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Poder e saber em Foucault: uma reflexão sobre essa relação dentro dos assentamentos rurais

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PODER

E SABER EM FOUCAULT:

UMA REFLEXÃO

SOBRE ESSA RELAÇÃO DENTRO

DOS ASSENTAMENTOS

RURAIS

NEJME NOGUEIRACOSTAI

Este artigo foi produzido dentro dadisciplina "Correntes Modernas da Filosofia da Ciêneia" epretende realizar uma análise dopensamento de Michel Foueault sobre arelação saber/poder.

Essa análise estraá associada às relações depoder e saber que se esta-belecem dentro dos assentamentos rurais entre os assentados e osprofissionais que látrabalham. Iremos refletir sobre odiscurso que define e caracteriza essa relação, tomando como base uma questão bem específica, qual seja, a defini-ção do modo de exploradefini-ção da terra que objetiva tornar o assentamento uma unidade produtiva ..

Foucault quando discute a questão do poder em suas obras, não o trata como algo isolado e abstrato, masreferendando-se, proeurando identificá-10e entendê-lo em práticas concretas. Talvez elejamais tivesse pensado em relacioná-Io com as experiências vividas em assentamentos rurais, mas esta é a minha referência para entender opoder que perpassa e se exerce nas rela-ções sociais.

o

que caracteriza o estudo

do

poder/saber

em Foucault

Consideramos que para entender o poder na perspectiva que iremos analisá-lo épresciso primeiramente nos despirmos de alguns (pre) conceitos, isso significa cornpreendê-lo a partir do que ele não é: coisa, algo que se pos-sui, lugar que se ocupa.

A questão central da interpretação deFoueault é compreender opoder como algo que se exerce, funciona em rede; não está centralizado no Estado, nem funciona apenas para manter relações de produção ereprodução de uma classe sobre outra.

Foucault viu delinear- se, a partir de suas pesquisas, que o Estado não é ofoco central do poder. Existem formas de exercíeio do poder diferentes do Estado, que podem ou não está a ele articulado de modos variados, sendo indispensávei a sua sustentação c atuação eficaz.

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PODER ESABER EM FOUCAULT: UMA REFLEXÃO ..

A razão éque o aparelho de Estado é um instrumento especí-fico de umsistema depoderes que não se encontra unicamente

nele localizado, mas o ultrapassa e complementa. (...) É que nem ocontrole, nemadestruição doaparelho de Estado, como muitas vezes se pensa - embora, talvez cada vez menos - é suficiente para fazer desaparecer ou para transformar, em suas características fundamentais, a rede depoderes que im-pera emuma sociedade. (Machado inFoucault: 1988:XIlI) Ele procura dar conta do nível molecular do exercício do poder, sem

partir do centro para aperiferia, do macro para omicro. Para ele esse tipo de análise caracteriza-se como descendente, no sentido de que, opoder parte do Estado até os escalões mais baixos da sociedade.

Foucault propõe-se apartir da especificidade da questão colocada, a

analisar como esses micro poderes, que possuem tecnologia ehistória especí

-ficas, relacionam-se com onível mais geral dopoder constituído pelo aparelho

de Estado. Realiza, então, uma análise ascendente, estudando o poder não como uma dominação global e centralizada, que de forma homogênea se di -funde e repercute nos outros setores da vida social, mas como tendo uma existência própria e formas específicas aonível mais elementar.

Assim como o poder, aspossibilidades políticas de saberes específicos

podem serencontradas não por uma relação direta com o Estado, considerado como aparelho central e exclusivo do poder, mas por uma articulação com

saberes locais, específicos, circunscritos a uma pequena área de atuação, que

estaria nonível das instituições.

o

Estado não é o ponto de partida necessário, ofoco absoluto que estaria na origem de todo tipo depoder social e do qual também se deveria partir para explicar a constituição de sa-beres nas sociedades capitalistas. Foi muitas vezes fora dele que se instituíram as relações de poder, ... (Machado in

Foucault: 1988: XIV)

A visão não é de diminuir o papel do Estado nas relações de poder

existentes na sociedade, mas desmistificar aidéia deque seria ele ofoco cen

-tral e único do poder. Trata-se de situar o poder em outro lugar que não o

Estado. O interesse de sua análise é evidenciar que ospoderes nãoestão loca

-lizados em um ponto específico daestrutura social. Funcionam como uma rede

de dispositivos e mecanismos a que ninguém escapa. Daí a idéia de que o

poder não é algo que se possui ou detém, como coisa ou propriedade. Não existem de um lado, osque detém o poder, edeoutro, osque dele estão alijados.

Embora, unso exerçam maisqueoutros. Sem dúvida devemos ser nominalistas: opoder não éuma instituição enem uma estrutura, não éuma certa potência de que alguns sejam dotados. (Foucault,1985:89)

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PODER ESABER EM FOUCAULT: UMA REFLEXÃO..

"O poder", quando assim serefere Foucault, não significa umconjun

-to de instituições eaparelhos garantidores dasujeição aum Estado determin

a-do. Não é um sistema de sujeição de um indivíduo sobre outro, de um grupo sobre outro, de uma classe sobre outra. Ele corresponde a multiplicidade de correlações de forças, a uma situação estratégica complexa numa dada soci

e-dade. Ele não está no Estado, nem iránecessariamente partir dele, masporser

um palco privilegiado de relações, as estratégias podem vir através dele a

institucionalizarern-se.

Entender o poder dentro de qualquer correlação de forças éuma das

idéias chaves do pensamento deFoucault.

Devido à mobilidade da correlação de forças e a sua desigualdade imanente induz-se aestados de poder, porém, instáveis.

Não existe o poder em si,mas sim, práticas ou relações de poder. Ele

é algo que se exerce, efetua e funciona como uma espécie de maquinaria que

alcança toda a estrutura social. Caracteriza-se porser onipresente: opoder está

em toda parte. Não é um objeto, uma coisa, masuma relação.

O caráter relacional do poder define que as lutas contra seu exerc í-cio não são de fora, do exterior, pois nada está isento de poder. As lutas que

se travam para oseu exercício produzem resistência dentro da rede de po-der. Formam um tecido que atravessa asextratificações sociais e asunidades individuais.

As relações de poder reproduzem atos negativos, como: reprimir, e

x-plorar, recalcar. Etambém possuem uma positividade: adestrar, aprimorar, con

-trolar. Os efeitos dessa positividade são econômicos epolíticos: maximiza a

utilidade econômica do homem notrabalho ediminui suacapacidade dere vol-ta e resistência, tornando-o dócil politicamente. Seus efeitos compõem portan

-to,elementos reguladores.

Essa regulação dar-se-à também em nível do pensamento enão só de

condições objetivas, pois um tipo de saber éproduzido nas relações de poder

que se exerce. O indivíduo é então, produto dopoder edosaber.

Oautor nos coloca que opoder éprodutor deuma individualidade, mas

não étodopoder que seindividualiza, masumtipo específico: opoder disciplinar.

Fruto dessas relações, não pode o homem produzir e reproduzir um

saber neutro, todo saber possui um referencial político. Mesmo que os sujeitos

não sedêem conta disso.

Até aqui nos interessa compreender que saber e poder implicam-se

mutuamente. As relações de poder propiciam a constituição de um campo de

saber, assim como, onde há saber novas relações de poder são constituídas.

Saber

e

pod

e

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sentam

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nt

os

Em uma sociedade dividida emclasses, aluta entre essas classes con

s-titui na força motriz de seu desenvolvimento. Entender a luta pela reforma

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PODER ESABEREM FOUCAULT: UMA REFLEXÃO

agrária dentro dessa sociedade é compreendê-Ia enquanto processo con

traditó-rio de transformação das estruturas de poder, podendo atender a interesses antagônicos, adepender da correlação de forças numa determinada conjuntura. A luta pela terra detrabalho não sereduz simplesmente a conquista da

propriedade, mas de fazer dela umespaço de libertação, de emancipação do

homem, que sedá na prática. O que sóépossível primordialmente pela co

m-preensão do sujeito desua realidade.

A interpretação dessa realidade também fazparte da correlação de for -ças, pois a própria história está em constante conflito com a consciência que

dela tem oshomens.

Iremos aqui discorrer sobre algumas experiências vividas pelos assen-tados, evidenciando nelas essa teia de relações saber/poder emnossa sociedade. Antes de serem assentados, muitas dessas famílias já viveram alguma

relação patronal. Os agricultores que trabalhavam para terceiros, nos mais di-versos regimes e funções, estabeleciam com opatrão uma relação onde se con

-figurava opoder/saber. O patrão exercia seu poder sobre o agricultor porque eradono da terra e dosmeios deprodução. Seusaber éproveniente da vivência

no campo e do gerenciamento de negócios. O poder exercido por ele está re

la-cionado anecessidades econômicas e políticas. Interessa a ele que o agricultor

seja útil edócil. Alei dopatrão expressava-se ora repressiva, ora "generosa". Sair da condição de simples agricultor com patrão para ser trabalhador rural assentado, não o faz escapar de relações dedominação. Como dito ante -riormente, o poder perpassa as relações de forças e no assentamento novos confrontos irão surgir, ele se confrontará com: outros assentados, lideranças, militantes, profissionais e entre outros o próprio Estado.

Gostaríamos aqui de nosdetermos especialmente, nasrelações que são estabeleci das entre os assentados eosprofissionais que trabalham nos assent

a-mentos (para osquais também utilizaremos otermo "técnico").

Aochegar no assentamento o trabalhador depara-se com oexercício de

outro tipo de poder, o que vem da academia, oriundo dosaber científico. Ostécnicos que trabalham nosassentamentos possui umsaber acumu -lado pelos anos de estudo nas universidades ou escolas agrícolas. Poderá ele então, por valorizar a racionalidade científica, não levar em consideração no exercício de suas práticas, o saber que o assentado tem,que édiferente doseu. Se desejar, procurará impor seu saber, utilizando-se do conhecimento que

detém, pois é ele que elabora projetos; instituído dopoder do Estado, concede

e libera recursos; conhece novas tecnologias para aumento da produção e da

produtividade; sabe relacionar-se com asinstituições, inclusive financeiras; é

o"doutor".

Mas oassentado também édetentor deum saber, que possui uma lóg i-ca não apenas baseda nasexperiências do passado, mas em elementos de expli-cação da mudança e das inquietações sociais. No entanto, por terem sido

socializados em relações dedominação, onde alei não está dissociada da figu-radoempregador, quando sereconhecem sem patrão, surgem dificuldades de

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PODER ESABER EM FOUCAULT: UMA REFLEXÃO ..

socializarem-se em relações democráticas. Uma primeira tendência pode sera

derelacionar ainstituição pública, seusrepresentantes, no casooINCRA, como opartão.

Um dos principais problemas vivenciados pelas famílias assentadas,

muito provavelmente omaior, está na organização do trabalho na terra, que compreende suaforma de exploração.

Essa pode se dar sob três regimes: individual, coletivo ou misto. O

individual corresponde aoparcelarnento da área, ouseja, a terra édividida em

lotes iguais no tamanho, para serem explorados individualmente. No sistema coletivo nãohááreas individuais, aterra deve serexplorada portodos, organi -zando-se para isto: o planejamento, execução edistribuição das atividades, a

comercialização, etc. No Ceará - argumentando-se como principal fator adi -versidade das terras (tipos de solos), que podem ser propícias ou não para a agricultura, além do fato da distribuição dos recursos hídricos - a exploração

daterra ébaseada no regime misto. Nele existem áreas destinadas àprodução

individual deculturas de subsistência, namaioria milho efeijão, e asmelhores áreas, onde pode-se alcançar uma boa produção, são destinadas à exploração coletiva. Nela todos irão trabalhar, organizar otrabalho, paraque possam atin -gir bons resultados econômicos e sociais.

Quando os trabalhadores chegam aoassentamento, recebem orient a-ção dos técnicos do INCRA, quanto a forma de exploração da terra. Após várias discussões em reuniões chegam a conclusão deque omodelo misto é a

melhor opção para o desenvolvimento sócio-econômico da propriedade. E o

melhor tipo de organização para acomunidade seria através daassociação. No entanto, por trásdesse discurso estão também relacionadas questões objetivas,

como por exemplo, achegada dos créditos deimplantação, que geralmente são liberados através dodepósito do recurso em conta corrente da associação.

Esta referência no coletivo também está presente nafala dosmilitantes

do MST, reforçando aideologia do próprio movimento quanto aimportância

do associativismo, de práticas cooperativas e da própria consciência organizativa, naqual, ostrabalhadores que vinham deuma situação individual

deexploração, podem agora seunir para superar essa condição.

Percebemos até aqui, que os saberes produzidos sobre a questão da

terra (por técnico, patrão, militante) respaldam-se para sua realização prática em relações de poder, construídas ou não democraticamente.

Pretendemos então refletir, com base nas análises deFoucault sobre o

poder e o saber, que elementos compõem essediscurso, que também se reflete

nas práticas dos profissionais que trabalham nosassentamentos, nas quais

es-tão imbuídas relações de poder/saber.

Desejamos também contribuir principalmente, para uma reflexão do

papel dotécnico para areforma agrária, edo sentimento de podermos obje ti-vamente estar construindo novas relações sociais, onde opoder não sirva s

o-mente para dominar/domesticar, mas para produzir novos saberes, tanto para os assentados como para osprofissionais.

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PODER E SABER EM FOUCAULT: UMA REFLEXÃO ..

o

intelectual e a verdade

A proposta de Foucault é fazer uma genealogia das relações depoder, mas não iremos nosdeter com profundidade aisso neste trabalho. Iremos apc nas entender o que é essa genealogia eposteriormente opapel do intelectual, ligado aquestão do discurso eda verdade.

Para ele a genealogia éuma forma dehistória que dá conta da consti tuição dos saberes, dosdiscursos, dosdomínios do objeto, etc., sem ter que se referir a um sujeito, seja eletranscendente com relação ao campo de aconteci mentos, seja perseguindo sua identidade vazia aolongo da história.

Durante muito tempo os intelectuais ditos "de esquerda" tomaram a palavra e viram reconhecido seu direito de falar como donos daverdade eda justiça. Ser intelectual era um pouco ser a consciência de todos. Pretendiam

portanto, serportadores deuma universalidade, consciente e elaborada. O pro-letariado também pretende ser dono dessa universalidade, porém, de forma obscura e coletiva, enquanto ointelectual de forma clara eindividual.

Há muitos anos não se demanda do intelectual este papel. Um novo modo derelação teoria eprática, requer que nolugar do universal os intelectu-ais habituem-se atrabalhar em pontos precisos que os situem (seja nas situ a-ções de trabalho ou da vida cotidiana: hospital, universidade, família, etc.). Isso leva ointelectual auma consciência muito mais concreta e imediata das lutas, a depararem-se com problemas mais específicos e muitas vezes diferen -tesdas massas. Foucault fala do intelectual "específico" em oposição ao inte-lectual "universal".

Considerar o intelectual "específico" possui uma significação política muito relevante, pois permite que outras categorias profissionais possam se rearticular, e assim, produzir saber. Oescritor deixa de ser o intelectual por excelência e apartir da atividade específica de cada um (médico, assistente social, psiquiatra, etc.) podem se articular ligações transversais de saber para saber, proporcionando uma politização global dos intelectuais.

A relação do intelectual com a instituição localizada e o fato de ser portador de um saber científico é oque permite que ele possa intervir, assumir uma posição específica na ordem do saber e o levar a constituir-se em um perigo político.

Assim, o profissional que está ligado àreforma agrária, aoser portador deumsaber específico que pode contribuir no processo de organização social e produtiva do assentamento, ao assumir uma posição de situar oseu saber a serviço dos trabalhadores, no sentido de fazer uma reforma agrária dentro da compreensão dos movimentos sociais, constitui-se num perigo político para aqueles a quem não interessa fazer a verdadeira reforma agrária.

Foucault fala do intelectual no sentido político da palavra e não socio-lógico ou profissional. O intelectual é aquele que faz uso do seu saber, de sua competência, de sua relação com a verdade nas lutas políticas.

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PODER ESABEREM FOUCAULT: UMA REFLEXÃO ..

Em Foucault a noção de verdade está presente como um conjunto de

procedimentos regulados para aprodução, alei, arepartição, a circulação e o

funcionamento dos enunciados. Aidéia de "verdade" está ligada circularmen-I' a sistemas de poder, que produzem e apoiam essa verdade, bem como, a efeitos depoder que ainduzem ereproduzem. O regime da "verdade" foi.

con-dição de formação e desenvolvimento do capitalismo e também funciona em

países socialistas.

Ele considera que a verdade não existe fora do poder ou sem opoder.

Ela éreal eproduzida devido amúltiplas coerções, nela se produzem efeitos

regulamentados de poder. Aidéia de verdade está ligada aidéia de regulação.

ada sociedade possui seu regime de verdade, sua "política geral" da verdade.

Nas sociedades são produzidos discursos que sãotomados como verdadeiros;

mecanismos einstâncias para distinguir o verdadeiro do falso; astécnicas e os

procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto da

verdade. A verdade produz então amoral e a ética de uma sociedade,

propon-do ser assim hegemônica.

O intelectual na sociedade não é o "portador de verdades universais",

mas ele ocupa uma posição específica ligada às questões gerais da verdade.

Mesmo atuando num contexto local pode acarretar efeitos mais gerais, que diz

respeito à posição da verdade nas sociedades.

A função do intelectual éimportante mas deve ser reelaborada. Ele é obrigado a assumir responsabilidades políticas, não não só de criticar os

con-teúdos ideológicos que estariam ligados àciência ou tendencialmente

relacio-narsua prática auma ideologia justa, masde saber se épossível constituir uma nova política da verdade. O problema não é mudar a "conciência" das pesso

-as, ou o que elas têm na cabeça, mas oregimepolítico, econômico, institucional

de produção da verdade. (Foucault, 1988: 14)

O erro está naprópria verdade, trata-se então de desvincular o poder da verdade das formas hegemônicas nointerior das quais ela funciona.

Essa reflexão chama atenção pela posição importante que ocupa o

in-telectualna sociedade eno enfrentamento da verdade e das formas de hegemonia

sociais, econômicas, políticas e culturais. Reforçamos que a posição desse

intelectual não deve selimitar àsquestões mais gerais, mastambém locais, que

se realizam no cotidiano.

O intelectual possui um discurso que produz efeitos de"verdade", que

tanto pode legitimar as condições dedominação e opressão da sociedade, como

pode favorecer a criação de um saber que irá pensar a superação das atuais

condições de opreesão existentes. Concordamos com Foucault quando dizque

opoder, longe de impedir o saber, oproduz. E acrescentamos que esta produ

-ção do saber nãoéindividual, mas coletiva. Oindivíduo pode favorecer queo

outro produza um saber diferente do que possuia anteriomente. Este saber

produzirá também novas relações de poder.

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PODER ESABER EMFOUCAULT: UMA REFLEXÃO ..

A representatividade do discurso

Iremos discorrer agora sobre aquestão da representatividade do di s-curso, referenciando-nos no fato de que o profissional/técnico pode muitas vezes, em suas práticas, colocar-se no lugar doassentado, falar em seu nome

ou fazer por ele.

Foucaut, bem como Deleuze, vivem de maneira nova asrelações teoria eprática. Concebem a prática não como uma aplicação da teoria ou que esta

devesse inspirá-Ia. As relações teoria- prática são muito mais parciais e frag -mentárias, que totalizadoras. Ateoria é sempre local, relativa a um pequeno

domínio, e só passa a um domínio diferente quando encontra obstáculos que

tornam necessários que seja revezada poroutro discurso. A prática éum

con-junto de revezamentos de uma teoria a outra e a teoria um conjunto de

revezamentos de uma prática a outra.( Deleuze inFoucault: 1988: 69-70)

No cotidiano de alguns profissionais, acontece muitas vezes de ch

ega-rem ao assentamento com uma série de teorias prontas para serem colocadas em prática. Até levam em consideração queprecisam antesconhecer a realid

a-de para depois agir sobre ela. Até aqui tudo bem. Após conhecê-Ia procuram quais conhecimentos melhor se adequarão àquela realidade. Analisam quais

tccnologias irão transformar a realidade com a qual se depararam.

O queacontece éque não podemos neste momento supervalorizar n os-so conhecimento em detrimento de outro. Corremos orisco denos colocarmos

nolugar dooutro, representando oque poderia ou deveria ser o seu pens amen-to. Estamos negando aooutro asua condição desujeito.

Énecessário para que nosso saber não exerça uma relação de imposi -ção sobre o saber doassentado, que saibamos dar-lhe o poder dafala. Exercer um poder que permita ao outro expressar seuconhecimento, que também p os-sui uma lógica e uma racional idade. Racionalidade essa não tão apurada e

metódica como a científica, masque tem sua razão de ser.

No entanto, facilitar o processo dooutro também sedescobrir e faze

r-se sujeito através da fala e da exposição de idéias, não se resume ao saber

ouvir, paraposteriormente, fazermos com queostrabalhadores concordem com tudo o que havíamos dito anteriormente. Quando assim acontece nossa teoria continua sendo absoluta, totalizadora.

Reconhecer o discurso do outro significa dizer que anossa teoria en-controu um obstáculo que tornou necessário outro tipo de discurso, que nos

permitará passar aum domínio diferente do nosso.

Osprofissionais muitas vezes desenvolvem trabalhos que são de com

-petência dos próprios assentados. Trabalhos que deveriam caracterizar rela

-ções de poder entre assentados, que neste caso seriam mais equilibradas, mas

quando exerci das entre técnicos eassentados, tornam-se relações autoritárias, anível patrão-empregado. O técnico exercendo um poder que nãoéoseu o faz

por necessidade de afirmar-se, refletindo adeficiência que tem em exercer o

seu próprio papel. Queremos aqui,dizer quea incompetência profissional pode

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PODER ESABER EM FOUCAULT: UMA REFLEXÃO..

levar osujeito (técnico) arealizar determinadas atividades que não são suas, porque não podendo mais estabelecer com os assentados relações que tenham como base o seu saber profissional, irá procurar outras fontes deexercício de poder para firmar-se, sentir-se e fazer-se útil na comunidade. Mas não são essas posições do profissional que os assentados precisam, assim ele estaria

tomando o lugar do patrão. Todo saber assegura o exercício de um poder e

cada vez mais se exige que ele setorne competente.

Senos colocarmos nolugar dooutro para expressar asua consciência,

estamos fazendo parte do sistema de poder que barra, proíbe e invalida odi

s-curso do trabalhador. As massas possuem um saber e sabem exprimi-Ias, é notório quando vemos asnegociações dosmovimmentos sociais com ogover -no.Como coloca Foucalut (1999:71):

o

papel do intelectual não émais ode se colocar" um pouco nafrente ou um pouco delado"para dizer a muda verdade de todos; éantes odelutar contra asformas depoder exatamente

onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e oinstrumento: naor

-dem do saber, da "verdade", da "conciência", do discurso.

Éassim que ateoria deixa de serexpressão eaplicação deuma prática, para tornar-se efetivamente uma prática. Podemos em uma realidade local e

bem definida, lutarcontra opoder que oprime ea favor doque liberta. Ateoria é uma caixa de ferramentas, que deverá ser utilizada. E se essa teoria, como

sistema regional de luta, não puder ser utilizada na realidade, outras teorias

poderão serconstruídas.

Considerações Finais

Em umapassagem daMicrofísica doPoder(cap.XI) Foucaultfala da im

-portância dosaber dodominado. Entende porsaber dominado aquele quehavia sido desqualificado comoincompetente ou insuficientemente elaborado, quenuma

hierarquia estaria colocado a baixo doníveldecientificidade. A insurreição des

-sesaber,juntamente com oerudito, num período deintensa criticabilidade, foio

que realmente realizou a crítica. Tratava-se na realidade do saber histórico da

luta. Agenealogia seria portanto, quem iria valorizar estes saberes históricos,

tornando-os capazes deoposição ede lutacontra ahierarquização científica do

conhecimento ede seus efeitos intrísecos de poder.

Em suma, é no discurso que searticulam saber e poder. No entanto, não devemos conceber o discurso como dividido entre admitido e excluído,

dominante ou dominado; mas considerar a multiplicidade de elementos

discursivos. Essa multiplicidade dentro dacorrelação de forças éo quepermi

-teque cada um possa, em determinadas situações estratégicas, ocupar ou não

um lugar mais favorável aos seus interesses.

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PODER ESABEREM FOUCAULT: UMA REFLEXÃO..

Os discursos não são submetidos para sempre ao poder, podem tam-bém estar opostos a ele. Podem ser ao mesmo tempo instrumento e obstáculo do poder, ponto de resistência eponto de partida. Isso faz parte de um jogo complexo einstável nocampo da correlação deforças.

Quando os assentados falam dos problemas que encontram nosasse n-tamentos, principalmente no modo de exploração daterra, eles passam a con s-truir novas teorias. A partir domomento que eles falam das novas experiências de vivências comunitárias, das novas aprendizagens decorrentes da sua situ a-ção de trabalhador rural assentado, dosproblemas enfrentados, dasexpectat i-vasque tinham ede como as coisas aconteceram narealidade, vão elaborando seus discursos oucomo diria Foucault umcontra-discurso. Aquestão domodo de exploração da terra pode serelaborada também pelos assentados.

Bibliografia

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 7' ed. Rio deJaneiro: Graal, 1988.

.História da Sexualidade I:A vontade de saber. 8' ed. Rio de Janeiro: Graal. 1985.

Referências

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