulheres e homens, elas lutaram sozinhas, em movimentos sociais e feministas.

O movimento feminista, apesar das inúmeras vertentes e multiplicidade de conquistas no âmbito dos direitos de mulheres e homens, tem como mérito a denúncia feita sobre a discriminação da mulher e o fato de evidenciar a desigualdade de direitos, a opressão e a subjugação das mulheres na sociedade patriarcal (LOPES, 2009, p. 73).

O direito de voto das mulheres, conquistado com muitas dificuldades, foi adquirido durante o século 20. Havia muitos preconceitos que admitiam que as mulheres não eram seres racionais e, desse modo, não deveriam votar e, muito menos, exercer a política.

Até o início do século 20, o voto, na quase totalidade dos países, era um direito exclusivo dos homens – especialmente de homens ricos. No cenário de grandes transformações que foi o século 20, as ativistas que se mobilizaram pelo direito feminino à participação política ficaram conhecidas como sufragistas.

Entre 1890 e 1994, mulheres da maioria dos Estados adquiriram o direito de votar e se candidatar a um cargo público. Ainda assim, tempo e espaço são duas variáveis que diferem muito quando tratamos dessa conquista: o que em 1906 foi uma grande vitória para as finlandesas, aconteceu na África do Sul somente em 1993 e na Arábia Saudita em 2011.2

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Durante a Primeira Guerra Mundial as mulheres foram fundamentais na substituição da mão de obra masculina na produção das indústrias, mudando, por fim, a ideia de que elas poderiam servir apenas para afazeres domésticos e para a maternidade.

1.1.2 As lutas no contexto histórico brasileiro

No percurso histórico as mulheres lutaram e continuam lutando pela sua cidadania de forma igualitária entre os sexos. Nesse sentido, Giulani (2011), em seu texto “Os movimentos das trabalhadoras na sociedade Brasileira”, certifica que as mulheres enfrentaram a sociedade para a consolidação de sua cidadania e a exigência de seus direitos.

Segundo Nunes (2011), à exceção das mulheres pobres, as freiras foram as primeiras a exercer uma profissão, enquanto o restante das mulheres cumpria somente as funções do lar. Desde os tempos coloniais, porém, a figura do homem e da mulher é vista de forma diferente perante a religião até os dias de hoje, principalmente porque a sociedade e a igreja impõem a eles comportamentos diferentes.

Apesar de os homens serem os únicos a ocupar um lugar nas instituições católicas, ditando as regras de vida das mulheres nesses locais, “nem por isso as religiosas podem ser tomadas por passivas receptoras do discurso masculino e seguidoras fiéis de práticas determinadas por eles” (NUNES, 2011, p. 482).

Esse fato não significa que todas as mulheres religiosas seguem essa imposição, pois, no decorrer do tempo, houve variadas mudanças que mostram a ação dos sujeitos implicados nessas relações sociais. É importante ressaltar, todavia, que a igreja sempre tentou ajustar suas proposições em todo contexto histórico, mantendo os indivíduos nesse processo. Segundo a autora supracitada, a história feminina religiosa foi marcada por relações de transgressão, passividade e submissão.

Para Fonseca (2011), as mulheres pobres, citadas anteriormente, viviam numa realidade diferente da burguesia, que se ocupava dos afazeres domésticos e da educação dos filhos. A mulher pobre obrigava-se a ir para a rua trabalhar, uma vez que somente o salário dos maridos era insuficiente para o sustento, e as separadas ou solteiras não tinham condições de depender dos parentes para suas necessidades.

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As mulheres trabalhadoras frequentemente eram julgadas pela sociedade como “mulheres públicas” e mães que não cuidavam direito dos filhos. O trabalho feminino era totalmente mascarado pela sociedade, minimizado e ocultado de todas as formas; quando relatado era chamado de “serviços domésticos”, pois nem nome o trabalho dessas mulheres tinha. Para além disso, em quase todos os lugares que essas mulheres trabalhavam havia o assédio sexual, de forma que tinham de defender sua reputação contra essa moralidade imposta para poder continuar trabalhando.

Nessa época as mulheres estavam sujeitas à violência, pois existia uma repressão sobre elas para manterem os bons costumes. As mulheres pobres e solteiras eram repudiadas na sociedade, e, consequentemente, eram as mais atingidas pelo sistema controlador. As mulheres burguesas eram levadas a aceitar a vida familiar tradicional, devendo obediência ao marido, que sempre foi considerado dominante pela cultura; logo somente poderiam sofrer violência dentro dos próprios lares, de maneira que isso era ocultado na família para não gerar escândalos (SOIBET, 2011).

Giulani (2011) nos leva a pensar que nos anos 30 do século 20, as reinvindicações de cidadania, como os direitos trabalhistas e a proteção previdenciária, representavam apenas os homens e não incluíam a vida fora da indústria, e muito menos a vida das mulheres trabalhadoras. Para além disso, a cidadania se restringia aos homens, de forma que o trabalhador era bem-visto, e as mulheres ficavam quase invisíveis nas péssimas condições de trabalho em que eram colocadas e, “muitas vezes, as trabalhadoras nem são reconhecidas como parte da população economicamente ativa; sua contribuição social reduz-se ao papel de mantenedoras do equilíbrio doméstico familiar” (GIULANI, 2011, p. 641).

A autora (2011) também destaca que o direito de voto das mulheres brasileiras foi conquistado em 1932 pelas vozes femininas. Estas, desde a Colônia, estavam presentes nas conquistas da cidadania das mulheres durante a abolição dos escravos, instauração da República e outras.

Apesar do moralismo social, que ainda julgava que as mulheres que saíam de casa para trabalhar não seriam boas esposas e mães, a modernidade e a crescente industrialização capitalista trouxe benefícios imensos para as mulheres, aumentando o

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número de trabalhadoras fora de casa. Esse tema começou a ser discutido na sociedade, principalmente entre médicos e higienistas,3 que acreditavam que o trabalho para as

mulheres iria degradar a família.

Nos anos 60 a ditadura militar brasileira continuava acentuando as diferenças entre homens e mulheres, e alguns direitos estabelecidos somente tinham como público-alvo a família que, por sua vez, era entendida como uma organização cujo centro era o chefe de família, ou seja, um homem era a autoridade que representava os interesses e necessidades da família. Neste tempo também havia muitas críticas sobre as condições de trabalho e a duração da jornada de trabalho, considerada muito longa.

No período entre 1979 e 1985, vencida a ditadura militar, há uma ruptura no movimento sindical, ocorrendo uma redemocratização do país, fazendo as práticas sindicais serem renovadas. Dessa forma, “não podemos deixar de reconhecer que as aspirações à cidadania no mundo do trabalho, as que buscam proporcionar iguais oportunidades entre homens e mulheres, passam por um demorado silêncio, interrompido entre 1979 e 1985” (GIULANI, 2011, p. 644).

Nessa época, além das reivindicações pela renovação da cultura sindical, também houve união entre os grupos de mulheres trabalhadoras e grupos feministas, fazendo com que as discriminações e a separação entre homens e mulheres fossem expostas com denúncias e, principalmente, demandas sobre novos direitos. Desse modo, as mulheres criaram o pensamento de mudança e de debates sobre a cultura sindical do momento, conseguindo, assim, chegar à representação em vários âmbitos da sociedade que, anteriormente, eram ocupados somente por homens. A partir dos anos 90, as mulheres lutavam para aumentar a igualdade de gênero entre os trabalhadores e queriam uma maior participação na formação sindical.

A conquista dos espaços públicos pelas mulheres demorou décadas para ser construída e respeitada pela sociedade em geral.

3 Termo utilizado para quem se especializou em higiene, parte da medicina que busca resguardar a saúde,

criando medidas para a prevenção de doenças. A expressão higienista refere-se também a práticas de controle social baseadas em representações morais que eram apresentadas como se fossem determinações técnicas. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/higienista/>.

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Só muito recentemente a figura da “mulher pública” foi dissociada da imagem da prostituta e pensada sob os mesmos parâmetros pelos quais se pensa o “homem público”, isto é, enquanto ser racional e dotado de capacidade intelectual e moral para a direção dos negócios da cidade” (RAGO, 2011, p. 603).

Nesse sentido, as construções das lutas pelas mulheres trabalhadoras têm como principal questão assegurar os direitos da condição de ser mulher, de diminuir as desigualdades entre os gêneros e de ser respeitada em todas as esferas públicas.

Essas desigualdades de gênero ainda têm persistido no mercado de trabalho nos dias atuais de forma acentuada. O número de mulheres trabalhadoras tem aumentado, mas ainda está em grande desvantagem sobre os homens, e os níveis de desemprego entre as mulheres também é maior em relação aos homens, apesar do índice de escolarização entre elas ser maior.

Segundo Bruschini e Puppin (2004), em um estudo sobre o trabalho de mulheres executivas no final do século 20, apesar da mudança social e cultural ocorrida não somente no Brasil, mas em todo mundo nos últimos séculos, a remuneração de trabalho em relação a homens e mulheres tem sido motivo de grandes debates, de modo que há pouco reconhecimento das mulheres que trabalham na mesma função que os homens nos dias atuais.

As remunerações recebidas pelas mulheres quando se trata das horas trabalhadas, ocupação e os anos de estudo, mostram que as mulheres ficam bem abaixo, e “em todas as situações analisadas as desigualdades salariais repetem-se e constituem a marca indelével da discriminação que ainda paira sobre as trabalhadoras, apesar das conquistas” (BRUSCHINI; PUPPIN, 2004, p. 109).

Podemos refletir que, mesmo com as mudanças ocorridas na sociedade durante essas décadas, a violência introduzida na cultura não cedeu, de modo que é transmitida. Assim, seu efeito gera questões subjetivas e culturais que são passadas pelas gerações. Wagner e Falcke (2001) colocam em destaque a repetição de padrões destrutivos aprendidos nas famílias de origem, trazendo que a construção da subjetividade de cada sujeito se dá pelas vivências desde o nascimento, passando pelas questões da geração, da família e do grupo social. A transmissão psíquica geracional é transmitida pelo material psíquico, que poderá ser passado de forma intergeracional, quando será transmitido pela geração mais próxima, ou de forma transgeracional, em que o material psíquico não simbolizado será transmitido de sua herança genealógica.

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1.2 Fatores Etiológicos de Ordem Intrapsíquica

Para Jerusalinsky (1995), é na relação primordial com o Outro que o sujeito se constitui e entra na pulsão pela via da agressividade. Dessa forma, “supor o Outro em tal posição de agressão leva o filhote a sua ‘agressivização’ primária, na qual ele procura provocar no Outro ou encontrar no Outro, a escavação que, inicialmente, suporta passivamente” (p. 7). O autor diferencia agressividade de violência; ele menciona que a violência como ato não é o mesmo que essa “agressivização” primordial, no entanto a violência é uma condição de ter no valor simbólico de reconhecimento, fazendo com que esse sujeito se espelhe no seus objetos.

Segundo o autor, “a violência, surge como possibilidade para denominar o rompimento do estatuto simbólico que rege para esse sujeito tanto a condição do ser como a condição do ter” (JERUSALINSKY, 1995, p. 9), ou seja, o fracasso do amparo simbólico para o sujeito. Isso ocorre quando ele não encontra no discurso social o reconhecimento do Outro para legitimar suas ações, ocasionando a passagem ao ato, ou seja a violência no real.

A transmissão do não dito também está presente nesse contexto cultural das famílias, pois existe uma analogia entre o dizer e o não dizer sobre os acontecimentos e sofrimentos do passado. De acordo com Rosa (2001), os pais acreditam que somente se transmite o que se diz e, assim, devem expressar apenas coisas boas e que podem construir um futuro, deixando o passado doloroso de lado, o que evitaria que os filhos tivessem experiências traumatizantes. Freud entendia que esses traumas eram relacionados com alguns elementos da fantasia do sujeito e que não foram elaborados pelo ego. Esses elementos, porém, não podem ser elaborados pelo ego, posto que o sujeito não dispõe de significantes que lhe permita elaborar as questões não ditas, e, dessa forma, o sujeito permanece refugiado no narcisismo, termo que Freud utiliza para expressar a atitude de amor a si ou ao próprio corpo, pois ele somente terá os próprios significantes para a elaboração desses conflitos.

O corte ou a ressignificação na transmissão geracional da violência pode se dar a partir de uma análise. Freud (1914), em seu texto “Recordar, repetir e elaborar”, nos apresenta que o repetir experiências do paciente na análise torna o material recalcado

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consciente e, assim, seria possível fazer elaborações desses conteúdos transmitidos pelas gerações. Se não houver a elaboração é possível que o sujeito fique preso na perpetuação dessas vivências e continue repetindo sem elaborar esses conteúdos. Para Freud, a repetição pode ser vista pela questão da escolha do parceiro conjugal, que está vinculada com essas experiências traumáticas, que geram o aprisionamento com situações de dor e sofrimento.

Esta elaboração das resistências pode, na prática, revelar-se uma tarefa árdua para o sujeito da análise e uma prova de paciência para o analista. Todavia, trata-se da parte do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão (FREUD, 1919 p. 171).

Freud também menciona que o analista deve entender a resistência do paciente e, por isso, não apressar o tratamento, uma vez que, para elaborar sua resistência, ele precisa conhecê-la. Somente quando a resistência está no auge é que o analista pode trabalhar com o paciente a fim de descobrir os impulsos instintuais reprimidos que estão promovendo a resistência.

1.2.1 As vivências na infância e o controverso masoquismo feminino

Lima (2010) afirma que a repetição dos relacionamentos conjugais se refere a aspectos conscientes e inconscientes, e nas escolhas conscientes o casal consegue ter percepção sobre os motivos que fizeram escolher o parceiro. Nos aspectos inconscientes, pela psicanálise, ocorre principalmente por questões das vivências de cada um na infância, e que as relações que o sujeito estabelece com o outro são produções das relações primordiais que desenvolveu com o próprio Eu. Conforme a autora, a escolha conjugal, marcada pela repetição, gera um efeito de aprisionamento psíquico, ou seja, são relacionamentos baseados nas vivências inconscientes e resultam em comportamentos e sentimentos que reatualizam conteúdos inconscientes incontroláveis pelo sujeito, uma vez que não são de seu conhecimento.

Segundo Soler (2005), Freud percebia que a feminilidade da mulher provém de “ser castrada”; então, mulher é aquela que a falta fálica incita a se voltar para o amor do homem que, inicialmente, é o pai, e depois se volta para o cônjuge. Sendo assim, a menina, ao se ver privada do pênis, torna-se mulher quando espera o falo daquele que o tem.

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Freud, em “Uma criança é espancada” (1919), analisa quatro casos femininos e dois masculinos, mas não se detém neles nesse texto; utiliza os casos das mulheres por ser em maior parte no seu material, e a ideia de que a fantasia de espancamento nos homens é de outra ordem. Para ele, é necessário o conhecimento da infância até os cinco anos de idade, por ser nessa época que aparecem fatores libidinais congênitos e a importância das primeiras experiências, posto que podem atravessar um processo de desenvolvimento e configurar um histórico subjetivo, e que “diz respeito à relação com o autor da fantasia, e quanto ao seu objeto, conteúdo e significado” (FREUD, 1919, p. 200).

Em seu texto introduz o conceito de masoquismo, explicando as cenas fantasiadas da infância, em especial a fantasia de “uma criança que é espancada”. Nesta fantasia ocorre uma fixação da energia libidinal em muito prazer, descarregado num ato de satisfação autoerótico. Ele percebia que, comumente, uma criança se sentia excitada quando via cenas reais de outra criança sendo espancada, ou que “essa experiência, se as fantasias estavam então dormentes, despertava-se de novo, ou, se ainda estavam presentes, reforçava-as e modificava-lhes perceptivamente o conteúdo” (FREUD, 1919, p. 196).

De acordo com Freud, essas cenas são fantasias compostas por três atores principais: uma criança que é espancada (1), um adulto que bate (2) e uma criança que assiste direta ou indiretamente à cena, a criança rival (3). Freud evoca estas fantasias como inerentes à condição das meninas.

Ele percebeu, diante dos casos analisados, que havia um ódio por parte da criança quando alguém conseguia conquistar o amor do pai, para além da rivalização com a mãe. Então, a ideia do pai batendo numa outra criança (a criança rival) é agradável porque significa que o pai não ama essa outra criança, ama apenas a ela. É nessa primeira fase que a fantasia é de natureza sádica.

Na segunda fase há uma mudança, pois a fantasia passa de sádica para masoquista. Em razão do recalcamento, passa a existir um sentimento de culpa na criança que apanha. Quem bate continua sendo o pai, mas a criança que cria a fantasia é quem está agora sendo espancada; a criança que assiste passa a utilizar a frase “não, ele não ama você, pois está batendo em você”. O castigo ocorre pela fantasia da relação proibida, havendo uma excitação libidinal, própria do masoquismo.

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A terceira fase é da elaboração psíquica em defesa do eu, que se assemelha a primeira fase. Quem bate não é o pai, mas sim alguém de autoridade conhecida da criança, um substituto do pai, e a criança que cria a fantasia passa a não aparecer na cena. Neste momento quem apanha é sempre menino. A fantasia e seu agente ganham caracteres sádicos porque sofreu repressão na segunda fase, que era de natureza masoquista.

Para Freud (1919), a fantasia de espancamento não esclarece todas as questões postas pelo masoquismo, porém conclui com ela que o masoquismo não se origina de uma manifestação primária, mas do sadismo voltado contra o eu (self), vindo de uma repressão para o ego. Dessa maneira,

Pode-se ter como certo que os instintos com propósito passivo existem, particularmente entre as mulheres. A passividade, contudo, não é a totalidade do masoquismo. A característica do desprazer também pertence a ele – um desconcertante acompanhamento para a satisfação de um instinto. A transformação do sadismo em masoquismo parece dever-ser à influência do sentimento de culpa que participa do ato de repressão (FREUD, 1919, p. 209).

Essa repressão ocorre de três maneiras: torna o conteúdo da organização genital inconsciente, regride essa organização ao estágio anterior sádico e transforma o sadismo em masoquismo, e, segundo Freud, esse último continua sendo passivo, pois o sentimento de culpa que aparece é resultado do conteúdo que foi reprimido.

Freud (1919) acreditava que não ocorria nenhuma mudança significativa na regressão da fantasia inconsciente original, pois “o que quer que seja reprimido a partir da consciência, ou nela substituído por alguma outra coisa, permanece intacto e potencialmente operativo no inconsciente” (FREUD, 1919, p. 214).

Freud confia que a regressão se modifica também no inconsciente, por isso no menino e na menina a fantasia masoquista de ser espancado pelo pai continua presente no inconsciente depois de ser reprimida.

Considerando os escritos de Freud, percebemos que não há mulheres masoquistas no sentido de gostar de apanhar, de ser violentada, tal como se estabelece no discurso popular, mas há uma concepção de que no masoquismo o sujeito se coloca no lugar de objeto e na posição de “faça o que quiser de mim”. No caso da mulher, essa

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posição em sua relação com o desejo do homem, que visa a gozar com dor, não necessariamente está associada ao masoquismo sexual, posto que Freud acreditava que o masoquismo das mulheres coincidia com uma posição feminina.

Para diferenciar o problema da feminilidade e das fantasias e práticas perversas, Soler (2005) ressalta que:

Inscrevem a equivalência imaginária que Freud descobriu entre o “fazer-se espancar” do masoquista e o que ele chama de “papel” feminino da relação sexual. Para ser tratado como objeto do pai – expressão que Freud torna equivalente a fazer-se tratar como mulher –, o masoquista não tem outro recurso senão fazer-se espancar (p. 60).

Segundo a autora, Freud, trazendo o gozo como fantasia em “Uma criança é espancada”, fala das “encarnações do objeto: o filho dependente, o filho malvado, e a mulher na medida em que é castrada ou submetida ao coito” (SOLER, 2005, p. 59), e invoca que o masoquismo como forma de gozo substitui a questão do ser espancado por ser amado; e ser objeto de forma masoquista e ser objeto na relação sexual são duas formas de desejo e de gozo diferentes.

Soler se pergunta: Por que trazer a mulher como masoquista? A mulher e o masoquista se doam como objeto, mas não necessariamente perpassam pelo mesmo desejo. A mulher não é seu próprio desejo e sim o desejo do outro e, dessa forma, ela somente deve consentir no sentido de se deixar ser desejada. Pensando assim, o desejo fica estagnado quando esse sujeito passa a ocupar o lugar do objeto. O masoquista aparece como um objeto de troca, um dejeto que tomba, já a mulher, “ao contrário, reveste-se do brilho fálico para ser o objeto agalmático” (SOLER, 2005, p. 63).

Na mesma posição feminina para ser o objeto agalmático, a mascarada masoquista (intitulada por Lacan em Televisão (1973) a partir do conceito de mascarada feminina criada por Joan Rivière em 1929) é um recurso para constituir um laço com o Outro e anunciar sua falta. Essa mascarada é uma mudança no sentido da castração inconsciente, pois está vinculada ao campo do amor, uma vez que a castração imaginária do objeto é uma escolha objetal no homem, ou seja, a mascarada se adequa a essa condição da escolha do homem.

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A mascarada feminina se submete às condições de amor do Outro para que o homem encontre nela o desejo, de forma que a castração é a única condição de desejo evidente para todos.

Fazer-se mascarada é um dos artifícios utilizados pelas mulheres, que, segundo Rivière (1929 apud GRANT, 1998), é empregado para recobrir o lugar de vazio encontrado nessa posição, pois, como castrada, ela assume a posição feminina como uma máscara e, para Rivière, as mulheres aspiram uma masculinidade e se revestem de uma máscara feminina para fugir da angústia vivida.

Feminilidade como máscara para dissimular a masculinidade que lhe é inerente, é esta a grande contribuição de Rivière neste artigo. Não haveria, portanto, diferença entre feminilidade verdadeira e a que se reveste da máscara. Feminilidade é da ordem do uso de uma máscara – máscara de aparência feminina (GRANT, 1998, p. 255),

Uma parte da mulher é considerada por Rivière fora da função fálica, ou seja, fica fora da linguagem e, nesse sentido, se faz o sintoma em forma de sofrimento e angústia. Desse modo, “a máscara da feminilidade, seus adornos, teria uma função de tela para recobrir aquilo que está para além do gozo fálico – a vacuidade, o nada” (GRANT, 1998, p. 258).

Podemos pensar que a máscara feminina é um recurso utilizado inconscientemente em virtude da rejeição de uma parte da feminilidade para continuar deslumbrando do lugar fálico, ou seja, do lugar do vazio. Nesse mesmo sentido, a mascarada tem em comum com o objeto agalmático a fundamentação da sua falta.

Dessa maneira, as mulheres não são masoquistas; elas não buscam visar o Outro além do semblante; pelo contrário, dispõem de quase tudo por um homem e, para elas, está tudo bem quando “enfeita” a fantasia para obter o desejo dele. A mulher, na desistência em favor do objeto, renuncia a sua “liberdade” em benefício do homem amado. Essa mulher está subordinada a sua satisfação narcísica que se realiza por meio do outro, ou seja, por intermédio desse homem amado.

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1.3 A Violência que Emerge da Alcoolização

No que se refere aos fatores pessoais relacionados anteriormente, apresentarei algumas considerações sobre o alcoolista na transmissão da violência. Conforme Melman (1992 apud MEES, 1995), o alcoolista coloca sua mulher no lugar de mãe e tem ciúme dos filhos, por que acredita que a mulher dá a eles esse objeto como gozo e reconhecimento, sendo, assim, privado dele. Na transmissão subjetiva acaba se passando de mãe para filha o lugar de objeto, e de pai para filho o lugar de identificação violenta, transmitindo a força.

Mees (1995), em seu texto “A violência familiar no alcoolismo”, propõe que a reflexão desse assunto seja atribuída ao sintoma social que não está ligado a questões de gênero e de poder. Segundo ela, quando nos referimos ao alcoolismo e sua relação com a violência doméstica não se pode pensar em um caso isolado mas, sim, de repetição,4 pois se trata da relação desse sujeito com o Outro, da ausência de

reconhecimento social sobre ele.

O alcoolista pode ser visto como possuidor de todas as formas de gozar e, dessa maneira, relaciona-se com a imaginação da obtenção de poder e de reconhecimento e se fixa nela. Essa relação acaba se reproduzindo com a sua mulher pelo fato de contrapor seu reconhecimento como pai, posto que é a partir do discurso da mulher que o homem pode ocupar esse lugar. Quando não encontra na mulher o consentimento desse lugar de reconhecimento e gozo, isso se volta para ela em forma de violência.

Zappe e Dias (2016) afirmam que a drogadição e a passagem ao ato configuram uma fragilidade na estruturação psíquica. Nesse sentido, o funcionamento psíquico tem sua origem na constituição do sujeito, que se dá desde a relação com o Outro, em que ele pode encontrar um suporte para seu desamparo. Quando a mãe encontra-se desemparada em relação às satisfações de suas próprias necessidades, ela não será capaz de oferecer essa rede de amparo ao bebê, tornando o processo de diferenciação

4 A ideia de repetição foi definida por Freud para dar conta de um processo inconsciente e, como tal,

impossível de dominar, que obriga o sujeito a reproduzir sequências (atos, ideias, pensamentos ou sonhos) que, em sua origem, foram geradoras de sofrimento, e que conservaram esse caráter doloroso (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 656).

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entre ela e o seu bebê um momento catastrófico. Quando adultos, “a violência, então, pode ser um recurso na busca desesperada de afirmação de um Eu, diante dessas vivências catastróficas que dificultam ou impossibilitam o processo de separação e individualização” (ZAPPE; DIAS, 2016, p. 225).

Para que a diferenciação do Eu ocorra a mãe deve saber os desejos de fusão, de diferenciação e de individuação do bebê, para que ele se aproprie de seu corpo psiquicamente e de sua capacidade de pensar. Se a mãe não conseguir fazer essa diferenciação, o bebê ficará privado psiquicamente de seu corpo e dos seus sentimentos. Ocorre uma falha na elaboração psíquica e na simbolização do sujeito, fazendo ele agir compulsivamente e, segundo as autoras, reduzindo a dor psíquica.

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2 A VIOLÊNCIA NO CAMPO DA REALIDADE: O OLHAR DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

No caso das mulheres, a formação inconsciente se dá pelas primeiras experiências da infância e da constituição subjetiva. As mulheres, desde o complexo de Édipo, distinguem-se do homem pela posição que elas assumem nesse momento, pois, durante esse processo, a menina troca de objeto amoroso: antes era a mãe e agora passa a ser o pai.

Para a Psicanálise, a fantasia tem papel fundamental na vivência de violência. A mulher está fundada por esse artificio, e se mantém nele sempre. Segundo Klein (1957 apud FERRARI; VECINA, 2002), é desde o nascimento que os impulsos e desejos atuam sobre o sujeito e são acompanhados pela fantasia de um objeto que os satisfaça. Inicialmente a fantasia e a realidade externas estão sob o mesmo norte e, por isso, não são diferenciadas.

Ao longo do primeiro ano de vida durante o desenvolvimento da criança, a fantasia e a realidade vão se moldando de acordo com as vivências desse indivíduo. Por isso, ele necessita passar por experiências boas e más e, assim, irá diferenciar o Outro (objeto) do Eu. A partir da fantasia se cria o processo de capacidade do pensamento da criança e, dessa forma, ela poderá interpretar da sua maneira a realidade e conhecerá seus limites.

Assim, se o limite for culturalmente significativo para a criança, fará com que ela aprenda a adiar a satisfação de seu desejo ou a suportar sua total frustação. É a colocação do limite que leva a criança a ver o Outro não apenas como um portador de sua satisfação, mas de desejos e necessidades próprios. Sem esse reconhecimento, a socialização e a aprendizagem não serão possíveis (FERRARI; VECINA, 2002, p. 127).

Esse limite é necessário para determinar a fronteira entre fantasia e realidade de cada sujeito e para que ele se diferencie de maneira apropriada do Outro, a partir do seu desenvolvimento.

Para Freud, em “Formulações sobre os dois princípios do Funcionamento Mental” (1911), esse limite será estabelecido pelas pulsões e regido pelo Princípio de Prazer e Princípio de Realidade. O Princípio de Prazer está ligado à pulsão sexual e significa a

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busca pela satisfação em um objeto fruto da fantasia, ou seja, um objeto fantasioso. Freud menciona que a atividade psíquica se esforça para se afastar de qualquer evento que possa despertar desprazer.

A ausência da satisfação de prazer, ou o adiamento dela, como mencionado por Klein (1975) é regida pelo Princípio de Realidade, em que a pulsão do Eu precisa de um objeto real; assim, ela é obrigada a funcionar dentro do Princípio de Realidade e, por esse motivo,

O aparelho psíquico teve de decidir tomar uma concepção das circunstancias reais no mundo externo e empenhar-se por efetuar nelas uma alteração real. Um novo princípio de funcionamento mental assim foi introduzido; o que se apresentava na mente não era mais o agradável, mas o real, mesmo que acontecesse ser desagradável (FREUD, 1911, p. 238).

Freud descreve que para a Psicanálise os processos mentais inconscientes somente poderão ser elaborados a partir da análise, e que esses processos mais antigos são resíduos de uma fase de desenvolvimento primária, em que era o único tipo de processo mental. Desse modo, esses processos não se fazem conscientes e não são possíveis de controle racional dos sujeitos.

Pensamos a relação de violência a partir das discussões sobre a fantasia e a realidade, como estamos discutindo desde o primeiro capítulo. A fantasia da mulher é constituída desde os processos primários, quando ela se molda nessa posição de objeto e, desse modo, não consegue perceber a realidade da mesma forma, uma vez que esses conteúdos estão inconscientes.

Segundo Freud (1919), a posição que a mulher assume nessa transição de objeto é passiva, pelo fato de que, na segunda fase da fantasia do bate-se numa criança, quando a fantasia se torna masoquista, ela tem caráter passivo:

Dessa forma, a fantasia de espancamento e outras fixações perversas análogas também seriam apenas resíduos do complexo de Édipo, cicatrizes, por assim dizer, deixadas pelo processo que terminou, tal como o notório “sentimento de inferioridade” corresponde a uma cicatriz narcísica do mesmo tipo (FREUD, 1919, p. 208).

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A posição feminina não é por si só uma posição subjetiva, como nos orienta Soler (2005), mas, sim, é uma posição no par sexual, no qual o homem é sujeito de desejo. Podemos perceber que Freud, quando fala da fantasia masoquista da mulher, liga ao desejo edipiano que está marcado entre quem bate e a figura do pai.

Pensando na primeira fase das fantasias inconscientes criada por Freud (1919) – a criança vendo sua rival na situação de espancamento e buscando analisar a vida cotidiana – é possível estabelecer que o que vemos é que mulheres adultas pouco se solidarizam com as semelhantes que são agredidas pelos pares; isto por que no fazer e desfazer das relações conjugais as mulheres, mesmo conhecendo que o companheiro agrediu a esposa que a antecedeu, não parecem se importar com isso, e mantêm a posição passiva e sádica.

Quando, nas relações conjugais, a mulher entende que falhou ao atender o homem, essa passa a sentir culpa por ter apanhado. Essa culpa é oriunda da fantasia de espancamento que permaneceu inconsciente até o momento em que se atualiza. Neste sentido, ao ser espancada registra o fato real como o castigo que a criança recebeu (merecidamente) e não consegue reagir.

Trazendo para a vida adulta e para a condição da violência doméstica, o que temos é o lugar passivo de quem reconhece a autoridade de quem bate. A autoridade, que na infância era atribuída ao pai (primeira fase), agora é atribuída a um homem, detentor do falo. Nas narrativas das policiais que trabalham com as mulheres que sofreram violências, é comum que nos digam de uma incongruência entre o valentão – agressor descrito pelas mulheres – e o homem real que as policiais irão prender. Neste aspecto, vemos que a força violenta advém não exatamente da força física, mas da atribuição fálica.

Podemos pensar que a mulher, no momento em que encontra seu parceiro, realiza sua fantasia de contar com um homem protetor. No início essa conquista é muito prazerosa, mas, a partir do momento em que ela é agredida, precisa abrir mão desse homem. Acredita, porém, que ele é o homem dos seus sonhos e, então, a saída encontrada por ela é dar mais uma chance para ele e, assim, essa realização fantasmática vai acontecer novamente, e acaba vivendo em torno dessa busca pela satisfação.

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A violência se mantém e se recria e, por esse motivo, o sujeito utiliza métodos para não reconhecê-la, ou seja, são conteúdos que permanecem inconscientes e, dessa maneira, ela deixa de ser reconhecida e passa a ser representada como estratégia de sobrevivência, como se fosse uma coisa positiva.

Quando a dor gerada pela culpa, remorso e arrependimento, beira o insuportável, podemos atacar nossa capacidade de sentir e perceber a dificuldade de se enxergar a realidade. O maior prejuízo para indivíduos inseridos em ambientes violentos é o obscuramento do que é fantasia e do que é realidade (COSTA, 1986 apud TAVARES, 2000, p. 20).

Perante a situação de violência, o que é fantasia passa a ser realidade. Não são mais as fantasias inconscientes se apresentando e tentando ser processadas, mas passam a ser fatos reais e, por isso, a mulher demora para conseguir ver essa realidade e se desfazer dela. Klein (1975) acredita que:

Ao externalizarmos nosso mundo interno podemos também percebê-lo e reconhecê-lo, quanto mais vulnerável às representações de si mesmo feitas por objetos externos, maior será a relação de dependência ao objeto externo para representar seu mundo interno e ajudá-la a processá-lo e elaborá-lo (p. 65).

Desse modo, percebemos que a violência, na realidade, está em torno da repetição, pois as mulheres creem na mudança do parceiro e nas promessas de que as agressões não irão mais acontecer.

Zancan, Wassermann e Lima (2013) apresentam, no artigo “A violência doméstica a partir do discurso de mulheres agredidas”, depoimentos de quatro mulheres que sofreram violência física, sexual ou psicológica, os quais reproduzo a seguir. Neles percebemos que as ameaças de agressão e chantagens ocorrem com frequência para que os homens consigam manipular suas mulheres de acordo com seus desejos e, em geral, ocorre violência psicológica juntamente com outras formas de violência. Seguem os relatos:

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Depoimento 1

Depoimento 2

Depoimento 3

“Ele tirou toda a minha roupa, e era frio, me amarrou com as mãos pra trás, amarrou as pernas, botou um pano na minha boca e me botou no piso e me jogava água gelada. Uma vez ele me deu uma facada no braço e na barriga... Eu não falava pra ninguém porque ele sempre dizia que se eu fizesse alguma coisa, que ele fosse preso de novo, ele me matava, e eu tinha medo disso” (Raquel, 26 anos, 5 de relacionamento violento com agressões físicas e psicológicas e duas queixas policiais, sem filhos, desempregada).

“Às vezes eu tava dormindo e quando eu via eu tava sem roupa já, ele tinha tirado tudo. Eu chorava e pedia por favor, e ele dizia: Tu não é minha mulher? ... Ele vinha pra cima de mim e eu não tinha como sair de baixo, ele segurava os meus braços e ele botava os pés em cima dos meus pés” (Paula, 26 anos, 8 de relacionamento com agressões físicas, psicológicas e sexual, duas queixas policiais, um filho, trabalha como secretária).

“Ele pulou pra cima de mim e me deu um tapa, e ele falava que se eu fizesse alguma coisa ele ia ficar com a guarda dos meus filhos porque eu não trabalhava e não tinha direito. Ele me ameaçava direto se eu fizesse qualquer coisa que desagradasse, que eu não tinha direito e ia me deixar sem nada. Às vezes era até pior do que agressão mesmo” (Roberta, 32 anos, 17 de relacionamento, tem 5 filhos, sofreu agressão física e psicológica e fez uma queixa policial, dona de casa).

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Nos três depoimentos percebemos a presença das várias formas de violência sofridas pelas mulheres. A violência psicológica foi descrita por elas como sempre presente por meio de humilhação, ameaças e ofensas. Esses tipos de violência se misturam no dia a dia desses casais, e muitas mulheres acabam acreditando ser algo pertinente ao relacionamento.

Conforme a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), a violência psicológica é caracterizada por humilhar, intimidar, constranger, intimidar, chantagear, entre outros fatores, causando danos psicológicos e de desenvolvimento. Já a violência sexual é definida como obrigar a manter ou participar de relações sexuais sem consentimento, sob intimidação, ameaça e/ou uso da força, o que induz a comercializar sua sexualidade, a proibição de usar métodos contraceptivos, o que leva à gravidez, aborto ou prostituição, entre outros fatores. A violência sexual foi vista em vários relatos das mulheres no artigo, e mostra que, pelo fato de ser companheiras, não podem negar relações sexuais com os parceiros, como se fosse uma obrigatoriedade. Desse modo, as mulheres compartilham o sentimento de submissão e dependência, e, além disso, a humilhação,5 por serem

obrigadas a ser objeto sexual dos parceiros.

2.1 Percepção das Mulheres Sobre a Violência Sofrida

Nos depoimentos coletados observa-se qual a percepção da mulher sobre as agressões sofridas e qual o principal sentimento delas sobre as situações ocorridas no âmbito doméstico. Elas assim relatam:

5 Violência moral: é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação e injúria, e, por

último, a violência patrimonial, definida pelo ato de reter, subtrair objetos pessoais e de trabalho, documentos, bens, valores e direitos, recursos econômicos, incluindo os destinados às necessidades pessoais (BRASIL, 2006).

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Depoimento 4

Depoimento 5

Há um sofrimento dessas mulheres por não conseguirem entender o motivo de a violência ter ocorrido, pois, segundo elas, não fazem nada de errado, são boas donas de casa e cuidam dos filhos.

No entendimento de Monteiro e Souza (2007 apud ZANCAN; WASSERMANN; LIMA, 2013), as mulheres têm uma compreensão vaga sobre a violência conjugal, pois estão tão submersas no cotidiano, com conflitos e agindo de forma submissa, que acabam vivendo cobertas por esse companheiro dominador sem cuidados e afeto e, por isso, não compreendem porque são violentadas. Os autores veem como uma forma de aprisionamento essa vaga compreensão das mulheres, que se perpetua pelo sofrimento e humilhações, e elas sentem vergonha de si mesmas por permanecerem nessa situação a qual não entendem bem.

Pela fala das mulheres percebemos que a falta de informação sobre as formas que caracterizam a violência faz com que elas continuem naquela vida. O principal motivo pelos quais as mulheres não conseguem se desfazer dos relacionamentos, no entanto, está ligado aos fatos mencionados no início do capítulo, são os conteúdos inconscientes e que somente podem ser resignificados e elaborados diante da análise.

“Eu fico a pior pessoa do mundo, fico humilhada. Por tudo o que eu faço, tudo o que eu sou pra ele e ele me trata desse jeito, eu e os filhos. Me sinto muito mal, e fico pensando o porquê disso. Um dia eu quero entender por que ele tem tanto ódio da gente, que estamos sempre apoiando ele” (Márcia, 34 anos, 11 anos de relacionamento, sofreu agressões físicas e psicológicas com 15 queixas policiais, 3 filhos e trabalha como auxiliar de cozinha).

“Depois que passava isso (violência) eu queria entender o porquê, sabe? Eu sempre fui boa dona de casa, fazia comida, lavava as roupas, era tudo certinho. Não saía, não tinha um porquê. Eu só queria entender isso, só isso” (Raquel).

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2.2 Uso de Álcool e Substâncias Tóxicas como Influência

O entendimento delas sobre as causas das agressões teve como principal fator o uso de álcool e outras drogas, que resultam em agressões. Seguem os depoimentos: Depoimento 6

Depoimento 7

O uso de álcool e drogas caracteriza-se como um fator importante nas questões de violência, porque, além das agressões, esse motivo gera muitos desentendimentos entre os casais, e o agressor acaba justificando os atos agressivos com o vício ou o uso dessas substâncias. Isso é mencionado nos estudos de Leonard e Blane (1992 apud AZEVEDO, 2013), o que caracteriza entre 50% a 70% dos casos de violência doméstica. As mulheres têm dificuldades de acabar o relacionamento com os parceiros por acreditar que precisam cuidar deles quando há uso de álcool e/ou drogas, uma vez que esse comportamento estimula o sentimento de responsabilidade delas sobre os parceiros.

O alcoolismo torna-se o protagonista nos relacionamentos, pois a mulher entende que a separação deixaria o parceiro em uma situação de desamparo, e não teria quem o cuidasse nos momentos em que ele faz uso de álcool ou drogas.

“Ele me manteve refém, não me deixava sair, sabe? A casa era trancada e ele me ameaçava com uma faca; ele inventava qualquer coisa e vinha agredir a família. Bebia na rua e vinha agredir a família; era costume de toda a semana” (Márcia).

“Quando ele tava drogado, eu não falava com ele porque não ia adiantar. (...) Daí eu perguntava por que ele fazia isso, e ele dizia que se arrependia, que era por causa das drogas naquele momento, por isso que ele fazia. (...) Sempre acontecia quando ele tava usando drogas. Quando ele tava normal a gente brigava bastante, discutia, mas nunca chegou a me dar um soco” (Raquel).

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Segundo Melman (2000), o alcoolista tem seu discurso modulado por uma submissão particular à mulher, sendo ela detentora e distribuidora de um gozo que, para ele, seria recusado ou dissimulado. O gozo do alcoolista é manifestado por uma fixação oral e há uma representação imaginária do gozo por um fluxo ou líquido fora do limite. Pelo fato de ele não conhecer o limite, seu gozo esbarra com o corpo, e se expande para as pessoas que estão próximas, consequentemente sua família.

Nesse sentido, Melman (2000) declara em relação ao alcoolista e sua mulher: “a tolerância notável da mulher é conhecida: ela sabe que ocupa, na economia psíquica de seu marido, o lugar central, de onipotência, fixando-o em uma posição de pedinte pueril, mesmo que ele seja violento e barulhento” (p. 19).

Diferentemente do alcoolista, que visa o objeto em um gozo infinito, que é socialmente visto como viril e que não tem medo de nada, para o toxicômano o objeto fálico não está em causa; ele vive com o gozo mortífero e seu significante é a morte.

Dessa forma, o toxicômano repudia todo o dever fálico; tudo que pode pertencer à representação de si mesmo, como a distinção de sexo, o lugar da família, a procriação. O toxicômano recusa esse lugar para ir direto ao objeto que, para nós, é interditado, mas que, para ele, parece não ter limitação (MELMAN, 2000).

Entendendo um pouco sobre a questão do uso de álcool e drogas pelo agressor, a mulher passa a fazer parte dessa situação e fica em uma posição passiva sobre o homem, por acreditar que somente ela fará tudo que faz por ele, que cuidará dele e cuidará dos filhos e do lar, e, apesar das vezes em que é violento pelo uso de substâncias tóxicas, ele é um bom marido.

2.3 Ciúme do Agressor

Outro fator encontrado neste estudo sobre as principais causas das agressões é o ciúme de muitos homens. Para Clanton e Smith (1998 apud ALMEIDA; RODRIGUES; SILVA, 2008), o adulto torna-se um ciumento quando acredita que o casamento ou o relacionamento romântico no qual está inserido está ameaçado por um rival real ou imaginário.

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Podemos observar claramente, pela fala das mulheres, que os homens sempre acreditam que exista um outro entre eles e que a mulher é culpada por isso, e não acreditam que isso é parte da imaginação deles.

Depoimento 8

Depoimento 9

Depoimento 10

O ciúme é percebido como um fator de aumento das agressões contra as mulheres, provocando discussões entre o casal. Nas falas dessas mulheres podemos notar que há um domínio dos homens sobre elas, desde as amizades, as relações de trabalho, a família e todas as pessoas do seu convívio. O ciúme possessivo dos homens

“Ele desconfiava que eu tava traindo ele; sabe essas coisas assim que é o que ele via, mas não existia. Ele podia ficar comigo 24 horas, não saía de perto dele, e mesmo assim ele dizia que eu tava com outro. (...) Ele ia pro presídio no sábado e só voltava na segunda, e me deixava trancada dentro de casa. No sábado e domingo eu ficava trancada” (Raquel).

“Ele foi aos poucos mostrando aquele ciúme, aquela coisa doentia. Eu não podia ter amizade, não podia sair, ele não queria nem que eu trabalhasse. Se fosse por ele eu nem tinha trabalho ainda até hoje. (...) Ele sempre imaginava coisas; imaginava que eu tinha outro. Imaginava às vezes quando eu não queria fazer nada, sabe? Ele queria todo dia e falava que eu tinha outro” (Márcia).

“Uma vez eu tava conversando com um colega e ele enlouqueceu de ciúmes. Me pegou, me botou dentro do carro e começou a me empurrar, me pegou pela blusa e me socava contra o carro, eu fiquei toda roxa, toda machucada. (...) Daí eu lembro que, quando chegamos em casa, ele dizia que ia me matar. Ele via coisas e me ameaçava, sabe?” (Paula).

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é algo que fere as mulheres no sentido de privação e da restrição da liberdade das mesmas. Eles afirmam que elas estão lhes traindo e insistem para que admitam isso, como visto nos relatos, fazendo com que o ciúme seja um dos motivos para que haja discussões e ocorra a violência de fato. “No entanto, o ciúme ainda pode ser considerado como uma forma de justificar a agressão atribuindo a culpa à parceira, considerando que os eventos desencadeadores da agressão não são de sua responsabilidade” (ZANCAN; WASSERMANN; LIMA, 2013, p. 70).

Quando o ciúme atinge um grau muito exagerado, trazendo sofrimento para a pessoa que sente e para o parceiro, não dando mais sossego para o casal, ele se torna um ciúme patológico, ou seja, obsessivo e doentio por parte de quem sente, pois essa pessoa não consegue mais perceber quanto mal esse sentimento pode trazer a si e a seu companheiro.

Segundo Almeida; Rodrigues e Silva (2008), o ciúme patológico pode ser identificado quando o sujeito tem emoções e ações de perturbação e descontrole sobre seus próprios sentimentos, levando-o a agir por impulso. Esse ciúme envolve um sentimento de perda da pessoa amada para um rival que, na maioria das vezes, não existe.

O que aparece no ciúme patológico é um grande desejo de controle total sobre os sentimentos e comportamentos do companheiro. Há ainda preocupações excessivas sobre relacionamentos anteriores, isto é, ciúme do passado dos parceiros, as quais podem ocorrer na forma de pensamentos repetitivos, imagens intrusivas e ruminações sem fim sobre fatos de outrora e seus detalhes (CAVALCANTE, 1997 apud ALMEIDA; RODRIGUES; SILVA, 2008, p. 86).

Nos casos de violência, o parceiro usa todos os possíveis argumentos para provar que houve, de fato, uma traição, que a mulher o está traindo com outro homem e, pela negação desta, muitas vezes ocorrem ameaças ou até agressões contra ela.

2.4 Fatores de Permanência nos Relacionamentos Violentos

Os motivos pelos quais as mulheres permanecem em relacionamentos violentos são diversos. As participantes da pesquisa de Zancan, Wassermann e Lima (2013) diziam-se incapazes de pensar na situação e enfrentá-la por medo das reações dos

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parceiros e pelas ameaças sofridas. Essas ameaças configuram-se uma forma de controle e intimidação sobre a mulher, fazendo com que ela tenha medo de denunciar e siga em silêncio sob o domínio do parceiro.

As mulheres permanecem por muito tempo nesses relacionamentos abusivos e violentos por submissão ao parceiro, que tem sobre elas o domínio, e pelas frequentes humilhações e difamações que fazem com que ela mesma acredite que ele está certo. Nesse processo ela acaba perdendo sua liberdade e se aprisionando ao parceiro, aceitando que sua posição é inferior e perdendo sua autoestima, acreditando que não é boa o suficiente para encontrar outra pessoa e até mesmo para se virar sozinha. A subjugação dessas mulheres em relação ao seus parceiros, na esfera da violência, reflete em perda de liberdade e aprisionamento.

Voltando ao primeiro capítulo, podemos refletir que, diante da constituição psíquica da mulher, a posição feminina é por si só uma posição de falta fálica. A menina foi privada do pênis, então ela recorre a quem tem o falo, que, nessa fase, é o pai.

Quando se torna mulher ela recorre ao homem como possuidor do falo. Sendo assim, ela ficaria presa ao amor do homem. Isso explica o motivo pelo qual ela se sente aprisionada, pois a mulher, em situação de violência, está presa a um registro que pode ser pensado como uma falta.

Nas relações conjugais a autoridade do homem é vista como algo normal, principalmente nos casamentos tradicionais, quando à mulher cabe se dedicar aos afazeres domésticos e cuidar dos filhos e ao homem prover a família, trabalhando fora. Nesse sentido, um dos relatos marca pelo fato de a mulher entender que isso nos dias atuais não ocorre mais dessa forma, mas, pelo medo de o parceiro fazer algo com ela e com os filhos, acaba aceitando.

Referências

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