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BIBLIOTECAS PÚBLICAS: ESPAÇOS DE EXPERIÊNCIA

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BIBLIOTECAS PÚBLICAS: ESPAÇOS DE EXPERIÊNCIA

ACHILLES, Daniele Doutoranda em Memória Social pelo PPGMS/UNIRIO. Mestre em Memória Social pelo PPGMS/UNIRIO. Professora Adjunto do DEPB/UNIRIO. Email: daniele.achilles@unirio.br

GONDAR, Josaida de Oliveira Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-Rio. Doutorado Sanduíche na Université Paris VII. Pós-doutorado em Psicologia – Universidade de Deusto, Espanha. Professor Titular do PPGMS/UNIRIO.

RESUMO: Aborda a biblioteca pública enquanto instituição social, cultural e de memória. Investiga que questões emergem da perda de experiência compartilhada que afetam diretamente o exercício da cidadania trazendo implicações para a atualização do conceito e dos usos das bibliotecas públicas na sociedade de controle. Apresenta o conceito de experiência situado na obra de Walter Benjamin e enfatiza as novas possibilidades criativas para a atualização do conceito de biblioteca pública.

Palavras-chave: Biblioteca Pública. Biblioteca Pública – Instituição social e de Memória. Experiência.

Cidadania.

INTRODUÇÃO

A temática “bibliotecas públicas” é pouco privilegiada no âmbito da Biblioteconomia e Ciência da Informação, isso se deve ao fato de que essas ciências passaram a preocupar-se mais com o conhecimento técnico-científico e a focalizar outras áreas de pesquisa, tendência do mercado informacional atual. No Brasil, a discussão em torno das questões relativas às bibliotecas públicas ocorreu mais efetivamente na década de 1980, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, todavia ainda observamos a pouca incidência de pesquisas, mesmo que uma retomada dos interesses por esta temática tenha ocorrido por parte dos pesquisadores e bibliotecários de 2010 em diante, revelando suas redefinições e características.

Atualmente, o Brasil dispõe de 6.102 bibliotecas públicas municipais, distritais, estaduais e federais1, mas ainda não conseguimos tornar essas bibliotecas espaços onde se privilegie a experiência e o exercício de cidadania. Muitas delas são ainda encaradas como espaços nada dinâmicos e que não possibilitam o acesso aos inúmeros suportes dos registros do conhecimento. Ao analisar a situação dessas bibliotecas esbarramos sempre em uma mesma máxima: para que elas servem? E, ainda em outros questionamentos que se tornam explícitos

1 Disponível em: <http://snbp.culturadigital.br/informacao/dados-das-bibliotecas-publicas/ >. Acesso em: 04 out.

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quando avaliamos sua missão, suas funções, produtos e serviços, enfim seus variados usos e definições.

Partindo da idéia de que o maior dos problemas enfrentados pelas bibliotecas públicas brasileiras seja a falta de definição e de participação na construção da vida social propomos pensar essa instituição social, cultural e de memória de forma a destacar o entendimento do seu conceito e de seus usos, focalizando as relações entre experiência, informação e exercício da cidadania, que se constituirão como os três pilares dessa comunicação.

Existem diversos modos de descrever as funções e a importância destas bibliotecas para o indivíduo, bem como para a sociedade. O que merece destaque aqui é a forma pela qual fundamentamos a partir de alicerces teóricos o objetivo de determinar possíveis nuances presentes nessas bibliotecas que afetam diretamente as comunidades que elas atendem. Assim, enquanto instituições sociais, culturais e de memória, as bibliotecas públicas são essenciais a formação da sociedade, isso porque interferem e participam do processo de formação e organização social. Além disso, desempenham ações e atividades direcionadas que estão diretamente ligadas ao exercício da cidadania e também o impulsiona. Dentre essas ações e atividades cabe marcar o incentivo às práticas leitoras e o desenvolvimento da cultura escrita, visto que são elas que podem interferir no exercício da cidadania.

Diante desse contexto, desejamos primeiramente abordar a biblioteca pública como conceito, em seguida, apresentar as elaborações teóricas produzidas por Walter Benjamin e que fundamentarão a inovação trazida nesta comunicação e, por fim, destacar uma possibilidade para a construção de um novo olhar sobre o entendimento conceitual da biblioteca pública, bem como para seus usos.

1. A BIBLIOTECA PÚBLICA COMO CONCEITO

Para o entender as questões relativas as biblioteca pública devemos, primeiramente, entendê-la como um conceito e efetivar uma distinção básica e inicial entre o conceito de biblioteca pública atrelado ao senso comum, e o conceito definido e enfatizado pela literatura acadêmica ou pelos documentos considerados oficiais que pautam essas instituições. Essa diferença fará todo sentido para tecer elementos novos e atribuí-los a essas instituições.

Vejamos, então, que a biblioteca pública em um sentido comum pode ganhar definições e funções que nos remetem às bibliotecas de um tempo histórico anterior ao nosso. É muito

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comum que usuários ou indivíduos sociais a enxerguem como espaços eruditos, de castigo, de silêncio, de estudo que podem ser vistos, ou estarem efetivamente desconectados da própria vida social do indivíduo. Essas acepções geralmente indicadas pelo senso comum afastam a biblioteca de uma aproximação com a comunidade que serve, e dificultam sua participação na formação e organização social. É como se a instituição biblioteca estivesse aquém das necessidades e expectativas do indivíduo. E estão mesmo, em sua maioria não atendem e nem sequer sabem quais são essas necessidades, expectativas e o próprio perfil da comunidade que está inserida.

Em seu sentido mais acadêmico, o conceito de biblioteca pública foi e está sendo definido de diversas maneiras e em diferentes esferas. As maiorias das significações explicitam sua relação com a memória e identidade, revelam suas intencionalidades, abordam sua face cultural, entre tantas outras características, definições e usos. Queremos alertar para o fato de que atribuir um conceito à instituição biblioteca pública, ou até mesmo atualizá-lo não é uma tarefa fácil. Atualizar ou delinear um conceito requer tomar uma posição teórico-metodológica e aqui iremos nos posicionar por via das concepções do movimento pós-estruturalista2 enfatizado por Gilles Deleuze (1925-1995). Dessa maneira, conseguiremos admitir que o conceito “biblioteca pública” se trata de um conceito fluido e polissêmico, isto é, que tem uma variedade de sentidos e significados. Como bem nos lembra Medeiros (2010, p. 12):

O conceito de biblioteca pública no Brasil é fluido. Instituições ligadas à saúde, à educação, ao transporte, e tantas outras, possuem identidade definida. A população conhece de antemão o que se espera dessas instituições, há um modus operandi que perpassa todas elas, independentemente da qualidade do serviço. Da biblioteca pública, no entanto, não se sabe o que esperar. As bibliotecas públicas brasileiras não têm face; nem para as autoridades, nem para o público e nem até mesmo para os funcionários. É uma instituição que sofre, historicamente, de crise de identidade. Da mesma forma, os prédios, as atividades, os acervos e o corpo técnico, salvo raras exceções, não atendem ao preceito de serviço público voltado para o atendimento das necessidades de informação e conhecimento da comunidade.

Medeiros (2010) descreve bem o grande problema dessas instituições em nossa sociedade nos dias atuais, ressaltando a crise de identidade. Mas, a indefinição das bibliotecas

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Movimento pós-estruturalista – movimento liderado por filósofos que tem como tendência uma superação do movimento estruturalista. Jacques Derrida e Gilles Deleuze são os principais filósofos desse movimento. Os filósofos envolvidos nesse movimento (ou abordagem) trabalham a partir da teoria do desconstrutivismo ressaltando a pluralidade de sentidos, onde a realidade pode ser vista como uma construção social e subjetiva formalizada por diversos métodos, embutindo o próprio estruturalismo.

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públicas enquanto instituições sociais, cultuais e de memória e, ainda a constatação de que elas estão em crise, vem sendo desvelada lentamente ao longo dos anos. Muitas delas, com o intuito de superar essa crise de identidade acabam se ancorando e reproduzindo as orientações contidas em alguns “mandamentos” presentes em documentos considerados oficiais, a exemplo o Manifesto da IFLA/UNESCO sobre bibliotecas públicas publicado em 19943. Esse manifesto tem servido de parâmetro para as bibliotecas públicas brasileiras no que tange a indicação de uma definição, bem como das missões que elas devem possuir. Ademais, é dessa maneira que as instituições acabam por buscar uma ancoragem espaço-temporal que as situem e equilibrem objetivando reestabilizar-se novamente e encontrar uma identidade que possa circunscrever suas propriedades e seus limites.

Além do manifesto sobre bibliotecas públicas, a IFLA/UNESCO também disponibiliza outro documento de orientação super reconhecido por bibliotecários e gestores – as “Diretrizes da IFLA sobre serviços de bibliotecas públicas”, cuja segunda edição foi publicada em 2010 e a tradução para a língua portuguesa em 20134. As diretrizes abarcam uma série de informações que explicam de maneira mais detalhada as orientações versando sobre definição; funções; objetivos; enquadramento legal e financeiro; necessidades dos utentes (usuários); desenvolvimento de coleções; recursos humanos; gestão em bibliotecas públicas; marketing e, ainda apresenta apêndices com outros documentos. Notamos que tanto o manifesto quanto as diretrizes, e, não são só as da IFLA/UNESCO, estão presentes no site do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas do Brasil (SNBP), o que confirma a indicação de que nossas bibliotecas estão se ancorando em documentos internacionais e deixando de enxergar as inúmeras peculiaridades de cada comunidade, cidade, estado e região do nosso país em prol da busca de uma ou de alguma identidade pré-definida, formatada por documentos considerados oficiais.

As nossas bibliotecas públicas não podem ser definidas apenas pelo senso comum, pela literatura acadêmica, por documentos oficiais internacionais, ou ainda a partir de uma visão simplória que as configuram apenas como instituições mantidas pelo poder público em diferentes esferas (municipal, estadual ou federal) que propiciam livre acesso à informação e ao conhecimento. É preciso ir além, construir um novo olhar para entendê-las e talvez,

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Manifesto da IFLA/UNESCO sobre as bibliotecas públicas publicado em 1994 em português – Disponível em: < http://snbp.culturadigital.br/manifestos/manifesto-da-unesco-sobre-bibliotecas-publicas/ >. Acesso em: 09 nov. 2015.

4 Diretrizes da IFLA sobre os serviços de bibliotecas públicas de 2010 – Disponível em: <

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admitindo-se a crise e o abismo que os novos tempos vem conjecturando. É por isso que optamos adotar a abordagem pós-estruturalista. Acreditamos que por essa via conseguimos escapar da idéia de construção de identidade no sentido de unidade e privilegiar uma construção da partir da singularidade, onde talvez seja mais fácil pensar, para o caso das bibliotecas, na construção de um conceito de identidades que abarca identidades móveis, onde o indivíduo possa escolher e dispor os tipos de identidades que o constitui. A esse respeito Stuart Hall (2005) já nos alertava de que a identidade pós-moderna seria marcada por um jogo nas questões da identidade, o qual teria como conseqüências a pluralização de identidades, as políticas de fragmentação, por exemplo.

Dito isto, nos sugerimos realizar uma nova combinação teórica para refletir sobre o conceito de biblioteca pública que se baseia em três pilares: experiência, informação e cidadania. Reconhecendo que esses três pilares que são categorias perpassam pelo conceito de identidade. Para isto, utilizaremos o conceito de experiência enfatizado por Walter Benjamin (1892-1940), o conceito de informação reproduzido por Gilbert Simondon (1924-1989) e o conceito de cidadania. Esse artigo se ocupará exclusivamente do conceito de experiência. Desse modo, será possível efetivar novas elaborações teóricas para o campo da biblioteconomia pública para configurar um novo olhar sobre o conceito de biblioteca pública.

2. BIBLIOTECAS: ENTRE A PARALISAÇÃO E A TRANSFORMAÇÃO (QUESTIONAMENTOS)

Para analisar o conceito e os usos atribuídos às bibliotecas públicas no século XXI, optamos por atribuir a esse recorte temporal a denominação utilizada por Deleuze - sociedade de controle. Além disso, partiremos de uma perspectiva historiográfica que evidencia as disposições econômicas, políticas, sociais, culturais e informacionais que influenciam nesse processo de construção. Serão os elementos históricos-conceituais que subsidiarão o desenvolvimento da narrativa sobre a história das bibliotecas públicas e seu desenvolvimento enquanto instituições sociais, culturais e de memória. Esse estudo sócio-histórico se configura como um eixo orientador dos operadores (ou categorias) analíticos – o próprio conceito de biblioteca pública; os seus usos; a leitura e o desenvolvimento da cultura escrita como produção de sentido para a vida o indivíduo social e para o exercício da cidadania; a memória enquanto experiência; o desenvolvimento de sociabilidades, dentre outras.

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Definida amplamente como “o centro local de informações, tornando prontamente acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento e a informação de todos os gêneros5”, as bibliotecas públicas ganharam um vasto sentido quando nos voltamos a sua missão e definição, mas na prática o que ocorre é uma „paralisação‟ dessas instituições frente às demandas informacionais atuais. A International Federation Library Association (IFLA/UNESCO) é o órgão responsável por lançar documentos oficiais em formato de manifestos que servem de orientações para as bibliotecas do mundo inteiro, como já dissemos. O último manifesto sobre as bibliotecas públicas é pautado em ideais como “liberdade, prosperidade e desenvolvimento da sociedade e dos indivíduos”. E ainda aponta que a biblioteca pública é a:

Porta de acesso local ao conhecimento – fornece as condições básicas para uma aprendizagem contínua, para uma tomada de decisão independente e para o desenvolvimento cultural dos indivíduos e dos grupos sociais. (UNESCO, 1994, p. [1]).

A IFLA/UNESCO confere à biblioteca pública uma força enquanto instituição social que deve atuar na educação, cultura e informação, mas essas instituições não avançaram principalmente no Brasil. Esta „paralisação‟ das bibliotecas e de seus atores se deve a uma série de questões ligadas às políticas públicas, a falta de conscientização política dos profissionais e da própria sociedade, falta de recursos, entre outros fatores. O que conseguimos de fato perceber é que bibliotecários, pesquisadores e a própria Biblioteconomia como um campo científico também, vem se ocupando mais das ideias e ações ligadas a organização do que propriamente das ideias que conduzem a uma construção epistemológica do seu campo de saber.

A opção em questionar os usos e próprio conceito de biblioteca pública na contemporaneidade é decorrente do fato de acreditarmos que desde o século XIX grandes transformações propiciaram uma série de mudanças que atingem não só os indivíduos sociais, mas também se incidem sobre as instituições. Uma das mudanças que desejamos alertar é o declínio da experiência que vem sendo vivida pelos indivíduos em todos os sentidos, como também vem sendo substituída por novas formas de experiência, afetando essencialmente o ritmo e os modos de vida.

5 CAVALCANTE, I. G. M. Políticas públicas de bibliotecas públicas: o caso do SNBP. Disponível em:

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Em diferentes momentos constatamos que existem diversas coordenadas políticas, sociais, econômicas, culturais e, principalmente, informacionais que determinam os modos de vida, isto é, os modos de ver, agir, lembrar e esquecer. Tudo isso vai se propagando pelo campo social e é transmitido através de gerações. Em alguns momentos da história, esses modos de viver constituem o que podemos chamar de identidade; em outros, as maneiras de viver dos indivíduos e grupos sociais se ligam mais as práticas que não definem uma identidade totalmente definida, mas apenas um lugar social.

Desse modo, essas formas de viver e de construir a própria vida (individualmente e coletivamente) fazem parte também da construção social e da memória, como alerta Foucault. No âmbito das instituições sociais, nesse caso, as bibliotecas públicas, a relação delas com a informação e com o conhecimento interfere na constituição dos modos de vida, uma vez que elas possuem uma relevância social no que tange a mediação dos em recursos disponíveis em face das necessidades da comunidade a ser servida, afetando assim o modo de seleção, organização e disseminação das informações inerentes a composição do tecido social.

Se a informação e o conhecimento influem na constituição dos modos de vida, isso significa dizer que também influencia nos processos de experiência vividos pelas sociedades. Alertar para o declínio da experiência e para a consequentemente positivação de novas formas de experiências por uma via Benjaminiana pode conferir às bibliotecas públicas uma nova imagem de pensamento que talvez a distancie dessa „paralisação‟ frente às demandas atuais que emergiram com o surgimento da sociedade de controle6.

Diante das mudanças ocorridas desde o século XIX, cada vez mais vivemos em um mundo marcado por um modo de produção “invasivo”, onde o desenvolvimento social e econômico intensifica a aquisição, o armazenamento, o processamento, a valorização, a transmissão, a distribuição e a disseminação da informação. Vale destacar que a informação começou a desempenhar um papel central na atividade econômica porque possibilita a apropriação e a geração de novos conhecimentos de forma mais rápida. E, ainda interfere no estabelecimento de novas formas de produção do conhecimento e de novos elementos que definem a qualidade de vida e satisfazem as necessidades dos indivíduos e de suas práticas

6 Sociedade de Controle – Período vivido pelas sociedades após a segunda metade do século XX. Denominado por

Foucault como sociedade de regulamentação e por Deleuze de sociedade de controle. Deleuze retira o termo „controle‟ do modelo paranóico forjado na obra de William Burroughs. E para definir a sociedade de controle, Deleuze diz que as instituições que constituem a sociedade disciplinar se encontram em crise, isto é, a lógica

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culturais. Isso ocorreu devido à emergência por informações mais pontuais e esvaziadas de um sentido mais completo. Para Benjamin (2014, p. 25), “no interior de grandes períodos históricos, transforma-se com a totalidade do modo de existência das coletividades humanas também o modo de sua percepção. O modo como a percepção humana se organiza”.

Assim, as transformações na esfera econômica acabaram influenciando outras esferas: a social, a política, a cultural e a informacional e ainda, indicaram outros fatores determinantes para a produção dos modos de vida. Quando analisamos as formas de produção de subjetividades, notamos que essas transformações, bem como as dinâmicas de funcionamento da sociedade se tornam cada vez mais explícitas na medida em que também se modificam, porque interferem em sua definição, atuação e processos de experiências e percepções construídas por meio dessas instituições sociais, culturais e de memória.

As emergências derivadas das transformações econômicas se intensificaram na sociedade de controle, isso porque se encontram associadas a um conjunto de mudanças que vinham ocorrendo desde as últimas duas décadas do século XX. Tudo isso atingiu a biblioteca pública, principalmente no que diz respeito aos modos de armazenamento, organização, acesso, recuperação, uso e produção de novas informações e conhecimentos, gerando assim certa crise nestas instituições. Assim, a identificação dos inúmeros problemas e dificuldades enfrentadas ocorre devido à mudança de lógica e, isso significa dizer, que perdemos um pouco os hábitos, as percepções e os modos de organização que tem seu sentido ligado à lógica da narração. Aos poucos a lógica da narração foi perdendo espaço para a lógica da informação, o que clarifica as conseqüentes transformações dos processos de experiência e percepção. A esse respeito, Benjamin (2012, p. 213) salienta:

O narrador – por mais familiar que nos soe esse nome – não está absolutamente presente entre nós, em sua eficácia viva. Ele é para nós algo distante, e que se distancia cada vez mais. [...] Vistos de uma certa distancia, os traços grandes e simples que caracterizam o narrador destacam-se nele. Ou melhor, esses traços aparecem como um rosto humano ou um corpo animal aparecem num rochedo, para um observador localizado numa distância apropriada e num ângulo favorável. Essa distância e esse ângulo de observação nos são impostos por ma experiência quase cotidiana. É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem ouvir uma história é manifestado, o embaraço se generalize. É como se estivéssemos sendo privados de uma faculdade que nos disciplinar bem marcada pelos moldes binários, pelo dentro e fora começa a se desmoronar cedendo espaço a outro tipo de lógica, a do controle que passa a revelar uma fluidez das relações em todos os níveis.

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parecia totalmente segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.

Benjamin (2012) nos alerta para uma baixa da experiência, um declínio da experiência comunicável, aquela transmitida pelos narradores, e como o autor bem exemplifica pelo camponês sedentário, pelo marinheiro que vem de longe. É por via desses exemplos que Benjamin (2012) nos faz compreender melhor a questão da narração. Ainda declara que:

A arte de narrar aproxima-se de seu fim porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção. Mas este é um processo que vem de longe. E nada seria mais tolo do que ver nele um „sintoma de decadência‟, e muito menos de uma decadência „moderna‟. Ele é muito mais um sintoma de forças produtivas seculares, históricas, que expulsam gradualmente a narrativa da esfera do discurso vivo, conferindo, ao mesmo tempo, uma nova beleza ao que está desaparecendo.

Ao constatar as relações entre as transformações econômicas, o declínio da experiência, a passagem da lógica da narração para a lógica da informação é que conseguimos olhar para nosso objeto de pesquisa - a biblioteca pública, e, perceber o quanto essas questões estão intimamente ligadas a essa instituição, bem como intensificam as possibilidades de reflexão e compreensão, de modo a permitir a criação novos entendimentos, e ainda de propor novos usos para talvez conseguir alinhá-la a realidade social, econômica, política, cultural e informacional condizente com a sociedade de controle.

Dessa forma, muitos problemas são identificados e o principal deles está na constituição do exercício de cidadania. Preocupados com isso, destacamos aqui duas atividades-chave para que ela possa existir de fato no âmbito das bibliotecas – o incentivo às práticas leitoras e o desenvolvimento da cultura escrita. Essas atividades são fundamentais para que as bibliotecas públicas possam admitir que o momento histórico seja outro, que não devem ser conduzidas por definições e usos passados; que as transformações no domínio da experiência e percepção passaram a existir; sua missão maior é acentuar o exercício da cidadania e como podem se constituir a partir de outra perspectiva – a da biblioteca em devir, isto é, em um processo nunca completado, mas como algo que está sempre em processo.

Ademais, é a partir do declínio da experiência e a conseqüente positivação das novas formas de experiência, que a operacionalização das atividades de leitura e escrita são atingidas. E assim, propomos investigar as mudanças que nos impuseram a necessidade de buscar

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aspectos que compõem as bibliotecas públicas e que não mais dão conta de desempenhar suas funções na atualidade. No mais, procuramos entender melhor que questões revelam sua precariedade, bem como a falta de seu reconhecimento social. Esses e outros motivos não se encontram apenas na esfera dos interesses individuais, mas também estão presentes na esfera de interesses coletivos. Consideramos que existe um incômodo a nível social que nos leva a seguinte indagação: por que as bibliotecas públicas deixaram de fazer sentidos em nossas vidas? Podemos responder essa pergunta alegando uma série de argumentos, mas aqui pretendemos dizer que as respostas encontram-se na compreensão de argumentos que alinhados podem responder a uma questão ainda mais abrangente: Que questões emergem da perda da

experiência compartilhada que afetam as ações de incentivo à leitura e ao desenvolvimento da cultura escrita, que devem ser enfrentadas na atribuição de um novo uso e na construção de um novo entendimento conceitual para as bibliotecas públicas no século XXI?

3 EXPERIÊNCIA: RECURSO PARA COMPREENDER AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS

Atentos a falta de pesquisas, de produção científica e de reflexões sobre a construção epistemológica inerente as bibliotecas públicas, objetivamos defender a atualização um novo entendimento conceitual e a delineação de novos usos para essas instituições. Dessa maneira, utilizaremos o conceito de experiência alertado por Walter Benjamin e o seu declínio e, consequente positivação, que promove grandes mudanças nos modos de vida das sociedades. De fato, o declínio da experiência também afeta as bibliotecas e é isso que propomos – olhar para biblioteca pública como uma instituição social, cultural e de memória que serve a propósitos sociais e que se encontra como parte dos engendramentos sociais. E ainda como uma instituição memória, entendendo a memória enquanto experiência no sentido benjaminiano.

Assim, nossa intenção não é lamentar o declínio da experiência, mas sim admiti-lo, constatá-lo, e em seguida, positivar a constituição de novas formas de experiências que ainda não são identificadas e capturadas pelas bibliotecas públicas brasileiras. Além disso, ressaltar dois elementos existentes que podem ser imperativos para a construção de um novo entendimento conceitual e de novos usos: a experiência propriamente dita e a cidadania, focalizada em seu exercício.

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Quando analisamos mais detalhadamente os problemas, dificuldades e acertos dessas bibliotecas percebemos que existe sempre minúcias embutidas num recorte temporal que os justificam. Quando apontamos as transformações sociais, políticas, econômicas, culturais e informacionais nos referimos aquelas que vêm ocorrendo desde o século XIX e que nos foram alertadas por Walter Benjamin. O autor refletiu sobre a modernidade e suas implicações, debruçando sobre o declínio da experiência compreendida como Erfahung, e ainda ocupou-se em conjeturar argumentos sobre a mudança dos modos de percepção. Nos textos “O Narrador” (1936), “Experiência e Pobreza” (1933), “Sobre alguns temas em Baudelaire” (1940), “A obra de arte em sua reprodutibilidade técnica” (1955), “Rua de Mão Única”, Benjamin propõe o entendimento da experiência, bem como dos motivos que a levaram à crise.

A teoria benjaminiana trabalha com a crise (declínio) da experiência e é isso que evidenciamos aqui, a perda da experiência associada à mudança dos modos de produção que afetam fundamentalmente os modos de vida, os indivíduos e as instituições sociais, mais precisamente, nesse contexto, as bibliotecas públicas. Mas, não podemos deixar de dizer que o declínio da experiência e as novas formas de experiência se devem apenas as mudanças dos modos de produção. Não poderíamos apenas atribuir a essa questão da experiência a idéia de mudança nos modos de produção. Benjamin de maneira brilhante vai, além disso, nos convida a experimentar a perceber as imagens que podem ser consideradas imagens de memória, onde quanto mais sentidos desenvolvemos, mais clareza das imagens possuímos.

Benjamin trabalha a idéia do detalhe, do caco, e vai formando, a partir de um mosaico literário e filosófico suas concepções surrealistas e vanguardistas sobre a atualização de coisas antigas, por exemplo. Da esfera da tradição ele percebe que pode lidar com os cacos, com os fragmentos e o faz a partir das pequenas percepções. É por isso que registra e valoriza sempre o detalhe e ainda nos leva a entender a continuidade a partir das interrupções. Tudo isso fica bastante claro em duas de suas obras “Passagens” e “Rua de Mão Única” que são fragmentos que a primeira vista parecem desordenados, mas em uma análise mais profunda descobrimos que eles possuem uma certa ordenação e intencionalidade.

Ademais, Benjamin marca a correspondência entre a produção realizada em um ambiente simples, „artesanal‟ e de um ambiente mais urbano. Talvez, ele tenha feito essa correspondência porque estava analisando o modo de produção literária e só conseguiria construir determinadas percepções a partir do momento que refletisse sobre o agir e o escrever,

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sobre o funcionamento da escrita em diferentes ambientes, o que revela as mudanças no campo da experiência.

Quando pensamos no conceito de experiência em Benjamin, somos levados a experiência plena (Erfahung). Em seus estudos, ele articula a possibilidade de experiência a uma forma de ritmo e de trabalho que deriva dos meios de produção. E expressa que antes da industrialização, a vida individual e coletiva seguia outro ritmo, ligado ao modo de produção artesanal. Quando Benjamin se depara com o modo de produção industrial, ele começa a refletir e dissertar sobre esse fenômeno porque ao mesmo tempo se ocupava em entender os fenômenos da modernidade. Assim, a industrialização, o trabalho repetitivo e seriado promovido pelo capitalismo fez com que o ritmo de vida artesanal não fosse mais conservado, e tampouco a tradição oral, atividade de comunicação valorizada antes do capitalismo começa a se diluir.

É a partir deste cenário que Benjamin produz uma série de alertas para marcar que o homem começou a perder seus modos de transmissão cultural, isto é, seus meios de memória. O homem estava inserido em um plano sistêmico e coletivo, seu ritmo de vida era ser parte de um conjunto, de um todo social. Ele produzia suas memórias individuais e coletivas, isso porque estava sempre exercitando sua transmissão oral e escrita através da narração. Com este conjunto de transformações, tudo isso se dificulta, o homem passa ter uma vida mais solitária, individual. Como caracteriza Le Goff (2003, p. 452-469) a “exteriorização progressiva da memória individual” começa a se tornar algo cada vez mais comum.

Diante dessa perspectiva, o ritmo de vida deixa de ser artesanal e processual e passa a ser mais mecânico e automatizado para se obter sempre mais eficácia. Essa passagem de um ritmo a outro pode ser constatado quando Benjamin relata o declínio da tradição que nos leva ao declínio da experiência (é como se antes o artesão fosse o protagonista do modo de produção

vigente, e depois das mudanças o produto propriamente dito passa a ser protagonista desse novo ritmo, é como se tivesse ocorrido um deslocamento da importância do homem na sociedade).

Quando se analisa a experiência frente aos modos de produção, pensamos pela via benjaminiana em uma segmentação da experiência produzida pela industrialização, por exemplo. Para o autor, na sociedade artesã era possível o desenvolvimento da experiência plena e, na sociedade industrial capitalista, a experiência se torna fragmentada. Ele ainda nos explica que a questão da perda da experiência também está ligada ao modo de vida que se arquiteta a partir dessas mudanças, ou seja, os modos de vida construídos nas aglomerações urbanas, a

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partir de novas descobertas técnicas e artísticas, por exemplo. O surgimento da imprensa e, principalmente da informação são fatos imprescindíveis para as mudanças que ocorreram com as bibliotecas públicas. Para explicar melhor essa ideia, segue um trecho do texto “O Narrador” (BENJAMIN, 1975, p. 68) sobre a possibilidade de experiência plena:

O ócio é o pássaro onírico a chocar o ovo da experiência. Basta um sussuro na floresta de folhagens para espantá-lo. Seus ninhos – as atividades ligadas intimamente ao ócio – já foram abandonados nas cidades, e no campo estão decadentes.

Jeanne Marie Gagnebin (2013, p. 56), uma das principais comentadoras de Walter Benjamin, afirma que a experiência está “liga indissociavelmente a mudança da produção e da compreensão artística e profundas mutações de percepção (Arsthêsisl) coletiva e individual”. E ainda declara que Benjamin não pode ser classificado como um lamentador, melancólico, visto que:

[...] sua visada teórica ultrapassa de longe esses acentos melancólicos. Ela se atém aos processos sociais, culturais e artísticos da fragmentação crescente e de secularização triunfante, não para tentar tirar dali uma tendência irreversível, mas, sim, possíveis instrumentos que uma política verdadeiramente „materialista‟ deveria poder reconhecer e aproveitar em favor da maioria dos excluídos da cultura, em vez de deixar a classe dominante se apoderar deles e deles fazer novos meios de dominação (GAGNEBIN, 2013, p. 56).

Benjamin valoriza a riqueza da vida que se pode dizer que está conectada intimamente com a experiência social coletiva, com a memória e por fim com os resultados. É isso que a palavra alemã Erfahung supõe – experiência no sentido pleno coletivo.

O mais interessante na obra benjaminiana é pensar a experiência humana para compreender a memória, mas como o tema não se encontra sistematizado em sua obra, é difícil recuperar informações precisas sobre ele. As concepções de memória trabalhadas por Benjamin se encontram basicamente no texto “Sobre alguns temas em Baudelaire” (1940), o qual aponta as condições de receptividade desfavorável ao contexto com a experiência do leitor. E diante disso, ele se volta para o campo da filosofia com o intuito de compreender e até mesmo se apropriar do verdadeiro sentido da experiência.

Benjamin denuncia uma nova forma de comunicação – a informação. Segundo ele, “ela é estranha à narrativa como o romance, mas é mais ameaçadora e, de resto, provoca uma crise no próprio romance” (BENAJMIN, 2012, p. 218). E ainda salienta:

[...] Essa fórmula de lapidar mostra claramente que o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes que a informação que forneça um ponto de apoio para o que está próximo. O saber que vinha de longe – seja espacialmente, das terras estranhas, ou

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temporalmente, da tradição – dispunha de uma autoridade que lhe conferia validade, mesmo que não fosse subsumível ao controle. A informação, porém, aspira a uma verificabilidade imediata. Para tal, ela precisa ser, antes de mais nada, „compreensível em si e para si‟. Muitas vezes não é mais exata que os relatos antigos. Mas enquanto esses relatos ocorriam frequentemente ao miraculoso, é indispensável que a informação soe plausível. Nisso ela revela incompatível com o espírito da narrativa. Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da informação tem uma participação decisiva nesse declínio (BENJAMIN, 2012, p. 218).

O autor coloca que “a cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes” [...] “quase nada do que acontece é favorável à narrativa, e quase tudo beneficia a informação” [...] O extraordinário, o miraculoso é narrado com maior exatidão [...] Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que falta a informação” (BENJAMIN, 2012, p. 219). Esses trechos selecionados demonstram que a informação surge carregada de uma objetividade que implica o entendimento direto do que está sendo veiculado, excluindo-se assim, a possibilidade de interpretação e entendimento a partir dos ricos detalhes que advêm da experiência e da percepção que o sujeito leva consigo mesmo.

Quando Banjamin se refere então à informação, ele lhe atribui um caráter imediatista que exclui uma série de explicações que são necessárias na arte da narrativa. Isso torna a informação um pouco esvaziada, se considerarmos que o que ela transmite é apenas uma ideia pontual, e que não apresenta uma abrangência de um contexto e de suas relações, como faz a experiência da tradição oral, da narração. Benajmin (2012, p. 221):

[...] desaparece o dom de ouvir, e desaparece a comunidade dos ouvintes. Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história. Quanto mais ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo do trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire espontaneamente o dom de narrá-las. Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo. E assim essa rede se desfaz hoje em todas as pontas, depois de ter sido tecida, há milênios, em torno das mais antigas formas de tradição manual.

Nesse trecho, Benjamin nos deixa claro que a narrativa é uma forma artesanal de comunicação que depende da tradição oral. Nela não só o que está sendo narrado ganha uma importância, mas também a vida do narrador, bem como todas as relações possíveis que possam ser feitas. É por esse motivo que Benjamin trabalha no texto “O Narrador” com Nikolai Leskov que acreditava que a narrativa era uma arte artesanal e a comparava com o ofício manual. Todo

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esse movimento demonstra que aos poucos passamos a abreviar as narrativas em pequenas histórias que foram se emancipando da tradição oral e ao mesmo tempo foi o que nos conduziu a uma redução da comunicação por via da experiência. Então à medida que a arte de narrar se extinguia, a experiência como forma de comunicação se reduzia também, transformando-se em uma nova forma de experiência.

O que podemos observar é uma crise da experiência apontada por Benjamin (2012) e que no âmbito das questões relativas às bibliotecas públicas se traduzem, talvez, como uma crise que afeta diretamente a identidade. Tudo isso encontra-se relacionado diretamente a um rompimento com a identidade integral, originária e unificada que as instituições construíram e que com a chegada das perspectivas pós-modernas, ao poucos, foram se diluindo, isso porque a questão da subjetividade vai ultrapassar a questão da identidade.

Cabe ressaltar que não nos ocuparemos tanto da identidade como uma categoria porque teríamos que apresentar uma abordagem que ultrapassaria o limite de páginas deste artigo. Assim, deixamos um alerta: a identidade pode ser pensada juntamente à experiência quando o objetivo é explicitar que um conceito, o de biblioteca pública, não foi atualizado, superado para adequar-se às novas demandas que se encontram na esfera das perspectivas desconstrutivas. Portanto, aqui queremos ir delineando um novo caminho que promove uma abertura a esse conceito e que admite uma posição deslocada, descentrada que valoriza a algo que está sempre em processo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maioria das pesquisas em bibliotecas públicas trabalham sob uma perspectiva que busca evidenciar o estudo sócio-histórico, portando-o como um eixo orientador para a construção das argumentações no campo da Biblioteconomia Pública. Nesta pesquisa pretendemos destacar um outro tipo de eixo – o processual, que a partir do método de desconstrução é possível analisar a biblioteca em devir, foco dos nossos estudos. Desse modo, achamos que compreender a biblioteca como devir revelará os entremeios dos operadores (ou categorias) analíticos escolhidos para essa investigação.

Assim, os operadores ou categorias analíticas não são apenas aqueles apontados pela construção sócio-histórica, mas também aqueles que se encontram nas vias não institucionalizadas, por exemplo. Talvez seja mais fácil caracterizar esse caminho como

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processual, considerando não a biblioteca como instituição permanente, mas sim como uma instituição em processo de transformação (em devir).

Nesse artigo nos posicionamos de modo a admitir que as bibliotecas públicas encontram-se em crise que afeta sua definição, missão, identidade, memória e seus usos. A partir disso, adotamos a categoria experiência como um primeiro recurso para justificar a atualização do entendimento conceitual. Assim, ao acessar as obras de Benjamin percebemos que o autor se dedica em muitos dos textos ao conceito central de sua filosofia – Erfahrung (experiência) e apresenta que o enfraquecimento da erfahrung no mundo capitalista moderno acontece em detrimento de um novo conceito, a erlebnis (experiência vivida), característica do indivíduo social atual. E com isso, segundo Gagnebin (2012), Benjamin esboça a urgência de sua reconstrução para garantir uma memória e uma palavra comuns, malgrado e desagregação e o esfacelamento social. Isso significa dizer que o fracasso da Erfahrung acompanha as novas formas de experiências e narratividades.

É a partir dessa concepção que iremos admitir novos olhares para as bibliotecas públicas. Acreditamos que elas ficaram presas a impossibilidade da experiência tradicional e não deram conta de repensar epistemologicamente as novas experiências e narratividades produzidas na sociedade industrial e reconfiguradas na sociedade de controle. Assim, queremos apresentar novos entendimentos e usos que poderão modificar o universo das bibliotecas públicas.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 2012. (Obras Escolhidas, v. 1).

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Volume 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011. (Coleção TRANS).

GAGNEBIN, J. M. história e narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2013. IFLA. Manifesto da IFLA/UNESCO sobre bibliotecas públicas. 1994. Disponível em: <IFLA/Unesco<http://archive.ifla.org/VII/s8/unesco/port.htm>. Acesso em: 20 mar. 2012. PATTE, G. Deixem que leiam. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.

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