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Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, Ano 17, nº 27, 2012,

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Resenha

La part de l’étranger.e: travail et racisme, de Hélène Y. Meynaud. Lormont, França: Le Bord de l’eau éditions, 2010. Claire Auzias

Trata-se de um livro de sociologia que tenta analisar conjuntamen-te a discriminação de raça e a discriminação de gênero no trabalho, na França e na Europa. A problemática da autora consiste em revelar a dupla opressão contra as estrangeiras no mundo do trabalho, e também contra as mulheres enquanto “estrangeiras” ao modelo universal da dominação de gênero, ou seja, o Wasp (white Anglo-Saxon protestant). Socióloga e engenheira, a autora trata, nesta obra, de uma questão eminentemente atual, ou seja, “a parte do estrangeiro(a): trabalho e racismo”. De fato, encontraremos, neste texto de referência, numerosas formas de racis-mo no trabalho, minuciosamente analisadas por meio de deracis-monstrações qualitativas e muitos dados estatísticos. A primeira qualidade da obra é sua legibilidade: clara, sem rodeios, precisa, documentada, confiável.

A autora começa por esclarecer que, na França, são chamados de estrangeiros, certas categorias de cidadãos que não poderiam absolu-tamente ser consideradas como tal: os que nasceram franceses, de pais estrangeiros, geralmente filhos de imigrantes de antigas colônias france-sas, como o Magreb ou a África subsaariana. Chamá-los de estrangeiros, quando eles são cidadãos franceses de pleno direito, já é uma forma de racismo.

O objeto do livro é, portanto, a categorização das diferentes for-mas e práticas de racismo no trabalho e a análise das relações que os di-ferentes segmentos da sociedade francesa mantêm entre si. O estudo traz

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duas ideias principais: primeira, a hipótese segundo a qual o incontestá-vel retorno da ideia de raça (que a pesquisa científica sempre combateu por ser incoerente) se apoia num contexto de desemprego; a segunda hipótese proposta por Hélène Y. Meynaud é que o racismo e as respostas que vêm em contrapartida têm como efeito o achatamento da posição das mulheres na sociedade. Portanto, as discriminações, longe de esta-rem corrigidas, se mantêm. Contrapor raça a mulheres é uma forma de reproduzir a desigualdade das mulheres e de postergar sua equiparação social nas sociedades europeias.

A esse respeito, Meynaud considera que o modelo republicano laico está em competição e contradição com o modelo liberal americano, que é, segundo a autora, o grande promotor das categorias sociais frag-mentadas. Essa proposição merece consideração, mas pode ser contes-tada: se examinarmos comparativamente não encontraremos diferenças estruturais tão importantes entre os padrões estadunidense e europeu de socialização.

A autora consagra um belo capítulo àqueles aos quais chama “os incendiadores de fronteiras”, isto é, os trabalhadores clandestinos e ou-tros imigrantes sem documentos (sans papiers) que suscitam lutas de solidariedade em todos os países de Europa. Eles formam a mão de obra racialmente mais discriminada e realizam os serviços que não são “des-territorializáveis”, como a colheita agrícola sazonal e a construção civil, nas condições de ultraprecarização pós-moderna. Eles estão no campo de batalha experimental dos atuais limites do novo mundo do trabalho. Este é o terreno em que se exerce o racismo no trabalho com maior visi-bilidade, mas não é sua única modalidade.

Existe ainda outro, porém pouco presente nesta análise, que pode-ríamos denominar “nosso próprio terceiro mundo”: os ciganos. Para sair do racismo absoluto em que são mantidos, particularmente, na esfera do trabalho, eles são obrigados a promover uma campanha publicitária especial antirracismo, explicitando suas competências e qualificações profissionais. Ciganos são, na realidade, cidadãos franceses e europeus, de nenhuma forma estrangeiros do ponto de vista jurídico nos países em questão, mas atualmente proibidos de exercer qualquer trabalho legal.

É preciso mencionar, ainda, as profissões exercidas nas grandes estruturas públicas europeias, em pleno processo de desmantelamento liberal, como os hospitais. Impedidos de funcionar em razão das redu-ções de efetivos e de crédito, eles recorrem à mão de obra estrangeira

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superqualificada e mal paga. É assim que os médicos de origem ma-grebina e africana se converteram nos pilares mais sólidos do hospital público contemporâneo, mas numa situação de grande precarização. Nas profissões executivas e de empregados de escritório, o racismo se exerce igualmente, na forma geral de baixas remunerações para os trabalhado-res superqualificados e a precariedade total do emprego.

Todas as demonstrações do livro estão amparadas por gráficos, números e estatísticas, perfeitamente sólidos e confirmados.

Segundo a autora, a “remobilização das clivagens racistas” da sociedade, apresentadas em termos de identificação étnica, é um ins-trumento de divisão para melhor reinar, e posiciona-se, como grande parte da comunidade científica, contra a contagem étnica que evoca uma memória sinistra, a do genocídio na II Guerra Mundial. Ela propõe uma reflexão em termos de origem geográfica. Se os governos promovem “a diversidade”, é, segundo a autora, uma resposta do MEDEF1, ou seja,

do patronato francês às acusações de racismo. A diversidade assim con-cebida serviria para mascarar a realidade de um racismo onipresente no trabalho, segundo todas as fontes de análise sociológica utilizadas, qualitativas ou quantitativas. Além disso, a promoção dessa diversidade (pontual, de fachada), tem como efeito relegar a luta pela igualdade das mulheres na sociedade francesa e, especialmente no trabalho, a um fu-turo longínquo, em nome de uma urgência maior: a promoção das mino-rias étnicas discriminadas. Como variantes do racismo, algumas autoras como Colette Guillaumin e a própria H. Meynaud incluem o sexismo, e esta última se dedica a demonstrar o uso perverso, e mesmo deliberado, de uma categoria discriminada contra outra, dito de maneira explícita, os “diversos” contra as mulheres. Como ilustração dessa análise, que não é sem fundamento, ela dá o incontrastável exemplo do fracasso político de Hillary Clinton em benefício de Barack Obama, sintoma mundial e indicador sociológico midiático.

Malgrado a pertinência das análises apresentadas nesta obra, gos-taríamos de sugerir que se avancem as pesquisas para além das clivagens aqui estudadas, a fim de recuperarmos, com maior proveito, a análise sociológica da reprodução das desigualdades sociais entre as diversas categorias subalternas e discriminadas, visto que não se anulam, mas, conforme os preceitos mais clássicos da sociologia, reforçam-se mutu-amente. Lamentamos que a conceituação de etnia não recorra à etno-logia (especializada nesta categoria), e permaneça no patamar de uma

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definição muito sucinta, mesmo se recuperada de Max Weber. Recorrer à etnologia permitiria uma articulação maior desse dado social com os outros parâmetros da análise materialista e sociológica aqui utilizados, como classe, gênero e raça.

Feitas essas observações, não duvidamos que a obra é uma ferra-menta concreta para as reflexões, e por consequência, para as lutas que a autora conhece tão bem a ponto de ter sido eleita juíza de primeiro grau em instâncias de mediação de conflitos de relações de trabalho de direito privado (prud’hommes).

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N

otas

1. Mouvement des Entreprises de France, o maior sindicato patronal da França, congregando, sobretudo, pequenas e médias empresas, com 50 empregados ou menos (N.E.).

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