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A modificação corporal pela via da cirurgia plástica: o feminino e a cultura

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

TAÍSE FRANCIELE TOLFO

A MODIFICAÇÃO CORPORAL PELA VIA DA CIRURGIA PLÁSTICA:

O FEMININO E A CULTURA

IJUÍ-RS

2012

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TAÍSE FRANCIELE TOLFO

A MODIFICAÇÃO CORPORAL PELA VIA DA CIRURGIA PLÁSTICA:

O FEMININO E A CULTURA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Psicologia como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo junto ao Departamento Humanidades e Educação - DHE da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI.

Orientação: Professora Dr. Lala Catarina Lenzi

IJUÍ-RS 2012

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TAÍSE FRANCIELE TOLFO

A MODIFICAÇÃO CORPORAL PELA VIA DA CIRURGIA PLÁSTICA:

O FEMININO E A CULTURA

ORIENTADORA:

Professora Dr. Lala Catarina Lenzi

BANCA EXAMINADORA: Professora Ana Maria de Souza Dias

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RESUMO

A modificação corporal, com frequência cada vez maior entre as mulheres e ao mesmo tempo enaltecida significativamente pela mídia e pelo contexto social têm se configurado atualmente um novo modo de expressão para o corpo feminino. Nesse trabalho busco responder aos questionamentos sobre a imagem do corpo que é buscada através das intervenções cirúrgicas, e em especial a cirurgia plástica. Investiguei também acerca das razões que levam tantas mulheres a participar do culto ao corpo, entregando-o aos cirurgiões plásticos. Este trabalho foi subsidiado teoricamente pela via do referencial psicanalítico, que permite entender como se dá a constituição do corpo e da imagem do sujeito e quais as questões do universo feminino se fazem presentes em um processo de modificação corporal, assim como os elementos da cultura e do social, que influenciam o sujeito.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 05

CAPÍTULO I: A CONSTITUIÇÃO DO CORPO E DA SUA IMAGEM... 07

1.1 Constituindo um Corpo e uma Imagem... 07

1.2 O Narcisismo... ... 09

1.3 O Estádio do Espelho... 12

1.4 O Complexo de Édipo... 14

CAPÍTULO II: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CORPO FEMININO NA CONTEMPORANEIDADE... 18

2.1 Breve recorte histórico sobre o corpo da mulher... 18

2.2 A importância da mídia no fenômeno do culto ao corpo... 21

2.3 O Culto ao Corpo e a Sociedade do Espetáculo... 25

CAPÍTULO III: A MODIFICAÇÃO/TRANSFORMAÇÃO CORPORAL... 29

3.1 A Cirurgia Plástica... 29

3.2 O Feminino Versus a Cirurgia Plástica... 34

3.3A Modificação Corporal e os Excessos... 38

CONCLUSÃO... 44

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INTRODUÇÃO

Atualmente, podemos tomar conhecimento de um grande movimento do feminino visando à realização de cirurgias plásticas. Esse assunto tem ocupado um lugar de destaque no atual contexto do culto ao corpo, e expressivamente, no universo feminino, apesar de já fazer parte também do universo masculino. De modo algum, parece estar restrito àquelas mulheres que de fato se submetem a estas intervenções. De maneira geral, as formas do corpo feminino e a grande diversidade de procedimentos cirúrgicos para moldá-lo são temas que estão no discurso e na imaginação de um número cada vez maior de mulheres; o que tem levado, de uma maneira ou de outra, a se posicionarem diante dessa questão, partindo da imagem que fazem do seu próprio corpo.

É através do atual cenário social que surgiu o interesse em discutir o feminino e a modificação corporal pela via da cirurgia plástica. Nesse sentido, é importante questionarmos: como constituímos um corpo e a sua imagem? Que referências de corpo e imagem a cultura tem disponibilizado aos sujeitos? Os sujeitos que não se identificam nesta cultura, o que é possível fazer para inserir-se nela? Por que as mulheres se expõem a riscos e desconfortos resultantes do processo de uma intervenção cirúrgica? O que a mulher busca afinal obter através desse procedimento?

A presente pesquisa busca identificar as possíveis causas que levam a mulher a se submeter ao processo de modificação do seu corpo através da cirurgia plástica; sendo este o objetivo geral. O estudo dessa temática se justifica na medida em que se percebe um grande movimento feminino na busca pelo “corpo perfeito”. E nos dias de hoje com a medicina estética tão avançada, com técnicas novas e materiais mais desenvolvidos, a cirurgia plástica tem feito muito sucesso com as mulheres preocupadas com a beleza e com a imagem.

Atualmente, observamos a presença de um discurso social que está na mídia, com modelos ou padrões de juventude, que de alguma forma convocam as mulheres a se questionar sobre a sua imagem e a “auto-estima” em relação ao seu corpo. Esse discurso de alguma forma espera das mulheres uma resposta de insatisfação, pois é através desta que muitas recorrem aos métodos para modificar seu corpo.

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Neste sentido, os objetivos específicos estabelecidos são: apresentar a constituição do corpo e da imagem através da teoria psicanalítica; entender de que modo na contemporaneidade é vista a questão do corpo e da sua imagem no feminino. E refletir sobre a prática da cirurgia plástica entre as mulheres.

A presente proposta de estudo é, sobretudo, de cunho teórico, ou seja, uma pesquisa bibliográfica. Realiza-se através do estudo e do entendimento das noções teóricas e conceitos oriundos da psicanálise. Conceitos, os quais estão implicados com a temática proposta.

A pesquisa encontra-se dividida em três capítulos. O primeiro foi destinado à constituição do corpo e da sua imagem; para isso abordamos a constituição psíquica segundo a teoria psicanalítica. Buscamos abordar conceitos importantes dessa teoria, como narcisismo, estádio do espelho e o complexo de Édipo.

Quanto ao segundo capítulo, nos ocupamos das discussões ligadas ao corpo na contemporaneidade. Nesse percurso, fizemos o resgate da história do corpo da mulher, em específico no discurso médico-higienista do começo do século XX. Relacionamos a importância da mídia no fenômeno do culto ao corpo e discorremos sobre a sociedade do espetáculo.

O terceiro e último capítulo foi construído buscando abordar a modificação corporal, especialmente a cirurgia plástica. Primeiramente esclarecemos no que se constitui este tipo de prática, relacionado o feminino com a demanda pela intervenção cirúrgica, discorrendo também sobre a modificação corporal e seus excessos.

É importante que uma estudante de Psicologia se aprofunde neste tema, uma vez que essa ênfase no cuidado centrado no corpo vem aumentando em nossa cultura. Isso desencadeia problemas em relação à saúde física e psíquica. Além dos riscos físicos de qualquer operação, na cirurgia plástica, problemas psíquicos podem ser atribuídos ao corpo físico. Cabe então, aos profissionais da psicologia, se interrogar sobre a cultura de seu tempo e de outras épocas, o homem com a cultura em que vive, uma vez que a constituição subjetiva está articulada ao Outro e a sociedade.

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CAPÍTULO I: A CONSTITUIÇÃO DO CORPO E DA SUA IMAGEM

Compor uma imagem corporal exige uma complicada operação psíquica, uma negociação com os olhares outros, que do espelho nos olham. Com que rigor ou com que benevolência o espelho nos espreita? 1

1.1 Constituindo um Corpo e uma Imagem

As mudanças na percepção dos sujeitos em relação ao corpo são conseqüências das modificações culturais decorrentes do processo histórico. Em cada época os ideais de corpo se modificam, a partir do estabelecimento de novas referências que a cultura oferece. No entanto, a partir da perspectiva psicanalítica, o acesso do sujeito2 e de seu corpo à ordem da cultura está relacionado a um complexo processo de subjetivação, que se constitui por meio das relações parentais, as quais permanecem como referências durante toda a vida do sujeito.

Segundo a Psicanálise, para que haja a constituição psíquica, é necessária outra estrutura subjetiva para a sua sustentação, ou seja, há desenvolvimento do sujeito à medida que este for inserido em um contexto cultural, constituído pela linguagem e atravessado pelo desejo.

Portanto, o sujeito constitui sua imagem corporal a partir de suas relações da primeira infância, de como a mãe delimita seu corpo, ao cuidar de sua higiene e tratando de forma diferenciada cada parte do corpo de seu bebê. A mãe apresenta a criança a sua imagem corporal, da qual o sujeito se apropria. É a imagem que passa pelo Outro3, que neste momento é encarnado pela mãe.

Para pensarmos a questão da imagem corporal faz-se necessário abordar a diferença entre esquema corporal e a imagem corporal. O primeiro diz respeito ao corpo biológico, que pode ser visto e tocado pelas outras pessoas. É o corpo que se sabe que é desenvolvido com

1 BRASIL, 2002, p.34

2 Sujeito: ser humano submetido às leis da linguagem que o constituem, e que se manifesta de forma privilegiada

nas formações inconsciente (CHEMAMA, 1995, p.208)

3 Outro: lugar onde a psicanálise situa, além do parceiro imaginário, aquilo que, anterior e exterior ao sujeito,

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braços, pernas, peso, medidas; entretanto, o corpo é representado pelo sujeito, não sendo este, o real da carne. A esse respeito, nos esclarecemos:

O esquema corporal é uma realidade de fato, sendo de certa forma nosso viver carnal no contato com o mundo físico; reporta o corpo atual no espaço à experiência imediata. Ele pode ser independente da linguagem, é inconsciente, pré-consciente e consciente. O esquema corporal é, em principio, o mesmo para todos os indivíduos (aproximadamente da mesma idade, sob o mesmo clima) da espécie humana. A imagem do corpo, em contrapartida, é peculiar a cada um: está ligada ao sujeito e à sua história. Ela é especifica de um tipo de relação libidinal. A imagem do corpo é a síntese viva de nossas experiências. Ela pode ser considerada como a encarnação simbólica inconsciente do sujeito desejante. A imagem do corpo é, a cada momento, memória inconsciente de todo o vivido relacional e, ao mesmo tempo, ela é atual, viva, em situação dinâmica, simultaneamente narcísica e inter-relacional: camuflável ou atualizável na relação aqui e agora, por qualquer expressão linguareira, desenho, modelagem, invenção musical, plástica, assim como mímica e gestos. É graças à nossa imagem do corpo sustentada por – e que se cruza com – nosso esquema corporal que podemos entrar em comunicação com outrem. (DOLTO, 1984, p.14-15).

O esquema corporal está na ordem do tempo e do desenvolvimento neurológico, parte das questões biológicas, é um corpo estudado fisicamente, com órgãos e membros que são trabalhados pontualmente. Já a imagem corporal é inconsciente, é aquela da qual o sujeito se apropria a partir de seu reconhecimento no espelho, e quem faz o espelho para a criança é a mãe.

A imagem corporal refere-se ao corpo inserido na linguagem, a este corpo da psicanálise, delimitado pela mãe, com sua historia própria e inserido no social. “Não pode ser medida ou quantificada; a IC é singular, constitutiva do sujeito e inconsciente” (YAÑES, 1994, p. 40). O corpo primeiramente pertence à ordem do imaginário, sendo que este passa pelo olhar do Outro, que o sujeito imagina que o Outro demanda dele. O corpo que nasce é o biológico, e a partir do Outro, que seria a mãe ou quem faz a função materna, nasce o sujeito singular e com uma imagem corporal própria.

A mãe é trabalhada como função, ou seja, a pessoa que cuida, e não necessariamente a mãe biológica. O conceito de função é importante, pois remete a alguém ou a várias pessoas que fazem o papel de mãe, significando o corpo da criança. Antes de a criança nascer os pais imaginam como será seu corpo, seus olhos, escolhem um nome, imaginam como será sua personalidade, sua futura profissão, enfim, já há um sujeito que participa da vida familiar. Esses sentimentos fazem parte de uma gravidez que não é apenas biológica, mas que envolve os desejos dos pais. A mãe ocupa-se de sua função e aos poucos esses momentos inserem a criança na linguagem, o que faz um sujeito diferenciar-se de um animal.

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A mãe oferece seu seio à criança, que recebe com extrema satisfação; ela toma o corpo da criança e cuida-o com carinho e dedicação, do seu pequeno corpo toma os orifícios, seu xixi, seu cocô. A mãe então, devolve à criança o que cada uma dessas partes significa, fazendo um papel de espelho, espelho que passa pelo Outro primordial, a mãe.

O sujeito se constitui a partir do Outro; a mãe primeiramente ocupa este lugar, e posteriormente a cultura. A mãe que delimita o corpo, pega a carne do bebê como desejante e demanda algo dele. “O Outro primordial, a mãe, faz, neste sentido, um verdadeiro esforço: toma o peito como um dom, o cocô como um presente, a voz como chamado, o olhar como interpelação” (JERUSALINSKI, 2002, p.26). Quando a criança nasce, há apenas o que é do instinto biológico; o choro primeiramente não tem demanda, mas a mãe interpreta isto que vem do bebê, como se fosse a falta de comida, de carinho, dor, supondo ali um sujeito desejante. Ao cuidar do corpo da criança a mãe modula as pulsões, tratando de maneira diversa os orifícios do corpo do bebê, cada parte, membro, de uma maneira, diferente.

Lacan põe em questão a “prematuração específica do nascimento no homem” (1949, p.100), o que vem a significar que, o ser humano é o único ser vivo que necessita de um outro semelhante para se constituir como sujeito, pois há uma impossibilidade simbólica de sobrevivência, além do desenvolvimento orgânico que o bebê demanda. Este último, no entanto, pode ser contestado, pois já houve casos em que crianças criaram-se com animais e sobreviveram, com “pensamento” e imagem própria da espécie que o criou.

1.2 O Narcisismo

A mãe, ao se distanciar de seu filho, instaura a falta que é imprescindível para a constituição de um sujeito. Esse afastamento faz com que a criança busque a satisfação em outros objetos e permaneça insatisfeita, sendo essa, condição de um sujeito desejante, que está sempre em busca da plenitude perdida. Esse distanciamento ocorre aos poucos, havendo o desmame, o controle do xixi e depois do cocô, o desejo da mãe além da criança, ou seja, o desejo pelo pai. Esta é a função paterna, em que a mãe distancia seu olhar da criança, ou seja, ama alguém além da criança. A mãe divide seu amor entre a criança e o pai e os olha de

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maneira diferente, pois seus sentimentos amorosos e demandas vêm a partir de lugares diferentes.

Para a criança esse processo é vivido com extrema angústia, fazendo-se necessário que ela simbolize a ausência. Isto é possível por meio de brincadeiras. Freud denominou este processo de „Fort-da‟. Nele a criança joga os objetos que então desaparecem de seu campo de visão e alguém os devolve; quando a criança volta a ver o objeto, ou em jogos de esconde-esconde com outras pessoas, que se esconde-escondem e voltam a aparecer depois de um tempo. Este momento é de suma importância para a simbolização da ausência, posto que a criança consiga perceber que mesmo quando o objeto não pode ser visualizado, ele existe. Disso, aprendemos que:

Ocorre que nesta criança o Outro operou uma separação que o distanciou de seu corpo real: sua mãe tomou seu cocô como um presente mas não o reteve; a canção e a modulação de sua voz fizeram ausência em seus ouvidos; a sustentação fez fatal em seu equilíbrio; o peito trouxe saudade na sua boca, e assim em cada dobra de seu corpo. Neste corte, seu corpo passou a residir, como imagem, muito mais no olhar do outro do que em sua própria acepção (JERUSALINSKI, 1999, p.27).

Esta falta, que é instaurada neste momento, não é uma falta biológica, mas se mostra necessária à constituição do sujeito faltante, é uma ferida narcísica. Uma vez que o narcisismo é constituinte do sujeito, no qual, perante a insuficiência de sustentação do bebê a mãe (Outro) possibilita ser um sujeito à criança. Este momento narcísico é vivido pela dualidade mãe/bebê com a sustentação do pai. A criança num primeiro momento, encontra-se em lugar de Eu Ideal, pois é neste momento que os lugares na cadeia familiar se ordenarão, com a instauração da falta.

O pai é trabalhado como uma função, não estando ligado ao biológico, mas à função que é apresentada pela mãe, pois é ela que introduz o pai na díade mãe/filho. Função Paterna, na qual o pai ocupa lugar no registro do real, imaginário e simbólico. O primeiro diz respeito ao imaginável, pois quando representado já não é no real, é muitas vezes encarnado pelo pai que convive com a criança, mas não necessariamente o pai biológico. O pai no registro do imaginário é aquele que suporta as relações entre os semelhantes, que sente temor em certos momentos e não está ligado à realidade propriamente dita de seu pai, é o pai que a criança imagina, com demandas e desejos.

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“É aquele com que lidamos o tempo todo. É a ele que se refere, mais comumente, toda a dialética, a da agressividade, a da identificação, a da idealização pela qual o sujeito tem acesso à identificação com o pai” (LACAN, 1957, p. 225).

Já o pai no registro simbólico é aquele que instaura a lei, que passa pela linguagem, a lei simbólica que está para além da mãe, mas que é ela que o apresenta. “Pode materializar-se sob diversas formas culturais, mas não depende como tal da forma cultural, é uma necessidade da cadeia significante” (LACAN, 1958, p.187). Este pai não tem uma forma definida, mas é importante que exista alguém que esteja presente no real para fazer esta função, para que seja referência à criança.

O corpo de um sujeito, para a psicanálise, é constituído mediante sua relação com o Outro, é nas vivências da história de cada indivíduo que então nascerá um corpo com significado único, para além da carne real, sendo que o irredutível não tem sustentação, mas sim o imaginário ligado ao olhar do Outro, imaginário, pois é narcísico, e simbólico, dado que este olhar passa pelo discurso, pela linguagem. Por esta via, pensamos o corpo como diferenciado no espelho, pois este reflete o que passa pelo outro numa relação fantasmática4.

Para pensar a questão do corpo é preciso problematizar o conceito de narcisismo. Freud (1914), em seu texto “Sobre o Narcisismo: uma introdução” argumenta que o narcisismo pode “ser atribuído a toda criatura viva” (p.81), faz parte da constituição psíquica do sujeito, do narcisismo dos pais que é projetado nos filhos, pois estes tiveram de abandoná-lo.5 Neste mesmo texto Freud trabalha o conceito de libido como sendo a energia sexual, e no narcisismo essa energia volta-se para o ego, que é o contrário de quando o sujeito apaixona-se e a libido volta-se completamente para o objeto.

Freud expõe que o narcisismo faz parte da constituição do sujeito e divide-se em dois momentos, ou seja, o narcisismo primário e o secundário. O primeiro diz respeito ao tempo da dualidade mãe/filho, na qual o bebê não tem interesse no mundo externo, a libido é auto-erótica, pois tem pulsões parciais; é quando o sujeito encontra-se na posição de Eu Ideal, sem falta, um tempo de completude. É o momento em que o pai se encontra fora dessa relação,

4 Relação fantasmática: representação implicando um ou vários personagens, que coloca em cena um desejo, de

forma mais ou menos disfarçada. (CHEMAMA, 1995, p.70)

5 Em favor da criança, ocorre uma suspensão do funcionamento de todas as aquisições culturais que seu próprio

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posto que a mãe ainda não apresentou o filho a seu pai ou ao mundo. Mãe e filho se completam, o olhar da mãe esta voltado totalmente ao bebê. Citando Freud:

Se prestarmos atenção à atitude dos pais afetuosos para com seus filhos, temos de reconhecer que ela é uma revivência e reprodução do seu próprio narcisismo, que de há muito abandonaram... Ela será mais uma vez realmente o centro e o âmago da criação – „Sua Majestade o Bebê‟ (FREUD, 1914, p.98).

No narcisismo secundário a pulsão é direcionada a um objeto, sendo que houve a entrada do pai na dualidade, interrompendo a completude entre mãe/bebê. O sujeito percebe-se na posição de Ideal de EU, ou percebe-seja, o sujeito não é mais o ideal, encontra-percebe-se em falta, o que faz com que ele permaneça em busca da completude perdida, como sujeito desejante. É o momento em que o sujeito percebe sua totalidade de corpo, sendo que este passa pelo objeto causa de desejo como identificação, o que representará o sujeito para outros sujeitos. É o momento em que a mãe olha algo para além da criança, ama algo que não é a criança, que pode ser uma pessoa, o trabalho ou ela mesma. Isso faz com que a criança sinta que ela não é única na vida se sua mãe percebe-a castrada, em falta, por isso sua mãe vai a busca de algo mais para satisfazê-la.

O ego surge com o narcisismo, ele não é natural ao sujeito, pois este constitui estruturas psíquicas durante seu percurso que são únicas, mas de certo modo universais ao se pensar em estruturas diferenciadas. São nestes momentos constitutivos que a estrutura psíquica de um sujeito se define, e estamos trabalhando pensando na constituição de um sujeito neurótico.

1.3O Estádio do Espelho

Lacan, em 1949, retoma a obra de Freud e propõe que o conceito de narcisismo seria, em seu estudo, dividido em três tempos, formulando uma nova teoria denominada “Estádio do Espelho”. Lacan afirma que “basta compreender o estádio do espelho como uma identificação” (1949, p.97), não se refere ao espelho propriamente dito, mas sim às pessoas que fazem espelhamento ao sujeito. Retornando a Lacan: é “a transformação produzida no

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sujeito quando ele assume uma imagem” (LACAN, 1949, p.97), a qual passa pelo Outro, que será refletida no espelho, para então o sujeito assumir sua imagem.

Lacan desenvolve a teoria sobre o Estádio do Espelho. Denominada de „estádio‟ justamente por não ser um momento passageiro, mas por permanecer durante toda a vida como reelaboração das identificações6. O autor constrói a teoria dividindo-se em três momentos, com o primeiro deles constituindo um tempo em que a criança não percebe o seu corpo; depois ela não percebe o seu corpo como seu, não se apropria de sua imagem corporal. Com a mãe, porém, cuidando de seu corpo, fazendo seu papel de imago7, isto é, apresentando-a apresentando-ao mundo externo, apresentando-a criapresentando-ançapresentando-a vapresentando-ai apresentando-apropriapresentando-ando-se do que seriapresentando-a suapresentando-a imapresentando-agem corporapresentando-al, identificando-se no espelho. Este seria o terceiro momento do Estádio do Espelho. Por essa razão, esta imagem que o sujeito tem de si é inconsciente, pois passa por esse Outro que faz seu papel de imago, apresentando o mundo interno ao mundo externo.

O Estádio do Espelho é importante para a estruturação da imagem do sujeito, o qual organiza um corpo, uma promessa de unidade, pois o ser humano nasce carente de elementos unificadores. Este processo se realiza, caso houver um adulto mediador da relação, como espelho. É o adulto que diz que a imagem refletida no espelho é sua, que é assim que os outros o vêem, imagem de um, entre seus semelhantes.

A criança quando nasce é insuficiente, não sobrevive sozinha como os animais. A mãe, então, antecipa-se a esta insuficiência de seu bebê fazendo sua função, alimentando-o, higienizando-o, carregando-o. A criança então se apropria de seu corpo, e passa a ter uma imagem total dele, pois, esta antes se apresentava despedaçada.

“Esse desenvolvimento é vivido como uma dialética temporal que projeta decisivamente na história a formação do individuo: o estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação” (LACAN, 1998, p.100).

O Estádio do espelho inaugura o Complexo de Édipo, sendo que o sujeito, com sua imagem própria constituída, faz sua entrada no social, sendo que a mãe fez função de imago e a apresentou a seu pai e ao mundo externo. A criança, então, inicia a se relacionar

6

Identificação: processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro (LAPLANCHE; Pontalis, 1998, p.226).

7

Imago: Designa uma representação tal como o pai (imago paterna) ou a mãe (imago materna), que se fixa no inconsciente do sujeito e ulteriormente oriente sua conduta e seu modo de apreensão do outro. (CHEMAMA, 1995, p.105)

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socialmente. Lacan esclarece que este momento tem sua culminância, geralmente aos 18 meses de idade.

“Esse momento em que se conclui o estádio do espelho inaugura, pela identificação com a imago do semelhante e pelo drama do ciúme primordial, a dialética que desde então liga o [eu] a situações socialmente elaboradas” (LACAN, 1949, p.101).

O Estádio do Espelho é uma estruturação que vai acompanhar o sujeito a vida inteira, ou seja, a imagem do corpo é estruturante para a identidade do sujeito, através dela este realiza sua identidade primordial. O bebê para construir seu espaço, seu corpo, não só deverá identificar-se com a imagem especular, mas também deverá separar-se dela. Para isto terá que gerar um espaço e um corpo diferentes do materno.

1.4O Complexo de Édipo

Para analisar outro momento importante da constituição psíquica, a saber, o Complexo de Édipo, é necessário abordar o conceito de “falo” que foi inicialmente trabalhado por Freud, que o nomeia de pênis. Esta parte anatômica, contudo, seria um representante do falo, uma vez que o pênis seria um objeto causa de desejo, não a parte anatômica, mas sim, pela sua representação. Lacan inaugura esta denominação, para designar o objeto causa de desejo, remetendo à falta, à castração.

Esse algo mais, que é preciso que exista, é exatamente a existência, por trás dela, de toda ordem simbólica de que ela depende, e a qual como está sempre mais ou menos presente, permite um certo acesso ao objeto de seu desejo, o qual já é um objeto tão específico, tão marcado pela necessidade instaurada pelo sistema simbólico, que é absolutamente impensável de outra maneira quanto á sua prevalência. Esse objeto chama-se falo... (LACAN, 1958, p.189)

O falo é o significante8 do ter, este que diz da satisfação vivida nos primeiros momentos da criança, quando a falta ainda não estava instaurada. Significa a satisfação que nunca será alcançada. O falo na realidade é algo que não existe no real, mas é o que mantém o sujeito vivo, desejante. Os objetos fálicos da cultura são vários, como um corpo bonito, um

8 Significante: elemento do discurso, referível, tanto ao nível consciente como inconsciente, que representa e

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trabalho, um carro, uma pessoa, mas sempre referenciando o registro simbólico, no qual o falo é o significante simbólico do ter, que representa o objeto que traria satisfação.

O Complexo de Édipo é um momento de constituição do sujeito. Lacan distingue três tempos lógicos, mas o terceiro momento é o que nos interessa para trabalharmos a questão da identificação. O primeiro é o da privação, a criança identifica-se com o objeto de desejo da mãe, ama sua mãe e rivaliza com o seu pai que ocupa seu lugar no desejo materno, a falta é colocada no real, pois a mãe lhe falta. No segundo tempo há a frustração, posto que a falta se estabelece pelo imaginário. A castração é sempre imaginária, pois o real não tem sustentação. Ela ocorre sobre o objeto imaginário e esta frustração vem pela privação, pois a criança fica privada da mãe e a mãe da criança, sendo o pai o responsável pela privação.

“Nenhuma castração, daquelas em jogo na incidência de uma neurose, é jamais uma castração real. Ela só entra em jogo na medida em que atua no sujeito sob a forma de uma ação incidindo sobre um objeto imaginário” (LACAN, 1957, p.224).

No terceiro tempo do Complexo de Édipo há a castração, no qual a falta é instaurada no registro simbólico, o sujeito então, depara-se com sua própria falta. É uma castração constitutiva do psiquismo, necessária para a constituição de um sujeito, momento em que ele passa de ser o falo para ter o falo. A princípio o sujeito estava na posição de ser o falo do Outro, mantendo o desejo da mãe em si; neste momento, então, ele passa a ter algo com o qual possa desejar, o sujeito vai à busca do falo, da satisfação prometida, mas nunca realizada. O menino abandona o Complexo de Édipo quando percebe que pode perder seu pênis, decorrente do fato de que pensa que as mulheres já possuíram um pênis e o perdeu por algum motivo, certamente uma punição. Então, de forma narcísica, escolhe permanecer com seu órgão e ser portador do falo, como seu pai. Nos meninos, há a questão da identificação com o pai, um pai detentor do falo, da lei, então o menino possui “esse título de virilidade” (LACAN, 1958, p.202).

Nas meninas o terceiro tempo do Complexo de Édipo ocorre de maneira diferente, ela não se identifica com o pai, mas com a mãe, que como ela é castrada. Então a menina vai à busca do falo, “sabe onde ele está, sabe onde deve ir buscá-lo, o que é do pai, e vai em direção àquele que o tem” (LACAN, 1958, p. 202).

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É nessa medida que o terceiro tempo do complexo de Édipo pode ser transposto, isto é, a etapa da identificação, na qual se trata de o menino se identificar com o pai como possuidor do pênis, e de a menina reconhecer o homem como aquele que o possui (1958, p.203).

Primeiramente o pênis é o órgão universal do pensamento das crianças. Citando Freud, “a suposição de uma genitália idêntica (masculina) em todos os seres humanos é a primeira das notáveis e momentosas teorias sexuais infantis” (1905, p. 184). Posteriormente, ao perceber que as mulheres não possuem esta parte anatômica, as reações das crianças são diferentes, conforme o sexo. Pensar que as mulheres já possuíram um pênis e o perderam como uma punição faz com que as crianças do sexo masculino tenham medo de perdê-lo, como as mulheres; já para as mulheres há a esperança, primeiramente, de que seu clitóris crescerá, sendo este, considerado pelas crianças como um pênis pequeno.

Posteriormente a menina percebe que seu órgão genital é diferente dos meninos, e igual ao das outras mulheres, inclusive sua mãe. A menina sente-se inferiorizada e toma sua mãe como objeto de ódio, por não ter lhe dado um pênis; então se sente incompleta, tomando o pai como objeto de amor e esperando que este lhe dê um filho. Freud dizia que há, neste momento constitutivo, um deslizamento que vai do desejo de ter um pênis, para o desejo de ter um filho de seu pai, que será recalcado no período de latência, assim como as experiências sexuais vividas na primeira infância.

Depois da passagem pelo Complexo de Édipo, o sujeito passa a buscar este objeto rompido pela castração, apesar de nunca tê-lo tido, o qual dizia de uma relação de completude entre mãe e bebê.

O ser humano está sempre na tentativa de resgatar este objeto perdido defrontando-se com a falta de algo recalcado impossível de se ter, mas que o impulsionará a buscar SER.

Portanto, é a partir de sua relação com a mãe que nasce o sujeito, e é nas relações familiares que o sujeito castrado constitui-se. Por meio da imago materna, fazendo a relação entre o mundo interno e externo à criança, é que esta poderá identificar-se no espelho, juntamente com o Complexo de Édipo, no qual há a entrada de um terceiro na díade, ou seja, o pai fazendo sua função é o que permite à criança identificar-se com um de seus pais; no caso a menina irá identificar-se com a mãe, que é do mesmo sexo. Sabe-se que esta identificação não se resume a este momento, mas o sujeito continua reelaborando por toda a vida, e o Outro desliza para a cultura.

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O Outro primordial é a mãe, mas atualmente a cultura ocupa papel fundamental na vida do sujeito, sendo que a demanda da mãe passa a ser demanda da cultura, o sujeito responde a ambas de maneira singular e particularmente parecidas. Demanda, então, é sempre demanda de amor, seja da mãe ou da cultura, uma vez que a relação do sujeito com a cultura é descendente direta de como ele se relaciona com sua mãe.

Portanto, o corpo é visto com uma história única e inserido na sua cultura, história esta que segue as demandas sociais e se modifica com o passar do tempo, pois a sociedade está em constante transformação, e os indivíduos, ao mesmo tempo em que demandam algo da sociedade, respondem também à demanda social.

O próximo capítulo parte do estudo da história do corpo em uma determinada época, o qual busca mostrar que o corpo sempre esteve em evidência, mas de formas diferentes. Atualmente contamos com a influência de um discurso midiático, de uma sociedade denominada de “sociedade do espetáculo” que favorecem ao chamado “culto ao corpo”. A questão que se coloca é em relação aos sujeitos que não se sentem identificados nesta cultura, o que é possível fazer para inserir-se nela?

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CAPÍTULO II: CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CORPO FEMININO

NA CONTEMPORANEIDADE

“O corpo (...) se tornou um sintoma da cultura, isto é, o corpo virou uma ancoragem entre o gozo e os imperativos da vida em sociedade”.9

2.1 Breve recorte histórico sobre o corpo da mulher

Numerosos adventos histórico-culturais evidenciam que a aparência do corpo sempre foi uma questão importante para a expressão de feminilidade. Com efeito, inúmeros registros históricos atestam que esconder e disfarçar o que é considerado como imperfeição corporal, mais que uma simples preocupação com a beleza em si, sempre foi uma condição do universo feminino.

A afirmação de Del Priore (2000, p. 13), por exemplo, reforça esse argumento quando diz que “a história das mulheres passa pela história de seus corpos”. Nesse percurso, um cem números de rituais, artifícios, truques, adereços, objetos, dentre muitos outros elementos que implicassem em reiterar certa aparência feminina apenas transformaram-se ao longo das épocas e das especificidades culturais de cada lugar. Porém, de um modo ou de outro, sempre nomearam ou renomearam algo muito próprio da mulher.

Isso quer dizer que as associações que envolvem a mulher, sua feminilidade e seu corpo não são inéditas. Muito pelo contrário, até os dias de hoje são extremamente exploradas pelos discursos histórico, antropológico, sociológico, médico, ou por qualquer outro, no qual se queira descrever ou analisar sobre o que é ser mulher. Sem esquecer, sobretudo, o próprio discurso feminino. Segundo Del Priore (2000, p. 14) “as noções de feminilidade e corporeidade sempre estiveram, portanto, muito ligadas em nossa cultura”.

Retornemos a um ponto especifico da história: o discurso médico-higienista do começo do século XX, que pode ser tomado como um período da história, no qual a atual

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configuração feminina da imagem do corpo tem uma importante referência. Segundo Mattos (2003 apud SOUZA, 2007, p.36), aquele discurso com objetivos sanitaristas “criou um conjunto de prescrições que deveriam orientar e ordenar a vida, nos seus mais variados aspectos: na cidade, no trabalho, no comércio de alimentos, no domicílio, na família, nos corpos”.

No higienismo o papel da mulher era preponderante, uma vez que ela era a principal responsável por colocar em prática todos os preceitos exigidos pelos parâmetros médicos-sanitaristas do começo do século XX. Estes preceitos afirmavam, implícita e explicitamente, que as normas e definições de funções, papéis e, principalmente, a sexualidade de homens e mulheres precisavam se adequar ao desenvolvimento de uma sociedade ideal: moral e sexualmente voltada para a saúde e o bem-estar da família.

De maneira geral, podemos dizer que os cuidados corporais eram, ao mesmo tempo, um meio e uma resultante de um modo de vida em que o corpo deveria refletir, por seu aspecto saudável, uma questão de conduta ética. Nesse espaço a mulher era a representante maior da moral e dos bons costumes da época, bem como considerada, sob a tutela médica sanitarista, a agente familiar de higiene social. Estando em suas mãos a manutenção desses aspectos. Em função disso, a sexualidade feminina nessa época era indissoluvelmente associada à maternidade e, conseqüentemente, à constituição da família. Segundo Matos (2003 apud SOUZA, 2007, p. 37),

Para o discurso cientifico da medicina, as funções tradicionais atribuídas aos gêneros estariam iniludível e irreversivelmente enraizadas na anatomia e na fisiologia. Os médicos viam a mulher como produto do seu sistema reprodutivo, base de sua função social e de suas características comportamentais: o útero e os ovários determinariam a conduta feminina desde a puberdade até a menopausa, bem como seu comportamento emocional e moral.

De fato, na primeira metade do século XX, a beleza, ainda que associada fortemente a uma dádiva divina, residia preponderantemente no bom funcionamento do aparelho reprodutor feminino e a saúde do corpo era atrelada significativamente, as questões de higiene. Segundo Sant‟Anna (1995), assim, nos cuidados corporais, era comum recorrer às prescrições médicas, sem considerar a devida preocupação para não invadir o campo da moral duvidosa, no qual os excessos femininos com a beleza significavam um risco.

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Porém, os desdobramentos históricos e culturais do discurso higienista acabam por definir, numa medida importante, a relação que a mulher estabelecia com os cuidados do corpo. No decorrer do tempo, a partir da década de 50, o movimento de emancipação feminina, reforçado, principalmente, pelas influencias da cultura norte-americana e pelas conseqüentes campanhas publicitárias da época, começou a desvincular o discurso feminino sobre a beleza das concepções médicas-sanitaristas e a não associá-lo exclusivamente à maternidade.

Sant‟Anna (1995) diz, ainda, que os cuidados com o corpo incluíam, não mais os objetivos sanitaristas em si, mas, principalmente, o prazer de se cuidar e escutar as demandas do próprio corpo, sobremaneira, no ato de embelezar-se. Além disso, afirma a autora que o desnudamento progressivo do corpo feminino descobriu não apenas suas curvas e formas, mas fez nascer uma demanda de produtos e atitudes para que ele pudesse aparecer em público devidamente cuidado e em boa forma.

Entretanto, Del Priore (2000) resume esse contexto, fazendo uma observação sobre o modo que considera submisso, em relação ao modo como a mulher se volta para seu corpo.

Mesmo tomando posse do controle de seu corpo, mesmo regulando o momento de conceber, a mulher não está fazendo mais do que repetir grandes modelos tradicionais. Ela continua submissa. Submissa não mais às múltiplas gestações, mas a tríade de “perfeição física”. A associação entre juventude, beleza e saúde, modelo das sociedades ocidentais, aliada às práticas de aperfeiçoamento do corpo intensificou-se brutalmente, consolidando um mercado florescente que comporta indústrias, linhas de produtos, jogadas de marketing e espaços na mídia. [...] A pergunta que ainda cabe é: que tipo de imagem preside a ligação entre as mulheres e essa tríade? Foi sempre assim? O que mudou? [...]. No início do século XXI, somos todas obrigadas a nos colocar a serviço de nossos próprios corpos. (p.15)

De toda forma, como quer que tenha sido o fato é que ao longo da história do discurso higienista, a mulher foi sendo conclamada ao olhar seu próprio corpo de uma outra forma: passa a investi-lo estética e emocionalmente, não mais exclusivamente para o homem ou tão somente para as questões da maternidade, mas para si mesma.

Assim, ainda que possamos afirmar que os investimentos corporais hoje sejam avaliados nos espaços públicos e o quanto isso se deve a um desdobramento histórico-cultural específico, existe uma dimensão importante a se destacar aí. É preciso pensar o modo como o corpo passa a ser investido pela mulher e para ela mesma, o modo como a mídia interfere na percepção do corpo feminino e da subjetividade da mulher na contemporaneidade.

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2.2 A importância da mídia no fenômeno do culto ao corpo

Atualmente estamos passando por um período em que o corpo tem um local de destaque na sociedade e nas suas relações. A maioria das pessoas se preocupa com a estética corporal e investe nas tentativas de modificar e melhorar seu corpo. Neste sentido, a mídia tem exercido um papel importante na sugestão da modificação corporal. Segundo Castro (2003, p.18) a mídia é “o agente difusor do culto ao corpo como tendência de comportamento”, anunciando novas práticas e maneiras de lidar com o corpo para que a pessoa se torne atraente.

O termo “mídia” refere-se aos meios de comunicação em geral, que atingem a grande massa, abrigando pois, os grandes veículos com reconhecida influência sobre as pessoas. Está vinculado aos processos de produção, circulação e recepção de mensagens. Na contemporaneidade, a mídia engloba os veículos de notícias, o campo da publicidade, a produção de filmes, novelas e minisséries. Aparece ainda no campo da rede virtual, sobretudo na internet.

Segundo Betti e Pires (2005, apud LIMA 2009, p.19) a mídia se refere aos meios de comunicação de massa “em que um número relativamente pequeno de pessoas emite suas mensagens para um número relativamente grande de pessoas”. Daí a certeza que valores sociais distintos podem ser e são manipulados por uma minoria, influenciando toda a sociedade.

É possível encontrar alguns estudos na área da Psicologia que tratam do tema da influência da mídia nos sujeitos. As pesquisas versam sobre a questão da violência, da moda, das relações parentais, ou seja, trabalham diferentes possibilidades de os programas de televisão interferirem na constituição da subjetividade. A mídia televisiva conta com o apelo das imagens que simulam a realidade cotidiana para influenciar os sujeitos. No Brasil a influência das telenovelas se faz sentir nas diferentes camadas sociais. Essas, por vezes, ampliam horizontes discursivos, quando as novelas tratam de temas polêmicos como distúrbios alimentares, loucura, homossexualismo e outros, tentando apresentar para os telespectadores os enigmas e sofrimentos presentes nessas realidades.

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Para além da intenção responsável dos produtores, temos as influências contínuas nos modos de vestir, de se comportar e de se relacionar. Os dramas dos personagens das novelas oferecem padrões de relacionamento e comportamento. Temos ainda, a questão das propagandas que, alimentadas pela sociedade de consumo, parecem objetivar uma manipulação direta das subjetividades. Neste sentido é que podemos afirmar que a mídia é, atualmente, um dos mais importantes instrumentos sociais, pois seu poder produz esquemas dominantes de significação e interpretação do mundo, ou seja, a mídia define o conteúdo e a forma de pensamento e da ação do sujeito.

A capacidade de influência da mídia pode levar as pessoas a agirem de acordo com um modelo, sem que reflitam suas necessidades e desejos. Podemos observar isso nas colocações de Debord;

A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. (1997, p.24)

Desta forma, o modo de viver imposto e seguido pela sociedade acarreta frustrações e problemáticas. Todos estão sujeitos ao consumo desnecessário motivado pela mídia. Os modos de subjetivação hoje existentes, partem da equação ser = ter, decorrentes de uma sociedade que legitima o valor dos bens, da materialidade. Dentro desse novo contexto o homem, sob cerrado ataque da mídia e do consumismo, é transformado em cidadão consumidor; seduzido pelas novidades do mercado, ele compra compulsivamente e almeja adquirir produtos socialmente cobiçados em busca de ser aceito no meio em que vive.

Da mesma forma os sujeitos buscam consumir um modelo de corpo que é exposto pela mídia. O corpo atualmente passou a ser um valor cultural que integra o indivíduo a um grupo, e ao mesmo tempo o destaca dos demais. Ou seja, privilegia-se a aparência como um fator fundamental para o reconhecimento social do indivíduo.

Na mídia, a experiência do corpo se confundiria, portanto, com a de consumo: corpo e produto oferecem tangibilidade às mensagens midiáticas. Para a mídia, não é o espetáculo do martírio que interessa (os suplícios e as dificuldades para alcançar o corpo modelo), mas o espetáculo do resultado das transformações (a conversão do corpo), ou seja, o corpo convertido ao modelo é o espetáculo.

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Tais transformações parecem pretender construir uma espécie de identidade corporal midiática. Os discursos midiáticos – da publicidade ao jornalismo – fazem parecer não haver outro caminho para a maioria dos homens e das mulheres senão se reconhecer, se relacionar consigo mesmos e com suas vidas de acordo com os discursos, as imagens e os pressupostos veiculados pelos meios de comunicação. Segundo Santaella (2004),

[...] nas mídias, aquilo que dá suporte às ilusões do eu são, sobretudo, as imagens do corpo, o corpo retificado, fetichizado, modelizado como ideal a ser atingido em consonância com o cumprimento da promessa de uma felicidade sem máculas. São, de fato, as representações nas mídias e publicidade que têm o mais profundo efeito sobre as experiências do corpo. São elas que nos levam a imaginar, a diagramar, a fantasiar determinadas existências corporais, na forma de sonhar e desejar que propõem. (p. 125)

Bucci; Kehl (2004) enfatizam que os publicitários perceberam que é possível fazer o inconsciente do consumidor trabalhar em favor do lucro, ou que o inconsciente não é ético e nem antiético. Que o inconsciente é amoral e funciona de acordo com a lógica da realização imediata dos desejos que na verdade não é tão individual como pensamos. Diz que o desejo é social, que desejamos o que os outros desejam, ou que nos convidam a desejar. Uma imagem publicitária considerada ideal é a que apela aos desejos inconscientes, ao mesmo tempo em que se oferece como objeto de satisfação. A imagem determina então, quais são os objetos imaginários de satisfação do desejo, e assim faz o inconsciente trabalhar para o capital. Mas o inconsciente nunca encontra toda a satisfação prometida no produto que lhe é oferecido e nesta operação quem goza10 é o capitalista.

Em relação à publicidade do corpo idealizado, o processo é o mesmo. O ser humano procura adquirir tudo o que as propagandas colocam como objetos de satisfação pessoal, os corpos se transformam em busca de satisfação o que na grande maioria das vezes deve gerar angústia, pois as propagandas estão servindo aos interesses do sistema capitalista daquele momento. Como um exemplo disto pode-se citar os seios das mulheres: quem possuía seios grandes realizava plástica para diminuí-los. Bastou a propaganda mudar o foco exibindo seios grandes “com silicone” para que as pessoas mudassem de opinião. A insatisfação em relação ao corpo pode continuar permanentemente, enquanto o padrão idealizado pela mídia continuar mudando. Deve-se levar em conta que mesmo estando perfeitamente dentro destes padrões

10 Gozo: Diferentes relações com a satisfação que um sujeito desejante e falante pode esperar e experimentar, no

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não significa que o ser humano tenha um estado de satisfação plena, pois o ser humano não é somente corpo. Existem outras dimensões que estão constantemente se transformando, evoluindo, modificando. O que é importante hoje, tido como um valor pessoal, amanhã pode não ser mais. Amanhã pode ser outro totalmente diferente. Evoluímos em todos os sentidos.

Em plena cultura do individualismo, da independência pessoal e da liberdade (como valores dominantes), vive-se uma espécie de mais-alienação, de rendição absoluta ao brilho não exatamente dos objetos, mas da imagem dos objetos. Mais ainda: rendição ao brilho da imagem de algumas personagens públicas identificadas ao gozo que os objetos deveriam proporcionar (BUCCI & KEHL, 2004, p. 65).

A publicidade usa a subjetividade do consumidor e a lógica do seu desejo, a fim de provocar identificações com os produtos oferecidos no mercado, vendendo sonhos, desejos, fantasias e atitudes. Assim, a mídia influencia o modo como o sujeito contemporâneo se percebe e se relaciona com o mundo, ou seja, a sua subjetividade e a sua maneira de pensar, pois, ao adquirir certos produtos, ele crê que se apropria de uma nova forma de existir, como se apenas uma roupa da moda o fizesse se sentir mais bonito, mais atraente e com melhor auto-estima.

Os autores Buci e Kehl (2004) fazem outros questionamentos e algumas afirmativas que são importantes para reflexões acerca do corpo.

Que corpo você está usando ultimamente? Que corpo está representando você no mercado de trocas imaginárias? Que imagem você tem oferecido ao olhar alheio para garantir seu lugar no palco das visibilidades em que se transformou o espaço público no Brasil? (p. 174).

Os autores citados enfatizam que as mensagens que a mídia nos passa nos afetam de forma sutil, inclusive no campo do trabalho: “fique atento, pois o corpo que você usa e ostenta vai dizer quem você é. Pode determinar oportunidades de trabalho. Pode significar a chance de uma rápida ascensão social” (p.174).

Vivemos uma época em que tudo gira em torno da imagem. Segundo Bucci; Kehl (2004), os mitos, hoje, são muito olhados. “São pura videologia” (p.16). Está sempre atendendo aos interesses do poder, mas segundo os autores, este poder não é o poder político, como imaginamos, nem o poder de um grupo. O poder, segundo Debord, citado pelos autores, “é a supremacia do espetáculo - a nova forma de modo de produção capitalista - sobre todas as atividades humanas” (p.20). Enfatizam que o capitalismo contemporâneo é um modo de

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produção de imagens. Que no século XIX o objetivo era desmascarar o caráter burguês do estado, mas, no século XXI, devemos compreender e decifrar os mecanismos pelos quais a política, a religião, a ciência, a cultura e as formas de representação que convergem para a imagem, circulam e adquirem existência como imagem, que a tudo subordinam.

A mídia é hoje um espaço privilegiado de regimes de verdade. Fischer (2000, apud CABEDA, 2005, p.29) entende que não podemos mais vê-la como um mostruário do que ocorre no mundo ou das diversas formas com que se apresentam as subjetividades, pois ela tornou-se contemporaneidade, um lugar de produção de sentidos, lugar onde os humanos procuram as respostas para as questões fundamentais da existência. A mídia pretende nos dizer o que somos e o que devemos ser difundindo mecanismos de regulação e controle. É também uma importante forma de divulgação e capitalização do chamado “culto ao corpo”, comportamento estimulado pelos meios de comunicação tanto quanto pela “indústria da beleza”.

2.3 O Culto ao Corpo e a Sociedade do Espetáculo

O culto ao corpo não é algo novo; no entanto, observa-se que há alguns anos, vem se tornando um fenômeno crescente, quase um dever para a construção de uma identidade social. Podemos dizer que se misturou “aos preceitos de higiene e às novas necessidades de conforto; tornou-se a essência de muitos lazeres”. (CASTRO apud FARIA, 2010, p.02). Encontramos comprovação para esta citação nas academias, por exemplo, que foram transformadas em verdadeiros clubes paradisíacos; santuários de beleza, onde há sempre diversão e encantamento entre pessoas bonitas. Além disso, observamos também uma proliferação de spas, centros estéticos, clínicas de embelezamento, diferentes tratamentos fisioterápicas e diversas outras novidades que não param de surgir.

As relações entre imagem, corpo, beleza e cultura tornam-se, assim, um campo cada vez mais vasto e complexo e que reflete diretamente a sociedade de consumo. Podemos afirmar que a mídia e, mais especificamente a propaganda, estimula e reforça a prática do culto ao corpo na sociedade hoje.

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Assim, da mesma forma, o poder que a exibição e glorificação do corpo humano ali representado passou a assumir na atualidade, é efetivado por meio de diferentes comportamentos de estimulação, exaltação e excessiva preocupação com a beleza do corpo. Assim, desenvolve-se uma cultura do narcisismo que encontra no culto ao corpo sua forma de expressão.

Para Castro (2003, p. 15), o culto ao corpo é “um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como preocupação básica seu modelamento, a fim de aproximá-lo o mais possível do padrão de beleza estabelecido”. Padrão esse constituído na difusão de imagens na mídia e na propaganda, grandes responsáveis que são pela capitalização desse culto ao corpo.

A propaganda, de acordo com Sant‟anna (2005), é a propagação de alguns princípios e teorias e tem como objetivo despertar na massa consumidora o desejo pelo algo anunciado, ou associar um bom conceito ao anunciante. O autor afirma, ainda, que ela faz isso claramente, sem encobrir o nome e intenções do anunciante, visando levar o público a desenvolver um determinado comportamento em favor do mesmo (o anunciante).

O destaque dado ao corpo humano nas últimas décadas, principalmente no universo da moda e da publicidade, é objeto de constante reflexão e de pesquisa. Os padrões de beleza vão além da vestimenta, interferem na (re)construção e (re)transformação do corpo social. A sociedade está cada vez mais obcecada por retardar o envelhecimento com cirurgias plásticas, tratamentos ortomoleculares e estéticos de beleza, além de preocupar-se também com (re)transformar seu corpo com implante de silicones, rinoplastias e (re)significá-lo com exercícios em academias esportivas e centros de musculação.

Como nos lembra a historiadora Denise Sant‟Anna (1995), diferentemente da primeira metade do século XX, quando a “Natureza” era escrita em maiúsculo e considerava-se perigoso intervir no corpo em nome de objetivos pessoais e dos caprichos da moda, hoje, a liberdade para agir sobre o próprio corpo não para de ser lembrada e estimulada, por meio da prática regular de exercícios físicos, dos regimes alimentares, das cirurgias estéticas, dos tratamentos dermatológicos e dos cosméticos, que prometem “verdadeiros milagres”, o que permite acreditar na possibilidade de alcançar a perfeição.

Maria Rita Kehl, em seu artigo Com que corpo eu vou? (2005, p.174) afirma que o corpo é a primeira condição para que você seja feliz. O corpo-imagem que o indivíduo apresenta ao espelho da sociedade vai determinar a sua felicidade não por despertar o desejo

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ou o amor de alguém, mas por construir o objetivo privilegiado do amor-próprio, a tão propagada auto-estima, a que se reduziram todas as questões subjetivas na cultura do narcisismo. A possibilidade de esculpir um corpo ideal, com a ajuda de técnicos e químicos do ramo, confunde-se com a construção de um destino, de um nome, de uma obra. “Hoje as pessoas acham que podem traçar seu destino, como traçam seu corpo”. (KEHL, 2005, p.174).

O corpo passa a ter um papel fundamental nos processos de aquisição de identidade e de socialização. Hoje, tudo parece fazer parte das interpretações subjetivas da aparência do outro. Somos o que enxergamos no espelho e o que exibimos como imagem (KEHL, 2005, p.175). O espelho reflete a sua verdade absoluta. Essa verdade obriga o indivíduo, em particular a mulher, a prepara-se cuidadosamente à custa de muita ginástica e dieta, aperfeiçoando através de modernas intervenções cirúrgicas o corpo, que resume praticamente tudo o que restou do seu ser.

Fazer-se ser olhado pelo outro é o de que se trata hoje em dia na chamada Sociedade do Espetáculo, onde para ser, é preciso aparecer. Guy Debord (1997) escreveu, em 1967, o livro A sociedade do espetáculo, onde cita várias teses que poderiam muito bem ter sido escritas nos dias de hoje, visto a atualidade das mesmas. Ele afirma, por exemplo, que “a raiz do espetáculo está no terreno da economia que se tornou abundante, e daí vemos os frutos que tendem afinal a dominar o mercado espetacular” (p.11). Desta forma, espetáculo está estreitamente vinculado à economia de mercado, capitalismo tardio. Por isso, quando falamos de corpo como espetáculo, não há como negligenciar a dimensão de mercadoria e objeto de consumo que este comporta.

Debord (1997) começa suas teses afirmando que as sociedades nas quais reinam modernas condições de produção se apresentam como um imenso acúmulo de espetáculos; tudo que é vivido tornou-se representação. Para ele, essa representação é determinada por um conjunto de imagens. No entanto, é importante frisar que o espetáculo não é esse conjunto de imagens. Segundo o autor, o espetáculo é uma relação social entre pessoas, mediada por imagens; a imagem sendo a própria mediação. É ela que promove o laço social, muito mais do que o discurso ou a palavra.

O espetáculo é ainda uma visão de mundo. Sendo assim, vários são os exemplos que poderiam nos confirmar, só para citar um deles, vemos o imenso sucesso brasileiro e mundial dos reality-shows, onde uma “pessoa comum” é “vigiada”, filmada 24 horas por dia,

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ganhando fama, status de artista. No entanto, essa fama dura o tempo de sua exposição, o tempo de vinculação de sua imagem na mídia.

Debord (1997) entende a imagem como aquilo que media as relações sociais. Isso, no entanto, tem relação, com a produção do capitalismo tardio, que incentiva o indivíduo a obter mais informações, mais poder, mais saber, e mais prazer, num hedonismo sem limites, onde quanto mais se tem, mais se quer. Este mesmo capitalismo tardio produz cada vez mais objetos de consumo, todos prometendo aos consumidores prazer e felicidade eterna. E como um absoluto de prazer e felicidade é impossível, os consumidores são lançados, pela lógica do consumo, numa busca infinita e incessante por objetos de consumo e de gozo.

Segundo Debord, ainda, o espetáculo é ao mesmo tempo, o resultado e o projeto do modo de produção existente.

É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo decorre desta escolha. Fama e conteúdo do espetáculo são, de modo idêntico, a justificativa total das condições e dos fins dos sistemas existentes. O espetáculo é a presença permanente dessa justificativa (1997, p. 14-15).

Segundo o mesmo autor (1997, p.16) “o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana- isto é, social- como simples aparência”. O espetáculo seria, portanto, a produção impar da sociedade atual, em que as pessoas apreciam a aparência em lugar do ser. “Sob todas as suas formas particulares - informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos -, o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade” (DEBORD, 1997, p.14).

Assim, o espetáculo, bens de consumo e mercadorias compõem uma única e mesma lógica; um não existe sem o outro. E o corpo, sendo espetáculo, é também mercadoria, a ser comprada / consumida nas clínicas de estética, de cirurgia plástica.

O próximo capítulo vai abordar a modificação/transformação corporal, buscando discorrer mais profundamente sobre a cirurgia plástica, resgatando o início da sua prática no Brasil, buscando relacionar a subjetividade feminina com a procura por este tipo de procedimento cirúrgico. Além é claro de apontar a contribuição da psicanálise no atual cenário onde a demanda pelo corpo perfeito é unanime.

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CAPÍTULO III: A MODIFICAÇÃO/TRANSFORMAÇÃO CORPORAL

“Nosso desejo é o de fazer os outros nos desejar, e nossa satisfação consiste em alcançar, na realidade ou na imaginação, o que antecipamos de forma imaginária”.11

A idéia de modificação/transformação corporal está presente em diversas culturas da humanidade, com significados e forças distintos em cada época. Há exemplos que já impregnaram o senso comum como a perfuração das orelhas, do nariz, dos lábios e as tatuagens em diferentes metrópoles ocidentais; o alongamento do pescoço através de argolas, em algumas tribos da África; ou a deformação dos pés, em busca de um tamanho diminuto, entre as gueixas japonesas. Assim, o corpo aparece como um território em que o indivíduo busca escrever a sua própria história e a da sua época.

3.1 A Cirurgia Plástica

No Brasil, falar em cirurgia plástica já é parte do cotidiano. Conjugadas a um ideal de beleza contemporâneo as técnicas de definição do corpo aparecem como a possibilidade de toda a pessoa ter um corpo perfeito. Para entendermos melhor esta prática, vamos nos remeter um pouco à sua origem no Brasil.

Segundo Loeb (1993), a Cirurgia Plástica brasileira pode ser dividida em três períodos bem distintos: anterior a 1842; de 1842 até 1940; e posterior a 1940. O critério utilizado está baseado no número de publicações dos cirurgiões. Não existem documentos que possam comprovar a existência ou prática da Cirurgia Plástica antes de 1842, apenas suposições de que era praticada.

Joaquim Januário Carneiro publicou, em 1842, na cidade do Rio de Janeiro, o primeiro trabalho documentado na área. Nele fez considerações sobre o lábio leporino. Desde esse

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período até 1928, a especialidade obteve apenas 59 espaças publicações, muitas abordando queimaduras e rinoplastia.

O período pós-1940, Loeb (1993) denominou-o de “contemporâneo”, pois é o momento em que os cirurgiões Antônio Prudente Meirelles de Moraes e José Rebello Netto fundaram escolas de Cirurgia Plástica que atraíram alunos no resto do continente Sul-Americano. A Cirurgia Plástica tornou-se muito produtiva em relação ao número de artigos publicados e começou a ganhar destaque mundial. A produtividade aconteceu devido a dois marcos principais: 1) criação da Sociedade Latino-Americana de Cirurgia Plástica, em 1941; e 2) criação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em 1949. Segundo Loeb (1993) trata-se de um momento honroso: “Coube ao Brasil a honra de ter sido o país onde foi fundada a Sociedade Latino-Americana de Cirurgia Plástica, assim como ter realizado o Primeiro Congresso dessa Sociedade”. (LOEB, 1993, p.03).

O professor e cirurgião plástico Ivo Pitanguy (1925) ganhou destaque com o seu trabalho de Cirurgia Plástica Reparadora em queimados, em 1949, dentro do período contemporâneo. Foi nessa mesma data que fundou a primeira Clínica de Cirurgia da Mão e de Cirurgia Plástica no Brasil.

Em 1952, criou na Santa Casa a oitava enfermaria, na qual realiza Cirurgia Plástica até os dias atuais. Atualmente, o professor-doutor Ivo Pitanguy faz parte do grupo dos cirurgiões plásticos mais famosos e competentes do mundo, sendo citado inclusive em filmes internacionais. Por conseqüência, é um dos especialistas mais procurados para treinamentos e pesquisas diversas, pela sua reconhecida perícia na área. Ainda assim desenvolve trabalhos junto à Casa de Misericórdia, onde atende, gratuitamente, pacientes carentes do mundo todo. Realiza tanto a cirurgia reparadora como estética.

Existem explicações jurídicas e ambientais para o grande desenvolvimento da cirurgia Plástica Brasileira. Em termos de legislação, a estrutura jurídica brasileira não possui a agilidade necessária para acompanhar a evolução técnica-cirúrgica, o que resulta atraso em relação à permissão ou não da prática. O pouco controle ético, aliado ao barateamento das cirurgias plásticas brasileiras e também ao fato de o Brasil ser predominantemente tropical (o que favorece o uso de poça roupa, deixando mais à mostra e aumentando a necessidade de estar esteticamente perfeito) fazem do país o centro mundial da Cirurgia Plástica Estética. Assim, um número crescente de pacientes procura os cirurgiões plásticos brasileiros.

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Várias técnicas cirúrgicas são aqui desenvolvidas pelo fato de a legislação brasileira não ser tão rigorosa como a de outros países, por exemplo, da Inglaterra ou dos EUA. Também há grande procura mundial pelos cirurgiões plásticos brasileiros. Existem pacotes turísticos internacionais que, entre outras atividades, oferecem a possibilidade de o turista passar em consulta com um cirurgião plástico brasileiro e, se acertada a cirurgia, fazê-la ainda em passeio.

Mas afinal, o que é a cirurgia plástica? Segundo Gonçalvez (apud Novaes, 2006, p.137) podemos ver as seguintes definições de cirurgia plástica: instrumento de autonomia do indivíduo em relação ao próprio corpo; agir para alcançar felicidade e harmonia; fim do sofrimento de não possuir o corpo desejado; alívio do sofrimento causado pela auto-imposição de padrões sociais de aparência; solução dos problemas de baixa auto-estima; tecnologia a favor das tecnologias do self; alívio para o sofrimento internalizado de não corresponder às expectativas corporais ideais da sociedade. Estas são afirmações contraditórias entre si, mas cada uma é, em si, plausível para definir a cirurgia plástica.

Segundo a medicina, de acordo com a sua finalidade, a cirurgia plástica pode ser tanto reparadora quanto estética.

A Cirurgia Plástica Reparadora tem como objetivo corrigir os mais variados tipos de lesões, desde aquelas causadas por tumores ou cânceres de pele, como a reconstrução mamária após a cirurgia de câncer de mama; até mesmo a reparação de defeitos congênitos ou adquiridos, como seqüelas causadas por acidentes, fratura de ossos da face, queimaduras graves, e na correção de malformações da face, como o lábio leporino.

Figura 01- Cirurgia de lábio leporino

Fonte: http://www.fotosantesedepois.com/2011/04/05/lábio-leporino/

A Cirurgia Plástica Estética é aquela realizada com o objetivo de melhorar a aparência de alguma região do corpo. A motivação vem muitas vezes do próprio paciente, que pode estar insatisfeito com a feição adquirida por alguma região de seu corpo durante o

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desenvolvimento ao longo do tempo. Um exemplo, é o caso de mamas muito grandes, que podem causar inclusive dores cervicais. Problemas como este costumam trazer ao paciente, grandes dificuldades de convívio social, constrangimentos ou problemas funcionais.

Figura 02- Cirurgia de redução dos seios

Fonte: http://www. fotosantesedepois.com/2009/10/11/mamoplastia-de-reducao/

O Brasil é reconhecido mundialmente como pólo de referência em cirurgia plástica. Daqui saem os melhores profissionais e as técnicas mais inovadoras. Atualmente, as duas cirurgias plásticas estéticas mais realizadas em solo brasileiro são a lipoaspiração e o implante de prótese de silicone nos seios.

Ao falarmos em cirurgia plástica, imediatamente nos vêm à mente exemplos de intervenções ligadas apenas à beleza do paciente, ou seja, cirurgias estéticas, como lipoaspiração, lifting facial, aumento de mamas, entre outros. Mas, a função dessa especialidade é muito mais ampla e capaz de beneficiar milhares de pessoas.

As mãos de um cirurgião plástico não se prestam apenas para lidar com a beleza. As técnicas avançadas desses profissionais são capazes de trazer novas expectativas aos que sofreram com queimaduras, venceram o câncer, sofreram tentativa de homicídio ou suicídio, acidentes automobilísticos, entre outros.

De um modo geral, no entanto, não se pode pensar que não há riscos: cuidados essenciais, como buscar médicos reconhecidos pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e com registro no Conselho Federal de Medicina, são sempre recomendados. Muitas pessoas deixam-se levar pelas famosas fotos “antes e depois”, mas não levam em consideração que cada organismo reage diferentemente a uma intervenção estética tão invasiva.

Além disso, o impacto de um resultado negativo - que sempre deve ser levado em conta como um risco a ser assumido - pode trazer conseqüências sérias para a própria imagem

Referências

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