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Repositório Institucional UFC: Existe vida além de um seqüestro e o cheiro da pólvora ainda teima em arder

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Academic year: 2018

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(1)

Existe vida além de um sequestro e o

cheiro da pólvora ainda teima em arder

rem em ora. A s lágrim as percorrem -lhe o rosto qúe parece q u erer m udar um tem po sem volta. Foi a televisão quem lhe disse onde se encontrava um dos seis irm ãos que um dia pensou em m udar o m undo e tra n s fo rm o u -s e no 6 8 8 5 9 . R o sin e id e não pôde acom panhar de perto os anos em que o Boi Tatá virou R aim undo, que virou EI C ipitio, que virou El Loco B rasileno. O ano ainda é 2000. R osineide vê agora R aim undo virar R osélio. R aim undo R osélio C osta Freire. E ele quer que o m undo saiba.

A “d ro g a d a g u e rra ” ain d a h o je p e rtu rb a o cearense de Jaguaribe q ue participou do sequestro de A bílio D iniz, um dos crim es m ais fam osos da h istó ria do B rasil. R o sélio (so b re )v iv e ag o ra o segundo ano de liberdade condicional. O “cheiro da pólvora” ainda está im pregnado e a abstinência da m ilitância política incom oda. Um incom odo explícito em a lg u m a s h o ra s d e e n tre v is ta . U m a fig u ra sim p átic a, in q u ieta e p arad o x al. D e scren ça em lideranças políticas e m ágoas do PT m isturam -se à convicção d e que ainda é um m ilitante do partido. A os 35 anos, vive com o se tivesse os dez a m enos que lhe foram roubados. A queles que pagariam os sete dias em que o vice-presidente do grupo Pão-de- A ç ú c a r fo i m a n tid o co m o re fé m . R efém não. “Investim ento” !

A lguns m ilhões de dólares de um possível resgate e um a ofensiva m ilitar na A m érica Latina já são parte J a Iiistória do nosso entrevistado. Só que a história é m ais. E la ultrap assa as fronteiras dos espaços H o je, R o sé lio e stá em U berdade co n d icio n a l. N o enta nto ,

ad m ite te r m edo d e m o rrer devid o à s p o ss íveis persegu içõ es q u e p o ss a sofrer, m a s is so n ã o o im p ed e d e c o n tin u a r a cu rtir sua vida

Entrevista com Raimundo Rosélio Costa Freire, dia 12/04/00. Produção, Redação, edição e texto final: C arolina Dumaresq (Carol),

C idiciey M iranda, Evandro Bonfim e Raquel Chaves. Texto de abertura: Raquel Chaves. Participação: A na Paola Vasconcelos, Carolina D um aresq, Cidiciey M iranda, D anilo Patrício, D alw ton M oura, Elke M endonça, Elton Viana, Evandro Bonfim, Lanna Roriz, M ara B eatriz M agalhães (Bia), Nara M adeira, Raquel Chaves e Saulo Lemos.

Foto: arquivo D iário do Nordeste.

# A re p ó rte r m o s tra ra o p rim e iro b ilh e te de # / 1 negociação para as câm eras. A TV exibira o

Á - que R osineide tem era, poucos im aginaram e # alguns adm iraram . M uitos se decepcionaram . “M eu # Deus! Q ue letra parecida com a do R osélio!” . Era . 1989. N o dia 17 de dezem bro daquele ano, Rosineide . via o irm ão ser o últim o a sair do cativeiro. A s m ãos . que afagaram um dia a mãe e sustentaram outro dia . fuzis A K-47, foram as m esm as que escreveram aquele # bilhete. Foram aquelas que m assagearam as pernas . paralisadas de um refém trém ulo. As im ensas m ãos # ostentavam agora o “V da vitória” , pouco antes de . se unirem em algem as que se rom periam dez anos . m ais tarde. T udo n ecessariam en te n essa m esm a # ordem . E dentro de tudo ainda há brechas.

# O ano agora é 2000. O m ês, abril. R osineide pára # por alguns instantes. A s im agens vão-lhe passando , à ca b eça e ca la n d o -lh e a fala m an sa, en q u an to

g e o g r á f ic o s , s o c ia is e p o lític o s . Q u e m sab e ultrapasse as da im aginação. M as existe um a história que com eça no interior do C eará, dá um a volta pelo m ovim ento estudantil brasileiro, vai até frentes de g u erra in tern acio n ais e d esem b o ca du ran te um a d écad a q u alq u er no C om p lex o P en iten ciário do C arandiru. E a história continua. Porque ele voltou. E fo ram d ez an o s sem te le fo n e c e lu la r, sex o , com putador, ou código de barras.

(2)

Rosália R u ir e x ista

0 i n t e r e s s e d e d o i s m e m b r o s d a e q u i p e d e p r o d u ­ ç ã o p o r R o s é l i o s u r g i u q u a n d o e l e a i n d a e s t a v a e m S ã o P a u l o , p o r o c a s i ã o d a s e ­ g u n d a g r e v e d e f o m e .

0 l o b b y p a r a e n t r e v i s t a r R o s é l i o c o m e ç o u c o m a s u g e s t ã o d a C a r o 1 n o b a r C a p i t ã o M o s t a r d a , e m F o r t a l e z a , p o r o c a s i ã o d e u m j o g o e n t r e B r a s i l e C h i l e .

Evandro

- R o s é lio , vo cê c o n v iv e u co m a rea lid a d e da s e c a e m J a g u a r ib e (m u n i­

cípio cearense distante 303,1 k m de F ortaleza) e e s tu d o u d u r a n te o p e r ío d o d a d it a ­ d u r a m ilita r e m J u a ze iro d o N o rte (cidade rom eira situada a 5 3 8 ,4 k m da c a p ita l c e a ­ rense) em c o lé g io s c o n se rv a ­ d o re s. Q u a is a s le m b ra n ç a s m a is sig n ific a tiv a s q u e vo cê te m d e s s e s fa to s ?

Rosélio

- Eu acho que o que m e lem bra bem , cara, era o fru to d a a lie n a ç ã o q u e o p ró p rio re g im e m ilita r im ­ p u n h a , e m b o ra n ã o tiv e sse condição de ter um a consci­ ência política naquele tempo. M as eu falo isso porque eu lembro que um a vez o Ernesto G eisel (g e n e ra l, p r e s id e n te d o B ra sil d e 1 97 4 a 19 79)

foi lá em Juazeiro do Norte. C o lo c a v a m a g e n te c o m a q u e la s b a n d e ir in h a s d o Brasil na m ão para por onde ele passar a gente saudar. E eu lem bro tam bcm que todas as segundas-feiras, você era o b rig a d o a c a n ta r o h in o nacional. A quela coisa, aquele regulam ento. M as eu acho que o que m ais m e vem à m ente e ra a falta d e você ter, por exem plo, entidades estudantis livres. Eu estudei no ensino m é d io - s e g u n d o g ra u na época - no C olégio Batista (na rea lida de, R o sé lio c u rso u a té a 8 a sé rie n o G in á sio B a tista , e m Ju a zeiro ). Então você não tin h a um g rém io , você não tinha entidades estudantis.

Posteriorm ente, quando eu fui estudar no C rato (m u n ic í­ p i o v i z i n h o a J u a z e ir o d o N o rte, n a reg iã o d o C a ri ri),

houve um movimento, mas um tanto inconsciente, que não era organizado, d e protestar, m o­ vim ento estudantil. E, com o você não era organizado, o que você podia fazer era apedrejar ônibus. era pichar paredes.

A gora, eu m uito bem lem ­ bro d isso , co m o você vivia

b a ix o ( R o s é lio u tiliz a u m a c o n stru ç ã o c o m u m em e s p a ­ n h o l, q u e e m p o r t u g u ê s e q u iv a le a “s o b ”) um a dita­ dura m ilitar, você não tinha lid e ra n ç a s o r g a n iz a d a s . E todas essas coisas de norm as, “ n ã o p o d e is s o , n ã o p o d e aquilo, não pode isso, não pode aq u ilo ” . E ntão isso m e vem bem à m ente. A gora, especifi- cam ente, não se podia falarem política. Falar de tudo, menos política.

Saulo

- Q u a n d o v o c ê c o m e ç o u a s im p a tiz a r c o m a s id é ia s d e e s q u e r d a , c o m a m ilitâ n c ia , s e u s a m ig o s e f a m i l i a r e s n ã o f i c a r a m

“O m arco em F ortaleza

era a reconstrução da

U m es, que não era essa

babaquice que tá hoje

aí, com negócio de

carteira estudantil,

dinheiro rolando” .

a s s u s t a d o s q u a n d o a q u e le r a p a z e x tr o v e r tid o , b r in c a ­ lhã o, pop ula r, a d e riu a essa s id é ia s ? H o u v e d i s c r im in a ­ ç õ e s ?

Rosélio

- Ah sim , m uita p re o c u p a ç ã o ! P o rq u e , p o r e x e m p lo , a m in h a fa m ília , p rin c ip a lm e n te d a p arte do meu pai (R a im u n d o F reire de O liv eira ), eles tiveram presos, d e s a p a re c id o s na é p o c a da ditadura. Eu sabia que havia p rim o s d e s a p a r e c id o s na ditadura. E o meu pai m esm o fazia algum a atividade política. D epois é que eu viria saber que o meu pai era do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaguaribe. E ntão ele já tinha um a experiência de ter pessoas desaparecidas na fam ília.

E eu lem bro, isso meu pai só veio falar pra mim depois a q u i q u a n d o eu já ta v a no C o lég io C earen se (tr a d ic io ­

n a l c o lé g io d e F o r ta le z a d o g ru p o relig io so M a rista ). Eu já era um dos d irig en tes do A licerce da Juventude Socia­ lista (b ra ç o da C on verg ên c ia S o c ia lis ta , C S, a n tig a c o r ­ ren te d o P a rtid o d o s T ra b a ­ lha d ores. E m ju lh o de 1994, a C S f o r m a r i a o P a r ti d o S o c i a l i s t a d o s T r a b a l h a ­ d o r e s U n ific a d o s , P S T U ). (R e c e b ia ) docum entos de São P au lo , n ós ch am áv am o s de CC - cartas circulares. V inha tudo no meu nom e. Eu tinha que ir ao aeroporto, na VASP, recebia um pacote e escondia isso na m inha casa. Eu morava ali na G o v ern ad o r S am paio

(ru a d o C e n tro d e F o r ta ­ le z a c e r c a d a p o r d e p ó s i­ t o s d o a n t i g o M e r c a d o C en tra l) e o m eu pai um a vez veio me buscar para ir p a s s a r as f é r ia s em Juazeiro. Enquanto eu tava arrum ando as coisas, caiu esse pacote e ele viu. Tão gozado, é que m eu pai não quis nem abrir o pacote. Ele só olhou pra m im e falou: “Olha, você havia prometido que ia dar um tem po nisso” . Então ele faiou um a coisa que eu lembrei durante muitos anos n o C a ra n d iru ( C o m p le x o P e n ite n c iá rio d o C a ra n d iru , p r i s ã o e s t a d u a l d e S ã o P a ulo): “O lha, você quer se m eter com isso, você pode se meter, mas tenha cuidado para não ser m assa de m anobra” . Eu achei interessante porque m a ssa d e m a n o b ra e ra um term o que a gente usava na universidade, na esquerda. A í ele falou assim : “Ó, mas tudo b em , tu d o bem . V ocê q u e r in sistir nisso você continue. M as só que pelo m enos você estude e se form e, porque se um dia você for preso isso vai te ajudar” . Isso ele falou entre o ano de 84 e 85. M e cham ou atenção ele falar dessa coisa de m assa de m anobra, que eu só viria saber na m ilitância.

(3)

aos finais de sem ana, feriados, fé ria s , se m p re d e s c ia p ara Ju a z e iro . E n tão , q u an d o eu c o m e c e i a m ilitâ n c ia , eu interrom pi esse ciclo. Você ia um a vez por ano, só (n o te o c a r a c te r í s t ic a d o d is c u r s o d e R o s é l i o : r e f e r i r a s i m e s m o n a te rc e ir a p e s s o a ).

Aquela dinâm ica da militância. A í os meus colegas com eça­ ra m a c o b ra r. T o d o s e le s , porque poucos saíram de lá, falavam : “ N ão, o R osélio tá m etido com o negócio do...” — é, s e m p re a q u e la c o is a , o referencial era o PT - “A h, tá env o lv id o com o PT” . E o pessoal: “A h, isso não vai dar em nada. Não se m eta com isso” .

Q u a n d o eu fu i p re s o m uitas pessoas falavam: ‘T á v e n d o ? E u n ã o fa le i que aquilo não ia dar em nada?” A pobre da m inha m ãe era c o m p le ta m e n te ig n o ra n te nessa coisa de política. Então ela só dizia: “Olha, dizem que o m eu filho tá m etido com esse negócio de com unism o, m a s eu a c h o q u e n ã o é verdade, p o rq u e m eu P adre C ícero (1 8 4 4 -J 934, relig io so e p o lí tic o c e a r e n s e, f u n d a ­ d o r d e J u a z e ir o d o N o r te . P o s s u i in ú m e r o s d e v o to s e fa m a d e m ila g re iro ) não vai

d eix ar.” E ntão passou. M eu p a i n ã o ... C a ra , eu a c h e i su p erin teressa n te a con d u ta do m eu pai, que não foi um cara pra m im “reaça”, sabe? R eacionário. Ele falou assim: “Você quer se meter, se meta, m as tenha cuidado. Se você for preso vai se com plicar. E se q u is e r se m e ter, te rm in e a fa c u ld a d e .” E sse c o n s e lh o d ele eu não segui, p o r isso estou de volta na faculdade

(r is o s ).

D a lw to n - M a s v o lta n d o u m p o u c o p a r a a s u a in fâ n c ia, co m o é q u e f o i essa m u d a n ç a, p r im e ir o d e J a -g u a r i b e p a r a J u a z e i r o ? C o m o é q u e f o i a m u d a n ç a

d e v i d a, n a n o v a c i d a d e t v o c ê a in d a c r ia n ç a ...

Rosélio

- M as eu lem bro o seguinte: eu tenho fla s h e s na m inha cabeça, na verdade, são la p s o s d e m e m ó ria . P o r exem plo, eu tinha cinco anos de idade. N ão é possível você le m b rar de m uita co isa. Eu a c h o q u e e s s a c o is a d a afetividade, eu tinha m uito em J a g u a rib e c o m m e u s av ó s p a te rn o s . E n tã o , m e d o e u m u ito s a ir d e lá , p o rq u e a b a n d o n a r o cam p o , ta lv e z aquela coisa conservadora de você ver seus pais e seus avós f ic a r e m a li no c a m p o . E tam bém rom antism o m esm o,

“O lha, dizem que o m eu

filho tá m etido com esse

negócio de com unism o,

m as eu acho que não é

verdade, porque m eu

Padre C ícero não vai

deixar” .

que você não conhecia nada mais do que aquilo. A gora um a coisa que me m arcou nisso, e eu pretendo m uito, nos m eus so n h o s, a g o ra, é v o lta r em Jag u arib e . P o rq u e eu ten h o m uitas lem branças, por exem ­ plo, a família. O pai ia pra roça, a m ãe ( f a z i a ) u tilid a d e s d o m é stic a s, le v a v a co m id a para o pai na roça no meio-dia. E n q u a n to isso , fic a v a m as crianças ali na beira do rio, a m ãe lavando roupa.

Depois, essa coisa m esm o d a ro ç a , p o rq u e v o c ê se e n c a m in h a v a p a ra s e r um agricultor, na verdade. M eus avós (p a te rn o s ) ficaram lá e n ó s fo m o s p a ra J u a z e ir o porque m inha fam ília recebeu um a herança da parte da mãe. Eu não lem bro da m inha avó m aterna. Em m eados dos anos 70, m eus pais foram obrigados a v en d er as terras deles em

J u a z e ir o ( n a v e r d a d e e m J a g u a r ib e ) . N u n c a esq u e c i disso, fiquei m uito revoltado p o rq u e , v e n d e r a s s im , os coronéis tom avam e davam a o rd em : “ S a ir fo ra ” . E n tão , essa coisa da terra, marcou.

Q u a n d o eu c h e g u e i em Ju azeiro a im agem foi a da fom e. Porque, quando a gente chegou, o que a gente tinha era feijão e farinha. Eu lem bro da im a g e m d a m in h a m ãe dividindo os pratos de feijão, a q u a n tid a d e c o m a fa rin h a a m a s s a d a , v o c ê p a s s a v a e com ia. Tem até a piada que é assim: “Vai, Raim undo! Com e logo para desocupar o prato pra dar pro outro!” (riso s d e l e ) . E ra fo lc ló r ic o . Quando eu fui para Juazeiro, e ra u m m u n d o , c a ra ! Juazeiro era um a cidade que p a ra m im e ra “Z o ro p a ” , a q u e la c o is o n a g ra n d e . M inha m ãe era sem pre a personalidade mais forte em c im a d o m e u p ai. Personalidade m uito forte, por isso se separaram . Ela é que m andava meu pai sair p a ra tr a b a lh a r em a lg u m a coisa. Às vezes, m eu pai me levava. E lem bro que ele foi ser cam bista do jogo do bicho. A m inha m ãe m e batia muito, essa ficou m arcada na m inha cabeça, o m eu pai m e levava. M e le m b ro d e le c o m um bloquinho, anotando o jo g o do bicho. M as eu lem bro m esm o dessa m udança que foi grande. Eu tinha um apelido quando era criança...

Raquel

- B o ita tá ?

Rosélio

- É. Boitatá. M as B oitatá foi no colégio. Eu só vim lem brar disso no Caran- diru. M inha irm ã me escreveu um a ca rta m e cham ando de Lelé. É só a fam ília que me cham ava de Lelé. Q uando eu lava em Ju a z e iro , eu nunca perdi essa relação de voltar a Jaguaribe. A cho que desde 80 eu não v o lto lá. É com o se fosse hoje, ficou registrado na

Aq u e l e d i a f o i d i f e r e n t e . S a í m o s d o b a r c o m u m a d u p l a a l e g r i a : a v i t ó r i a d o B r a s i l p o r 3 x 1 e a c e r ­ t e z a d e u m a ó t i m a s u g e s t ã o p a r a u m a e n t r e v i s t a .

(4)

Rosália Entrevista

P r a z e r e m c o n h e ­ c ê - l o s ! C i d i c l e y e R a q u e l p a s s a r a m u m f i m d e s e m a n a e m J u a z e i r o d o N o r t e p a r a c o n ­ v e r s a r c o m f a m i ­ l i a r e s e a m i g o s d e R o s é l i o .

R e c o r d a ç õ e s e s p e c i a i s d a v i a g e m . O u t r a s , n e m t a n t o . P r o v a ­ r a m b o l o d e p u b a , m a s t i r a r a m u m a s o n e c a e n t r e o s b i c h o s e t r a l h a s d e u m a c a m i n h o ­ n e t e .

m inha cabeça. M inha fam ília ta m b é m m e c h a m a v a de “ n eg ão ” . P orque quando eu d e s c ia (a J a g u a r i b e ), n as férias de julho, do fim do ano, eu passava em Jaguaribe com a m inha avó. Então, quando você voltava com a cor, preto m esm o, “negão”. M as foi um a m u d a n ç a , a té c o m e ç a r a e s tu d a r n e s s e C o lé g io B atista...

R aquel

- V o c ê e s tu d o u em três c o lé g io s d e religiõ es d ife r e n te s ?

Rosélio

- Foi. Prim eiro eu e n tre i no G in á s io B a tis ta . A quela blusa, em pleno sertão brabo. Você com aquela roupa de gala, coisa de am ericano m esm o. A ntes era um a blusa branca, exatam ente parecida com a farda do C olégio C ea­ rense, quando depois eu vim estudar aqui em Fortaleza. Só que era quente pra caram ba. A ntes de entrar no C olégio B atista m in h a m ãe pagava aulas particulares pela manhã e pela tarde.

Quando entrou no Colégio B a tis ta , e ra n e g ó c io d e reforço, aquela coisa toda. A í e s tu d e i no B a tista q u e era protestante, os batistas. M as n a v e rd a d e eu n ã o tiv e influência daí, do colégio, dessa c o is a d e r e lig iã o . P o rq u e algum as poucas vezes eu fui às escolas dom inicais.

Já em 80, - terminei em 79 - eu estudo ainda no Crato, no D io c e s a n o . E ra d a Ig re ja C a tó lic a . T am bém não tive

( i n f l u ê n c i a r e l i g i o s a ), a té porque (n o s a n o s ) 80, você, pleno adolescente, tá na onda da rebeldia. D aquela coisa que eu falava, quebrar os ônibus da V iação B rasília (q u e fa z ia o tr a n s p o r te e n tr e J u a z e ir o e C r a to ) . U m a v e z a g e n te arrancou o banco inteiro do ônibus e pendurou no ventilador d a n o s s a s a la . E ram u n s protestos um tanto quanto coisa d e a d o lesc en te. Eu ap ren d i n e ssa é p o c a a b rir p o rta de

em erg ên cia de ô nibus, para descer todo m undo sem pagar.

Já no D io c e sa n o eu não tiv e e s s a c o is a ( in flu ê n c ia r e lig io s a ) . Q u a n d o eu vim para Fortaleza, eu estudei num colegiozinho vagabundo cha­ m ado Equipe. Era bem vaga­ bundo m esm o na época, por­ que você não tinha nada de disciplina. M as foi só algum as se m a n a s. D e p o is e n tre i no Colégio Cearense. No Colégio Cearense, eu senti a influência d a q u e la c o is a . E u n ã o sei ainda se tem isso hoje, mas antes de com eçar a aula - eu estudava de noite - tinha que rezar. Tocava as caixas de som

“M inha m ãe m e fazia

subir o H orto aos

dom ingos para passar

em m atem ática. Ela

m etia um a pedra na

m inha cabeça pra eu

pagar a prom essa. Eu

subi várias vezes” .

em todas as salas. Eu lem bro que eu estudava na (sa la ) T- 9. Eu lem bro da T-9 porque tem um a figura espalhafatosa que estudou com igo no Colégio C earense, aquela da calcinha do Itam ar (R o sé lio refere-se a u m f a t o o c o r r i d o n o c a r n a v a l c a r io c a d e 1 9 9 4,

e m q u e a m o d e lo c e a r e n s e L í l i a n R a m o s o c u p o u,

a p e n a s v e s tin d o u m a c a m i­ s e ta se m n a d a p o r b a ix o, o m e s m o c a m a r o te d o e n tã o p r e s id e n t e I ta m a r F r a n c o,

a tu a l g o v e r n a d o r d e M in a s G era is, se m p a r tid o ).

T odos - L ília n R a m o s!

Rosélio

- Ela estudava na T - 11, e ela era um a figura toda p e ru a , já n a q u e le te m p o

(r is o s ). A gente debochava, curtia dela.

M as e s s a c o is a d a re li­ g iã o ... T e v e ta m b é m um

negócio gozado, rapaz. O ntem eu fui na casa da m inha tia

(A ríe te F reire). Teve um ano aí, que eu m e m eti a ser reli­ gioso, crente, fui da A ssem - bléia de D eus (d e n o m in a ç ã o p e n t e c o s t a l t r a d i c i o n a l fu n d a d a e m B e lé m do P a rá e m 1 9 1 1 p o r m is s i o n á r io s n o r te -a m e r ic a n o s ). G ozado, porque quando eu fui na casa da m inha tia, lá no Zé W alter

( C o n j u n t o P r e f e i t o J o s é W a lte r; n a z o n a s u l d e F o rta leza ), ela disse que tem um a carta. Eu não quis ver, eu não tive coragem de ver essa carta. Eu digo: “Não, isso vai ser barra para um com unista” . E la disse que tem a carta que eu escrevi pra m inha avó, (co n ta n d o ) que eu tava congregando. A gora isso foi um rolo dos diabos porque foi em Jaguaribe na época de férias. M inha avó era da C o n g reg aç ão C ristã ( p r i­ m e ir a ig r e ja p e n t e c o s ta l f u n d a d a n o B r a s i l, e m 1 9 1 0 p o r um m is s io n á r io íta lo -a m e r ic a n o ), que era um a dessas igrejas cham a­ d a s p e n te c o s ta is m a is antigas, em que as m ulheres usam até véu. E aí entrei na A ssem bléia de D eus. A gente m orav a num sítio ch am ad o C urralinho. M as eu entrei ali, acho que de bobeira, querendo um pedacinho no céu.

(5)

cau sa de m inhas notas ver­

m elhas. Ela m etia um a pedra na m inha cabeça pra eu pagai* a prom essa. Eu subi várias e várias vezes antes de entrar na A ssem bléia de Deus. Depois ainda eu me achava o m áxim o do revolucionário, porque tava n a A s s e m b lé ia d e D e u s e xingava o Padre C ícero. “Ah, tá vendo esse P adre C ícero, engana todo m undo” .

Com influências do colégio, não. M as um dia a m inha mãe me jogou para fora de casa, já quando eu tava na m ilitância. D aí já xingava o Padre Cícero de outra m aneira: “Isso é um coronel de batinas!”, já mais co n scien te. A í m inha m ãe pega as m inhas coisas, jogou literalm ente no m eio da ma. P eg o u m in h a tro u x in h a c d isse: “ O, vai e m b o ra da m inha casa. A qui você pode fazer tudo. V á ser com unista, m as falar mal do meu padim não!” . Com os meus vizinhos, a q u e la c o is a , a q u e la vergonha. M eu pai ia sem pre co n to rn a r: “O nde é q u e o m enino vai m orar?” .

Danilo

- Q u e m e ra m os s e u s a m ig o s n e ssa é p o c a ?

Rosélio

- U m am igo que m a rc o u n e ssa é p o c a e ra o Expedito Filho, Expedito Vieira de Sousa. Talvez foi o colega mais m arcante, porque, com o éram os vizinhos... a m ãe dele tinha um hotel. Só que a mãe dele era louca, né? L ite ra l­ m ente louca. Virou mais louca a in d a p o rq u e e la tin h a um ciúm e brabo. Talvez achasse que a gente andava transando

(riso s). A velha tinha um ciú­ me brabo. Q uando eu vim pra Fortaleza, ele não veio. Ela, por ciúm es (n ã o d eixo u ). A quela coisa de m ãe m esm o, porque já tin h a d e sa v e n ç a s co m a m inha mãe. Ela sem pre dizia que eu sou um m arginal, por c a u sa d e ssa c o isa d a m ili­ tância. “Ah, você é um ban­ dido! Não quero ver meu filho m e tid o com um b a n d id o ” .

Q uando eu fui preso, m eu pai me visitou. Um a única vez que eu vi meu pai no Carandiru, no ano de 92. Ele falou pra mim: “O lha, quem tá feliz da vida é a D o n a Z e n ild a , a m ãe do Expedito. Ela anda dizendo pra todo mundo: ‘Olha, eu não falei que ele ia ser preso um d ia ?’ ”

(r is o s).

Raquel

- A g o r a R o s é lio,

n u m a c o n v e rs a q u e a g e n te t e v e c o m o E x p e d i t o, e le fa lo u q u e vo cê j á tin h a essa v o n ta d e d e q u e r e r q u e to d o a lu n o tivesse v e z e voz. Você j á n ã o a g u e n t a v a tu d o c a la d o . M a s fa l o u q u e vo cê e ra u m a p e s s o a s u p e r e x tr o

-“D urante um bom

tem po m inha idéia foi

M edicina (...) D epois vi

um negão boiando no

form ol. B ati m aior

sujeira: ‘Ih rapaz, não

tava a fim disso n ão ’ ” .

v e r tid a , s im p á tic a e tir a v a n o ta s b o a s...

R osélio

- S ó n ã o em M atem ática, né? (risos)

R aqu el

- D e s d e e s s a ép o c a você acha q u e isso j á in f l u e n c i o u a lg u m p e n s a ­ m e n to se u ?

Rosélio

- Teve. C om 13 an o s, eu c o m e c e i a v e r as im agens d a R evolução em N i­ carágua (p a ís c e n tr o -a m e r i­ c a n o, c u ja c a p ita l é M a n á ­ g u a . E m 1 9 7 9 o c o r r e a R e v o l u ç ã o S a n d i n i s t a , q u a n d o o s g u e r r ilh e ir o s d o E x é r c ito S a n d i n i s t a d e L ib e r ta ç ã o N a c io n a l d e r r u ­ b a ra m a d ita d u r a d e A n a s -tá sio S o m o za ). Q uer dizer, a guerrilha triunfou em julho de 79. N essa época, eu lem bro da morte daquele jornalista norte- am erican o . Jo g aram e le no chão, e apertaram a arma. Só q u e o c â m e ra tá film a n d o

escondido. E o jornalista foi lá e a guarda de Som oza meteu um M -16 (rifle d e fa b r ic a ç ã o a m e r ic a n a , u s a d o p e l a p r im e ir a v e z n a G u e r ra d o Vietnã) na cabeça dele. Bom, e s s a im a g e m fo i m u ito m a rc a n te n o m u n d o , e fo i B U M ! O c a ra film a n d o de longe. M as com o im pacto, a c â m e ra foi lá pra cim a. Eu lem bro bem p o rque dali eu co m ecei a fa la r que ia para aquele país.

T ô fazendo um a cadeira de P sicologia da A dolescência. A g o ra d á pra e n te n d e r um cara com 13 anos. Você ainda tá n a flo r d a p e le q u a n d o c o m e ç a a p e n s a r n essas c o is a s . M a s, tin h a e s s a coisa da informação restrita. Em Juazeiro, eu sabia que tinha um barato cham ado C E J, C e n tro E s tu d a n ta l Juazeirense. N ão sabia que porcaria era aquela, que só m e x ia c o m c a r te ir a de cin em a, carteira de e stu ­ dante. M as assim , de fazer coisa de política estudantil...

C idicley

- R o s é l i o , vo cê fa lo u n u m a rep o rta g em d a F o lh a d e S ã o P a u lo

(publicada na quinta-feira, 16 de abril de 1998) q u e p o d e ria a t é p a s s a r f o m e , m a s n ã o p o d e r ia p a s s a r sem u m a boa le itu r a . D e o n d e v e m e s s a fo m e d e le itu ra ?

Rosélio

- Pois é rapaz, eu tenho a assinatura da ( revista)

Veja desde 79. Eu pedi para o m eu pai assinar. Ele assinou. Eu lia m uito, cu lia m uito. Eu acho que daí, cara, essa coisa de ler m e abriu muito a cabeça. Agora, claro, literatura política m esm o eu só vim ter contato a q u i, de 81 pra cá, com a C onvergência (S o cia lista ).

Carol

- Q u a n d o f o i o seu p r i m e i r o c o n t a t o c o m a m ilitâ n c ia ?

Rosélio

- O meu prim eiro contato aqui, eu lem bro bem, foi em 81. P orque eu tinha c h e g a d o no ( c o lé g io ) C

ea-O s e n t r e v i s t a d o s : R o s i n e i d e F r e i r e , o s e x - p r o f e s s o r e s O r l a n d o O l i v e i r a e I v o n e i d e C a r ­ n e i r o , o a m i g o E x p e d i t o F i l h o , e E u r í l i a C o s t a , a " D . L i r i n h a " .

(6)

Rosélio E M £ i±\ta

D. L i r i n h a , a i ri ã e d e R o s é l i o , s e e m o c i o n a a c a d a v e z q u e p r o n u n c i a o u e s c u t a o n o m e d o f i l h o . M e i g a e s i m p l e s , r e c e b e u a e q u i p e d e b r a ç o s a b e r t o s .

A i n d a h o j e , a c o i s a q u e m a i s a p e r t u r b a é o r ó t u l o d e "m ã e d e s e q í i e s t r a d o r * . S e g u n d o e l a , d e i ­ x o u d e v e n d e r a t é u m s í t i o p o r c a u s a d o p r e c o n c e i t o .

ren se. N o C eare n se , não se falava nada, cara! O C earense e ra te rr ív e l. O p a d rã o de ensino ali era lá em cim a, mas você não falava nada. Eu sei que tinha o grém io. Eu falo a s s im m u ito n o C e a re n s e porque eu lem bro que, quando eu saí liberado (em lib erd a d e c o n d ic io n a i e m I o d e m a io d e 1999), a prim eira coisa que m e d e u u m c h o q u e ( f o i q u a n d o ) um a equipe do jornal O Povo (jo r n a l c e a r e n s e d e 2 a m a i o r c i r c u l a ç ã o ) m e le v o u p a ra p a s s e a r na rua. Quando eu olho assim, gozado, a prim eira coisa que eu vejo - que em m inha cabeça parecia que eu não tinha saído esses anos todos - foi a farda do C earense igualzinha.

M as o c o n ta to (c o m a m i l i t â n c i a ) eu c o n s e g u i c h e g a n d o a té o D C E d a F ederal (D ir e tó r io C e n tra l d o s E s tu d a n te s . In s tâ n c ia e s tu d a n t il m á x im a d e n tr o d a s u n i v e r s i d a d e s . N a c ita ç ã o, R o s é lio r e fe r e -s e a o D C E d a U n iv e r s id a d e F e d e ra l d o C e a rá, U F C ).

Ah! M as antes teve um a coisa que, inclusive, mantive na m in h a c a b e ç a , q u e fo i o congresso de reconstrução da U N E (U n iã o N a c io n a l d o s E stu d a n te s) em 1979. Isso eu vi na revista Veja, e que foi em S a lv a d o r ( B a h i a ) , q u a n d o houve um apagão no ginásio

(<o n d e o c o r r ia o c o n g re sso ).

P e g a ra m b a s ta n te d ro g a e jogaram em cim a da m esa do congresso. E a Veja, claro, no­ ticiou tudo isso. A Veja depois tam bém fez o m esm o com igo m uitas e m uitas vezes. Pegou e jogou aquilo com o um con­ gresso de drogados.

Q uando eu vim pra aqui, pra Fortaleza, isso com eçou a m e c h a m a r (a a t e n ç ã o ),

a q u e la s c u r io s id a d e s . Eu co m eço e sc u ta n d o fa la r de m ovim ento estudantil, que se reunia ali no antigo DCE. Eu não sei se vocês sabem , mas

aquilo foi um ponto de eferves­ cência m uito grande, o DCE. Inclusive, há uns m eses atrás eu fui ali na A dufc (A sso c i­ a ç ã o do s D o cen te s d a U F CJ, quando houve (a c o m e m o ra ­ ç ã o ) dos vin te anos de m o­ vim ento estudantil. Eu lem bro que n aq u ela noite eu fiquei bem puto d a vida porque teve um a rasgação de seda m uito grande (co m o s) dirigentes do passado.

E q u a n d o f a la r a m na com issão da p ró-U m es (c o ­ m i s s ã o f o r m a d a p a r a o r e s ta b e le c im e n to d a U n iã o M u n i c i p a l d o s E s tu d a n t e s S e c u n d c tr is ta s, U m e s , e m

“Fernando G abeira -

nossa m ã e ! - era m eu

guru maior. P ena que

quando ele foi m e visitar

no C arandiru, foi

escondido. ‘Pô G abeira,

li todos seus liv ro s’

F o rta le za ), eu lem bro que a P a iz in h a ( M a r ia d a P a z , a s s i s t e n t e s o c i a l ) . . . n ó s saím os por um a chapa em 82. N ós fo m o s d e ssa c o m issã o pró-U m es. M as não falaram meu nom e. E um cara chegou e falou assim: “Não, mas peraí, o n o m e d o R o s é lio , n ão fa la ra m o no m e d e le , P ró- U m e s ” . E o u tro c a ra fa la assim : “Ah, o Rosélio e tal”. E u m ( o u t r o ) c a ra d e v e te r falado: “E o Rosélio aquele lá do (s e q u e s t r o d o A b í l i o )

D in iz ” . A í o c a ra b a te u a maior sujeira: “Não, não vamos m isturar as coisas” . N aquele m om ento m e deu vontade de sair dali, porque eu senti assim: “Q ual que é? Eu respeito todos esses caras, respeito e tenho paciência de m uitos estarem v iv e n d o d o s a u d o s is m o , sa b e ? ” E a í eu jâ viajo em outras coisas, de m uitos desses

terem m e m alhado quando eu fui preso. “A gora não, quer estabelecer as coisas diferen­ te s? Eu p a rtic ip e i da p ró - U m es, e n tão eu q u ero m eu nome citado a f E u sei que foi lá um companheiro, o Emiliano

(Jo ã o E m ilia n o F o rta le za de A q u in o , p r o fe s s o r d e f i l o s o ­ f i a d a U n iv e r s id a d e E s t a ­ d u a l d o C e a rá ), que hoje é de um a tend ên cia política c h a­ m a d a “C o n tr a - C o r r e n te ”

( g r u p o p o l í t i c o t r o t s k i s t a a tu a n te n o â m b ito u n i v e r ­ s itá r io c e a r e n s e ), e brigou: “N ão, vam os falar o nom e do Rosélio. O cara participou” . A í falaram .

Carol

- Q u em in te n n e -d io u e sse teu c o n ta to co m o D C E , t e v e a lg u m a p e s s o a ?

R osélio

- Eu le m b ro d e s s a c o is a d e D C E de algum a passeata, de algum a coisa aí d a Praça do Ferreira

(cen tro d e F o rta le za). Que eu le m b ro q u e em 81.*. com eçaram , ah, exatam en­ te! A s passeatas por essa c o isa de m eia p assag em . Falava-se m uito de acabar com a m e ia p a s s a g e m . E a í eu com ecei a ver as passeatas. A onda toda passava pelo D CE ali da UFC. Então, foi através

das passeatas que eu cheguei ao DCE. A gora de lem brar do DCE, lem bro de todos com pa- n h e iro s d a q u e la é p o c a , o A rim á ( R o c h a . A d v o g a d o , r e p r e s e n ta n te n o C e a rá da A n is tia In te r n a c io n a l).

Saulo -

C o m o era o p e r fd d o j o v e m q u e a d e r i a à m i l i t â n c i a e s q u e r d i s t a n o in íc io d o s a n o s 8 0 ?

(7)

79, até com eçar a reconstru­

ç ã o d c n o s s a s e n tid a d e s estudantis. O m arco em Forta­ le z a e ra o c o n g r e s s o de reconstrução da U m es (U n i­ ã o M e tr o p o lita n a d o s E s tu ­ d a n te s S e c u n d a r is ta s ). Q ue não era essa babaquice que tá hoje aiYcom negócio de - eu nem sabia que tinha - carteira estudantil, dinheiro rolando.

N aquela época, 81, a gente com eçou fazendo a re c o n s­ trução da Umes, 82 a gente fez o congresso. Então qual era o p e rfil: g e n te m u ito jo v e m co m eçav a a se aglu tin ar. A área de influência de um ou o u tro e ra o r g a n iz a ç ã o de e s q u e rd a . N e s s a é p o c a predominava o quê? Primeiro, os partidos com unistas, PC do B, PC (P a r tid o C o m u ­ n is ta d o B r a s il e P a r tid o C o m u n i s t a , r e s p e c t i v a -m ente. O ú lti-m o j á extinto).

D aí vêm m inhas prim eiras an tip atias com essa gente, porque era aquela coisa que você via m ais...

Dalwton

- T eó rico?

R osélio-

Não, nem mais teórico, porque teórico exata­ m ente eram as correntes pelas quais passei a ter identidade, que eram os trotskistas (p a r­ tid á rio s d o T ro tskism o, d o u ­ tr in a p o l í t i c a c r ia d a p e l o r u s s o L e o n T r o ts k y , q u e p r e g a v a a revo lu ç ã o p e r m a ­

n e n t e e a s o l i d a r i e d a d e in te rn a c io n a l). M as pela essa c o is a q u e n a é p o c a , p o r exem plo, os partidos com u­ n istas falav am em a p o ia r o P M D B ( P a r ti d o d o M o v i ­ m e n to D e m o c r á tic o B r a s i­ le ir o , a n t i g o M D B, ú n ic o p a r tid o le g a l a lé m d a A re n a d u ra n te o regim e m ilita r).

M as m inha sim patia nutriu- se pelo PT, por correntes que estavam ligadas ao PT. D epois foi da m inha vida um marco, você se aderir a essas m ino­ rias. Eram m inorias, e n a hora das votações esse pessoal era r e a lm e n te e x e c ra d o . Eu

lem bro m uito bem de um cara q u e ta v a lá n a q u e la ép o c a , barbichinha rala. D izem que ainda hoje a barba dele tá do m esm o tam anho. Era o Plínio B ortolloti (P lín io B o r to lo tti, ex -d irig e n te d a C S). H oje ele é jo r n a lis ta d ’0 P o v o . N a ép o ca ele era eco n o m iário , trabalhava na C aixa E co n ó ­ m ica Federal.

Eu lem brei de um barato gozado agora, me desculpe o Arimá. Foi num a época dessas discussões muito acaloradas. E o A rim á e ra lig a d o a u m a c o rre n te c h a m a d a p re tista s

(.s e g u id o r e s d e L u is C a r lo s P r e s t e s, l í d e r c o m u n i s t a

“Eu com eço a organizar

a viagem . Tava

em balado que ia pra

guerra... N inguém

levava a sério. A cho

que não teve um

com panheiro que levou

a sério” .

b ra sileiro , fa le c id o em 1990)

só pra você ter um a idéia do que era o perfil dessa coisa. A gente tava num a discussão lá tão louca e rolou o papo de m asturbação no meio. A gente tava julgando o que era contra- revolucionário e o que não era co n tra -rev o lu cio n ário , essas coisas assim , esses em bates. E o A rim á falou que m astu­ rb a ç ã o d e m a is e ra c o n tra - revolucionário. A í teve um a p ro v o c a ç ã o a s s im : “ E a í A rim a r, e n tã o q u a n ta s punhetas você pode bater por dia que é perm itido?” (riso s)

A í baixou o nível...

Dalwton

- C om o re c e b i­ m e n to d a h e ra n ç a , o p a d r ã o d e v i d a d a s u a f a m í l i a m u d o u , e v o c ê c u m p r iu a q u e la tr a je tó r ia típ ic a d o g a r o to d e c la s s e m é d ia d o in te rio r q u e veio e s tu d a r na

c a p ita l. Q u a l era o p r o je to d o s se u s p a is p a r a v o c ê ?

R osélio

- E u le m b ro o seguinte, im agina! Q uando a g e n te sa iu de J a g u a rib e , a fom e. P ode p arec er p oético p a ra e sq u e rd ista fa la r isso: “ P a s s e i f o m e ” . D e p o is , a minha família melhorou porque m inha m ãe recebeu a herança,

(q u e ) era a pensão da D ona Lirinha (A p e lid o d e su a m ãe, M a r ia E u l í r i a C o s ta d e O liv eira ). Era o H otel Padre C ícero (n o m e da p e n sã o ). A

minha avó morreu e minha mãe tom ou d e conta. T rab a lh o u d u ro . E o m eu p ai fa z ia o jo g u in h o dele lá com o cam ­

bista.

O p a d rã o de v id a foi m elhorando, estudando no Cearense. Qual era a idéia que na ép o ca tinha: você estudar para fazer concurso do B a n c o d o B ra sil, a d v o g a d o , e n g e n h e iro e M edicina, que cra a grande o n d a . D u ra n te um b o m tempo minha onda foi M edi­ cina. A í venho pra cá, e a m ilitân cia me fez m udar. Porque depois eu fui a Facul­ d a d e de M e d ic in a e vi um negão boiando no formol. Eu bali já a maior sujeira: “Ih rapaz, não tava muito a fim disso aqui não” .

Carol

- E n tã o v o c ê ve io p a ra cá, em 81, p en sa n d o em f a z e r v e s t i b u l a r p a r a

M e d ic in a ?

Rosélio

- É, 80 e 81. Foi um a decepção pra m inha mãe quando eu passei em História. C om a H istória já teve um a in flu ê n c ia que com eço u no D C E, na m ilitância. D epois, tinha m uito a ver com as suas organizações, que te em pur­ ravam porque e las estav am p re c is a n d o de g e n te . U m a época, a gente dirigiu o único C entro A cadêm ico (e n tid a d e re p re se n ta tiv a d e e stu d a n te s d e u m c u r s o u n iv e r s itá r io )

tro tsk ista do B rasil, em 82. Trotskista nunca ganhava nada

R o s é l i o é c e r c a d o d e c o i n c i d ê n c i a s . A o r e c e b e r o t e l e ­ f o n e p a r a c o n t a t o d a e q u i p e d e p r o d u ç ã o { 2 5 8 -9 5 8 -9 ) , e l e d i s s e : " ' 8 9 ' , e s t e n ú -m e r o m e p e r s e ­ g u e " .

(8)

R a m w . E iãiziii tn.

Em s u a e n t r e v i s t a , e m j u n h o d o a n o p a s s a d o , B e l m i n o a f i r m a q u e a ú n i c a c o i s a a i n d a n ã o f e i t a e m s u a v i d a e r a u m s e q t i e s t r o . R o s é l i o c o m e n t o u , r i n d o .

D u r a n t e a e n t r e ­ v i s t a , n a c o b e r ­ t u r a d o F o r t a l e z a P r a i a H o t e l , n o C a ç a e P e s c a , R o s é l i o o b s e r v a v a a t e n t a m e n t e o q u e o c o r r i a n a a r e i a , n o c é u e n o m a r .

e quando ganhou foi logo no C eará. E qu em era a p re si­ dente do C entro A cadêm ico: a B e a triz F u rta d o ( B e a tr iz F u r ta d o, j o r n a l i s t a e p r o ­ fe s s o r a u n iv e rsitá ria . S

ecre-tá ria de cu ltu ra d a p re fe itu ra d e F o r t a l e z a, n a g e s tã o M a r ia L u íz a F o n te n e lle, de 1 9 8 5 a 1988). A Bia, nunca m ais a vi, m as tenho um cari­ nho danado pela Bia. A Beatriz F urtado era com panheira do Plínio.

Paola

- M a s v o c ê te v e p a r tic ip a ç ã o n is s o ?

R osélio

- N ã o . N e s sa época, eu já com ecei a ser um m ilitante centralizado, ou seja, o que teu partido decidir você tem que fazer. Bom, foi triste quando eu passei em História. Fui décim o terceiro lugar em quarenta.

D a lw to n - E a d e c e p ç ã o d a su a m ã e ?

Rosélio

- A m inha mãe, foi triste, né? Porque a m inha m ã e ... E u m e e s c o n d i. Prim eiro porque eu não tive coragem de ir pro Juazeiro. Pelaram a m inha cabeça e eu digo: “E ag o ra?” . E outra: passaram uns dias e eu ligo p ra c a s a . E a m in h a m ãe com eçou a chorar no telefone: “ M as m eu filho...” E a D ona Zenilda, lá vizinha, que jogava p im e n ta , e s p a lh o u p ra s vizinhas. A m ãe do Expedito já saltou: “Q ue nada, aquele m arginalzinho não passou pra m edicina, não” . Espalhou lá o jornal, rapaz a foi lá, pobre, olhou assim (d e m o n s tr a n d o d e c e p ç ã o )... Q uando eu falei com ela por telefone. Eu liguei, tava precisando de dinheiro, liguei pra pedir. A í m inha mãe: “M eu filho, você deu mais uma punhalada na sua m ãe, você me traiu. Q ue negócio é esse de história que tá aqui no jornal. Você não vai ser m édico” . Eu: “ N ão, m ãe, é p o rq u e e ssa s c o is a s m o d e r n a s ...” . A í enrolei.

Bia

- A i n f l u ê n c i a d o

P lín io e d a B ia f o i fo r te ?

Rosélio

- M uito. O Plínio foi o m eu prim eiro dirigente, cara! A B eatriz tam bém tem u m a c o is a q u e m e m a rc a m uito, porque quando, eu fui to r tu r a d o e m S ã o P a u lo , falaram o nom e dela. Pergun­ tavam se eu conhecia B eatriz Furtado, se eu conhecia Plínio B o rto lo tti, se eu c o n h e c ia M aria Luíza (F o n te n e lle y ex-p r e fe i ta d e F o r ta le z a ex-p e l o P T ), Padre H aroldo (C a n d i­ d a to a g o v e r n a d o r p e lo P T n a s e l e i ç õ e s d e 1 9 8 6 ) ,

P e rc iv a l P a lm e ira (e x - d ir i-g e n t e d a C o n v e r g ê n c ia S o cia lista . A tu a lm e n te é p ro

-“E ssa porcaria de

68859. A inda vou

assinar algum papel e

jo g o lá: R aim undo

R osélio C osta Freire,

68859. C om o um

fe s s o r d e H istó ria )... Eu falei: “Conheço, conheço, conheço!” Eu já estava danado da vida, puto. Falei: “C onheço!” A í os caras: “Ah, então você...” Eu d ig o :“C o n h eço !” . “D a onde co n h ec e?” “D os jo rn a is, de um a ‘rum a’ de jornais.”

Carol

- R o s é lio, e m 8 3 vo cê se filio u a o PT.

Rosélio

- N um ero 1937. E sta d o N o v o (p a r a m e lh o r le m b r a r d e d a ta s e n ú m e ro,

R o s é l i o o s a s s o c i a c o m o u tro s e le m e n to s, c o m o p o r e x e m p l o, a c o n t e c i m e n t o s m a rc a n te s), (riso s)

Carol

- E m 1 9 8 5, v o c ê fa la p a ra se u s c o m p a n h eiro s d e p a r t i d o q u e q u e r s e d e sfilia r. P o r q u e u m a vid a tã o c u r ta n a m ilitâ n c ia n a C o n v e r g ê n c ia S o c ia lis ta ?

R osélio

- N a C o n v e

r-cam po de concentração.

Ficou im pregnado” .

gência eu fiquei m ilitando até 87. N a época, era assim ... Os trotskistas estavam dentro do P T , p o rq u e o P T e s ta v a legalizado e a nossa org an i­ z a ç ã o e ra c la n d e stin a . P ri­ m eiro você entrava na A JS, A licerce da Juventude Socia­ lis ta . E ra n o m o v im e n to estudantil. D epois, você era c o ta d o p a ra a C S , C o n v e r­ gência Socialista. Já era outra onda. Você era centralizado dem ocraticam ente. E por que a exigência de você tá filiado ao P T ? P o rq u e , n a é p o c a , você tin h a que ser n ece ssa­ riam ente filiado ao PT, para a n d a r d iz e n d o q u e e ra d a C o n v e rg ê n c ia . B om , era um a necessidade legal.

O que m arca em 85 é a candidatura da M aria Luíza Fontenelle. Por quê? E qual é que era o m arco? Vem o PT, e vem o grupo da M aria L u íz a n a é p o c a q u e d iz assim : “N ós vam os entrar no P T ” . A quilo ali pra mim foi o maior... E ra a m aior repulsa braba. P or que nós é ra m o s d a n a d o s d a v id a co m o p e sso a l d a M a ria Luíza, que nós caracterizá- v a m o s c o m o c e n tr is ta s . Q uando a gente se encontra, ri m u ito d a q u e le tem p o . A g e n te c a r a c te r iz a v a c o m o c e n tr is ta q u e m n ã o e ra tr o ts k is ta n e m s ta lin is ta . Enquanto pra gente, (qu a nd o c h a m a d o s d e ) tr o ts k is ta , fica v a tudo orgulhoso, tudo pavão. M as se você cham ava o cara de stalinista era um pau d a n a d o , e ra u m a b rig a. Se cham asse de centrista era pior. E aí o pessoal entra no PT. A gente diz: “ Vamos rechaçar esse pessoal do PT porque a M aria Luíza é do PM DB. Eles só vêm aqui para ocupar o PT e scr e le ito ” . Q u a n d o e le s ganham a prefeitura, em bora... Eu votei, participei...

Raquel

- Você a p o io u a c a n d id a tu r a ?

(9)

época, gente, qual era a m inha

coisa ( id é io ) l Eu já pensava em s a ir p a ra a N ic a rá g u a . Sem pre falando da N icarágua e ninguém levando a sério.

C id icley

- E m p r é -e n t r -e v i s t a, v o c ê f a l o u q u e e s ta v a c a n s a d o da su a vid a d e b u rg u ê s a q u i. E sse f o i o p r i n c i p a l m o tiv o d e i r à N ic a r á g u a ?

Rosélio

- N esse rolo aí, u m a c o isa q u e m arco u é a m udança, gente. Ter saído lá de Juazeiro, ter vindo pra cá, sido bancado pelos pais. Eu fui m o ra r n a ru a G o v e rn a d o r Sam paio, bem no Centro. Não era um a beleza de rua porque à n o ite a q u e la s lu zes d os cabarés, aquele lixo... M as, m eu pai b an cav a, já tin h a u m a s itu a ç ã o f in a n c e ir a m e lh o r. A n te s , tin h a o problem a da m inha casa (em Ju a zeiro ). Era um sítio legal, tinha piscina. Imagine, seu pai já tin h a d o is carro s, você m enor de idade. C laro, era infantilidade nossa, mas você a c h a v a q u e v o c ê e ra burguês.

É tanto que, quando eu vim pra cá e com ecei a m ilitância, eu n u n c a f a le i n e m le v e i ninguém pra Juazeiro, porque eu tinha vergonha da piscina, e do sítio (S ítio B a rro B ra n c o,

d is ta n te 6 k m d e J u a z e ir o . A tu a lm e n te, a m ã e d e R o s é ­ l i o, D . E u r í l i a, m o r a n o s íti o ) . M as isso re p e rc u tia p ara o m ilitante, porque nos anos 80 pequena burguesia era pejorativo. E ntão, im agina eu que e s tu d a v a no C e a re n se . Ficava m eio sem jeito porque uns vinham de escola pública... Isso influiu m uito. É tanto que eu só fui... Foi gozado essa c o is a n a m in h a c a b e ç a . Q uando, já em m eados dos anos 80, eu levei um dirigente lá na m inha casa, e o cara a prim eira coisa que falou - eu lem bro desse sujeito, Persival Palm eira ele olhou assim : “R apaz, aqui tem um a piscina,

rapaz!” Fez um gesto que eu m e assustei. A í aquilo ali - juntando tudo, você vem pra cá, estuda no colégio Cearense, mora no centro, é mantido pela fam ília de pequena burguesia, aquelas coisas m arcavam .

C arol

- M a s e m 1 9 8 5 a c o n te c e u u m in c id e n te co m o se u p a i. E le vem p r a c á e d e sc o b re q u e v o c ê tá filia d o a o P T y à C o n v e r g ê n c ia S o c ia lis ta , n a CS, e re so lv e e n tã o ...

Rosélio

- Cortar. Ele falou assim: “Olha, você agora quer fazer isso, mas tudo bem . Você faça, mas vai ter que se bancar por conta própria”. Ele chegou

“N a guerra, o toque tá

associado à tortura e à

dor, então ninguém

deixa o outro tocar em

si, que você já reage

abruptam ente. É um

lance m uito doido” .

e eu tava participando de um CO N EB - Conselho N acional d e E n tid a d e s de B ase - na Bahia, em Vitória da Conquista. Viajava muito naquelas épocas, para congressos.

Q uando eu volto e vou pra casa... Triste, né? Porque eu levei u m a n am o ra d a. “ Vou fazer um a festa hoje” . Que era um a garota que depois ficamos vário s anos v iv en d o ju n to s. Verinha, Vera L úcia M acedo de Sousa. Era um a enferm eira q u e n u n c a m a is a vi. N os separam os quando eu fui pra N icarágua. Q uando chegam os nessa casa, na vila, eu vi todo m undo olhando assim pra m im e f iq u e i m e io a s s u s ta d o . Q uando eu abri a porta da casa não havia nada porque o meu pai se espantou, e le chegou com a m inha mãe... M inha mãe é que jogava lenha na fogueira. A í encontraram pilhas e pilhas

de jo r n a is c la n d e s tin o s da C o n v e r g ê n c ia S o c ia lis ta , e n c o n tra m um m im eó g rafo alem ão. E ncontraram tam bém vários extratos de recibo, de depósito do U nibanco, porque na época eu era dirigente, era responsável pelas finanças da C o n v e rg ê n c ia . A í e le se assustou. Então o que foi que ele fez, devolveu a casa, tirou todas as coisas, deixou aí só o m im eógrafo e os jornais para sab er que tin h a chegado. A p a r tir d a í eu f iq u e i c o m v e rg o n h a , eu m o rri de vergonha de ligar para ele. Os vizinhos falaram : “E le falou que tão lá na casa de sua tia no Z é W a lte r, p ra v o cê e n tra r em c o n ta to ” . N a q u e la n o ite eu já , c a b isb a ix o , fu i p ro c u ra r onde dorm ir. E u passei a d orm ir no C entro A cad ê­ mico, passei a dorm ir ali nas C iências Sociais na UFC.

D alw ton

- C o m o f o i esse p e r ío d o d e tr a n siç ã o a t é v o c ê s e a j u s t a r d e n o v o ?

R osélio

- H o rrív e l cara! H o rrível! H oje ta lv ez você falasse assim que nem faria um barato daquele. M as é rom ântico.

C arol

- V o c ê p a s s o u q u a n to te m p o n e s s a s itu a ç ã o ?

Rosélio

- E u fiq u e i até p r a tic a m e n te m a io d e 85, quando eu com ecei a trabalhar no hotel (M a g n a P ra ia H otel, e m F o r ta le z a, o n d e tr a b a ­ lh o u e n t r e 1 9 8 5 e 1 9 8 7 ) .

A ntes eu passei num concurso de bo lsista da U ece. Rapaz, por falar nisso, essa sem ana eu passei a m aio r surpresa. Eu com ecei a trabalhar na Uece, s e g u n d a - f e ira ( d ia 1 0 d e a b r il).

Eu foi trabalhar na biblioteca, q u er dizer, no lu g ar que eu trabalhava há quinze anos atrás. E quando eu entrei, todo mundo veio me cumprimentar: “Você tá de volta” . Eu olhava assustado.

Um b a r c o a n c o r a d o , u m u r u b u e m v ô o , u m c o o p i s t a . T u d o d e s p e r t a v a a a t e n ç ã o . " S ã o r e f l e x o s d o e s t a d o d e v i g i 1 â n c i a c o n s t a n t e e x i g i d o p e l a g u e r r i l h a " .

(10)

R o sá lia . E iã r n is ta

R o s é l i o c h e g a a o l o c a l d a e n t r e ­ v i s t a d e c a l ç a j e a n s e b l u s a a z u l . D e t a l h e : d o i s b r o c h e s . 0 m e n o r t r a z i a a s i g l a d o M S T . O m a i o r , C h e G u e v a -r a .

0 e n t r e v i s t a d o e s t a v a a n s i o s o , a n t e c i p a n d o - s e m u i t a s v e z e s à s p e r g u n t a s d o s e n t r e v i s t a d o r e s . P r e o c u p o u - s e e m c o n t a r d e t a l h e s n u n c a a n t e s r e v e ­ l a d o s .

A s m e sm a s p e s s o a s q u e trabalhavam naquele tem po. Essa bolsa na Uece durou dez m eses. Você g a n h a v a m eio salário mínimo. A í eu aluguei u m a q u itin e te em fre n te ao Sindicato dos Bancários, aquela sede antiga. Uma quitinctezinha lá, um a espelunca, você pagava meio salário.

P a o la - Q u a l e r a o se u tip o d e le itu ra n e ssa é p o c a,

o q u e v o c ê lia ?

R osélio

- B a sic a m e n te , e ra m a s in f o r m a ç õ e s d a s revistas e a leitura partidária. E ram livros relacionados ao tro tsk ism o . V ocê tin h a que s a b e r n a q u e la é p o c a e ra m anifesto com unista... Ah, e antes disso, foi a literatura cubana, era o C he (E n te sto C h e G u e v a r a y m é d ic o a r g e n t i n o, p a r t i c i p o u d a v i t o r i o s a R e v o l u ç ã o C u ba na em 1 959 ), Fernando G a b e ira ( e x - in te g r a n te d a o rg a n iz a ç ã o p o lític a M R 8. H o je d e p u ta d o fe d e ra l p e lo P a r tid o V e rd e ). F ern a n d o G abeira que - nossa mãe! - era meu guru maior. Fez um sequestro que blá blá blá, blá blá blá... Pena que quando ele foi me visitar no Carandiru, foi escondido. “Pô, G abeira! Li todos os seus livros” . E ele: “Não, porque, sabe? M udou os te m p o s ...” . G o z a ç ã o , n é ? A lfre d o S irk is ( e x - g u e r r i-Ih e ir o. A u t o r d o liv r o “O s C a r b o n á r io s ”. C a n d id a to à p r e s i d ê n c i a p e l o P V e m 19 98). C om eçava a fala r da revolução perm anente, que era a tese do Trotsky, o program a d e tr a n s iç ã o , q u e e ra a prim eira coisa que você tinha que ler.

D epois tin h a p articipado d e s s a s c o is a s d e b a s e . O congresso d a U m es, em 1982, foi a solidificação d a m inha militância.

M as, no psicológico, vem seu pai que rom pe com você e diz: “Você agora vai viver por conta própria”. E m m aio de 85

com eço a trabalhar no M agna P raia H otel.... A í é um rolo, cara. Foi onde com eçou um b a ra to q u e m a rc o u m u ito , p o rq u e v o c ê tá to ta lm e n te

lú m p e m (te r m o e x tr a íd o de M a r x e q u e s e r e fe r e a o s s e to r e s s o c ia is m a is p a u p e -r iz a d o s e e x c lu íd o s d o p -r o ­ c e s s o p r o d u t i v o ), la sc a d o , fazendo a revolução no blá blá blá, m as ainda lú m p em . Não tinha o que com er, me alim en­ ta v a m al, e ra a q u e la c o isa s e m p re m u ito ro m â n tic a . Entrava lá nos R om cy (a n tig a r e d e d e s u p e r m e r c a d o s , líd e r d e ven d a s em F o rta leza a té m e a d o s d o s a n o s 8 0 ) ,

“N ão tinha coragem de

/

vo ltar (...)E o que

cham am de o cheiro da

pólvora. E eu sinto

ainda o cheiro da

pólvora aqui em m im . E

horrível, m as ainda

sinto”.

tascava o dedo nos iogurtes, furava e “s lu u rrp ”, tom ava. P e g a v a o v o d e c o d o r n a e enchia os bolsos. D escia por trás dos ônibus. Vivia assim. A m ilitância era desse jeito.

Aí, quando arranjo emprego no hotel é de la sca r porque trabalhava que nem burro de carg a . G a n h av a p arec e que dois salários mínimos ou era um s a lá rio m ín im o , m a is u m a porcentagem . M as o dinheiro que dava bem eram as caixi­ nhas (g o r je ta s ). Eu passo a ganhar m ais dinheiro, passo a sair daquela situação... M as aí vem um a coisa. Eu trabalhava ainda na U ece, na Bolsa, tinha que sair do hotel à noite e ir pro Itaperi (b a irro d e F o rta ­ le z a , o n d e s e l o c a l i z a o p r in c ip a l c a m p u s d a U e c e )

cum prir quatro horas da bolsa - os últim os dois m eses da

bolsa. D epois ia pro quitinete dormir.

A í c h eg a v am os c o m p a­ nheiros: “N ão, com panheiro, tem que fazer a revolução, não pode dorm ir!” . Só quem tava trabalhando era o banana aqui. Os outros com panheiros eram tudo dentro da universidade. Eu tinha que fazer piquete nas fábricas, naquelas fábricas de c a s ta n h a . O s p o b re s d o s o p e rá rio s a li c o m a q u e la s m arm itinhas frias com endo e a gente em purrando discurso.

M as a q u ilo ali d eu um choque com a carga horária do h o te l. E u tra b a lh a v a d o z e horas por dia, e aí vinha aquela com plicação. Veio a coisa da cam panha, eu não pude participar bem da cam panha da M aria Luíza. Veio aquela f r u s tr a ç ã o d e v o c ê v e r aquela efervescência e não participar. A í vieram aque­ las c o b ra n ç a s , eu fa le i: “ P o rra c a ra , n ã o d á , eu trabalho, eu sou o único que tô proletarizado, não tô na fáb ric a, m as tô p ro le ta ri­ zado. P agava a cotização, que a gente tinha que dar u m a c o tiz a ç ã o p ro p artid o . Cumpria, fazia um a série de ta­ refas... Veio um a crise que eu disse: “N ão cara, é o seguinte, então vou sair fora” .

Cidicley

- Q u a n d o v o c ê c h e g o u na A m é ric a C e n tra l,

o s id e a is sa lv a d o re n h o s c o r ­ re sp o n d ia m à s u a d e m a n d a te ó r ic a ?

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