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A quem pertence o som? Fl´avio Luiz Schiavoni

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Academic year: 2022

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A quem pertence o som?

Fl´avio Luiz Schiavoni1

1Instituto de Matem´atica e Estat´ıstica– Universidade de S˜ao Paulo

Rua do Mat˜ao, 1010 - Cidade Universit´aria - S˜ao Paulo - SP - Brasil - CEP 05508-090

fls@ime.usp.br

Resumo. As provocac¸˜oes sobre termos utilizados para definir a nova m´usica criada na disciplina ”Sound Based Music”ministrada por Leigh Landy na Es- cola de Comunicac¸˜ao e Artes da USP levaram a discuss˜ao para dentro do grupo de computac¸˜ao musical do Instituto de Matem´atica e Estat´ısticas. M´usica con- creta, m´usica acusm´atica, musica eletroac´ustica, m´usica contemporˆanea, com- puter music ou m´usica baseada em sons s˜ao alguns dos termos apresentados e utilizados para definir a m´usica que foi apresentada pela disciplina. Na busca pela melhor maneira de entender a m´usica baseada em sons, termo cunhado pelo professor e compositorLeigh Landy que ministrou a disciplina, o presente artigo se disp˜oe a procurar a interdisciplinaridade que o som pode ter dentro da comunidade universit´aria da Universidade de S˜ao Paulo.

1. Introduc¸˜ao

A discuss˜ao sobre o melhor termo para definir a m´usica eletroac´ustica motivado pela disciplina ”Sound Based Music”levou a uma discuss˜ao sobre o som e seus dom´ınios, representac¸˜oes e ´areas de interesse. A quem pertence o som ´e a pergunta feita por este artigo por´em n˜ao pretendemos respondˆe-la mas apresentar as ´areas aonde o som pode possuir dom´ınio, representac¸˜ao e importˆancia. Certo de que v´arios autores j´a abordaram este assunto e que o mesmo foi extensamente discutido em literatura espec´ıfica, discuti- remos aqui um tanto superficialmente e apenas no contexto institucional da Universidade de S˜ao Paulo para ilustrar a discuss˜ao. Para isto, o presente artigo prop˜oe um passeio pelo campus da USP - Cidade Universit´aria, procurando entre as unidades quais se interessam por este assunto e qual ´e o seu interesse. N˜ao ´e intenc¸˜ao deste artigo que todas as ´areas do conhecimento humano que possuem ligac¸˜ao com o som sejam detalhadas ou mesmo apresentadas. A intenc¸˜ao aqui ´e levar o som al´em do dom´ınio da m´usica, forma pela qual ele foi apresentado na disciplina, para outros dom´ınios.

Nossas considerac¸˜oes comec¸am visitando oInstituto de F´ısica. O som pertence ao dom´ınio da f´ısica, mais precisamente `a ac´ustica. No dom´ınio ac´ustico temos o som como uma energia mecˆanica, vibrac¸˜oes, oscilac¸˜oes que ocorrem no ambiente. ´E neste dom´ınio que tomamos conhecimento que o som n˜ao se propaga no v´acuo, que ele possui uma velocidade que depende da densidade do meio de propagac¸˜ao, que o mesmo pode ser medido, analisado, manipulado. Quando tratamos o som fisicamente h´a v´arios tipos de manipulac¸˜oes que podemos fazer no mesmo. Difusores, refratores, abafadores, resso- nadores de Helmholtz e armadilhas de graves s˜ao exemplos de ferramentas que permitem tratarmos, adequarmos e alterarmos o som acusticamente. O som f´ısico, em princ´ıpio po- deria ser limitado aos sons da natureza, aos sons do mundo. Tamb´em tratando a ac´ustica temos os instrumentos musicais ac´usticos mas isto ser´a visto mais para a frente em outro instituto.

A ac´ustica nos leva a atravessar a rua e entrar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. A quest˜ao humana, tanto arquitetˆonica quanto urban´ıstica, que foi discu-

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tida amplamente por m´usicos / cientistas como Barry Truax ou Murray Schaffer nos per- mite entrar neste pr´edio para discutirmos como o homem se relaciona com os ambientes ac´usticos. Aqui os ressonadores e armadilhas de graves da f´ısica tomam um prop´osito de auxiliarem no conforto ac´ustico de ambientes. ´E a utilizac¸˜ao da f´ısica em prol dos homens. A quem interessa mais a forma de um audit´orio grego, a um f´ısico ou a um ar- quiteto? Provavelmente aos dois. Por´em ´e ao segundo que cabe planejar novos audit´orios que permitam, como na gr´ecia antiga, que o homem se comunique.

Quando colocamos um microfone em frente do som, passamos para o dom´ınio do ´audio. O microfone ´e um transdutor capaz de transformar a energia mecˆanica das vibrac¸˜oes ac´usticas em energia el´etrica. Neste ponto convido o leitoa atravessar a rua para continuarmos a discuss˜ao dentro daEscola Polit´ecnica, mais precisamente na En- genharia el´etrica. O sistema b´asico do ´audio ´e um microfone, pr´e-amplificador, ampli- ficador e caixa de som. Tudo isto tratando o sinal el´etrico. O caminho do ´audio inicia na ac´ustica e encerra na ac´ustica, do microfone para a caixa de som, mas h´a voltas neste caminho. Neste caminho podemos usar v´arias t´ecnicas para manipular ou tratar este som.

Filtros, efeitos, distorc¸˜oes e uma gama enorme de tratamento podem ser feita no sinal neste dom´ınio. Como ´audio surge a possibilidade de armazenarmos o som para usar- mos posteriormente. (A gravac¸˜ao eletromagn´etica ainda nos mant´em neste pr´edio. Para a gravac¸˜ao em discos de vinil talvez ter´ıamos que continuar nossa viagem pelo campus.) Boa parte do tratamento que a ac´ustica faz pode ser feito no dom´ınio do ´audio e acredito que este dom´ınio permite muito mais alterac¸˜oes que a pr´opria ac´ustica. Ou pelo menos, alterac¸˜oes que ocupam menos espac¸o. O dom´ınio el´etrico permite criarmos sons que n˜ao existem na natureza. Isto pode ser feito por osciladores el´etricos que permitem criarmos e controlarmos novos sons. Estes sons el´etricos comec¸aram a ser utilizados pela m´usica na d´ecada de 70 como ´e o caso dos sintetizadores Moog.

Ao colocarmos um conversor Anal´ogico digital / Digital anal´ogico no sistema de

´audio, temos novamente que atravessar a rua e desta vez chegamos aoInstituto de Ma- tem´atica e Estat´ıstica. Aqui encontra-se quem trata o som / ´audio de forma digital e comec¸amos a falar de computac¸˜ao. Computac¸˜ao musical. A computac¸˜ao musical inicia basicamente pelo ´audio e se encerra basicamente no ´audio. O ´audio ´e a maneira mais simples de pensarmos na convers˜ao do som em sinais digitais e ´e pensando no ´audio que propomos manipulac¸˜oes digitais no som. H´a v´arias maneiras de implementar algoritmi- camente os tratamentos antes feito na ac´ustica ou no ´audio. Talvez mais possibilidades de alterac¸˜oes. Possivelmente alterac¸˜oes que ocupam menos espac¸o. A computac¸˜ao uti- liza a matem´atica como ferramental para manipulac¸˜ao do som e facilmente encontramos f´ormulas como a transformada de Fourier, Transformada do Cosseno ou transformada de ondaletas neste ferramental. Na computac¸˜ao o som deixa de ser pensado como algo cont´ınuo e passa a ser tratado como algo discreto, amostrado em determinada taxa, di- mensionado em uma quantidade de bits, enjanelado em determinados grupos de amos- tras. A computac¸˜ao ainda prop˜oe outras formas de armazenamento do som envolvendo algoritmos de compactac¸˜ao ou outras maneiras de representar o som. Dentro do compu- tador podemos subverter o caminho do ´audio e criar sons que n˜ao existem na natureza.

Assim como o ´audio prop˜oe osciladores para s´ıntese o computador pode criar oscilado- res ou trabalhar com frac¸˜oes do som em s´ınteses granulares, por exemplo. Creio que a computac¸˜ao e a representac¸˜ao digital do som leva a capacidade da m´usica para muito al´em dos dom´ınios anteriores.

Saindo do IME levamos o som para aFaculdade de Filosofia, Letras e Ciˆencias Humanas. Nas ciˆencias humanas o som toma outro significado e desta vez n˜ao se trata de convers˜ao, manipulac¸˜ao, alterac¸˜ao ou transduc¸˜ao. Para as ciencias humanas o som transformar-se em um sinal. Um sinal pode ter um signo e um s´ımbolo. O som passa a ser

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organizado e visto n˜ao pelo tipo de ciˆencia que ele utiliza para ser transmitido mas pelo seu significado. A organizac¸˜ao destes sons nos leva a comunicac¸˜ao. N˜ao importa como o som ´e representado mas sim o que ele representa. A organizac¸˜ao do som de maneira a permitir a comunicac¸˜ao vai al´em das fronteiras da fala humana e dialoga com um discurso semi´otico aonde os s´ımbolos possuem significado pr´oprio e permitem uma leitura direta em func¸˜ao dos sentimentos que os mesmos despertam. Uma destas formas de organizar o som nos leva a atravessarmos a rua novamente.

Chegamos a Escola de Comunicac¸˜oes e Arte, departamento de m´usica. For- mas precisas de organizar os sons. Ac´ustica sendo utilizada para construir instrumentos.

Preocupac¸˜oes com a impedˆancia ac´ustica ou com a vibrac¸˜ao de cordas. Chamemos Anton Walter Smetak para discutir a criac¸˜ao de instrumentos e utilizar a f´ısica e a ac´ustica como ferramentas de lutheria. Chamemos os compositores para que os mesmos sejam usados em pec¸as musicais. Vemos Pierre Schaeffer usando gravadores para compor. Manei- ras tradicionais de m´usica, m´usica moderna, n˜ao-m´usica. Usam instrumentos para fazer m´usica. Usam ´audio, usam ac´ustica, usam computadores. A organizac¸˜ao do som, que na FFLCH tinha preocupac¸˜oes pr´aticas de comunicac¸˜ao, agora possui outras preocupac¸˜oes.

S˜ao preocupac¸˜oes est´eticas que auxiliam o compositor n˜ao mais a expressar algo exato mas a criar conceitos subjetivos, expressar sentimentos. E ´e neste pr´edio onde assitimos aulas sobre a m´usica baseada em sons.

2. Conclus˜ao

A m´usica baseada em sons n˜ao se disp˜oe a se apropriar do som e o que escrevemos aqui n˜ao ´e uma cr´ıtica ao termo ou ao objeto musical. A discuss˜ao aqui proposta pretendeu am- pliar a discuss˜ao sobre os sons e trazer este panorama inter-intra-multi-disciplinar sobre o som e sobre o que fizemos nesta disciplina. O que fizemos provavelmente ´e m´usica, mas tamb´em ´e um pouco f´ısica, computac¸˜ao, um pouco de arquitetura e engenharia, talvez um pouco de direito e de biologia tamb´em, um pouco de psicologia, sociologia e pol´ıtica. Em quais outros pr´edios desta instituic¸˜ao de ensino esta discuss˜ao poderia ser levada?

Provavelmente usamos sons que pertencem a mecˆanica, a engenharia de tr´afego, aos avi˜oes e as empresas de comunicac¸˜ao. Sons que foram criados sem ter a intenc¸˜ao de serem sons, repletos de significados que nossa vida e sociedade criaram. Sons que n˜ao queriam ter significadose que nos leva a pergunta: o que ´e significado? Dentro de um contexto social faz sentido dizer que determinados sons ou combinac¸˜oes de sons est˜ao associados a caracter´ısticas afetivas, objetos, etc.. Mas, mesmo nesse caso, faltaria dizer algo muito importante: de onde surge o significado? O passeio pela USP n˜ao responde esta pergunta mas deixa claro que esta resposta pode ser encontrada em v´arios lugares e que precisamos atravessar a rua e sair de nosso estado inerte para entendermos a comple- xidade que estas simples perguntas podem desvelar.

3. Agradecimento

A discuss˜ao dos 3 dom´ınios da m´usica: Ac´ustica, el´etrica e digital nasceu de uma dis- cuss˜ao com o colega Giuliano Obici, doutorando em m´usica. A discuss˜ao som - sinal - signo - s´ımbolo veio do livro ”A afinac¸˜ao do mundo”de MURRAY SCHAFFER. Outras considerac¸˜oes surgiram da discuss˜ao deste assunto com o grupo de computac¸˜ao musical do IME e com o professor Dr. Marcelo Gomes de Queiroz. Esta pesquisa ´e realizada com o apoio do CNPq (proc. no 141730/2010-2) e da FAPESP - Fundac¸˜ao de Amparo `a Pesquisa do Estado de S˜ao Paulo (proc. no2008/08632-8).

Referências

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