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Da distinção fregeana entre conceito e objeto e sua repercussão semântica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

LEANDRO BORTOLOTTO CAMARGO

DA DISTINÇÃO FREGEANA ENTRE CONCEITO E OBJETO

E SUA REPERCUSSÃO SEMÂNTICA

CAMPINAS

2019

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DA DISTINÇÃO FREGEANA ENTRE CONCEITO E OBJETO E SUA

REPERCUSSÃO SEMÂNTICA

Dissertação apresentada ao Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas

como parte dos requisitos exigidos para

a obtenção do título de Mestre em

Filosofia.

Orientador: MARCO ANTONIO CARON RUFFINO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO LEANDRO BORTOLOTTO CAMARGO E ORIENTADA PELO PROF. DR. MARCO ANTÔNIO CARON RUFFINO

CAMPINAS

2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 30/09/2019,

considerou o candidato Leandro Bortolotto Camargo aprovado.

Prof. Dr. Marco Antonio Caron Ruffino (IFCH/UNICAMP) Prof. Dr. Dirk Greimann (Universidade Federal Fluminense) Prof. Dr. Giorgio Venturi (IFCH/UNICAMP)

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Dedico este trabalho aos meus pais, cujo

apoio diário foi diretamente responsável

por sua existência.

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Ao orientador e amigo, Prof. Marco Antônio Caron Ruffino, pela paciência e zelo com que me orientou ao decorrer de todo o mestrado.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela concessão da bolsa de mestrado sem a qual a realização desta pesquisa não teria sido possível – Processo nº 2016/25920-3, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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RESUMO

Em 1879, Frege propôs a substituição da distinção entre sujeito e objeto por uma distinção entre argumento e expressão funcional. Sobretudo a partir de 1891, contudo, tal cisão passou a dizer respeito, também, aos itens designados por tais expressões lingu ísticas, a saber, objetos e funções, respectivamente. Nesse contexto, é imprescindível ressaltar que a distinção entre esses itens, tal qual formulada por Frege, é exclusiva e exaustiva. O fato de ela ser assim caracterizada gerou dificuldades para o desenvolvimento da semântica na teoria de Frege – dificuldades expressas, sobretudo, no chamado problema do conceito cavalo, discutido mais pormenorizadamente em 1892. Trata-se, sucintamente, da impossibilidade de se referir ao conceito cavalo (e, por extensão, a qualquer conceito) lançando mão da expressão ‘o conceito cavalo’ (por extensão, lançando mão de qualquer frase da forma 'o conceito F'), uma vez que se trata de uma expressão saturada que se propõe a se referir a um item insaturado, incompatibilidade esta que resta clara quando se tenta substituir a expressão em questão no lugar do predicado ‘ξ é um cavalo’ em uma sentença, obtendo-se uma lista em vez de uma sentença, o que, assumindo-se o Princípio da Referência, implica que as expressões em questão não são correferentes. Tendo isso como pano de fundo, propõe-se discutir as soluções aventadas pelo próprio Frege em 1892 e 1892-1895, bem como diversas soluções propostas por outros filósofos que se debruçaram sobre o problema, dentre as quais aquelas segundo as quais: a noção de referência seria ambígua entre níveis semânticos; apenas uma parte própria de predicados seria referencial; enquanto termos singulares figurariam na relação de referência, predicados figurariam numa relação sui generis com conceitos; a distinção entre termos singulares e predicados seria independente do Princípio da Referência, baseando-se, em vez disso, nos diferentes tipos de sentido dessas expressões; exigiria-se uma reformulação do Princípio da Referência de modo a excluir de seu escopo expressões impuramente referentes. Ademais, apresentam-se as respectivas objeções que lhes foram antepostas, chegando, por fim, à proposta que, segundo julgamos, é apta a prover a melhor solução para o problema.

Palavras-chave: Frege; Problema do conceito cavalo; Conceitos; Objetos; Referência de Predicados

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In 1879, Frege proposed the substitution of the distinction between subject and object with the distinction between argument and funcional expression. Particularly after 1891, however, such splitting began to apply to the items designated by such linguistic expressions as well, namely objects and functions, respectively. In this context, it is crucial to highlight that the distinction between such items as formulated by Frege is exclusive and exhaustive. Its being thus described has caused difficulties for the development of semantics in Frege's theory - difficulties which are expressed above all in the so called concept horse problem, discussed more thoroughly in 1892. Roughly speaking, it deals with the impossibility of referring to the concept horse (and, by extension, to any concept) by means of the expression 'the concept horse' (by extension, by means of any phrase of the form 'the concept F'), since it's a saturated expression purporting to refer to a unsaturated item. Such incompatibility is evident when one attempts to replace such expression by the predicate 'ξ is a horse' in a sentence, obtaining thereby a list instead of a sentence, which, assuming the Reference Principle, implies that the aforementioned expressions aren't coreferential. Having that as background, we set about discussing the solutions brought up by Frege himself in 1892 and 1892-1895, as well as the various proposals by other philosophers who have dealt with this issue, amongst which those according to which: the notion of reference would be ambiguous between semantic levels; only a proper part of predicates would be referential; whilst singular terms would stand in the relation of reference, predicates would stand in a sui generis relation to concepts; the distinction between singular terms and predicates would be independent of the Reference Principle, being grounded, instead, on the different kinds of senses that such expressions possess; it would be required a reformulation of the Reference Principle, so as to exclude of its scope expressions which are impurely referent. Furthermore, the objections respectively posed to them are presented, arriving, in the end, at the proposal that, to our best judgment, is able to provide the best solution to the problem.

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BS – Begriffsschrift (1879)

BG – Über Begriff und Gegenstand (1892b) SB – Über Sinn und Bedeutung (1892a) FB – Funktion und Begriff (1891)

ASB – Ausführungen über Sinn und Bedeutung (1892-1895) GGA – Grundgesetzte der Arithmetik (1893)

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1. INTRODUÇÃO ... 12

2. FUNDAMENTAÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE CONCEITO E OBJETO NA TEORIA DE FREGE ... 21

2.1. Sobre a passagem da distinção entre termo-sujeito e termo-predicado para a distinção entre argumento e função ... 21

2.2. Da noção fregeana de função ... 26

2.3. Da noção fregeana de objeto ... 30

2.4. Sobre as noções de juízo e de conceito ... 32

2.5. Da relação entre conceitos e funções ... 35

2.6. Da relação entre funções e valores-de-verdade ... 40

2.7. Sobre cursos-de-valores ... 43

3. O PROBLEMA DO CONCEITO CAVALO NA OBRA DE FREGE ... 44

3.1. Apresentação do problema ... 44

3.2. A proposta de Frege (1892) – ‘O conceito cavalo’ refere-se a um objeto ... 51

3.3. A proposta de Frege (1892-1895) – Referência a conceitos por orações relativas nominais ... 52

3.4. A interpretação da proposta de Frege (1892-1895) por Dummett (1973) e Geach (1951, 1976) ... 54

3.4.1. Objeções de Diller (1993) ... 55

3.4.2. Objeções de Priest (1995) ... 58

4. PROPOSTAS DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA DO CONCEITO CAVALO ... 59

4.1. Considerações gerais ... 59

4.2. A proposta de Dummett (1973) – Ambiguidade da referência quanto ao nível semântico ... 62

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4.3.1. Objeções de Macbride (2008) ... 66

4.4. A proposta de Parsons (1986) – Conceitos representados por objetos ... 67

4.4.1. Objeções de Proops (2013) ... 74

4.5. A proposta de Wright (1998) – Atribuição como relação sui generis ... 77

4.5.1. Objeções de Macbride (2008) ... 81

4.5.2. Objeções de Noonan (2008) ... 82

4.5.3. Objeções de Trueman (2014) ... 85

4.6. A proposta de Trueman (2014) – Distinção entre conceitos e objetos no plano do sentido ... 87

4.6.1. Objeções de Price (2014) ... 96

4.7. A proposta de Macbride (2008, 2011) – Revisão do Princípio da Referência para exclusão de expressões impuramente referentes ... 100

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 109

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1. INTRODUÇÃO

A primeira parte da dissertação versa sobre a fundamentação da distinção entre conceito e objeto na teoria de Frege. Tratando, inicialmente, da passagem da distinção entre termo-sujeito e termo-predicado para a distinção entre argumento e função, veremos que essa nova regimentação permitiu a introdução de quantificadores ligados a argumentos, o que, por sua vez, permitiu que a quantificação pudesse ser feita de maneira aninhada sem qualquer possibilidade de ambiguidade quanto ao escopo dos quantificadores envolvidos. Ademais, permitiu a compreensão de que, assim como uma sentença pode ser analisada em expressões funcional e argumental, seu conteúdo conceptual, a circunstância por ela expressa, pode ser analisada em função e argumento.

Passando à noção fregeana de função, veremos que a análise de Frege trata sentenças que atribuem propriedades a objetos como sendo um caso particular de uma função n-ária aplicada a n argumentos, de sorte que a lógica de predicados e a lógica de relações são reunidas sob uma única lógica. Para Frege, conceitos têm sempre natureza predicativa, de sorte que o predicado ‘ξ é sábio’, o qual designa um conceito, jamais pode ter o mesmo referente que um nome próprio como ‘a sabedoria’. Isso se deve ao fato de que predicados são fundamentalmente incompletos, ao passo que nomes próprios são fundamentalmente completos. Predicados devem, portanto, ser designados por uma expressão lacunar e são o padrão exibido pelas sentenças que os contém. Isso faz com que nomes próprios e predicados tenham naturezas fundamentalmente distintas e sejam insusceptíveis de desempenhar o mesmo papel semântico. A essa distinção corresponde, ademais, uma distinção ontológica fundamental entre seus respectivos referentes, a saber, entre objetos e conceitos: nenhum conceito pode ser um objeto e vice-versa. Trataremos, então, da noção fregeana de objeto. Para ele, objeto é tudo aquilo que não é uma função e, por conseguinte, tudo aquilo cuja expressão designadora não contém insaturações. Como sentenças são saturadas, segue-se que seu referente deve ser um objeto. E se valores-de-verdade são os referentes de sentenças, segue-se que valores-de-verdade são objetos. Por raciocínio análogo, como expressões que designam cursos-de-valores são saturadas, segue-se que cursos-de-valores (e, a fortiori, extensões) são objetos. Nesse sentido, Frege caracteriza objetos por intermédio das propriedades das expressões que os designam, de sorte que transforma um problema até então tido como ontológico num problema de semântica formal. Expressões que designam objetos

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são denominadas por Frege de ‘nomes próprios’, termo que abrange tanto nomes próprios em sentido estrito como descrições definidas.

A respeito da relação entre conceitos e funções, veremos que a ideia de que conceitos são funções é fulcral e seria apta a explicar diversos fatos a respeito de conceitos, como (1) sua incompletude, (2) sua inaptidão para figurar em relações de identidade e (3) a necessidade de distingui-los fundamentalmente de objetos. Frege, baseando-se na tese de que a distinção entre expressões completas e incompletas é frutífera e necessária à lógica, conclui que ela corresponde a uma realidade objetiva. Frege conclui, ademais, que a dificuldade representada pela insaturação de um pensamento pode ser encoberta, porém jamais contornada. Se ela não pode ser contornada, trata-se de um fato dotado de necessidade lógica. Em suma, a distinção, que inicialmente aparentava ter natureza meramente convencional, revela-se como necessária e, por conseguinte, como correspondente à realidade.

Consideramos, em seguida, a relação entre funções e valores-de-verdade. Embora não seja possível que conceitos figurem na relação de identidade, existe uma relação análoga à identidade que se estabelece entre conceitos. Trata-se da relação de segunda-ordem que é satisfeita por um par de conceitos se e somente se os itens que satisfazem o primeiro também satisfazem o segundo e vice-versa - i.e. a identidade entre as extensões de conceitos. Ademais, Frege sustenta que a função, em si mesma considerada, não é um item autônomo, tratando-se de uma correlação entre sequências de argumentos e valores. É através da função, contudo, que se estabelece essa relação, e essa relação em si pode ser considerada um item autônomo com seus próprios critérios de identidade. Esse item é o que chamamos de curso-de-valores, o que equivale ao que matemáticos ordinariamente chamam de ‘função’. Logo, o que Frege chama de curso-de-valores encontra correspondente preciso na matemática tradicional; o que ele chama de ‘função’, contudo, não.

Passamos, então, à segunda parte da dissertação, tratando do problema do conceito cavalo na obra de Frege. Começamos pela apresentação do problema. Segundo Frege, a distinção entre funções (em particular, conceitos) e objetos é exclusiva e exaustiva. No que tange às suas expressões designadoras, nomes próprios referem-se a objetos, ao passo que expressões funcionais ou functores referem-se a funções. Consideremos, no entanto, a seguinte sentença: O conceito cavalo é um conceito. Parece ser manifesto que, assim como a cidade de Berlim é uma cidade e o vulcão Vesúvio é um vulcão, o conceito cavalo deveria, por sua vez, ser um conceito. Note-se, ademais, que a sentença contém a frase nominal ‘o conceito cavalo’. Parece ser um princípio fundamental da semântica que o referente de uma

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expressão ‘P’ deva ser não outro que não o próprio P. Destarte, o referente da expressão ‘o conceito cavalo’ deveria ser o conceito cavalo. Segundo Frege, no entanto, qualquer frase nominal que seja introduzida por um artigo definido comporta-se como um nome próprio e, consequentemente, tem um objeto por seu referente. Como vimos, no entanto, conceitos e objetos são mutuamente exclusivos. Seguir-se-ia, então, contrariamente às nossas intuições semânticas, que a sentença ‘o conceito cavalo é um conceito’, embora aparentemente analítica, é, em verdade, falsa. Não obstante, como vimos, parece razoável supor que ‘o conceito cavalo’ deva se referir ao conceito cavalo, bem como que ‘ξ é um cavalo’ também deva se referir a tal conceito. Se assim fosse, ambos os termos seriam correferentes e nos deveria ser permitido, segundo o princípio da substitutividade de termos correferentes, substituir toda ocorrência de um termo por uma ocorrência de outro sem que, com isso, a referência da sentença resultante (i.e. seu valor-de-verdade) fosse alterado. Tomemos, no entanto, a seguinte sentença: (1) Marengo é um cavalo. Ela contém o predicado ‘ξ é um cavalo’, o qual deveria poder ser substituído, segundo a discussão acima, por ‘o conceito cavalo’. Levando a cabo tal substituição, tem-se: (1’) ‘Marengo o conceito cavalo’. Tal procedimento deveria ter resultado numa sentença que preservasse o valor-de-verdade da sentença original, porém obteve-se, em vez disso, uma sequência sintaticamente malformada e, portanto, desprovida de referente. Diante disso, pode-se argumentar que o erro reside justamente em assumir como premissa que ‘o conceito cavalo’ se refere ao conceito cavalo.

Discutimos, em seguida, as propostas de Frege (1892) e Frege (1892-1895), bem como o modo como esta última é interpretada por Dummett (1973) e Geach (1951, 1976). Em Frege (1892), para dar conta de tal paradoxo, propõe-se que a expressão ‘o conceito cavalo’ se refere, em verdade, a um objeto. O objeto ao qual ela se refere, ademais, é uma representação da função referida pela expressão ‘ξ é um cavalo’. Tal relação de representação estabelecida entre um objeto e uma função é o que faz com que seja possível que alguém pareça estar falando sobre funções quando, em verdade, está versando sobre objetos. Já em Frege (1892-1895), para contornar essa dificuldade, sugere-se ser possível referir-se a um conceito por intermédio de uma oração relativa nominal. Nesse sentido, pode-se usar a oração ‘o que “ξ é um cavalo” designa’ em vez de cometer o erro de se usar uma frase nominal, procedimento que, inevitavelmente, geraria um nome próprio. É crucial notar que tais orações relativas podem ser usadas predicativamente. Segundo Geach e Dummett, a regimentação da sentença ‘O conceito cavalo é um conceito’ em um termo singular – ‘o conceito cavalo’ – e um predicado – ‘ξ é um conceito’ é errônea. Isso porque expressões que designam conceitos não são aptas a figurar como argumento desse predicado de primeira-ordem. Ao contrário: o

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predicado ‘ξ é um conceito’ produz uma sentença falsa sempre que é completado por um argumento que gere uma sentença bem-formada – no caso, um termo singular não-vazio. Pode-se, contudo, reconhecer o predicado de segunda-ordem ‘∀𝑥∃𝑦(Ф(𝑥) = 𝑦)’, o qual é satisfeito por todo predicado de primeira-ordem Ф(x) se assumirmos (como Frege o faz) que tais funções têm por domínio todos os objetos irrestritamente.Para que seja possível construir um predicado que produza uma sentença verdadeira sempre que tome por argumento uma expressão cujo referente é um conceito, faz-se necessário formular, novamente, um predicado de segunda-ordem, a saber, ‘∀𝑥 (Ф(𝑥) ∨ ¬Ф(𝑥))’. Seguindo essa proposta, não mais resta possível construir pseudo-sentenças como ‘o conceito cavalo é um conceito’ ou ‘o que “ξ é um cavalo” designa é um conceito’. Aquilo que se pretende expressar por meio dessas pseudo-sentenças deve ser expresso, respectivamente, por ‘o conceito cavalo é algo que todo objeto é ou não é’ e ‘o que “ξ é um cavalo” designa é algo que todo objeto é ou não é’.

Passamos, então, a analisar as soluções apresentadas para o problema do conceito cavalo. Como preâmbulo, é fundamental mencionar que, para Frege, a substituição desempenha um papel crucial na determinação do referente: se duas expressões são correferentes, então elas necessariamente devem ser intersubstituíveis salva veritate. Tal princípio ficou conhecido como Princípio da Referência.

Tendo em vista tal princípio, começaremos pela solução proposta por Dummett (1973). Essa proposta tem origem na tese de Frege segundo a qual não é possível que se predique a mesma propriedade de expressões de níveis lógicos distintos. Disso se segue que, como nomes de ordem zero e predicados de primeira-ordem pertencem a níveis lógicos distintos e nomes são expressões referenciais, predicados de primeira-ordem não podem ser expressões referenciais. Por conseguinte, se há uma relação de referência entre predicados de primeira-ordem e os conceitos que tais predicados designam, tal relação pode ser, no máximo, análoga à relação de referência que se estabelece entre termos singulares e os objetos por eles designados. Disso se segue, ademais, que o princípio da referência tal qual previamente expresso é incorreto. Em seu lugar, existem inúmeros princípios de referência distintos, um para cada nível lógico da expressão “referente” (em analogia à referência entre termos singulares e objetos) em questão. Dummett vê como evidência para a ambiguidade da referência o duplo uso dos pronomes relativos. Tomemos como exemplo as orações relativas ‘o que você me deu ontem’ e ‘o que eu costumava ser e John tornou-se’. Segundo ele, a primeira oração relativa designa um objeto, ao passo que a segunda oração relativa designa um conceito. Nesse sentido, a oração relativa ‘o que “Monte Everest” designa’ pode ser usada para denotar o mesmo que o termo singular ‘Monte Everest’, uma vez que ‘o que “Monte Everest” designa’ e ‘Monte Everest’ são

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expressões inteiramente intersubstituíveis. Da mesma forma, orações relativas do segundo tipo podem ser usadas para designar conceitos. Assim, por exemplo, ‘o que “ξ é um cavalo” designa’ pode ser usado para designar o referente de ‘ξ é um cavalo’, uma vez que ambas as expressões são inteiramente intersubstituíveis. Segundo Dummett, haveria, então, um uso legítimo de ‘ξ refere-se* a ζ’ (ou outras relações equivalentes) que toma por argumentos nomes de predicados e predicados, uso este que é análogo, porém logicamente distinto, do uso da relação ‘ξ refere-se a ζ’ que toma por argumentos nomes de termos singulares e termos singulares. Segundo Dummett, ademais, expressões predicativas podem ser usadas para designar os mesmos referentes que são designados por seus predicados correspondentes. Isso se torna possível quando tais expressões predicativas são unidas a orações relativas nas quais o pronome relativo desempenha o papel de pronome de segunda-ordem. Desta sorte, ‘um filósofo’ designa o referente de ‘ξ é um filósofo’ quando a primeira expressão é unida à oração relativa ‘o que Platão foi mas Shakespeare não’. Analogamente, ‘um cavalo’ pode ser usado para designar o mesmo item que ‘ξ é um cavalo’ se a primeira expressão for unida à oração relativa ‘o que “ξ é um cavalo” designa’, prefixado pela cópula: ‘Um cavalo é o que “ξ é um cavalo” designa’.

Quanto à proposta de Wiggins (1984), veremos que ele sustenta que a posição de expressões predicativas as torna aptas a serem quantificadas do seguinte modo: se a sentença ‘Marengo é um cavalo’ é verdadeira, segue-se que ‘Existe algo que Marengo é’ também é verdadeira. Nesta sentença, note-se, o quantificador não tem por escopo o predicado ‘ξ é um cavalo’ como um todo, mas sim a expressão predicativa ‘um cavalo’ (i.e. em ‘∃Ф Marengo é Ф’, ‘Ф’ é substituível por ‘um cavalo’, porém não por ‘ξ é um cavalo’), parte própria do predicado. Ademais, também parece ser possível especificar o escopo do que está sendo quantificado ligando-se a posição da expressão predicativa em ‘Marengo é um cavalo’. Para tanto, insere-se a expressão ‘a saber, ...’ à sentença quantificada, obtendo-se ‘Existe algo que Marengo é, a saber, um cavalo’. Segundo Wiggins, o mesmo procedimento de quantificação verifica-se quanto a predicados cujo verbo principal não é a cópula. Nesses casos, não é a expressão predicativa que resulta da conversão do verbo em sua forma participial que está sujeita à quantificação, mas sim a expressão que resulta ao se removerem as flexões que deixam o verbo em sua forma finita. Tomemos, por exemplo, a passagem de ‘Sócrates pensa’ para ‘Existe algo que Sócrates faz, a saber, pensar’. Wiggins conclui que, se por um lado predicados não se referem, por outro partes deles se referem, a saber, as partes que resultam de se subtrair a cópula de um predicado (e.g. ‘(um) cavalo’), bem como a forma finita de um verbo (e.g. ‘pensar’). Logo, para ele, ‘ξ é um cavalo’ não se refere, porém é possível afirmar que uma

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parte própria desse predicado se refere, bem como especificar seu referente: (1) Existe algo que ‘um cavalo’ designa; (2) Um cavalo é o que ‘um cavalo’ designa.

Passaremos, então, a Parsons (1986), para quem não há nada na teoria de Frege que o obrigue a aderir à tese de que o conceito cavalo não é um conceito. Ademais, as razões que o levaram a dizê-lo eram frágeis e o fato de ele tê-lo dito gera uma distorção de sua própria visão. É possível comunicar o mesmo pensamento expresso por (1) ‘existe ao menos uma raiz quadrada de quatro’, de modo equivocado, dizendo (2) ‘o conceito raiz quadrada de 4 é satisfeito’. (2) é uma asserção não sobre o conceito designado por ‘ξ é uma raiz quadrada de 4’, mas sim sobre o objeto designado pela frase ‘o conceito raiz quadrada de 4’. Esse objeto representa aquele conceito, de sorte que (2) não pode asserir o mesmo a respeito desse objeto que (1) assere a respeito daquele conceito, uma vez que em (2) predica-se um conceito de primeira-ordem (i.e. ξ é satisfeito) e em (1) predica-se um conceito de segunda-ordem (i.e.

existe ao menos um Φ), de sorte que isso violaria a teoria de tipos de Frege. Segundo Parsons,

contudo, atribuir o conceito ξ é satisfeito ao objeto o conceito raiz quadrada de 4 em (2) deve ser equivalente a atribuir o conceito existe ao menos um Φ ao conceito ξ é uma raiz quadrada

de 4, dado que, como mencionamos, ambas as sentenças devem expressar o mesmo

pensamento. De fato, as sentenças diferem em suas componentes; porém, essa diferença deve ser, de algum modo, anulada. Para tanto, não apenas conceitos de primeira-ordem devem poder ser representados por objetos, mas também conceitos de segunda-ordem também devem poder ser representados por conceitos de primeira-ordem, sendo que tal representação funciona de tal sorte que a substituição uniforme de itens pelos seus respectivos representantes sempre preserva o valor de verdade da expressão resultante. Consideremos, ora, a sentença (3) ‘O conceito

cavalo é um conceito’. Seu sujeito se refere ao objeto que representa o conceito designado por

‘ξ é um cavalo’. Seu predicado, por sua vez, deve referir-se a um conceito de primeira-ordem que representa um conceito de segunda-ordem. ‘ξ é um conceito’ representa um conceito de segunda-ordem que é satisfeito por todos os conceitos de primeira-ordem, e somente por eles. Para tanto, o predicado ‘ξ é um conceito’ deve ser satisfeito por todos os objetos que representam conceitos de primeira-ordem, e somente por eles. O conceito cavalo, como vimos, é um objeto que representa um conceito de primeira-ordem. Disso se segue que a sentença (3) é verdadeira, e não falsa como Frege afirmara.

A respeito da proposta de Wright (1998), propõe-se que se introduza um termo especial para a relação entre um predicado e o conceito a ele associado, a saber, atribuição (ascription). Com isso, torna-se possível dizer que, se por um lado ‘Marengo’ refere-se a

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Marengo, ‘ξ é um cavalo’ atribui (ascribes) o conceito de ser um cavalo. O papel desempenhado pela referência na semântica de Frege seria, para o caso dos predicados, desempenhada pela relação de atribuição, de sorte que o análogo de ‘referente’ seria ‘atributo’ (ascriptum), bem como o papel semântico de um predicado usado de sorte a formar uma expressão bem-formada seria não referir-se a um conceito, mas sim atribuí-lo. Wright sustenta que tal proposta é capaz de satisfazer 5 requisitos que devem ser atendidos por uma proposta adequada, a saber: (1) permitir o reconhecimento de uma gama de entidades aptas a servir uma interpretação não-substitutiva da quantificação de ordem-superior, bem como ajudar (ou ao menos ser consistente com) uma explicação satisfatória de sua natureza e de seu contraste com objetos em geral; (2) evitar o Problema de Russell (i.e. explicar a diferença semântica entre um predicado propriamente dito e o termo singular correspondente ‘o conceito F’); (3) respeitar o Princípio da Referência (i.e. expressões correferentes devem ser intersubstituíveis salva veritate em contextos extensionais e salva congruitate em quaisquer contextos; (4) fornecer meios para descrever a semântica de predicados individuais e de quaisquer outras expressões incompletas básicas de tal modo a não haver hesitação quanto ao tipo de relação semântica envolvida; (5) evitar a necessidade de tratar qualquer gama de expressões do modo como a proposta de Frege trata a expressão ‘o conceito cavalo’, isto é, como algo que se refere, caso faça-o, a algo distinto daquilo que o sentido da expressão intuitivamente determina

Segundo a proposta de Trueman (2016), a distinção fregeana entre termos singulares e predicados é uma distinção quanto ao sentido que tais expressões possuem. O sentido de uma expressão subsentencial é o papel desempenhado por essa expressão na determinação do sentido da sentença em que tal expressão ocorre, ao passo que o sentido de uma sentença é a condição de verdade da mesma. Os diferentes papéis desempenhados por termos singulares e predicados são exatamente esses papéis diferentes na determinação das condições de verdade das sentenças em que essas expressões ocorrem. Trueman propõe-se a gerar o paradoxo do conceito cavalo sem recorrer ao Princípio da Referência. Para tanto, sustenta que, dado que termos singulares e predicados não são intersubstituíveis no nível do sentido, identificar um objeto com um conceito caracteriza um nonsense. Mas, se não podemos nos referir a conceitos usando termos singulares, segue-se que não podemos dizer que certos conceitos são idênticos a outros conceitos, dado que a relação de identidade ‘ξ = ζ’ admite tão somente termos singulares como argumentos. Contudo, se não podemos falar de identidade no que diz respeito a conceitos, resta incerto se a existência de tais itens deve, de fato, ser postulada. Ele, então, se pergunta se é possível assumir que conceitos existem e, a despeito disso, conviver com o paradoxo do conceito cavalo. Para ele, isso depende da possibilidade de se elaborarem

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análogos de segunda-ordem dos predicados ‘ξ refere-se a ζ’, ‘ξ é um objeto’ e ‘ξ = ζ’, isto é, predicados de segunda-ordem que desempenham, para propriedades, o papel que esses predicados de primeira-ordem desempenham para objetos. Se for possível elaborá-los, será lícito usá-los para dizer coisas como ‘Predicados referem-se a conceitos’, ‘O predicado “ξ é um cavalo” não é correferente ao predicado “ξ é um cão”’ e assim por diante. Para Trueman, esse resultado não é de todo desapontador, uma vez que, para ele, é possível usar termos singulares abstratos como ‘cavalidade’ ou ‘o conceito cavalo’.

Por fim, consideraremos a proposta de Macbride (2008, 2011). Para ele, parece ser plausível que o princípio da referência seja suspenso nos casos em que as expressões em questão não são meramente referenciais, situação esta em que não parece ser razoável supor que, pelo fato de termos singulares e predicados não serem intersubstituíveis salva veritate, seguir-se-ia que eles não podem ser correferentes. Nesse sentido, pode-se dizer que predicados relacionais desempenham dois papéis distintos, a saber: (1) referir-se uma relação; (2) correlacionar objetos com posições argumentais. Nesse sentido, falhas de intersubstitutividade entre predicados correferentes são explicáveis notando-se que predicados relacionais que coincidem quanto a (1) podem não coincidir quanto a (2). Ademais, o PR parece ser falseado pela linguagem natural. Consideremos dois deles. Quanto ao primeiro, há muitos contextos em que um nome ocorre precedido por atributos, contextos esses que parecem ser perfeitamente extensionais e, não obstante, não há substituição salva veritate. Quanto ao segundo contraexemplo, pronomes podem não ser intersubstituíveis salva congruitate com outros nomes correferentes ou com outros pronomes devido a diferenças de caso gramatical. Com base nisso, Macbride chega uma reformulação do PR, aqui chamada de PR2. A formulação de PR2 garante que as expressões

correferenciais que ele governa são sintaticamente substituíveis, de modo que descrições definidas, nomes próprios antecedidos por atributos e pronomes em casos gramaticais distintos não são contraexemplos. Ademais, ela acomoda a possibilidade de que expressões correferentes sejam intersubstituíveis salva congruitate em alguns contextos extensionais C, mas não em outros C*. PR2, além disso, restringe seu alcance a expressões puramente referenciais, que são

destituídas do conteúdo extra que é expresso por pronomes em diferentes casos gramaticais. Frege, portanto, não deveria ter aceitado o PR. Somente quando seu alcance é restrito para expressões puramente referenciais (como faz PR2) tal princípio parece ser cogente. No entanto,

como predicados são expressões de referência impura, não se segue de PR2 que termos

singulares são insusceptíveis de serem usados para designar o referente de predicados. Destarte, não é preciso hesitar em especificar o referente de um predicado como ‘ξ é um cavalo’, uma vez que nada obsta que se especifique seu referente usando expressões como ‘a propriedade de

(19)

ser um cavalo’, ‘o referente de “ξ é um cavalo”’ ou ‘o conceito cavalo’. Portanto, tampouco há razão para negarmos que o conceito cavalo seja um conceito.

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2. FUNDAMENTAÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE CONCEITO E OBJETO NA TEORIA DE FREGE

2.1. Sobre a passagem da distinção entre termo-sujeito e termo-predicado para a distinção entre argumento e função

A regimentação de sentenças herdada da tradição aristotélica era baseada em termos, a saber, um termo-sujeito e um termo-predicado. Paralelamente, a lógica desenvolvida pelos estoicos era uma lógica sentencial, ocupando-se de regras de inferência válidas e de argumentos cuja validade depende tão-somente de conectivos sentenciais e do modo como estes estão dispostos em sentenças complexas – i.e. argumentos tautologicamente válidos. Por fim, Boole havia procurado combinar ambas num sistema algébrico capaz de expressar ambos os tipos de sentenças, por ele denominadas, respectivamente, de proposições primárias e secundárias.1

Ter aceitado a assunção de que juízos são compostos por um sujeito e um predicado decorreu, para Frege, de deixar-se levar pela estrutura das línguas indo-europeias. A dissociação em relação à tradição justifica-se, em sua lógica, pelo fato de a tradição ter-se deixado pautar demasiadamente pela gramática da linguagem natural. Nesse sentido, como a Conceptografia2 propõe-se como uma linguagem formal do pensamento puro, as linguagens naturais historicamente desenvolvidas não podiam servir-lhe de molde confiável.3 Sobre o que é, de fato, representado em sua Conceptografia, diz Frege:

Todos os fenômenos da linguagem que derivam do intercâmbio entre falante e ouvinte (...) não possuem nenhum correspondente em minha linguagem formal, pois no juízo considera-se somente aquilo que tem influência sobre as possíveis consequências. (FREGE, BS, §3)4

Frege procura mostrar que a distinção entre sujeito e predicado se baseia em atitudes subjetivas daquele que profere a sentença, as quais não constituem características lógicas. O que é identificado como o sujeito de uma sentença é aquilo a que o proferidor atribui relevância em particular, de sorte que o sujeito é tido como aquilo sobre o que o juízo predominantemente

1 Cf. NOONAN, 2001, p. 25.

2 Note-se que uso o termo ‘Conceptografia’ para remeter à linguagem formal desenvolvida por Frege,

reservando o termo ‘Begriffsschrift’ à sua obra de 1879.

3 Cf. SLUGA, p. 83.

4 No original: Alle Erscheinungen nun in der Sprache, die nur aus der Wechselwirkung des Sprechenden und des

Hörenden hervorgehen (…) haben in meiner Formelsprache nichts Entsprechendes, weil im Urtheile hier nur das in Betracht kommt, was auf die möglichen Folgerungen Einfluss hat.

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versa. Dito de outro modo, o lugar do sujeito em uma dada sequência de palavras corresponde a uma posição à qual o proferidor quer atribuir particular importância ou atenção.5

O conteúdo conceptual do juízo cujo propósito da Conceptografia de Frege é representar consiste naquilo que é apto a influenciar quais consequências lógicas são deriváveis de dadas sentenças, e nada além disso. Dito de outro modo, aquilo e somente aquilo que é necessário à determinação de consequências lógicas é expresso por completo, de sorte que se ocupa tão-somente de relações lógicas entre conteúdos conceptuais de juízos. Sob esse aspecto, portanto, a distinção entre sujeito e predicado torna-se irrelevante, como se depreende da seguinte passagem.6

Não ocorre uma distinção entre sujeito e predicado na minha representação de um juízo. Para justifica-lo, observo que os conteúdos de dois juízos podem ser distintos de dois modos: de um lado, as consequências que podem ser extraídas do primeiro, quando em conexão com outros juízos, também se seguem do segundo em conjunção com os mesmos juízos; de outro lado, esse não é o caso.

(FREGE, BS, §3)7

Tais formas de regimentação mostraram-se incapazes de reconhecer padrões de inferência válidos para sentenças contendo quantificadores aninhados. Para solucionar esse problema, Frege substituiu as noções gramaticais de termo-sujeito e termo-predicado pelas noções lógicas de função e argumento. Destarte, uma sentença como ‘Hidrogênio é mais leve do que dióxido de carbono’ deixou de ser vista como uma atribuição do predicado ‘é mais leve do que dióxido de carbono’ ao sujeito ‘Hidrogênio’, mas sim como: (1) o valor da função ‘ξ é mais leve do que ζ’ para os argumentos ‘Hidrogênio’ e ‘dióxido de carbono’, respectivamente; (2) o valor da função ‘Hidrogênio é mais leve do que ξ’ para o argumento ‘dióxido de carbono’, ou; (3) o valor da função ‘ξ é mais leve do que dióxido de carbono’ para o argumento ‘Hidrogênio’. Ademais, pode também ser regimentada de tal maneira que ‘ξ é mais leve do que dióxido de carbono’ seja o argumento de uma função cujo valor é a sentença original. Nesse caso, essa função tem por referente o conceito ser instanciada por hidrogênio e se trata de uma

5 Cf. SLUGA, p. 84.

6 Cf. SLUGA, p. 84.

7 No original: „Eine Unterscheidung von Subject und Prädicat findet bei meiner Darstellung eines Urtheils nicht

statt. Um dies zu rechtfertigen, bemerke ich, dass die Inhalte von zwei Urtheilen in doppelter Weise verschieden sein können: erstens, dass die Folgerungen, die aus dem einen in Verbindung mit bestimmten andern gezogen werden können, immer auch aus dem zweiten in Verbindung mit denselben andern Urtheilen folgen; zweitens so, dass dies nicht der Falll ist.“

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função linguística da segunda-ordem que mapeia funções linguísticas de primeira-ordem em sentenças. Sobre essa análise e sua relação com o conteúdo conceptual, diz Frege:

Se nós pensarmos na circunstância em que o hidrogênio é mais leve do que o dióxido de carbono expressa em nossa linguagem formal, então podemos, em lugar do símbolo para o hidrogênio, inserir o símbolo para o oxigênio ou para o nitrogênio. Através disso, muda-se o sentido, de modo que ‘oxigênio’ e ‘nitrogênio’ entram na relação em que outrora ‘hidrogênio’ estivera. Ao se pensar numa expressão como sendo desta sorte mutável, esta decompõe-se em um componente constante que expressa a totalidade das relações, e em um símbolo que é pensado como substituível por outros e o qual se refere ao objeto que se encontra nessas relações. Essa distinção não tem nada que ver com o conteúdo conceptual, mas sim trata-se somente de uma questão de apreensão. (FREGE, BS, §9)8

Tal nova regimentação permitiu a introdução de quantificadores ligados aos argumentos em questão, o que, por sua vez, permitiu que a quantificação pudesse ser feita de maneira aninhada sem qualquer possibilidade de ambiguidade quanto ao escopo dos quantificadores envolvidos.

Para exemplificar como tal regimentação contribui para a determinação da validade de argumentos, tomemos as seguintes sentenças: (1) Todos mataram a si próprios; (2) Catão matou Catão; (3) Alguém matou Catão. Se assumirmos, como antes de Frege se fizera, que toda sentença possui um único sujeito e um único predicado, teríamos de considerar que o sujeito de (2) é ‘Catão’ e que seu predicado é ‘matou Catão’, donde se pode validamente inferir (3). Ao fazê-lo, no entanto, torna-se impossível aferir a validade da inferência de (2) a partir de (1), uma vez que o predicado expresso em (1) seria ‘mataram a si próprios’ e o predicado expresso por (2) ‘matou Catão’, de sorte que ambos designariam propriedades distintas.

Como explica Textor, sentenças podem ser decompostas em funções e argumentos quando e porque inferimos sentenças particulares de leis gerais. As insaturações presentes em

8 No original: „Denken wir den Umstand, dass Wasserstoff-gas leichter als Kohlesäuregas ist, in unserer

Formelsprache ausgedrückt, so können wir an die Stelle des Zeichens für Wasserstoffgas das Zeichen für Sauerstoffgas oder das für Stickstoffgas einsetzen. Hierdurch ändert sich der Sinn in der Weise, dass "Sauerstoffgas" oder "Stickstoffgas" in die Beziehungen eintritt, in denen zuvor "Wasserstoffgas" stand. Indem man einen Ausdruck in dieser Weise veränderlich denkt, zerfällt derselbe in einen bleibenden Bestandteil, der die Gesamtheit der Beziehungen darstellt, und in das Zeichen, welches durch andere ersetzbar gedacht wird, und welches den Gegenstand bedeutet, der in diesen Beziehungen sich befindet. Den ersteren Bestandteil nenne ich Function, den letzteren ihr Argument. Diese Unterscheidung hat mit dem begrifflichen Inhalte nichts zu tun, sondern ist allein Sache der Auffassung.“

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funções podem ser marcadas por letras gregas ou por diferentes tipos de parênteses. A função é o componente comum entre a sentença geral e a sentença particular que a ela pertence, de sorte que a inserção de termos singulares nas insaturações da função torna-a uma sentença particular, ao passo que a inserção de uma letra grega em tais insaturações torna-a uma sentença geral.9

Considerar uma sentença no contexto de uma gama de alternativas torna possível discernir o padrão comum em tal gama que é instanciado por uma dada sentença proferida. Pode-se, então, discernir na sentença o componente que ela possui em comum com os demais membros da gama, i.e. sua parte invariável ou expressão funcional, bem como o componente que a distingue dos demais membros da gama, i.e. sua parte variável ou expressão argumental.10

Comentadores como Dummett e Kenny sustentam que Frege propôs duas concepções distintas de função. Em BS, funções são expressões linguísticas, também chamadas de funções linguísticas. Tais expressões tomam como argumento expressões completas e fornecem como valor uma sentença. Após propor a análise do conteúdo conceptual em sentido e referência, no entanto, funções serão descritas como estando no plano dos referentes de expressões, e não das próprias expressões. Isso coaduna-se com a interpretação segundo a qual, em BS, explica-se a quantificação universal dizendo que o functor fornece, para toda expressão que toma como argumento, uma sentença verdadeira, ao passo que, posteriormente, Frege explica tal quantificação dizendo que a função referida pelo componente insaturado da sentença (portanto, o referente de tal expressão) mapeia todo argumento (referente da expressão argumental) no valor-de-verdade o Verdadeiro (o referente de uma sentença verdadeira).11

Quando se assere, por exemplo, que todos são alemães, considera-se que a função

ξ é alemão retrata um fato para todo objeto que tome como argumento. Tal asserção geral recai

sobre uma função que mapeia n-uplas de objetos sobre valores-de-verdade. Tais funções são chamadas ‘conceitos’. Esses conceitos existem e relacionam-se mutuamente, quer haja objetos por eles mapeados no Verdadeiro, quer não.12

Destarte, não apenas a expressão do conteúdo conceptual como também esse próprio conteúdo possui uma estrutura analisável em função e argumento. Assim como

9 Cf. TEXTOR, 2011, p. 89.

10 Cf. TEXTOR, 2011, p. 91.

11 Cf. KENNY, p. 103. Cf. DUMMETT, p. 170.

(24)

functores são identificáveis em uma sentença variando-se constituintes e mantendo-se outros constantes, funções são identificáveis em um conteúdo conceptual pelo mesmo procedimento.13 Acerca de predicados e sua identificação por análise a partir de juízos, diz Frege:

Em vez de construir o juízo de um indivíduo como sujeito com um conceito já previamente formado como predicado, decomponhamos, ao contrário, o conteúdo conceitual e obtenhamos, assim, o conceito. Contudo, a expressão do conteúdo conceptual, para ser assim decomposta, deve já estar, ela própria, estruturada. Disso se pode inferir que, ao menos as propriedades e relações insusceptíveis de ulterior decomposição devem ter designações próprias simples. Disso não se segue, contudo, que as idéias dessas propriedades e relações são formadas em apartado das coisas, mas sim que elas surgem concomitantemente ao primeiro juízo, através do qual elas são atribuídas a coisas. Por isso suas designações jamais aparecem isoladamente na Conceptografia, mas sempre em conexões que expressam conteúdos conceptuais. Um símbolo de uma propriedade jamais aparece sem que a coisa à qual ela é atribuída seja, ao menos, indicada, assim como a designação de uma relação jamais aparece sem a indicação das coisas que nela se encontram relacionadas. (FREGE,

Booles rechnende Logik und die Begriffsschrift, p. 18)14

Na sentença ‘A Terra é mais massiva do que a Lua’, a Terra e a Lua fazem parte do conteúdo conceptual expresso. É possível subtrair ambos os corpos celestes da circunstância expressa pela sentença e manter o que resta. Dito de outro modo, ao imaginar a Terra e a Lua sendo substituídas por outros objetos, tais como Vênus e Marte, efetua-se a subtração de tais objetos da circunstância sob consideração. Imaginando-se tal subtração, distingue-se, na circunstância de que a Terra é mais massiva do que a Lua, um componente constante e dois

13 Cf. TEXTOR, 2011, p. 96.

14 No original: Statt also das Urteil aus einem Einzeldinge als Subjecte mit einem schon vorher gebildeten Begriffe

als Praedicate zusammen zu fügen, lassen wir umgekehrt den beurteilbaren Inhalt zerfallen und gewinnen so den Begriff. Allerdings muss der Ausdruck des beurteilbaren Inhaltes, um so zerfallen zu können, schon in sich gegliedert sein. Man kann daraus schliessen, dass mindestens die nicht weiter zerlegbaren Eigenschaften und Beziehungen eigne einfache Bezeichnungen haben müssen. Daraus folgt aber nicht, dass losgelöst von den Dingen die Vorstellungen dieser Eigenschaften und Beziehungen gebildet werden; sondern sie entstehen zugleich mit dem ersten Urteile, durch das sie Dingen zugeschrieben werden. Daher treten ihre Bezeichnungen in der Begriffsschrift nie vereinzelt auf, sondern immer in Verbindungen, welche beurteilbare Inhalte ausdrücken. Ich möchte dies mit dem Verhalten der Atome vergleichen, von denen man annimmt, dass nie eins allein vorkommt, sondern nur in einer Verbindung mit andern, die es nur verlässt, um sofort in eine andere einzugehen. Ein Zeichen einer Eigenschaft erscheint nie, ohne dass sein Ding wenigstens angedeutet wäre, dem diese Eigenschaft zukäme, die Bezeichnung einer Beziehung nie, ohne Andeutung der Dingen die in ihr ständen.

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componentes variáveis. É a essa parte constante de uma circunstância que Frege chama, inicialmente, de ‘conceito’.15 Sobre a identificação de relações em juízos, ele diz:

Ao separarmos a e b de um conteúdo asserível que versa sobre um objeto a e um objeto b, então mantemos um conceito-relação que é, destarte, duplamente susceptível de complementação. Quando nós separamos ‘a terra’ na sentença ‘A terra possui mais massa do que a lua’, então obtemos o conceito ‘possuir mais massa do que a lua’. Se nós, por outro lado, separarmos o objeto ‘a lua’, obtemos o conceito ‘possuir menos massa do que a terra’. Se separarmos ambos simultaneamente, resta um conceito-relação, o qual, por si mesmo, da mesma forma que um conceito simples, não possui sentido: ele precisa sempre de um complemente para tornar-se um conteúdo asserível. Mas isso pode ocorrer de diversos modos: em vez de terra e lua eu posso, por exemplo, inserir sol e terra e precisamente através disso efetiva-se a separação. (FREGE, Grundlagen der Arithmetik (1884), p. 82). 16

Destarte, assim como uma sentença pode ser analisada em expressões funcional e argumental, seu conteúdo conceptual, a circunstância por ela expressa, pode ser analisada em função e argumento.

2.2. Da noção fregeana de função

Em FB, Frege desenvolve sua noção de função e explicitamente identifica conceitos como sendo funções que mapeiam seus argumentos em valores de verdade. Em BS, Frege também utilizara a noção de função, porém restringira-a a expressões linguísticas. Mesmo em

GLA, em que a noção de conceito – e, a fortiori, a noção de função – é fundamental para levar

a cabo seu argumento de que asserções sobre números são asserções sobre conceitos, não há uma caracterização de conceitos de sorte a permitir que se conclua que se trata de uma espécie de função.

15 Cf. TEXTOR, 2011, p. 96.

16 No original: „Indem wir von einem beurtheilbaren Inhalte, der von einem Gegenstande a und von einem

Gegenstande b handelt, a und b absondern, so behalten wir einen Beziehungsbegriff übrig, der demnach in doppelter Weise ergänzungsbedürftig ist. Wenn wir in dem Satze: „die Erde hat mehr Masse als der Mond“ „die Erde“ absondern, so erhalten wir den Begriff „mehr Masse als der Mond habend“. Wenn wir dagegen den Gegenstand „der Mond“ absondern, gewinnen wir den Begriff „weniger Masse als die Erde habend“. Sondern wir beide zugleich ab, so bleibt ein Beziehungsbegriff zurück, der für sich allein ebensowenig wie ein einfacher Begriff einen Sinn hat: er verlangt immer eine Ergänzung zu einem beurtheilbaren Inhalte. Aber diese kann in verschiedener Weise geschehen: statt Erde und Mond kann ich z. B. Sonne und Erde setzen, und hierdurch wird eben die Absonderung bewirkt.“

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A análise tradicional de sentenças compreende-as como atribuindo algo a um dado sujeito. A análise de Frege, contudo, trata sentenças que atribuem propriedades a objetos como sendo um caso particular de uma função n-ária aplicada a n argumentos. Desta sorte, a lógica de predicados e a lógica de relações são reunidas sob uma única lógica.17 Essa nova análise é inspirada na linguagem formal da matemática, como se depreende do seguinte:

Estou até aqui seguindo inteiramente o exemplo da linguagem formal matemática, na qual somente de modo forçado se pode distinguir sujeito e predicado. (FREGE, BS, §3)18

Ao tempo em que Frege escreve, as expressões ‘função’ e ‘argumento’, quando usadas em contextos matemáticos, referem-se, no mais das vezes, a expressões que constituem uma fórmula matemática; há ocasiões, contudo, em que tais expressões são usadas para referir-se aos itens designados pelas expressões que ocorrem em fórmulas matemáticas. Há, portanto, mesmo entre os matemáticos ao tempo de Frege, uma ambiguidade entre os usos sintático e semântico dessas expressões.19

Ao introduzir a distinção entre função e argumento em BS, Frege deixa consideravelmente claro tratar-se de uma distinção sintática, de sorte que ambos são vistos como componentes sentenciais. A distinção, diz-se, nada tem que ver com conteúdo conceptual, vindo à tona apenas quando se quer ver uma expressão de um determinado modo. 20 Acerca da

distinção entre função e argumento, diz Frege:

Quando em uma expressão – cujo conteúdo não precisa ser judicável – aparece um símbolo simples ou composto em um ou mais lugares, e nós pensamos nesse símbolo em todos ou em alguns desses lugares como sendo substituível por outro – mas em todos os lugares pelo mesmo –, então chamamos a parte da expressão que aparece inalterada de ‘função’ e a parte substituível de seu ‘argumento’. (FREGE, BS, §9)21

Trata-se de um uso distinto, contudo, daquele que Frege viria a lançar mão posteriormente, quando usa as expressões ‘função’ e ‘argumento’ para designar os referentes

17 Cf. SLUGA, p. 84.

18 No original: “ Hierin folge ich ganz dem Beispiel der mathematischen Formelsprache, bei der man Subject und

Prädicat auch nur gewaltsamerweise unterscheiden kann.“

19 Cf. SLUGA, 1980, p. 85.

20 Cf. SLUGA, 1980, p. 86.

21 No original: „Wenn in einer Ausdrucke, dessen lnhalt nicht beurtheilbar zu sein braucht, ein einfaches oder

zusammengesetztes Zeichen an einer oder an mehren Stellen vorkommt, und wir denken es an allen oder einigen dieser Stellen durch Anderes, überall aber durch dasselbe ersetzbar, so nennen wir den hierbei unveränderlich erscheinenden Theil des Ausdruckes Function, den ersetzbaren ihr Argument.“

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de expressões linguísticas, reservando os termos ‘expressão funcional’ e ‘símbolo argumental’ para suas expressões designadoras.22

O foco de Frege, em BS, são itens linguísticos, isto é, sentenças, nomes e expressões funcionais que mapeiam nomes como seus argumentos em sentenças como seus valores. Dito de outro modo, não se tecem comentários no sentido de indicar a existência de uma regimentação que diga respeito não a tais itens linguísticos, mas também aos itens extralinguísticos por eles designados.

Posteriormente a GLA, Frege, tomando uma sentença como ‘Sócrates é sábio’, sustenta que, para além de ser possível distinguir um nome próprio (‘Sócrates’) e um predicado (‘ξ é sábio’) como seus componentes linguísticos, existe uma correspondência entre tal nome próprio e o objeto por ele designado e entre tal predicado e o conceito por ele designado, sendo tal conceito, também, uma função, porém uma que mapeia referentes de nomes próprios (i.e. objetos) sobre referentes de sentenças (i.e. valores-de-verdade), da mesma maneira que predicados de aridade n > 1 mapeiam n-uplas de objetos em valores-de-verdade.

Para Frege, conceitos têm sempre natureza predicativa, de sorte que o predicado ‘ξ é sábio’, o qual designa um conceito, jamais pode ter o mesmo referente que um nome próprio como ‘a sabedoria’. Isso se deve ao fato de que predicados são fundamentalmente incompletos, ao passo que nomes próprios são fundamentalmente completos. Predicados devem, portanto, ser designados por uma expressão lacunar e são o padrão exibido pelas sentenças que os contém. Isso faz com que nomes próprios e predicados tenham naturezas fundamentalmente distintas e sejam insusceptíveis de desempenhar o mesmo papel semântico. A essa distinção corresponde, ademais, uma distinção ontológica fundamental entre seus respectivos referentes, a saber, entre objetos e conceitos: nenhum conceito pode ser um objeto e vice-versa.23 Sobre essa distinção, esclarece Frege:

Objetos contrapõem-se a funções. Eu considero objetos, destarte, tudo o que não é uma função, como números, valores de verdade e (...) cursos-de-valores. Os nomes de objetos, os nomes próprios, não trazem consigo posições argumentais, eles são saturados como os próprios objetos. (FREGE, GGA, §2)24

22 Cf. SLUGA, 1980, p. 86.

23 Cf. NOONAN, 2001, p. 33.

24 No original: „Gegenstände stehen den Functionen gegenüber. Zu den Gegenständen rechne ich demnach Alles,

was nicht Function ist, z. B. Zahlen, Wahrheitswerthe und (…) Werthverläufe. Die Namen von Gegenständen, die Eigennamen, führen also keine Argumentstellen mit sich, sie sind gesättigt wie die Gegenstände selbst.“

(28)

A incompletude dos conceitos é, portanto, um caso especial da incompletude de funções de maneira geral. Como funções mapeiam objetos (se forem funções de primeira-ordem) ou outras funções (se forem funções de segunda-primeira-ordem) sobre objetos, é natural que sejam susceptíveis de serem completadas ou saturadas por argumentos, e o mesmo deve valer, segundo Frege, para conceitos. Dito de outro modo, o desenvolvimento de uma teoria funcional da predicação fez com que a concepção de conceitos como sendo itens insaturados e, portanto, fundamentalmente predicativos, nela se encaixasse naturalmente.25

Ao introduzir sua distinção entre sentido e referência, Frege pretende aplicá-la não apenas a nomes próprios, mas também a predicados e a sentenças. Quanto aos predicados, sustenta que sua referência é um conceito, o que não se confunde com sua extensão – i.e. a classe de objetos que o satisfazem. Isso se deve ao fato de que, como já mencionado, conceitos são essencialmente insaturados, ao passo que extensões são saturadas e, portanto, têm natureza objetual. Quanto ao sentido de predicados, vale destacar, também, que não se confunde com o conceito por tal predicado designado, uma vez que o critério para a identidade de conceitos, para Frege, é puramente extensional, de sorte que seu sentido reside, antes, na intensão empregada. No que tange às sentenças, Frege, lançando mão do princípio de composicionalidade da referência, chega à conclusão, por meio de uma inferência à melhor explicação, que se trata de seu valor-de-verdade, ao passo que designa o modo de determinação de tal valor de verdade – i.e. o sentido da sentença ou a proposição por meio dela expressa – ‘pensamento’.

Após GLA, como já dito, Frege não mais utiliza o termo ‘função’ para designar funções linguísticas, mas sim para se designar os itens extralinguísticos que constituem os referentes dessas expressões. Tais expressões passam a ser descritas como expressões insaturadas (ungesättigt), tratando predicados (em BS chamados simplesmente de ‘funções’) como sendo um tipo particular de expressão funcional, a saber, uma expressão funcional apta a designar propriedades e relações, i.e. expressões funcionais que mapeiam objetos sobre valores de verdade. De maneira análoga, o quantificador universal (o mesmo valendo para o existencial, embora este não tenha um símbolo autônomo em sua Conceptografia) é tratado como sendo uma função de segunda-ordem que mapeia conceitos de primeira-ordem em

(29)

verdade. Por fim, operadores também são tratados como sendo funções de primeira-ordem que mapeiam valores-de-verdade em valores-de-verdade.

Em FB, Frege sustenta ser a insaturação a principal característica de uma função. Essa insaturação presente em funções é explicada em termos da insaturação presente nas expressões funcionais que as designam. Em outras palavras: funções são itens susceptíveis de serem designados tão-somente por expressões linguísticas insaturadas, as quais são, por sua vez, padrões exibidos por expressões linguísticas complexas. Embora uma expressão como ‘2x³ + x’ exiba o padrão que designa uma função, ela não é o próprio padrão em questão. Isso tem por consequência o fato de que qualquer tentativa de atribuir o predicado ‘ξ é uma função’ a um item (o que traz consigo a necessidade de usar uma parte citável de uma expressão) formará necessariamente uma expressão malformada.26

É possível que duas funções apresentem os mesmos valores para os mesmos argumentos, como ocorre com as funções x² – 4x e x(x – 4). Note-se, no entanto, que a identidade é uma relação de primeira-ordem, podendo estabelecer-se tão-somente entre objetos, que só podem ser referentes de expressões saturadas. Porém, existem, segundo Frege, objetos associados a funções, a saber, seus cursos-de-valores, de tal sorte que se pode, de maneira sintaticamente coerente, asserir que o valores de uma função é idêntico ao curso-de-valores de outra (simbolicamente, na notação utilizada por Frege, ἐ𝜑(𝜀) = ἀ𝜓(𝛼)). Extensões são, portanto, classes de sequências ordenadas de objetos e valores-de-verdade. Isso implica que mesmo conceitos vazios são dotados de extensão, tendo como último elemento de cada sequência ordenada o valor-de-verdade o Falso. Tal extensão, para Frege, tem a mesma cardinalidade para todos os conceitos, uma vez que todo objeto do domínio (irrestritamente, do universo) é associado pelo conceito a um valor-de-verdade.

2.3. Da noção fregeana de objeto

Como Frege admite que objetos de qualquer tipo possam ocupar o papel de argumentos e valores de funções, cumpre perguntar o que é, para ele, um objeto. A essa pergunta Frege responde dizendo que objeto é tudo aquilo que não é uma função e, por conseguinte, tudo aquilo cuja expressão designadora não contém insaturações. Ora, como sentenças são saturadas, segue-se que seu referente deve ser um objeto. E se, como vimos,

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valores-de-verdade são os referentes de sentenças, segue-se que valores-de-verdade são objetos. Por raciocínio análogo, como expressões que designam cursos-de-valores são saturadas, segue-se que cursos-de-valores (e, a fortiori, extensões) são objetos. Sobre essa caracterização de objetos, ele conclui:

Se nós permitimos objetos desse modo sem restrições como argumentos e como valores funcionais, então pergunta-se agora o que se está aqui denominando de objeto. Eu julgo ser uma definição escolar impossível, pois nós temos aqui algo que, devido à sua simplicidade, não admite análise lógica. É apenas possível indicar aquilo que se quer dizer. Aqui pode-se apenas dizer brevemente: objeto é tudo aquilo que não é uma função, cuja expressão, portanto, não traz consigo uma lacuna.

(FREGE, FB, p. 18) 27

Faz-se necessário contrastar aquilo que Frege entende por ‘objeto’ e a visão ordinária segundo a qual trata-se de uma noção empírica adquirida por intermédio de ostensão. Esta última visão traz consigo três pressupostos, a saber: (1) existem objetos; (2) objetos podem ser conhecidos por acquaintance; (3) essa acquaintance dá-se por percepção sensorial; (4) aprende-se que um item é um objeto quando alguém aponta para tal item e diz algo como ‘Isto é um objeto’. Segundo tal visão, o objeto é, via de regra, um item espaço-temporal apto a ser imediatamente sensorialmente percebido.28

A visão de Frege assemelha-se à proposta de Kant, que tomava a noção de objeto como sendo formal, distinguindo-se dela, contudo, ao negar que a sensibilidade seja necessária para o conhecimento de tais objetos. Uma razão para tanto é que, segundo Frege, o conteúdo de um juízo (i.e. o pensamento por ele expresso) é um objeto por excelência. Contudo, pensamentos não são itens espaço-temporais, de sorte que não são dados à sensibilidade.29

Frege caracteriza objetos por intermédio das propriedades das expressões que os designam, de sorte que transforma um problema até então tido como ontológico num problema de semântica formal. Expressões que designam objetos são denominadas por Frege de ‘nomes próprios’, termo que abrange tanto nomes próprios em sentido estrito como descrições definidas. Frege oferece quatro critérios para a identificação de uma expressão como sendo um

27 No original: „Wenn wir so Gegenstände ohne Einschränkung als Argumente und als Funktionswerte zugelassen

haben, so fragt es sich nun, was hier Gegenstand genannt wird. Eine schulgemäße Definition halte ich für unmöglich, weil wir hier etwas haben, was wegen seiner Einfachheit eine logische Zerlegung nicht zuläßt. Es ist nur möglich, auf das hinzudeuten, was gemeint ist. Hier kann nur kurz gesagt werden: Gegenstand ist alles, was nicht Funktion ist, dessen Ausdruck also keine leere Stelle mit sich führt.“

28 Cf. SLUGA, 1980, p. 122.

(31)

nome próprio, a saber: (1) não se inicia por um artigo indefinido (permite-se, por outro lado, que artigos definidos iniciem-no); (2) não contém variáveis livres; (3) não pode ocorrer como predicado em uma sentença (podendo, contudo, ser parte de um predicado); (4) é apta a ser um dos argumentos da relação de identidade.30

À luz de tais requisitos, depreende-se que sentenças também são nomes próprios. Evidentemente, tais expressões satisfazem os critérios (2) e (3). (4) também é satisfeito, uma vez que Frege não distingue identidade e bicondicional (equivalência material). Destarte, sentença são nomes próprios e, por conseguinte, designam objetos. Note-se que os critérios formais estabelecidos para que uma expressão seja considerada um nome próprio trazem consigo a tese de que objetos são itens completos, carregando consigo suas condições de identidade.31

2.4. Sobre as noções de juízo e de conceito

A visão esposada por Frege abrange ao menos quatro componentes, a saber: (1) uma tese epistêmica a respeito do conteúdo de juízos; (2) uma descrição da relação entre juízos e conceitos; (3) uma tese acerca da natureza dos conceitos, e; (4) um princípio metodológico de análise do significado.32

Quanto a (1), trata-se da tese de que o conteúdo dos juízos é epistemicamente primário, isto é, que tal conteúdo não é epistemicamente derivado de elementos a partir dos quais ele seria formado, mas sim é anterior a tais elementos, que somente podem ser obtidos derivadamente, mediante análise.

No que diz respeito a (2), conceitos, ao contrário dos juízos, não são primários e, portanto, são obtidos através da decomposição de juízos por análise, de sorte que tais conceitos não são dados separadamente e tampouco o juízo é composto a partir de constituintes previamente dados. Juízos são, portanto, não apenas epistêmica, mas também logicamente primários, inclusive em relação a conceitos. Trata-se da rejeição ao pensamento de que juízos são agregativos.33 A respeito da decomposição de juízos e de sua precedência em relação a conceitos, Frege diz:

Ora, eu não acredito que a formação do conceito possa preceder o juízo, pois isso requereria uma existência autônoma do conceito;

30 Cf. SLUGA, 1980, p. 122.

31 Cf. SLUGA, 1980, p. 122.

32 Cf. SLUGA, 1980, p. 92.

Referências

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